Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
19498/18.4T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: JOÃO CURA MARIANO
Descritores: CESSÃO DE EXPLORAÇÃO
RENOVAÇÃO AUTOMATICA
OMISSÃO
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
NORMA SUPLETIVA
SUCESSÃO DE LEIS NO TEMPO
Data do Acordão: 03/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. As normas legais supletivas que regem os contratos, estabelecendo regimes sobre conteúdos que os outorgantes omitiram, são aquelas que estavam em vigor ao tempo da celebração do contrato, pois são elas que as partes terão previsto que vigorariam face a uma omissão convencional.

II. Num contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial celebrado quando vigorava o disposto no artigo 1110.º do Código Civil, na redação conferida pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, a previsão de que o contrato teria uma duração de cinco anos, sem qualquer menção à possibilidade da sua renovação, deve ser interpretada, no sentido ficcionado que uns outorgantes normais, colocados na posição dos outorgantes reais, lhe dariam, que o tempo de vigência do contrato era apenas de cinco anos, sem possibilidade renovação, não existindo qualquer incompletude que justificasse o recurso a uma disposição legal supletiva.

Decisão Texto Integral:

I – Relatório

A Autora propôs ação declarativa, com processo comum, contra a Ré, pedindo que se declare validamente cessado o contrato de subcessão de exploração e, consequentemente, se condene a Ré ao encerramento da sua atividade na zona de restauração e a entrega do espaço à Autora, desocupado de pessoas e bens, e ao pagamento da quantia de 8.672,06 €, acrescida de juros de mora desde a citação e ainda dos montantes que se vierem a apurar e que sejam imputáveis à Ré, fruto da sua conduta ilícita de não entrega atempada do espaço e de não entrega de todos os bens.

Como fundamento da dedução destes pedidos, alegou o seguinte:

- Por contrato que denominaram de subcessão de exploração a Autora deu à Ré a exploração das instalações e serviços da zona de restauração do posto de abastecimento de combustíveis e lubrificantes e suas instalações conexas no eixo norte/sul, sentido sul /norte;

- O contrato tinha a duração de 5 anos, cessando em 31.12.2017;

- Nos termos da cláusula 22.ª, extinguindo-se o contrato, a Ré teria 30 dias para desocupar a zona de restauração, entregando-as à Autora, devendo, um ano antes do termo, efetuar uma relação das reparações necessárias e dos móveis e equipamentos avariados ou em falta, procedendo à sua reparação ou reposição;

- Durante o ano de 2017 a Autora interpelou várias vezes a Ré para dar cumprimento ao disposto na referida cláusula 22.ª o que nunca aconteceu, por a Ré entender que o contrato se renovou automaticamente por mais 5 anos;

- A Autora só veio a ter acesso ao espaço em cumprimento de decisão do procedimento cautelar que, entretanto, interpôs, não tendo sido restituídos todos os equipamentos que compunham o estabelecimento e existindo outros danificados.

Contestou a Ré, alegando o seguinte:

- De acordo com o disposto no art.º 1096º, n.º 1, do Código Civil, o contrato renova-se automaticamente;

- A Autora nunca se opôs à renovação do contrato, sendo que, em momento algum, as partes estipularam a caducidade automática, pelo que o mesmo se mantém em vigor;

- A entrega do estabelecimento em 03.07.2017 não ocorreu voluntariamente, mas por força da decisão judicial proferida no âmbito da providência cautelar

Deduziu pedido reconvencional em que pediu

- que se declare e existência e manutenção dos efeitos do contrato e, consequentemente, seja a Autora condenada a entregar o espaço à Ré;

- seja a Autora condenada a pagar todos os prejuízos patrimoniais decorrentes do empossamento do estabelecimento a apurar em sede de execução de sentença;

Subsidiariamente, seja a Autora condenada a pagar à Ré, a título de prejuízos patrimoniais, por lucros cessantes, à razão mensal de 4.500,00 €, desde 3/07/2018 até à efetiva entrega do estabelecimento.

Em alternativa, seja a Autora condenada a pagar à Ré a quantia de 18.000,00 € por devolução das garantias constantes na cláusula 18 do contrato de locação.

Assim não se entendendo, sendo a Ré condenada a pagar quaisquer quantias à Autora, deve ser operada a compensação de créditos com a quantia entregue por aquele a título de garantia no montante de 18.000,00 €.

A Autora replicou, alegando que no âmbito do procedimento cautelar a Ré não deduziu oposição nem recorreu da decisão que decretou a providência, tudo indícios de que se conformou com o fim da relação contratual, pelo que, pretender agora reocupar o espaço representa um venire contra factum próprio.

Realizou-se audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente e a reconvenção procedente, tendo declarado que o contrato celebrado entre a Autora e Ré era válido e se mantinha em vigor e condenando a Autora a pagar à Ré, a titulo de indemnização por danos patrimoniais decorrentes do desapossamento do estabelecimento comercial, a quantia de 4.500 € mensais, desde 3.07.2018 até à efetiva entrega do estabelecimento à Ré.

A Autora interpôs recurso desta decisão para o Tribunal da Relação que, por acórdão proferido em 8.11.2021, decidiu:

1) - conceder parcial provimento ao recurso de apelação revogando a sentença recorrida;

2) - julgar parcialmente procedente a ação e:

- condenar a recorrida ao encerramento da sua actividade na Zona de Restauração, com a respetiva entrega desocupada de pessoas e bens à recorrente, face ao fim da vigência do contrato dos autos;

- condenar a recorrida no pagamento do montante de € 8.672,06 acrescido de juros de mora comerciais desde a citação e até integral pagamento;

- condenar a recorrida no pagamento do montante de € 22.500,00, acrescido de juros de mora comerciais desde a citação e até integral pagamento;

3) - julgar improcedente o pedido reconvencional.

A Ré interpôs recurso deste acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo concluído as suas alegações do seguinte modo:

II. As questões cuja reapreciação se pretende (dado que a matéria de facto, nesta fase, não se pode sindicar) colocam-se quanto à interpretação do contrato constante nos autos e aplicação das regras previstas no art. 1110º do Código Civil ao mesmo, e, ainda, quanto à procedência dos pedidos reconvencionais.

III - Entendeu o Tribunal a quo, na apreciação jurídica da causa, que o contrato dado à ação se trata de uma locação de estabelecimento comercial tal e qual o mesmo é definido no art. 1109º nº 1 do CC, com o qual a recorrente concorda.

Porém,

IV. A questão jurídica que opõe a recorrente à decisão recorrida prende-se, pois, com a aplicação neste tipo de contrato – locação de estabelecimento comercial – das regras contidas nos arts. 1108º e seguintes do Código Civil, mormente as disposições contidas no art. 1110º nº 1 e 3º do CC.

Ou seja, Colendos Julgadores,

V. No entendimento do Tribunal a quo, o qual não se perfilha, aos contratos de locação de estabelecimento comercial, como é o caso dos autos, não se aplica o disposto no art. 1110º do CC, pelo menos no caso concreto que envolve a Petrogal, SA (Autora);

VI. Porquanto, no entender do tribunal a quo, o contrato visado nos autos por ter estabelecido na cláusula 6ª Vigência que o contrato tem a duração de 5 anos, nada mais estipulando a respeito do prazo, da sua duração, da denúncia ou sequer da oposição à renovação, tal significa (reitera-se, no entender do Tribunal a quo) que estamos perante a caducidade do contrato e que relativamente à mesma não são aplicáveis quaisquer normas supletivas.

VII. Entendeu ainda o Tribunal a quo, que, tendo as partes celebrado o contrato por 5 anos, nada mais tendo sido estipulado quanto ao período de vigência do contrato, então na ausência de estipulação significa que as partes livremente afastaram a sua renovação como lhes era permitido ao abrigo do princípio da autonomia privada e da liberdade contratual.

E, por conseguinte, o Tribunal a quo revogou a sentença de primeira instância considerando que havia ocorrido a caducidade do contrato em 1.1.2018, por não lhe serem aplicáveis as disposições específicas do contrato de arrendamento, designadamente a regra vinculística de renovação obrigatória.

Colendos Julgadores,

IX. É entendimento do recorrente que a interpretação dada à questão jurídica formulada pelo Tribunal a quo é juridicamente errada, porquanto:

X. O contrato de locação de estabelecimento comercial dado aos autos, celebrado na vigência do NRAU, passou a assumir um estatuto de arrendamento para fins não habitacionais, muito embora o seu cariz atípico, sujeito às regras previstas nos arts. 1108º e seguintes (arrendamento para fins não habitacionais) desde logo atento o argumento de ordem sistemática, que coloca tal tipo de contrato dentro dos preceitos da secção dos arrendamentos para fins não habitacionais; E,

XI. Outra justificação é de ordem legislativa, uma vez que, o art. 1109º nº 1 do CC, manda aplicar a esta tipologia de negócio as disposições relativas ao arrendamento para fins não habitacionais (cfr. Arrendamento Urbano Anotado, 3ª Ed., de José António França Pitão e Gustavo França Pitão, Quid Juris, pág. 449)

XII. Vide ainda e a propósito que o AC. do TRP de 14.6.2016, no proc. nº 20989/15.4T8PRT.P1, em que foi relator o Dr. Rodrigues Pires, tem no seu sumário o seguinte teor: “I - O contrato de locação de estabelecimento comercial, no regime atual, é equiparado ao contrato de arrendamento para fins não habitacionais, sendo-lhe aplicáveis, com as necessárias adaptações as normas do NRAU e as normas do Cód. Civil respeitantes ao arrendamento de prédios urbanos.”

Bem como,

XIII. O próprio Ac. da Relação de Lisboa datado de 28.6.2012, proferido no proc. nº 1289/09.5TBFUN.L1-6, em que foi relator a Dra. Teresa Pardal, mencionado pelo acórdão recorrido na sua motivação jurídica, refere no teor do seu D. Aresto que:

“(…) destas normas retira-se que o conceito de “cessão de exploração” ou “locação de estabelecimento” se manteve igual nos três regimes, sendo a única diferença, introduzida pelo NRAU, o facto de, ao contrário do que acontecia no RAU e no regime anterior ao RAU, atualmente o artigo 1109º nº1 do CC equiparar o seu regime ao regime dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais.”.

Logo,

XIV. Como resulta dos factos provados na sentença recorrida, as partes no teor do contrato visado nos autos, não lograram clausular sobre a duração (além da vigência), denúncia ou a oposição à renovação no termo do prazo do contrato, ou dito por outra forma, a Autora não provou ter logrado comunicar à recorrente, nos termos legais, qualquer oposição à renovação do contrato de locação de estabelecimento comercial em escopo,

Pelo que,

XV. Na falta de estipulação pelas partes de regras relativas à duração, à denúncia ou oposição à renovação do contrato, manda o art. 1110º nº 1 do CC, aplicar supletivamente as regras do arrendamento para habitação, in casu, o estabelecido no art. 1096º nº1 do CC, que prevê que o contrato com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo, quando não haja sido prestada a necessária oposição à renovação do mesmo (art. 1097º e 1110º nº 3 do CC).

XVI. Sendo que, reza ainda o art. 1110º nº 3 do CC, que, não tendo (como não houve in casu) da parte das contratantes lugar a oposição à renovação do contrato visado nos autos, o mesmo renovou-se automaticamente no seu termo e por períodos de igual duração (5 anos).

XVII. Na senda do que já havia sido decidido em primeira instância, que se subscreve, errou o tribunal a quo na aplicação do direito, violando o disposto no art. 1109º nº 1, 1110º, nº 1 e 3 e 1096º nº 1 todos do Código Civil, porquanto:

XVIII. No entendimento do Tribunal a quo aos contratos de locação de estabelecimento comercial que somente prevejam, no seu teor, a celebração de prazo certo, não se aplicam as regras previstas no art. 1110º º 1 do CC;

XIX. Isto porque, entendeu o tribunal recorrido, que tal normativo de renovação automática tem que estar previsto contratualmente, não se aplicando a regra supramencionada e quanto à caducidade diz não ser aplicável qualquer norma supletiva.

Mas vai ainda mais longe o tribunal a quo;

XX. Entendeu ainda na posição jurídica que sufraga o Acórdão recorrido, que o contrato visado nos autos, deve ser interpretado e integrado de acordo com a vontade real das partes, ao abrigo do art. 236º do CC, entendendo aquele que a vontade real das partes seria da caducidade automática do negócio no seu termo inicial.

Porém,

XXI. Erra novamente o tribunal a quo pois estamos perante um negócio de cariz formal.

XXII. Dos factos provados resulta que a recorrente sempre se opôs à entrega do locado pois considerou que havia lugar à sua renovação, logo, nos negócios formais (cfr. art. 238º nº 1 e 2 do CC), não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso, bem como, as razões determinantes do negócio se não opuserem a essa validade.

Ademais,

XXIII. Temos que à data de produção dos efeitos do contrato visado nos autos, estava em vigor o NRAU, e, portanto, não pode o tribunal a quo estabelecer na integração da real vontade das partes tal consideração, dado que, em primeiro lugar tal circunstância não é sequer alegada pelas partes nos articulados; em segundo lugar, o entendimento da real declaração das partes nos termos em que o tribunal a quo entendeu, uma vez que, confronta com o facto da lei civil prever consequências para o facto das partes não terem clausulado em determinado sentido, facto que as partes no momento da contratação têm conhecimento pois o desconhecimento da lei não importa a ninguém.

XXIV. Mas curiosamente ou não, a todo o instrumento jurídico o tribunal a quo recorreu para justificar no sentido positivo a tese da Autora.

XXV. Nomeadamente, até o recurso à integração do negócio jurídico, que nem sequer foi alegado pela Autora ou Ré nos seus articulados em primeira instância para poder ser sujeito a um real contraditório.

XXVI. Ou seja, o próprio tribunal a quo tentou até criar clausulado no sentido de que as partes haviam determinado o prazo do contrato a 5 anos, findo o qual cessaria o mesmo por meio de caducidade, porque não pretendiam as partes renovar o mesmo…???

Ou seja

XXVII O que as partes não previram nem quiseram clausular pretendeu vir o tribunal a quo substituir-se para fazer prevalecer a tese da Autora Petrogal SA, justificando a inoperância ou inércia daquela em não ter procedido com a oposição à renovação da locação visada nos presentes autos e assim não prejudicar o ensejo de cessar o contrato em apreço ainda que afronte a lei civil estabelecida.

XXVIII. Sem prescindir, a integração do negócio nos moldes professados pelo tribunal a quo é proibida, pelo simples facto de a falta de estipulação das condições relativas à duração, denúncia e oposição à renovação pelas partes acarretar consequências jurídicas, que são as determinadas no art. 1110º do CC (cfr. art. 239º do CC: “na falta de disposição especial (…)”).

XXIX. Violando, pois, o Tribunal a quo, igualmente, as disposições contidas nos arts. 236º a 239º do CC.

Logo, Colendos Conselheiros,

XXX. Regressando à posição jurídica do contrato de locação visado, temos que as partes na clª 6ª- Vigência, estipularam, tão somente, que o contrato era realizado por 5 anos, e que, a Autora no decurso dos 5 anos, em momento algum logrou provar ter-se oposto à renovação do contrato em escopo.

XXXI. Mais se provou que, do teor do mencionado contrato, as partes nada estipularam quanto à duração (senão o prazo do mesmo), denúncia ou oposição à renovação do contrato visado no acórdão recorrido.

XXXII. Então, cremos, salvo melhor opinião, que a locação visada nos autos renovou-se automaticamente, por 5 anos, atento o disposto nos arts. 1110º nº 1 e 3, e, ainda, 1096º nº 1 e 1097º todos do Código Civil, reiterando-se, que a decisão recorrida violou tais normativos ao decidir como decidiu.

Sem prescindir,

XXXIII. Deve, pois, o acórdão recorrido ser revogado e substituído por decisão que seja a repristinar os termos da sentença de primeira instância.

Destarte,

XXXIV. Em sede de acórdão recorrido foram os pedidos reconvencionais indeferidos, nomeadamente, aqueles que importavam operar compensação da caução com quaisquer prejuízos para a Autora.

Assim sendo, Colendos Conselheiros,

XXXV. Considerando-se que se manterá válido o contrato de locação em apreço nos autos, entende-se que devem ser declarados procedentes, pois, os pedidos reconvencionais constantes nas alíneas e) e f) do pedido reconvencional apresentado pela recorrente Ré.

XXXVI. Pois relativamente ao pedido reconvencional constante na al. E) os danos e prejuízos foram alegados em sede de contestação.

XXXVII. E, quanto ao pedido constante na al. F) utilizando o mesmo raciocínio e factologia expressa no acórdão recorrido para fundamentar a indemnização de 22.500 € a favor da Autora, deve, pois, proceder com base em tal mote factual e jurídico.

XXXVIII. Ou, assim não se entendendo, Colendos Conselheiros, o que ora se admite meramente a título de patrocínio, subsidiariamente deve ser declarado procedente o pedido reconvencional constante na al. H) do pedido reconvencional

Nestes termos e nos melhores de Direito, com o Douto Suprimento de V. Exas., deve o presente recurso de revista proceder, por provado, e, em consequência, ser o acórdão recorrido revogado e substituído por decisão que:

A) Julgue a presente ação totalmente improcedente e consequentemente absolva a Ré dos pedidos contra ela formulados.

B) Seja a Julgar a reconvenção totalmente procedente e consequentemente:

1) Declarar que o contrato celebrado entre A. e R. é válido e se encontra em vigor;

2) Condenar a A/reconvinda a entregar imediatamente à Ré/reconvinte o estabelecimento comercial objeto do contrato;

3) Condenar a A/reconvinda a pagar à Ré/reconvinte a título de indemnização por danos patrimoniais decorrentes do desapossamento do estabelecimento comercial a quantia de 4.500€ mensais, desde 3/07/2018 até à efetiva entrega do estabelecimento à reconvinte;

4) Seja a condenar a Autora condenada a pagar à R todos os prejuízos patrimoniais decorrentes do apossamento do estabelecimento em escopo nos autos ocorrido em 3.7.2018, a apurar em sede de execução de sentença;

Ou, assim não se entendendo, subsidiariamente,

5) Sendo a R condenada a pagar quaisquer quantias à A, ser operada a compensação de créditos com a quantia entregue por aquela a esta a título de garantia, no montante de € 18.000,00, conforme a clª 19 do contrato de locação de estabelecimento comercial;

6) Condenar-se a recorrida em custas;

A Autora apresentou resposta, em que sustentou a decisão recorrida e ampliou o objeto do recurso para a hipótese dos fundamentos do mesmo serem julgados procedentes.

                                               *

II – Objeto do recurso

Tendo em consideração as conclusões do recurso e o conteúdo da decisão recorrida, cumpre apreciar se o contrato celebrado entre as partes se renovou, automaticamente, por mais 5 anos, no dia 31.12.2017.

                                               *

III – Factos provados

Neste processo foram considerados provados os seguintes factos:

1. A Autora é uma sociedade comercial que tem como objeto social, entre outros, a refinação e comercialização de petróleo bruto e dos seus derivados e a gestão dos espaços comerciais em que exerce aquelas atividades.

2. Por sua vez, a Ré é uma sociedade cuja actividade consiste, entre outras, no comércio a retalho de comidas e bebidas, comumente denominadas fast food.

3. Por contrato de cessão de exploração celebrado em 27 de Junho de 2003, o S... cedeu à aqui Autora o direito de exploração do Posto de Abastecimento de Combustíveis e Lubrificantes e instalações conexas no Eixo Norte/Sul, em ..., sentido sul/norte, que viria a ser denominada por Área de Serviço ..., por um período de 30 anos.

4. O qual englobava o direito exclusivo de exploração de diversas atividades económicas naquela área de serviço, entre as quais, a exploração de uma zona de restauração, de ora em diante designada por "Zona de Restauração".

5. Por contrato denominado Contrato de Subcessão para a Exploração da Zona de Restauração na Área de Serviço ..., de ora em diante o "Contrato", datado de 20 de Dezembro de 2012, cujos efeitos se produziram a 1 de Janeiro de 2013, a Autora subcontratou a aqui Ré para a exploração das instalações e serviços na Zona de Restauração, (cfr. Documento 1 junto aos autos da providência cautelar que se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais).

6. O Contrato tinha uma duração de cinco anos, conforme cláusula sexta, pelo que o seu termo ocorreria no dia 31 de dezembro de 2017.

7. Consta da cláusula vigésima-segunda do Contrato que:

1- Extinto o contrato, por qualquer causa, e sem prejuízo de outras obrigações nele previstas, a BURGUER RANCH deve, no prazo de 30 dias:

a) Desocupar imediata e totalmente a ZONA restituindo-a à PETROGAL;

b) Retirar as respetivas marcas e insígnias bem como outros sinais distintivos do seu comércio.

c) Deixar a ZONA que lhe está afeta, respetivas instalações e espaços, em bom estado de conservação e asseio de modo a permitir a sua imediata utilização sem recurso a obras de beneficiação.

2- Um ano antes da data prevista para o termo do contrato, a BURGUER RANCH fará uma relação das reparações necessárias e dos móveis e equipamentos avariados ou em falta, devendo proceder à sua reparação ou reposição consoante os casos"

8. Por carta datada de 19 de Janeiro de 2017, cuja cópia se encontra junta como Documento 4 nos autos da providência cautelar e se dá por integralmente reproduzida, a A. comunicou à Ré designadamente que: Verifica-se que nesta data permanece por regularizar o valor de 14.264,30 EUR (catorze mil, duzentos e sessenta e quatro euros e trinta cêntimos). Se, no prazo de 8 (oito) dias a contar da receção a presente carta não for pago esse valor, a Petrogal ver-se-á forçada a resolver de imediato o referido contrato, com todos os efeitos daí decorrentes, e compensado o valor em dívida com a caução inicialmente entregue, destinada a garantir o pagamento pontual das obrigações e responsabilidades emergentes do contrato. Sem prejuízo do referido no parágrafo anterior, alerta-se ainda Vexas que, nos termos do art.° 22°, n.° 2 do contrato, aguardamos que nos façam chegar a relação das reparações necessárias e dos móveis e equipamentos avariados e/ou em falta, devendo, consoante os casos, proceder à sua reparação ou reposição

9. Por e-mail datado de 27 de Março de 2017 remetido para AA, sócio-gerente da Ré, a Autora referiu "necessito também de lhe relembrar que aguardamos o envio da listagem de reparações necessárias e dos móveis e equipamentos avariados e/ou em falta relativo ao restaurante de Área de Serviço ..., conforme nossa indicação na carta datada de 19 de Janeiro, e referida em contrato no artigo 22°. Agradecemos o envio dessa informação (cfr. Documento 5 junto aos autos da providência cautelar, que aqui se dá por integralmente reproduzido).

10. Por carta registada com aviso de receção datada de 4 de Outubro de 2017, na qual juntou o relatório com as reparações por realizar, a A. comunicou à Ré que "Referindo-nos novamente ao contrato de subcessão para a exploração da zona de restauração na Área de Serviço ..., celebrado entre a Petróleos de Portugal — Petrogal, S.A. e a V. sociedade em 20 de dezembro de 2012, com efeitos a de Janeiro de 2013 (contrato), vimos pela presente comunicar-vos que, contrariamente ao que nos havia sido anteriormente comunicado, existe um conjunto de reparações e/ou reposições necessárias que terão de ser efetuadas por parte de V.Exas nas instalações objeto do contrato e que constam do relatório que anexamos à presente. Recordamos a necessidade imperiosa destas reparações e/ou reposições estarem comprovadamente concluídas num prazo máximo de 20 (vinte) dias a contar da receção da presente, tendo em conta que o contrato cessará os seus efeitos no próximo dia 1 de Janeiro de 2018, já se encontrando a Petrogal preparar o concurso que culminará na seleção da próxima entidade que ficará encarregue da exploração do espaço a partir desta data. "cfr. Documento 6 junto aos autos da providência cautelar.

11. A Autora iniciou efetivamente diligências no sentido de apurar nova entidade exploradora da Zona de Restauração, tendo apresentado o convite à negociação a diversos interessados e também à aqui Ré, conforme e-mail datado de 2 de Outubro de 2017, que se juntou como Documento 7 aos autos da providência cautelar.

12. Por e-mail datado de 19 de Outubro de 2017, a Autora procurou agendar com a Ré uma visita ao local com um dos interessados, conforme Documento 8 junto aos autos da providência cautelar que aqui se dá por integralmente reproduzido.

13. Por email datado de 19 de Outubro de 2017, a Ré respondeu que Não concordamos com a visita, o nosso contrato prolonga-se por mais seis anos, não há necessidade de tal visita - cfr doc. 8 junto aos autos de Providência cautelar.

14. Surpreendida por tal resposta, dadas as claras estipulações contratuais nesse âmbito, bem como a todos os procedimentos até então adotados por ambas as Partes com vista à cessação da exploração pela Ré no dia 31 de Dezembro de 2017, a Autora procurou apurar qual o fundamento para a posição daquela.

15. Tendo a Ré informado que as partes não determinaram no Contrato a caducidade automática da locação da Zona de Restauração, pelo que seria necessário que a Autora procedesse à oposição à renovação automática do Contrato, o que não sucedeu, pelo que o Contrato se renovou automaticamente por outros 5 anos, aplicando o regime do arrendamento para fins não habitacionais, (cfr. e-mail datado de 31 de Outubro de 2017, junto como Documento 9 aos autos da providência cautelar, que aqui se dá por reproduzido).

16. Por email datado de 21 de Novembro de 2017, junto como doc. 10 da providência cautelar e que aqui se dá por reproduzida, a Ré comunica à A. que Como é do vosso conhecimento, o espaço está sub-concessionado a um nosso franchisado, com a devida vossa autorização, o nosso contrato com a ... supostamente era para caducar a 31/12/2017 se a ... entendesse a não renovar o dito contrato tinha de nos avisar com 180 dias de antecedência, como não nos avisou, nós não avisamos os nossos franchisados, acreditamos que se renovava automaticamente como no caso anterior, como é do vosso conhecimento também, o atual franchisado não está a explorar o potencial do local, inclusive o local está totalmente degradado, já chegamos a um acordo para eles saírem com uma compensação de um valor.

17. Por email de 28 de Novembro de 2017, junto como doc. 11 da providência cautelar e que aqui se dá por reproduzida, a ré comunicou, designadamente que: Após análise ao acordo estabelecido entre as partes signatárias não foi previsto qualquer impedimento à renovação contratual, pelo que, conforme resulta das normas aplicáveis, há lugar a renovação automática por não ter existido oposição à renovação no prazo legal de 120 dias antes do termo a ocorrer a 31.12.2017. (...) claramente que a missiva enviada quanto à questão da manutenção e reparações recebido em Janeiro de 2017, não configura em momento algum uma oposição à renovação do contrato de locação estabelecido entre as partes. Em momento algum, daquela carta, se extrai a posição de que a ... pretendia opor-se à renovação do contrato em apreço.

18. A Ré impediu a Autora de mostrar o espaço a potenciais interessados na sua exploração, o que bloqueou por completo o processo negocial de contratação do novo explorador da Zona Comercial.

19. Correu termo no Juízo Central Cível ... - J.…, sob o n.º 4571/18.... procedimento cautelar que, por decisão de 4/06/2018, ordenou o encerramento da actividade da Ré na zona de restauração e determinou que aquela procedesse à sua entrega desocupada de pessoas e bens à requerente, ora A.

20. Com data de data de 03.07.2018, foi efetuada vistoria e inventariação conjunta das infra-estruturas, móveis, utensílios e equipamentos em correto funcionamento que constituem a zona da restauração da área de serviço de Área de Serviço ... localizada no eixo Norte/Sul, tendo sido efetuado inventariação de anomalias e entregue o espaço à A., ali representada por BB e CC, por parte da sociedade N..., ali representada por DD e EE, cfr doc. 1 que aqui se dá por reproduzido.

21. Aquando da receção do espaço foi notado que não tinham sido restituídas uma bancada frigorífica de frio positivo, uma máquina de gelo e um carrinho inox de tabuleiros, que fazem parte da inventariação dos bens constantes no anexo ao contrato.

22. Bem como não foram retirados todos os elementos de imagem exteriores da Ré.

23. A Autora foi obrigada a proceder a um conjunto de reparações por material danificado, não tendo a Ré entregue e devolvido tal equipamento no exacto estado em que estava aquando do início da execução do contrato.

24. Nomeadamente, referimo-nos aos seguintes equipamentos que se encontravam danificados:

- Tomadas sem corrente elétrica e partidas,

- Lâmpadas de sala fundidas;

- Lâmpadas de varanda fundidas;

- Luz do bloco autónomo;

- Placas de tecto nos 2 pisos;

- Mola da porta

- Armaduras em iluminação e blocos autónomos sem iluminação

- Revisão QEP

- Aparelhagem elétrica e ligações terra

- Pavimentos

- Limpeza de sujidade em teto falso

- Câmara frigorífica central faz disparar o quadro elétrico;

25. Tais reparações foram orçadas em € 6.613,06, conforme orçamento que se junta como Documento 2.

26. A bancada referida em 21) tem um custo de € 898,00, a máquina de gelo tem o valor de € 700,00 e o carrinho tem o valor de € 461,00, tudo no total de € 2.059,00.

27. Nos termos do anexo II do contrato (cfr doc. 1 com a PC, que aqui se dá por reproduzido) a Ré pagava à A. uma remuneração mensal mínima de 4.500€.

28. A ora ré foi citada no âmbito da providência cautelar referida em 19, não tendo deduzido oposição.

29. Notificada da decisão proferida no âmbito da providência cautelar referida em 19, a ora ré não apresentou recurso da mesma.

30. A Ré não pagou qualquer valor à Autora pela utilização do espaço, no período compreendido entre 02.02.2018 e 03.07.2018.

                                               *

IV – O direito aplicável

1. O contrato

Por contrato que as partes denominaram de cessão de exploração, celebrado em 27 de Junho de 2003, o S... cedeu à Autora o direito de exploração do Posto de Abastecimento de Combustíveis e Lubrificantes e instalações conexas no Eixo Norte/Sul, em ..., sentido sul/norte, que viria a ser denominada por Área de Serviço ..., por um período de 30 anos, o qual engloba o direito exclusivo de exploração de diversas atividades económicas naquela área de serviço, entre as quais a exploração de uma zona de restauração.

Em 20.12.2012 a Autora celebrou um contrato com a Ré, denominado de Contrato de Subcessão para a Exploração da Zona de Restauração na Área de Serviço ..., cujos efeitos se produziram a 1 de janeiro de 2013, através do qual a Autora subcontratou a aqui Ré para a exploração das instalações e serviços naquela zona de restauração, mediante o pagamento de uma determinada remuneração, por um prazo de cinco anos.

O contrato através do qual alguém transfere temporária e onerosamente o gozo de parte de um imóvel em conjunto com a exploração de um estabelecimento comercial nele instalado é indistintamente denominado, quer na lei, quer na doutrina, quer nas decisões dos tribunais, como contrato de locação de estabelecimento ou como contrato de cessão de exploração de estabelecimento. No contrato sob análise foi utilizada esta última expressão, pelo que, apesar de não ser a nossa preferida, por razões de uniformidade na exposição, iremos adotá-la ao longo da fundamentação deste acórdão.

Através deste subtipo contratual, o cessionário explora um estabelecimento comercial, adquirindo também sobre o imóvel em que o estabelecimento se encontra instalado um direito ao seu gozo para o exercício da respetiva atividade.

O contrato sub iudice é um contrato, através do qual, a Autora, na qualidade de cessionária de um estabelecimento comercial (a Área de Serviço ...), cedeu à Ré o gozo de parte desse estabelecimento (o setor da restauração).

Estamos, pois, perante um contrato de subcessão de exploração de parte de um estabelecimento comercial dotada de autonomia física e organizacional.

Como sucede nos contratos de sublocação, o cessionário, ao subcontratar, transfere os direitos de gozo que adquirira por força de anterior contrato (o contrato de cessão de exploração), relativamente a parte do estabelecimento que explora, enquanto o subcessionário substitui-se ao intermediário nos direitos de gozo sobre essa parte do estabelecimento, pelo que o subcontrato é um modo de aproveitamento das vantagens do contrato principal [1]. Tal como ocorre na generalidade dos subcontratos [2],  é aplicável ao contrato de subcessão o regime do contrato de cessão de exploração de estabelecimento, assumindo o cessionário a posição de cedente e o subcessionário a posição de cessionário.

2. O regime do contrato de cessão de exploração de estabelecimento

Apesar da cedência temporária e onerosa do gozo de um estabelecimento comercial ser uma prática já há muito utilizada na vida económica, foi a partir do leading case que constitui o acórdão deste Supremo Tribunal de 08.02.1935 [3], relativo à cessão de exploração do cinema ..., no ..., que esse negócio deixa de ser considerado como um vulgar contrato de arrendamento do imóvel onde o estabelecimento está instalado, para ser encarado como um modelo contratual autónomo [4] que não se encontrava sujeito às regras do arrendamento. A este acórdão muitas outras decisões dos tribunais superiores se seguiriam, afastando a aplicação do regime do arrendamento a este tipo de contratos [5]. A exclusão da aplicação do regime do arrendamento visava subtrair estes contratos ao cariz vinculístico do regime dos arrendamentos de prédios urbanos imposto pelas leis aprovadas em Portugal desde o período da I Guerra Mundial [6].

Legislativamente, na sequência dos trabalhos preparatórios para um novo Código Civil, o Código do Notariado, aprovado pelo Decreto-Lei 42933, de 20 de abril de 1960, no artigo 88.º, i), veio a incluir entre os contratos sujeitos a escritura pública, a par com os contratos de transferência da propriedade de estabelecimentos comerciais ou industriais, os que tenham por objeto o gozo destes estabelecimentos, reconhecendo assim a autonomia deste negócio jurídico.

Pouco depois, o Decreto 43.525, de 7 de março de 1961, que aprovou o regime do arrendamento urbano no Ultramar, contrariando o caminho apontado pela jurisprudência, veio dispor no artigo 3.º, n.º 1, que seria havido exclusivamente como arrendamento o contrato de transmissão do gozo de um estabelecimento juntamente com o do imóvel onde ele funciona, embora no artigo 52.º, n.º 3 excluísse destes arrendamentos o regime da prorrogação forçada.

Era esta também a opção do Anteprojeto do Código Civil de 1966, saído da 1.ª Revisão Ministerial, no seu artigo 1081.º, cujo texto havia influenciado a opção do referido Decreto 43.525.

No entanto, a 2.ª Revisão Ministerial, num volte-face, viria a aderir no artigo 1085.º do Código Civil à orientação jurisprudencial, dispondo que não é havido como arrendamento de prédio urbano ou rústico o contrato pelo qual alguém transfere temporária e onerosamente para outrem, juntamente com a fruição do prédio, a exploração de um estabelecimento comercial ou industrial nele instalado, subtraindo assim, estes contratos aos aspetos vinculísticos do regime do contrato de arrendamento, designadamente à regra da renovação obrigatória no termo do prazo.

O RAU de 1990 transcreveu quase na íntegra este preceito no seu artigo 111.º [7], no capítulo do arrendamento para comércio e indústria.

O NRAU de 2006 determinou o regresso desta norma ao Código Civil (artigo 1109.º), mas com a seguinte redação que é a atual:

A transferência temporária e onerosa do gozo de um prédio ou de parte dele, em conjunto com a exploração de um estabelecimento comercial ou industrial nele instalado, rege-se pelas regras da presente subsecção, com as necessárias adaptações.

Nessa subsecção encontram-se as disposições especiais do arrendamento para fins não habitacionais.

A subordinação dos contratos de cessão de exploração de estabelecimento ao regime dos arrendamentos não habitacionais, explica-se pelas alterações que, entretanto, se haviam verificado nesse regime, o qual tinha sido expurgado dos seus aspetos vinculísticos [8], pelo que já não se justificava prosseguir a orientação que havia sido iniciada jurisprudencialmente pelo acórdão sobre a cessão de exploração do cinema ..., no ..., nos meados dos anos 30 do século passado.

No entanto, o n.º 1, do artigo 1109.º, do Código Civil, não deixou de salvaguardar que essa remissão para o regime dos arrendamentos não habitacionais, seria efetuada com as necessárias adaptações exigidas pela circunstância do objeto locativo ser um estabelecimento comercial.

3. A cessação dos contratos de cessão da exploração de estabelecimento pelo decurso do prazo

Na referida subsecção do Código Civil, o artigo 1110.º, n.º 1, na versão conferida pelo NRAU de 2006, dispunha que as regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento para fins habitacionais são livremente estabelecidas pelas partes, aplicando-se, na falta de estipulação, o disposto quanto ao arrendamento para habitação, enquanto o n.º 2 dizia que, na falta de estipulação, o contrato considerava-se celebrado com prazo certo, pelo período de dez anos, não podendo o arrendatário denunciá-lo com antecedência inferior a um ano.

A reforma levada a cabo em 2012, pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, reduziu este prazo supletivo do contrato para 5 anos.   

Posteriormente, a Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, veio dar nova redação ao artigo 1110.º do Código Civil, aditando-lhe dois novos números com a seguinte redação:

3 – Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado por prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de cinco anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 1096.º.

4 – Nos cinco primeiros anos após o início do contrato, independentemente do prazo estipulado, o senhorio não pode opor-se à renovação.

É esta a redação atual do artigo 1110.º do Código Civil.

No caso sub iudice, as partes celebraram o contrato de subcessão de exploração de estabelecimento comercial em 20.12.2012, ou seja, quando se encontrava em vigor a redação do artigo 1110.º do Código Civil conferida pela lei n.º 31/2012 de 14 de agosto.

Em matéria de aplicação da lei no tempo, o disposto no artigo 12.º, n.º 2, do Código Civil indica-nos que, quando a lei dispõe sobre os efeitos de quaisquer factos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos. Ora as normas legais supletivas que regem os contratos, estabelecendo regimes sobre conteúdos que os outorgantes omitiram, como é óbvio, são aquelas que estavam em vigor ao tempo da celebração do contrato, pois são elas que as partes terão previsto que vigorariam face a uma omissão convencional. Como disse BAPTISTA MACHADO [9], entende-se que a lei do tempo da celebração do contrato se não aplica apenas aos seus efeitos convencionais, mas também aos seus efeitos legais, quer estes sejam determinados por normas supletivas quer por normas imperativas. Isto porque – diz-se – os efeitos ou consequências legais são absorvidos pela convenção das partes, devem considerar-se como estipulados tacitamente e, portanto, hão-de valer como efeitos daquele mesmo facto que é a convenção.

Para sabermos qual o prazo de duração do contrato celebrado entre as partes, além de valer a vontade expressa por estas, há, pois, que ter em consideração o disposto no artigo 1110.º do Código Civil, na redação da Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto. Aí se dizia que as regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais (aplicáveis ex vi do artigo 1109.º aos contratos de cessão da exploração de estabelecimento, com as necessárias adaptações) são livremente estabelecidas pelas partes, pelo que estas, para além de terem a liberdade de fixar o prazo de vigência do contrato, também tinham a liberdade de prever a possibilidade da sua renovação.

Na falta de estipulação nesses pontos, como normas supletivas valiam as regras dos arrendamentos para habitação, dispondo nessa matéria o artigo 1096.º do Código Civil que os contratos se renovariam automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração, podendo as partes opor-se a essa renovação nos termos previstos nos artigos seguintes.

No contrato sob análise, as partes clausularam que o contrato teria uma duração de cinco anos, sem que tivessem efetuado qualquer referência quanto à possibilidade da renovação do contrato, decorrido aquele prazo.

A questão que se coloca neste recurso é a de saber se, perante o silêncio contratual quanto à possibilidade de renovação do contrato, se deve considerar aplicável, supletivamente, a norma de renovação automática prevista no regime dos arrendamentos para habitação ou, pelo contrario, se deve entender que a omissão de qualquer referência convencional à possibilidade de renovação impede que a mesma possa ocorrer. Para isso, teremos que apurar se nos encontramos perante uma incompletude negocial a ser preenchida pelas regras supletivas previstas pelo legislador para a suprir ou, ao invés, se o silencio do texto contratual corresponde a uma vontade das partes de excluir a possibilidade de renovação do contrato.

Este juízo exige uma atividade interpretativa do texto contratual, segundo o sentido que uns outorgantes normais, colocados na posição dos outorgantes reais, lhe dariam, face ao desconhecimento da vontade real das partes (artigo 236.º do Código Civil). Para o apuramento dessa vontade ficcionada é fundamental ter presente qual era o regime legal da renovação contratual nos arrendamentos que não eram destinados à habitação, no momento da celebração do contrato, uma vez que era esse regime que as partes necessariamente teriam que considerar, aquando da estipulação do texto contratual.

O artigo 1110.º do Código Civil, na redação aplicável (redação da Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto) dizia apenas que as regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento para fins habitacionais são livremente estabelecidas pelas partes, aplicando-se, na falta de estipulação, o disposto quanto ao arrendamento para habitação, não contendo qualquer norma específica relativa à possibilidade de renovação dos contratos (contrariamente ao que sucede com o n.º 3  da atual redação do mesmo artigo).

A possibilidade de renovação do contrato (mais do que uma renovação ocorre uma prorrogação do seu prazo [10]) é um elemento que se inclui, porque influi, na sua duração, pelo que, quando as partes estabeleceram que o contrato duraria 5 anos, nada mais acrescentando, não se pode dizer que a previsão da duração do contrato se encontrasse incompleta por não existir uma referência quanto à possibilidade de renovação.

A duração do contrato, para os efeitos do determinado no artigo 1110.º do Código Civil, na redação que estava em vigor à data da celebração do contrato, encontra-se perfeitamente estabelecida, contendo todos os elementos necessários à sua determinação, não sendo a possibilidade de renovação um dado cuja falta exija o seu preenchimento pelo recurso a uma norma legal supletiva. Coisa diferente seria se, por exemplo, na redação do artigo 1110.º do Código Civil se dispusesse, como sucede na redação atual do n.º 3 deste artigo, que salvo estipulação em contário, o contrato celebrado por prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração, em que o legislador autonomiza este elemento da duração do contrato e exige uma previsão sobre ele, sob pena de valer uma disposição supletiva legal.

Há, pois, que concluir que, atendendo à redação do artigo 1110.º do Código Civil, no momento em que o contrato foi celebrado, uns outorgantes normais, colocados na posição dos outorgantes reais, ao não pretenderem a possibilidade de não renovação do contrato, não sentiriam necessidade de exprimir essa vontade, bastando limitar-se a fixar o prazo de duração do contrato. Já o inverso os obrigaria a prever essa possibilidade, podendo regular os termos em que se processaria essa renovação ou contar com o funcionamento das normas supletivas vigente para os contratos de arrendamento para habitação.

Mas, além destas razões interpretativas, tendo em consideração a redação da lei aplicável à data da celebração do contrato, sempre se colocaria a questão de saber se as normas que regem os arrendamentos para habitação, quanto à possibilidade da sua renovação, seriam aplicáveis aos contratos de cessão de exploração de estabelecimento ou se elas deveriam ser afastadas pela especificidade deste subtipo contratual, impondo-se a sua adaptação, tal como prevê a parte final do n.º 1, do artigo 1109.º do Código Civil.  Na verdade, nos contratos de cessão de exploração, o cessionário apenas se aproveita das condições de um estabelecimento já instalado, para, num determinado período, prosseguir a sua atividade para a qual não contribuiu a nível organizativo, sendo normal que, no final do prazo acordado, cesse o direito a manter-se à frente do estabelecimento [11], não havendo razões para que se imponha, em virtude de incompletude a exigir preenchimento, uma regulação da renovação contratual.

Por esta razão, deve considerar-se que as partes ao terem previsto uma duração do contrato de subcessão de exploração de estabelecimento por 5 anos tout court, determinaram de forma completa o tempo de vigência do contrato, não estabelecendo a possibilidade da sua renovação, pelo que, não sendo aplicável qualquer disposição legal supletiva, o contrato cessou quando se completaram cinco anos após o seu início.

Sendo esta a conclusão do nosso juízo e tendo a Recorrente alicerçado a motivação do recurso unicamente na renovação do contrato após o decurso dos cinco anos de vigência, deve o recurso ser julgado improcedente e confirmar-se a decisão recorrida, ficando prejudicado o conhecimento das questões relativas aos pedidos reconvencionais e das que foram colocadas na ampliação do objeto de recurso efetuada pela Autora.

                                               *

Decisão

Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso interposto pela Ré, confirmando-se o acórdão recorrido.

                                               *

Custas do recurso pela Ré.

                                               *

Notifique.

Lisboa, 10 de março de 2022

João Cura Mariano (relator)

Fernando Baptista

Vieira e Cunha

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[1] PEDRO ROMANO MARTINEZ, O Subcontrato, Almedina, 1989, pág. 128.
[2] PEDRO ROMANO MARTINEZ, ob. cit., pág. 147.
[3] Publicado na Coleção Oficial dos Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal de Justiça, Ano 34º (!935), pág.42, e na Revista dos Tribunais, Ano 53º (1935), pág. 116.
[4] Nesse aresto foi adotada a expressão que veio posteriormente a ser muito utilizada na jurisprudência de “contrato de concessão de exploração de estabelecimento”, por simpatia com os contratos de disposição de áreas do domínio público.
[5] Pode consulta-se uma extensa lista destas decisões em ORLANDO DE CARVALHO, Critério e Estrutura do Estabelecimento Comercial I. O problema da empresa como objeto do negócio, Coimbra, 1967, pág. 272-273, nota 84.
[6] ORLANDO DE CARVALHO, ob. cit., pág. 272-274, MENEZES CORDEIRO, Estabelecimento Comercial e Arrendamento, “Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles”, vol. III, Almedina, 2002, pág. 420-423, e ANTUNES VARELA, Anotação ao Acórdão do STJ de 16 de fevereiro de 1967, R.L.J., Ano 100, n.º 3350, pág. 270-271.
[7] Substituiu “fruição”, por “gozo”, de forma a incluir o uso.
[8] Sobre as razões do fim do vinculismo neste tipo de contratos, escreveu MENEZES CORDEIRO: ... modificaram-se profundamente as circunstâncias que, ao longo do século XX, vieram instituir e agravar o vinculismo. A ideia de que o arrendamento é sempre bom para o arrendatário, traduzindo um encargo para o senhorio, já não se verifica. A crise imobiliária, a quebra da economia, o superavit de imóveis e a crise demográfica levam a uma pressão contínua no sentido do abaixamento de rendas. Prazos longos são – ou podem ser – calamitosos para os inquilinos (Leis do Arrendamento Urbano Anotadas, Almedina 2014, pág. 362).
[9] Em Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil, Almedina, 1968, pág. 113.
[10] Sobre esta precisão conceptual, PINTO FURTADO, Manual de Arrendamento Urbano, vol. II, 4.ª ed., Almedina, 2008, pág. 890-899.
[11] FERNANDO DE GRAVATO MORAIS, ob. cit., pág. 150.