Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08P1213
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: ARMÉNIO SOTTOMAYOR
Descritores: DECLARAÇÕES DO CO-ARGUIDO
REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
Nº do Documento: SJ200905070012135
Data do Acordão: 05/07/2009
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Sumário :

I - Tanto o STJ, como o TC, têm julgado válida a prova decorrente das declarações do co-arguido, observadas as três condicionantes: respeito pelo direito do arguido ao silêncio; sujeição das declarações ao contraditório e corroboração das declarações por outros meios de prova,
II - Se o arguido em audiência confessa parte dos factos e nega outros, cuja prática confessara no 1º interrogatório judicial de arguido detido, não é violado o seu direito ao silêncio ao confrontá-lo com aquele interrogatório judicial.
III -A confrontação em audiência do arguido com as suas anteriores declarações, sujeita estas ao exercício do contraditório.
IV -A corroboração das declarações do arguido visa “tornar provável que a história do co-arguido é verdadeira e que é razoavelmente seguro decidir com base nas suas declarações” (parecer do Prof. Figueiredo Dias), não se destinando a prova adicional a obter uma segura confirmação da actividade delituosa do(s) co-arguido(s) ou à sua identificação, que, no presente caso, se tornava necessariamente dificultada pelo facto de os arguidos terem cobertos os rostos com t-shirts.
V - A jurisprudência, nomeadamente a deste STJ, tem mostrado alguma hesitação na aplicação do regime do DL 401/82, de 23-09, existindo uma corrente mais restritiva que defende que, nos casos em que deve ser aplicada pena de prisão, a atenuação especial da pena só se deve verificar quando for possível concluir pela existência duma objectiva vantagem dessa atenuação para a ressocialização do arguido.
V - Com diferente perspectiva, numa visão mais humanista, outra corrente tem afirmado que a atenuação especial prevista no art. 4.º do DL 401/82 deve funcionar como regime-regra, que apenas será de afastar se contra-indicada por uma manifesta ausência de «sérias razões» para se crer que dela possam resultar vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
VI - O preâmbulo do DL, que constitui um elemento interpretativo de grande alcance, favorece esta última interpretação, embora jamais possam ser descurados os interesses fundamentais da comunidade.
VII - Será tendo em vista a mais fácil reinserção social do arguido que haverá que decidir sobre a aplicação do referido regime penal, só devendo ser arredada a atenuação especial da pena, se, concomitantemente, os factos revelarem uma especial exigência da defesa da sociedade e o jovem delinquente não exibir uma natural capacidade de regeneração.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. Sob acusação do Ministério Público responderam perante o tribunal colectivo do 2º Juízo Criminal da comarca de Cascais, AA, BB, CC e DD, acusados pelo Ministério Público da prática, em autoria material e em concurso real, de diversos crimes contra a propriedade, sendo imputada ao arguido AA a prática de 4 crimes de roubo, sendo 1 na forma tentada e de 13 crimes agravados de roubo; ao arguido BB a prática de 15 crimes agravados de roubo; ao arguido CC, a prática de 3 crimes de roubo, sendo 1 na forma tentada, de 15 crimes agravados de roubo, de 3 crimes de furto e de 4 crimes de condução sem habilitação legal; e ao arguido DD, a prática de 11 crimes agravados de roubo.
Foram deduzidos pedidos de indemnização civil, por EE contra os quatro arguidos; por Farmácia S, Pedro, L.da contra AA, BB e CC; por FF contra os arguidos AA e CC; e por GG também contra estes mesmos dois arguidos.
Procedeu-se a julgamento, em consequência do que foi o arguido DD absolvido da totalidade da acusação, a qual foi julgada parcialmente improcedente quanto aos demais, que foram absolvidos da prática de 11 crimes agravados de roubo e tendo também os arguidos AA e CC sido absolvidos da prática de dois crimes de roubo, sendo um na forma tentada.
E foram condenados:
- o arguido AA, pela prática de 3 crimes de roubo, na pena de 2 anos e 6 meses por cada crime e por cada um de três crimes agravados de roubo, na pena de 4 anos de prisão; feito o cúmulo, foi este arguido condenado na pena única de 7 anos de prisão;
- o arguido BB por um crime de roubo na pena de 2 anos e 6 meses e por 3 crimes agravados de roubo, na pena de 4 anos de prisão, por cada um deles; em cúmulo, foi condenado na pena de 6 anos de prisão;
- o arguido CC, por cada um de 3 crimes de roubo, na pena 2 anos e 6 meses, por cada um de 3 crimes agravados de roubo, na pena de 4 anos de prisão, por cada um de 3 crimes de furto, na pena de 9 meses de prisão e por 4 crimes de condução sem habilitação nas penas de 3 meses de prisão quanto a dois deles e de 4 meses de prisão por cada um dos dois restantes; em cúmulo, foi condenado na pena única de 7 anos e 9 meses.
Foi julgado improcedente, por não provado, o pedido de indemnização formulado por DD e procedentes os demais, sendo os arguidos AA, BB e CC condenados no pagamento à Farmácia S. Pedro, L.da, da quantia de € 2.585,00, acrescidos de juros à taxa legal desde a notificação do pedido e até integral pagamento, e os arguidos AA e CC no pagamento a FF da quantia de € 510,00 e a GG, da quantia de € 2.900,00.
Inconformados os arguidos AA, BB e CC recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa, de facto e de direito, os dois primeiros e apenas quanto à medida da pena, o último. A Relação julgou improcedentes todos os recursos, confirmando integralmente a decisão recorrida.

2. Mantendo a sua irresignação, recorreram ao Supremo Tribunal de Justiça os arguidos HH e CC, mas o recurso deste último não foi recebido.
O Ministério Público respondeu ao recurso do arguido BB manifestando-se pela inadmissibilidade do recurso, ou, a não se entender assim, pela improcedência do mesmo.
Também o Procurador-Geral Adjunto no Supremo Tribunal de Justiça, no visto inicial, emitiu fundamentado parecer no sentido de que o recurso não é admissível face à actual redacção do art. 400º do Código de Processo Penal, tendo promovido a respectiva rejeição.
Foi cumprido o disposto no art. 417º nº 2 do Código de Processo Penal. Em resposta, o recorrente considerou que a nova disposição do art. 400º do Código de Processo Penal, por limitar o direito de defesa constitucionalmente protegido, não deve ser aplicada aos processos iniciados anteriormente à sua vigência, conforme comando do nº 2 do art. 5º do referido Código.
Por decisão sumária do relator, foi rejeitado o recurso, que não devia ter sido admitido, por ser irrecorrível para o Supremo a decisão da Relação que, condenando o arguido na pena única de 6 anos de prisão, confirmou o acórdão de 1ª instância. Segundo a decisão do relator, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que julgou improcedente o recurso foi proferido em 11 de Dezembro de 2007, na data em que vigoravam já as alterações ao Código de Processo Penal introduzidas pela Lei nº 48/2007, de 28 de Agosto, nomeadamente a nova redacção da al. f) do nº 1 do art. 400º, norma segundo a qual o recurso da decisão da Relação tomada em recurso, que até aí se aferia pela pena aplicável ao crime por que o arguido era condenado, passava a ter como referência a pena aplicada. Entendeu-se também que não se deveria reconhecer a existência de uma situação que corresponda à excepção prevista na al. a) do nº 2 do art. 5º do Código de Processo Penal [agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa], pois, não se produziu um agravamento sensível da situação processual dos arguidos (cfr. entre outras, as decisões sumárias nos proc. 4376/07 e 209/08, confirmadas, após reclamação, pelos acórdãos de 10-01-2008 e de 03-04-2008, respectivamente). Notificado da decisão sumária, o recorrente, invocando o disposto no art. 405º nº 1 do Código de Processo Penal, reclamou da decisão de rejeição do recurso para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, considerando, em suma, que deverá ser aplicável o regime processual que, concretamente, se mostrar mais favorável ao arguido, ou seja, o art. 400º nº al. f) do Código de Processo Penal, antes das alterações introduzidas pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto.
Essa reclamação não foi recebida por despacho do relator, por não ser caso de aplicação do art. 405º nº 1 – não recebimento do recurso por parte da instância recorrida – mas sim do art. 417º nº 8 – reclamação para a conferência.
Dando execução ao acórdão de fls. 1338, que considerou que essa reclamação deveria ser entendida como reclamação para a conferência, cumpre apreciar a reclamação do recorrente.

3. Considerando que, no decurso do processo, houve uma alteração do regime processual, defende o recorrente que, encontrando-se o tribunal perante um problema de sucessão no tempo das leis processuais penais, deve optar pelo regime revogado por ser mais favorável ao arguido. Reconhecendo que a lei processual é de aplicação imediata, o recorrente invoca o disposto no art. 5º nº 2 do Código de Processo Penal, defendendo que da aplicação da nova lei resulta um agravamento sensível e ainda evitável da sua posição processual, enquanto arguido, por o art. 400º, na sua actual redacção, limitar a possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
A posição do relator, à data em que foi tomada, coincidia com o entendimento sufragado pela 5ª Secção deste Supremo Tribunal, baseado em que o direito a recorrer de qualquer decisão só existe verdadeiramente depois desta ter sido proferida, porque, só nesse momento, se pode aferir se a pessoa em causa tem legitimidade e interesse relevante em recorrer. Até então o arguido não tem mais do que uma mera expectativa que apenas se concretiza quando a decisão é publicada, conforme reconhece a doutrina.
Todavia, após a elaboração da decisão sumária e porque, além do entendimento ali sufragado, se formou neste Supremo outra corrente interpretativa, veio a ser fixada jurisprudência pelo acórdão de 18 de Fevereiro de 2009 (acórdão nº 4/2009 – DR - I Série, de 19-03-2009) no sentido de que “nos termos dos arts. 432º nº 1 alínea b) e 400º nº 1 alínea f) do CPP, na redacção anterior à entrada em vigor da Lei º 48/2007, de 29 de Agosto, é recorrível o acórdão condenatório proferido, em recurso, pela relação, após a entrada em vigor da referida Lei, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão superior a oito anos, que confirme decisão de 1ª instância, anterior àquela data”.
Haverá, por isso, que aplicar ao caso em análise a jurisprudência fixada.
Uma vez que a decisão de 1ª instância é anterior à data da entrada em vigor das alterações ao Código de Processo Penal, embora o acórdão da Relação aqui recorrido seja posterior, é de admitir o recurso para o Supremo interposto deste acórdão proferido em recurso, mas apenas quanto aos crimes a que for aplicável pena de prisão superior a 8 anos, ou seja quanto aos crimes agravados de roubo, que, nos termos do art. 210º nº 2 al. b) do Código Penal são puníveis com pena de prisão de 3 a 15 anos. Relativamente ao roubo simples, previsto no nº 1 do art. 210º, já a decisão da Relação é irrecorrível, porque confirmou a decisão de 1ª instância e o crime é punível com pena de prisão de 1 a 8 anos.
Revoga-se, em consequência, a decisão sumária do relator de fls. 1232 seg. na parte respeitante aos crimes agravados de roubo, passando de imediato a conhecer-se, nessa parte, do recurso tempestivamente interposto pelo arguido HH.
II

1. Condenado, em 1ª instância, como co-autor de 3 crimes agravados de roubo, p. e p. pelo art. 210º nºs 1 e 2 al. b) com referência ao art. 204º nº 2 als. e) e f) do Código Penal, na pena de 4 anos de prisão, por cada um deles e de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210º nº 1 do mesmo Código, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão e, efectuado o cúmulo, na pena única de 6 anos de prisão, e face à improcedência do recurso que havia interposto para o Tribunal da Relação de Liaboa, o recorrente HH recorre ao Supremo Tribunal de Justiça, tendo extraído da sua motivação, as conclusões a cuja transcrição se procede:
1 - O douto acórdão recorrido ao não se pronunciar sobre questão que devia apreciar, da validade das declarações do co-arguido CC quando conseguidas por coacção, é nulo por violar o art. 379º, n. 1, al. c) do CPP.
2 - Entende o recorrente, que o acórdão recorrido, ao manter a decisão de 1ª instância, que fundamenta exclusivamente a sua decisão nas declarações do co-arguido CC, sem as corroborar com outros meios de prova, é nulo.
3 - Ao ter valorado como valorou as declarações proferidas em 1º Interrogatório, que segundo o próprio arguido que as proferiu, estas foram instruídas pelos agentes de autoridade que o conduziram ao Tribunal, o acórdão ora recorrido viola o artigo 126º do CPP, pelo que o recorrido acórdão deve ser declarado nulo, por constituir valoração de prova proibida e portanto nula, com as legais consequências.
4 - O Tribunal recorrido ao ter fundado a sua decisão nas sobreditas declarações, conduza a que pela sua utilização tem como efeito sanável a nulidade insanável e fundamento de recurso, nos termos do art. 410º, nº 3 do CPP.
5 - A pena aplicada de 6 anos ao arguido HH, viola os arts. 71º e 72º do CP, atenta a culpa, os antecedentes criminais e a idade ao arguido, por não aplicar o regime especial para jovens, o Dec-lei 401/82, quando não existem motivos que justifiquem a sua não aplicação.

O Ministério Público no tribunal recorrido respondeu à motivação, resumindo do seguinte modo a sua argumentação: tal como foi considerado na decisão aqui sob recurso, parece evidente que as questões suscitadas pelo recorrente - as quais, aliás, mais não são do que singela reedição do que havia sido por si invocado no recurso anteriormente interposto para este Tribunal da Relação - não poderão deixar de improceder.
De modo que, caso se não conclua (como julgamos ser de concluir) pela irrecorribilidade do acórdão proferido por este Tribunal da Relação de Lisboa, nem ainda pela falta de motivação do interposto recurso, será de considerar não ser o mesmo merecedor de qualquer reparo, merecendo, na íntegra, ser mantido.

2. Os factos provados, no que ao recorrente respeita, são os seguintes:
E) NUIPC 628/06.5PDCSC
39. No dia 29 de Junho de 2006, os arguidos CC, HH e AA, fazendo-se transportar no veículo marca Toyota, modelo Hiace, com a matrícula ..-..-.., supra referido, deslocaram-se à farmácia denominada “Farmácia de S.. P...”, sita na Avenida das ......, Jardins da Parede, propriedade de II.
40. Para tanto, muniram-se de carapuços, de um objecto com toda a aparência de ser uma arma de fogo e de pelo menos uma faca, com o cabo de cor preta e lâmina de cor prateada com onze centímetros de cabo em madeira de cor preta e treze centímetros de lâmina, num total de vinte e quatro centímetros.
41. Ali chegados, cerca das 21.00 horas, os arguidos taparam o rosto com t-shirts, e, munidos com os objectos supra referidas que empunhavam, entraram na referida farmácia, onde se encontrava II, KK, JJ, LL, MM, gritando “isto é um assalto, tudo quieto! O dinheiro? O dinheiro? Rápido, ninguém se mexe!”.
42. De imediato e enquanto um dos arguidos permanecia junto à porta da entrada da referida farmácia vigiando e empunhando um objecto com toda a aparência de ser uma arma de fogo, que se encontrava parcialmente tapada com uma peça de roupa, os outros arguidos dirigiram-se ao balcão e pediram que lhe entregassem o dinheiro.
43. Os funcionários da referida farmácia, JJ e LL abriram as respectivas caixas registradoras e os arguidos retiraram das gavetas das caixas registradoras pelo menos € 2.585,00 de que se apropriaram.
44. De seguida um dos arguidos disse à cliente KK, que lhe entregasse o telemóvel que tinha na mala ao que esta acedeu, entregando-lhe o telemóvel Sony Ericsson, K3001, cinzento, no valor de € 150,00.
45. Na posse destes artigos, os arguidos colocaram-se em fuga e dirigiram-se a pé pela Avenida das .....até ao clube de vídeo, denominado “Akuarius”, propriedade de NN.
46. Ali chegados, os arguidos taparam o rosto com t-shirts, empunharam um objecto com toda a aparência de ser uma arma de fogo e a faca supra referida e entraram no referido clube de vídeo, gritando “isto é um assalto, tudo quieto! O dinheiro, o dinheiro”.
47. De seguida e enquanto um dos arguidos permanecia junto à porta da entrada do referido clube de vídeo empunhando um objecto com toda a aparência de ser uma arma de fogo que se encontrava parcialmente tapada com uma peça de roupa, os outros arguidos dirigiram-se ao balcão e ordenaram à funcionária do clube de vídeo OO que retirasse o dinheiro da caixa registradora.
48. De imediato,OO com receio do que lhe viesse a suceder retirou do interior da caixa registradora € 82,50, que colocou em cima do balcão.
49. No entanto, e como o arguido não conseguiu agarrar no dinheiro porquanto continuava a empunhar a faca supra identificada, ordenou a OO que lho entregasse ao que esta acedeu, entregando-lhe e o arguido de imediato colocou-o no bolso.
50. Apropriaram-se ainda de um telemóvel da marca Sony Ericson, modelo S7001, no valor de € 600,00 propriedade da funcionária da referida loja OO.
51. De seguida os arguidos dirigiram-se ao veículo marca Toyota, modelo Hiace, com a matrícula --.--.--, e colocaram-se em fuga.
52. Os arguidos agiram em comunhão de esforços e em execução de um plano previamente combinado, com intenção de fazerem coisa sua os mencionados objectos e quantias monetárias, nas circunstâncias descritas, conforme efectivamente conseguiram, apesar de saberem que não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade dos respectivos donos.
53. Utilizaram, para o efeito, a força física, bem como a superioridade numérica e de meios, querendo agir da forma por que o fizeram.
54. Sabiam ainda que se faziam transportar num veículo pertencente a terceiro, que se opunha a que o utilizassem.
55. Os arguidos agiram deliberada, livre e conscientemente, com o propósito concretizado de se apoderarem das quantias e objectos supra descritos, fazendo-os seus, sem autorização e contra a vontade dos seus proprietários, e usando para tal a exibição das facas supra descritas visando intimidar as vítimas e constrangê-las a entregar tais objectos.
56. A tudo os arguidos se determinaram livremente, com conhecimento da proibição legal dos seus comportamentos.

103. O arguido HH tem o 6º ano de escolaridade, vive com a mãe, padrasto e irmãos, é um jovem estruturalmente bem desenvolvido, estando bem inserido no meio social e familiarmente, não obstante enveredou por comportamentos desviantes, em parte por influência dos amigos, tendo sido internado em centro educativo, no âmbito de processos tutelares, mantém um bom relacionamento com a família, que o apoia. Tem as demais condições enunciadas no relatório de fls. 1310 a 1315.

3. No recurso que traz ao Supremo, o arguido HH suscita as seguintes questões:
- nulidade do acórdão recorrido por não se ter pronunciado sobre a validade das declarações de co-arguido, obtidas por coacção e não corroboradas por outro meio de prova;
- valor das declarações proferidas em 1º interrogatório judicial, que foram instruídas pelos agentes da autoridade, o que constitui prova proibida;
- medida da pena, visto que a que foi fixada em 6 anos de prisão não teve em consideração a culpa do arguido, os seus antecedentes criminais e a sua idade, devendo o mesmo beneficiar do regime penal para jovens delinquentes previsto no Decreto-Lei n.º 401/82


4. Conforme tem sido repetidamente referido e resulta claramente da lei (arts. 432º e 434º CPP), o Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, conhece apenas de direito.
O reexame pelo Supremo Tribunal exige a prévia definição pela Relação dos factos provados, se estes tiverem sido postos em causa. Conforme se afirmou no Ac. de 14-12-2006 - Proc. n.º 4356/06 - 5.ª Secção, relatado pelo Conselheiro Carmona da Mota, tendo os recorrentes ao seu dispor a Relação para discutir a decisão de facto do Tribunal colectivo, vedado lhes ficará pedir ao Supremo Tribunal a reapreciação da decisão de facto tomada pela Relação. E isso porque a competência das Relações, quanto ao conhecimento de facto, esgota os poderes de cognição dos tribunais sobre tal matéria, não podendo pretender-se colmatar o eventual mau uso do poder de fazer actuar aquela competência, reeditando-se no STJ pretensões pertinentes à decisão de facto que lhe são estranhas, pois se hão-de haver como precludidas todas as razões quanto a tal decisão invocadas perante a Relação, bem como as que o poderiam ter sido”.
Só quando se verifique uma omissão na apreciação de determinada questão por parte da Relação, ou quando a decisão se assente em prova proibida ou se pronuncie contra prova vinculada é possível pedir ao Supremo que, no exercício da revisão de direito, declare a existência do vício e extraia as legais consequências.
Bem como, conforme permite o art. 434º do Código de Processo Penal, o Supremo pode oficiosamente julgar verificada a existência de algum dos vícios do art. 410º nº 2 do mesmo Código, o que constitui uma válvula de segurança a utilizar nas situações em que não é possível ao Supremo tomar uma decisão sobre a matéria de direito, por a matéria de facto se revelar ostensivamente insuficiente, ou fundada em erro de apreciação, ou assente em premissas contraditórias.

5 O recorrente alega que a Relação não se pronunciou acerca da validade das declarações do co-arguido CC, que foram obtidas por coacção dos agentes da autoridade. Pretende referir-se às declarações prestadas pelo referido arguido no 1º interrogatório judicial de arguido detido e com as quais aquele arguido foi confrontado em audiência de julgamento.
Do disposto no art. 355º do Código de Processo Penal, preceito que enuncia os princípios de proibição de valoração de provas, resulta, segundo a norma do nº 1, que “não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência”, com ressalva, nos termos do nº 2, quanto às “provas contidas em actos processuais cuja leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas.” É o que acontece com as declarações anteriormente prestadas perante o juiz, as quais podem, ser lidas quando houver contradições ou discrepâncias com as feitas em audiência (art. 356º nº 3).
A Relação reconheceu a validade da prova produzida e a fiabilidade das referidas declarações, não havendo, portanto, qualquer omissão na respectiva apreciação, como pode ler-se no acórdão recorrido:
Os recorrentes fazem assentar a respectiva alegação no facto de o tribunal recorrido ter valorado as declarações constantes de "auto de interrogatório não judicial dos arguidos", "auto de notícia contendo declarações de testemunhas e das partes civis", em violação do art. 355.° e 356.°, n.º 1, al. b), a contrario, do CPP (conclusão I), do arguido Biai).
Todavia, nada disso resulta da fundamentação da sentença - a qual, no que respeita à autoria dos factos provados é bem clara ao apelar para a confissão do arguido CC em audiência de julgamento e para as declarações por este prestadas em sede de 1º interrogatório judicial, as quais foram lidas em audiência, em conformidade com o disposto no art. 357.°, n.º 1, al. b), do mencionado Código - nem o recorrente Biai concretiza que declarações e depoimentos são esses.
A Relação tomou, assim, conhecimento da questão da validade das provas suscitado pelo recorrente, tendo concluído que “porque tais declarações do arguido CC - as prestadas em l.º interrogatório judicial - foram lidas, examinadas e discutidas em audiência, com elas tendo sido confrontado o próprio autor delas, e na presença dos demais co-arguidos e seus ilustres defensores, que às mesmas podiam ter reagido na forma que achassem melhor à respectiva defesa - nada tendo, a tal propósito, requerido - não pode defender-se que tal meio de prova não foi produzido em audiência.”

5.1 Uma parte da doutrina (cfr. Medina de Seiça [O conhecimento probatório do co-arguido; Teresa Pizarro Beleza [«Tão amigos que nós éramos …», Rev. MºPº, nº 74, pág. 39]; mas contra Rodrigo Santiago [“Reflexões sobre as declarações do arguido como meio de prova no código de processo penal de 1987”, RPCC, 1994, p.27) e a jurisprudência têm entendido que têm valor probatório as declarações de um dos arguidos relativas à comparticipação nos factos de alguns ou de todos os restantes arguidos.
Como referem Simas Santos e Leal Henriques (Código de Processo Penal Anotado, I, pág. 847) “a interpretação correcta deverá repousar na consideração de que o arguido, só porque o é, não estará sem mais impedido de depor no próprio processo em que se encontra envolvido. O legislador pretendeu, em primeira linha, construir no Código a figura do arguido, assegurando-lhe todos os meios de defesa, mesmo através de si próprio, pelo que, se o entender necessário à sua defesa, poderá usar o amplo direito que lhe assiste a ser ouvido. E a defesa desta posição leva a que o arguido ou co-arguido não possam ser ouvidos no mesmo processo ou processos conexos como testemunhas, ou seja como intervenientes que não só são obrigados a prestar declarações, como a fazê-lo com verdade (art. 91.º) por tal ser incompatível com a sua posição de interessados no desfecho do processo e com o seu direito ao silêncio.”
E este é o entendimento que este Supremo Tribunal, bem como o Tribunal Constitucional vêm seguindo, ao considerar a necessidade de se respeitar o estatuto do arguido e o seu direito ao silêncio, tal como agora ficou consagrado no nº 4 do art. 345º do Código de Processo Penal.
Mas considerando, tal como a Prof. Teresa Beleza, que se trata de uma prova frágil, pois a credibilidade do depoimento do co-arguido é susceptível de se revelar diminuída, este Supremo Tribunal acentua a necessidade de respeitar o princípio do contraditório, e de observar cautelas especiais na valoração dessas declarações, que sempre devem ser corroboradas com outro(s) meio(s) de prova.
Citando um parecer do Prof. Figueiredo Dias, escrevia-se no acórdão deste Supremo Tribunal, de 12-07-2006 – proc. 1698/06-3, (CJ – Acs S.TJ, ano ano XIV, tomo II, pág. 242): “Como nos dá conta Figueiredo Dias naquele Parecer, entre as soluções propostas para modular doutrinal e normativamente o particular regime das declarações do co-arguido, avulta a doutrina da corroboração, com o que se quer significar «a existência de elementos oriundos de fontes probatórias distintas da declaração que, embora não se reportem directamente ao mesmo facto narrado na declaração, permitem concluir pela veracidade desta. A regra da corroboração traduz de modo particular uma exigência acrescida de fundamentação, devendo a sua falta merecer a censura duma fundamentação insuficiente. Significa que as declarações do co-arguido só podem fundamentar a prova de um facto criminalmente relevante quando existe alguma prova adicional a tornar provável que a história do co-arguido é verdadeira e que é razoavelmente seguro decidir com base nas suas declarações
No presente caso, a Relação verificou que estas exigências foram respeitadas.
Por um lado, face à mudança de atitude do arguido CC, que negava agora o que havia confessado no primeiro interrogatório de arguido detido, foi este arguido confrontado, em audiência, com as suas anteriores declarações, as quais foram, assim, sujeitas ao exercício do contraditório.
Como se referiu no acórdão recorrido, “sustentando-se a decisão do tribunal, no que concerne à actividade criminosa dos arguidos AA e HH (factos das alíneas B) e E) da factualidade provada), nas declarações do referido CC em audiência, conjugadas com as declarações do mesmo arguido em 1º interrogatório judicial, após leitura das mesmas em audiência, conforme resulta da respectiva acta, com as quais o arguido CC foi confrontado, tendo os demais arguidos tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem, em garantia do princípio do contraditório (fls. 1361)”.
Por outro lado, verificou-se que as suas declarações foram corroboradas por outras provas.
Conforme se refere no Parecer do Prof. Figueiredo Dias, a prova adicional destina-se a “tornar provável que a história do co-arguido é verdadeira e que é razoavelmente seguro decidir com base nas suas declarações” e não a obter uma segura confirmação da actividade delituosa do(s) co-arguido(s) ou a sua identificação, identificação que, no presente caso, se tornava necessariamente dificultada pelo facto de os arguidos terem cobertos os rostos com t-shirts. Acerca da corroboração, refere-se no acórdão recorrido: “Chega-se à conclusão que a ocorrência desses mesmos factos é directamente testemunhada pelos próprios ofendidos relativamente às acções que cada um deles sofreu e (salvo quanto à respectiva autoria), bem como pelo próprio arguido CC (para além de alguma prova documental e pericial relativamente a certos pormenores que para o caso não assumem qualquer relevo). Todavia, a respectiva autoria dos factos funda-se exclusivamente nas declarações do arguido CC. Estas conjugam-se com a descrição desses mesmos factos feita pelos ofendidos e demais testemunhas e são corroboradas (salvo quanto á autoria) pelas demais provas.” Esta asserção resulta do exame crítico que recaiu sobre a decisão de 1ª instância, onde se afirmara: “o arguido CC confessou a sua participação no primeiro interrogatório judicial, mas negou o seu envolvimento em audiência de julgamento. Certo é que as primeiras declarações são as mais consentâneas com a restante prova produzida, nomeadamente a circunstância de, aquando dos assaltos em questão, os perpetrantes se fazerem transportar na Toyota Hiace que o arguido subtraíra (testemunhas II, JJ e NN) Ora, no primeiro interrogatório judicial, o referido arguido referiu que os mesmos factos foram cometidos conjuntamente com os arguidos AA e HH.”

5.2 Contrariamente ao alegado pelo recorrente, não foi valorada nenhuma prova proibida.
Como se disse já, o Supremo Tribunal de Justiça e o Tribunal Constitucional vinham considerando válida a prova decorrente das declarações do co-arguido, observadas as três condicionantes: respeito pelo direito do arguido ao silêncio; sujeição das declarações ao contraditório; corroboração das declarações por outros meios de prova, o que se verificou no caso em apreço. Aliás, o Código de Processo Penal apenas na situação descrita no art. 345º nº 4 do Código de Processo Penal considera proibida a prova com base nas declarações do co-arguido. Ora, no caso dos autos, o co-arguido CC não se remeteu ao silêncio. Confessou parte dos factos e negou outros cuja prática confessara no 1º interrogatório judicial de arguido detido, com os quais foi confrontado e relativamente aos quais indicou uma razão (a de ter sido coagido pelas autoridades policiais para o dizer) que não convenceu o tribunal colectivo. Não foi, por isso, violado o seu direito ao silêncio.

Reconhecida a validade das provas, à Relação colocava-se a questão de saber “se as declarações do arguido CC são ou não suficientes para sustentarem a convicção do tribunal nessa parte.” E a tal questão, responde o acórdão em apreço do seguinte modo: “O tribunal recorrido entendeu que sim, dando-lhe a necessária credibilidade e explicando porque eram, do ponto de vista do tribunal, credíveis e até que ponto. Já acima aludimos ao valor de tais declarações como meio de prova, reafirmando-o aqui. Os recorrentes também não contestam o conteúdo dessas declarações, mas apenas a sua validade formal como meio de prova. Logo, esclarecida a validade das mesmas e estando elas sujeitas ao princípio da livre apreciação da prova, a convicção formada pelo tribunal recorrido só estaria verdadeiramente em causa se as provas ora indicadas pelos recorrentes ao abrigo do art. 412.°, n.º 3, al. b), do CPP, impusessem decisão diversa da recorrida. O que não acontece.”
Sendo esta matéria subtraída à apreciação do Supremo Tribunal de Justiça por dizer respeito à questão de facto, sobre ela não temos que nos pronunciar.

6.1 Resta a medida da pena, essa sim uma verdadeira questão de direito.
Considera o recorrente que a pena fixada em 6 anos de prisão não teve em consideração a culpa do arguido, os seus antecedentes criminais e a sua idade, devendo o mesmo beneficiar do regime penal para jovens delinquentes previsto no Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro
Com a publicação deste diploma, foi dada execução ao disposto no art. 9º do Código Penal, norma segundo a qual “aos maiores de 16 anos e menores de 21 são aplicáveis normas fixadas em legislação especial”. Entre outras medidas, nele se estabelece, no art. 4º, que “se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73º e 74º do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultam vantagens para a reinserção social do jovem condenado”.
A jurisprudência, nomeadamente a deste Supremo Tribunal de Justiça, tem mostrado alguma hesitação na aplicação deste regime, existindo uma corrente mais restritiva que defende que, nos casos em que deve ser aplicada pena de prisão, a atenuação especial da pena só se deve verificar quando for possível concluir pela existência duma objectiva vantagem dessa atenuação para a ressocialização do arguido.
Com diferente perspectiva, numa visão mais humanista, tem outra corrente afirmado que a atenuação especial prevista no artº 4º do Decreto-Lei n.º 401/82 deve funcionar como regime-regra, que apenas será de afastar se contra-indicada por uma manifesta ausência de «sérias razões» para se crer que dela possam resultar vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
O preâmbulo do Decreto-Lei nº 401/82, que constitui um elemento interpretativo de grande alcance, favorece esta última interpretação, embora jamais possam ser descurados os interesses fundamentais da comunidade. A necessidade da existência dum regime que faça a ponte entre o direito penal para os inimputáveis em razão da idade, com características marcadamente educadoras e o direito penal geral, que tem carácter sancionatório, encontra-se bem caracterizada na exposição de motivos da Proposta de Lei nº 45/VIII, publicada no "Diário da Assembleia da República", II Série-A, de 21 de Setembro de 2000, de que se transcreve: “Um pouco por todo o lado tem-se vindo a concluir que, embora os jovens adultos não devam ter um estatuto jurídico próprio, porquanto são já penalmente responsáveis, o direito dos jovens delinquentes corresponde como que a uma "parede falsa" entre o direito dos menores e o dos adultos, as representações sociais e as aquisições científicas apontam para a necessidade de lhes serem aplicadas soluções diferenciadas. O direito penal dos jovens adultos surge, assim, como categoria própria, envolvendo um ciclo de vida. Corresponde a uma fase de latência social que faz da criminalidade um fenómeno efémero e transitório. Observa-se, com efeito, nas sociedades modernas, que o acesso à idade adulta não se processa como antigamente, através de ritos de passagem, como eram o fim da escolaridade, o serviço militar ou o casamento, que representavam um ‘virar de página’ na biografia individual. ... Este período de latência social em que o jovem escapa ao controlo escolar e familiar sem se comprometer com novas relações pessoais e profissionais potencia a delinquência, do mesmo modo que, a partir do momento em que o jovem assume responsabilidades e começa a exercer os papéis sociais que caracterizam a idade adulta, regride a hipótese de condutas desviantes.”
No acórdão de 14-07-2004 – proc. n.º 1787/04 - 3, relatado pelo Conselheiro Sousa Fonte, faz-se notar que o legislador “não deixa de instituir a pena de prisão, fá-lo apenas em última instância, como última ratio, quando e apenas isso for exigido pela firme defesa dos interesses fundamentais da sociedade e pela prevenção da criminalidade, o que sucederá no caso de a pena aplicada ser a de prisão superior a 2 anos. Porém, nesse caso, a pena deverá ser especialmente atenuada se concorrerem sérias razões no sentido de que, assim, se facilitará aquela reinserção.” O que justifica a inferência de que “a aplicação da atenuação especial só deverá ser afastada quando os factos demonstrarem estarmos perante aquela especial exigência de defesa da sociedade e seja certo que o jovem delinquente não possui aquela natural capacidade de regeneração. Não se mostrando provado o suporte desta conclusão, deve a pena de prisão ser especialmente atenuada, em homenagem àquele pressuposto da natural capacidade de ressocialização do jovem.”

6.2 A decisão recorrida afastou a aplicação do regime especial com a seguinte fundamentação: No caso dos autos, apesar de se tratar de jovens de idade inferior a 21 anos, sem antecedentes penais, verifica-se que os factos praticados são extremamente graves, são vários os crimes de roubo cometidos numa sequência que revela não se tratar de actos meramente ocasionais e consequentes de um determinado circunstancialismo momentâneo, que os arguidos não demonstraram estar arrependidos e nada se provou em abono da respectiva personalidade e da prognose favorável à sua pretendida inserção social.
O acórdão do tribunal colectivo já não aplicara o regime penal para jovens porque “o modo de execução dos crimes, os motivos e a sua natureza, bem como as condições pessoais e personalidade dos arguidos, legitimam um prognóstico reservado e nada optimista acerca do carácter evolutivo dos arguidos”, embora, ao aqui recorrente BB não se apontassem as reservas colocadas nos relatórios sociais respeitantes aos demais arguidos quanto à sua futura inserção na comunidade em que se integram, acrescentando a decisão que “não se pode ignorar, por outro lado, que este tipo de crimes produz sentimentos de grande insegurança na população, e impõem uma reacção consentânea aos mesmos, por imposição das determinantes da prevenção geral,
Ora, o regime penal previsto no Decreto-Lei n.º 401/82 faz apelo à prevenção especial e não à culpa do agente ou às razões de prevenção geral. Isto é, será tendo em vista a mais fácil reinserção social do arguido que haverá que decidir sobre a aplicação do referido regime penal, procedendo à atenuação especial da pena, a qual só deverá ser arredada se, concomitantemente, os factos revelarem uma especial exigência da defesa da sociedade e o jovem delinquente não exibir uma natural capacidade de regeneração.
Como vimos, as instâncias afastaram a aplicação do regime penal para jovens com fundamento na gravidade dos crimes praticados, os quais produzem sentimentos de grande insegurança na comunidade, determinando uma especial exigência na sua defesa. Ao mesmo tempo, e lamentavelmente, o arguido não tem aproveitado as oportunidades que lhe têm sido dadas para se reinserir socialmente. Conforme consta do Relatório Social de fls.. 1310, “a dinâmica familiar, que até BB entrar para o 5º ano, seria descrita como harmoniosa, cúmplice e contentora, tornou-se difícil e desgastante pelos comportamentos que o jovem começou a apresentar. Nesse período de tempo, o sentimento de ambos os progenitores era de impotência, desespero, sentindo falta de capacidades para inverter o percurso delinquente do menor. … O seu desenvolvimento pessoal é descrito pelos seus progenitores como tendo decorrido dentro da normalidade, apesar da permeabilidade desde cedo sentida, face à influência de terceiros … Apesar de se denotar no jovem capacidade de aprendizagem, o seu desinteresse escolar tornou-se muito elevado, sobrepondo-se o convívio com os amigos a tudo o resto. Na altura do seu internamento em Centro Educativo, o seu grupo de pares era constituído o por jovens com condutas desviantes e anti-sociais. A maioria destes jovens eram mais velhos, residiam num, bairro conotado como facilitador de condutas e comportamentos delinquentes, sendo considerados como fortes influências (negativas) na alteração do comportamentos e atitudes de BB.” Esta característica da personalidade do arguido de se deixar influenciar pelas opiniões dos seus amigos manifestou-se já durante sujeição à medida de coacção de permanência na habitação, no episódio de 18 de Julho de 2007, em que o arguido, cerca das 00h11 se ausentou da habitação dos seus pais, onde cumpria a medida de coacção, acabando por aí regressar cerca das 13h30, depois de os pais o irem buscar à casa da bisavó materna, onde passara a noite. Durante o tempo de ausência retirou o Dispositvo de Identificação Pessoal, que arremessou para uma mata, onde veio a ser encontrado pela GNR. Sujeito a interrogatório judicial, referiu que a sua ausência foi um acto de puro desespero e cansaço motivado pela sua situação de espera quanto à sua posição nos presentes autos. … Um acto isolado mais motivado pelos conselhos que os seus amigos lhe deram e que lhe chamaram à atenção nomeadamente para o facto de o julgamento já ter sido realizado, circunstância esta que facilitou a sua opção. (fls. 1584/5) Quando afastado destes companheiros, como sucedeu aquando do internamento em Centro Educativo, conseguiu completar o 2º ciclo, com bom aproveitamento escolar, vindo a beneficiar de suspensão da medida tutelar antes dela terminar. Mas sempre que se verifica o regresso ao seu meio, o recorrente tende a comportar-se de forma tal que não permite julgar verificada a existência de razões sérias para considerar que a atenuação especial da pena possa contribuir para uma mais profícua reinserção social.
Assim, não deverá beneficiar do regime penal especial para jovens previsto no Decreto-Lei nº 401/88.

6.3 O recorrente cometeu três crimes agravados de roubo previstos pelo art. 210º nºs 1 e 2 al. b) com referência ao art. 204º nº 2 als. e) e f) do Código Penal, puníveis com penas de prisão de 3 a 15 anos.
As instâncias aplicaram a cada um dos três crimes a mesma pena de 4 anos de prisão, independentemente do valor patrimonial da coisa roubada.
O crime de roubo é um crime contra o património, que configura o bem jurídico protegido, sendo, portanto, o valor patrimonial elemento do tipo objectivo de ilícito. Deste modo, diferentemente do que fizeram as instâncias, não se pode afirmar baseado apenas no modo de execução dos factos e na qualificação operada, que o grau de ilicitude nos três crimes agravados de roubo seja o mesmo, e que esse grau seja mediano, uma vez que há que fazer reflectir no grau de ilicitude de cada um dos crimes o valor da coisa subtraída. Deve, por isso, ser considerado de ilicitude mais elevada o roubo de que foi vítima a Farmácia S. Pedro e os roubos dos telemóveis devem também distinguir-se consoante o respectivo valor patrimonial.
Deste modo, tomando em consideração as circunstâncias a que o art. 71º manda atender na fixação da medida concreta da pena, nomeadamente que o grau de ilicitude, a intensidade do dolo, que é directo; a circunstância de o arguido não ter confessado os factos, o que denota falta de arrependimento e de auto-censura; a idade do arguido e a circunstância de ser de modesta condição social e económica e se encontrar inserido familiar e socialmente, mantém-se a pena de 4 anos de prisão pelo roubo na Farmácia S. Pedro, mas fixa-se em 3 anos de prisão a pena pelo roubo do telemóvel de que foi vítima KK e em 3 anos e 6 meses de prisão pelo roubo do telemóvel pertencente a OO.
Dada a alteração das penas parcelares, haverá que reformular o cúmulo jurídico, determinando a pena única dentro duma moldura que tem como limite mínimo 4 anos de prisão e como máximo 13 anos de prisão. Tendo em vista os critérios definidos no art. 77º do Código Penal, atendendo à globalidade dos factos, à circunstância de terem sido cometidos na mesma ocasião e aos traços da personalidade do arguido e também à sua idade, fixa-se a pena única em 5 anos e 6 meses de prisão.

7. Julgado parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido BB e uma vez que o recurso se fundou em motivos não estritamente pessoais, deverá aproveitar aos restantes arguidos, conforme determina o art. 402º nº 2 al. a) do Código de Processo Penal, em virtude de terem agido em comparticipação criminosa com o recorrente.
A comparticipação entre o recorrente BB e os condenados CC e AA sucedeu quantos aos factos descritos na al. e) do elenco dos factos provados, correspondendo aos números 39 a 56, e respeita aos roubos agravados levados a efeito na Farmácia S, Pedro e no clube de vídeo Akuarius.
Sendo similar a responsabilidade criminal de cada um dos agentes, não há que fazer distinções quanto às penas a aplicar a cada um deles pela prática destes crimes, tal como as instâncias haviam decidido. Assim, quer quanto ao condenado CC, quer a AA, altera-se para 3 anos de prisão a pena respeitante ao roubo do telemóvel de que foi vítima KKe para 3 anos e 6 meses de prisão a pena pelo roubo do telemóvel pertencente a OO ocorrido no clube de vídeo Akuarius.
Alteradas estas pena parcelares, há que retirar efeitos quanto à pena única, procedendo a novos cúmulos jurídicos.
A mais grave das penas parcelares aplicada ao arguido CC é de 4 anos de prisão e as diversas penas parcelares somam 21 anos e 5 meses de prisão. Dentro desta moldura, e tendo em consideração que uma pena única que fosse superior à aplicada e transitada violaria o principio da proibição da reformatio in pejus, condena-se o arguido numa pena única de 7 anos e 3 meses de prisão.
Relativamente ao arguido AA, a moldura da pena do cúmulo tem o mínimo de 4 anos e o máximo de 18 anos de prisão. Pelas razões acabadas de expor quanto ao co-arguido CC, fixa-se a nova pena única em 6 anos e 6 meses de prisão.
III
DECISÃO

Termos em que acordam no Supremo Tribunal de Justiça em julgar parcialmente procedente o recurso do arguido BB e, em consequência, em revogar parcialmente a decisão do Tribunal da Relação, condenando o recorrente pela prática de dois crimes agravados de roubo nas penas de 3 (três) anos de prisão e de 3 (três) anos e 6 (seis) , e procedendo ao cúmulo com as duas outras penas fixadas pelas instâncias de 4 (quatro) anos e de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, fixa-se a pena única em 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva, no mais mantendo a decisão recorrida.
Alteram-se quanto aos condenados AA e CC as penas de dois dos crimes de agravados de roubo previstos pelo art. 210º nºs 1 e 2 al. b) com referência ao art. 204º nº 2 als. e) e f) do Código Penal, fixando-as em 3 (três) anos e em 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão para cada um deles e, refazendo-os os cúmulos condena-se:
a) - AA na pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão;
b) - CC a na pena única de 7 (sete) anos e 3 (três) meses de prisão.

Custas pelo recorrente, com taxa de justiça de 4 (quatro) UC.

Lisboa, 7 de Maio de 2009

Arménio Sottomayor (relator)
Souto Moura (“voto o acórdão com a declaração de que não perfilho exactamente a mesma posição quanto à aplicação, em geral, do D.L. 401/82 de 23 de Setembro”)