Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1855/11.9TTLSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: RIBEIRO CARDOSO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE SEGURANÇA
QUEDA EM ALTURA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 09/21/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONDEDIDA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - ACIDENTES DE TRABALHO.
Doutrina:
- Aníbal de Castro, Impugnação das Decisões Judiciais, 2.ª ed., 111.
- Rodrigues Bastos, Notas ao “Código de Processo Civil”, vol. II, 3.ª Edição, 221 e 222; Vol. III, 247.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, 563.º.
CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO (CPT): - ARTIGO 77.º, N.º1.
DECRETO N.º 41.821, DE 11 DE AGOSTO DE 1958: - ARTIGOS 44.º, 174.º, 176.º.
LEI DOS ACIDENTES DE TRABALHO (LAT): - ARTIGO 18.º, N.ºS 1 E 4.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:

-DE 07/03/1985, IN B.M.J., 347.º/477.

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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 05/04/1989, IN B.M.J. 386/446, DE 23/3/90, IN A.J., 7.º/90, 20, DE 12/12/1995, IN C.J., 1995, III/156, DE 18/6/96, C.J., 1996, II/143, DE 31/1/1991, IN B.M.J. 403.º/382.
-DE 09/12/2010, PROC. N.º 838/06.5TTMTS.P1.S1.
-DE 15/12/2011, PROC. N.º 222/03.27TTLRS-A.L2.S1, DE 16/11/2011, PROC. N.º 817/07.5TTBRG.P1.S1, DE 25/11/2010, PROC. N.º 710/04.3TUFMR.P1.S1, E DE 10/11/2010, PROC. N.º 3411/06.4TTLSB.S1, ENTRE OUTROS.
Sumário :

1 - Impõe o art. 44º do Decreto nº 41 821, de 11 de Agosto de 1958 que “no trabalho em cima de telhados que ofereçam perigo pela inclinação, natureza ou estado da sua superfície, ou por efeito de condições atmosféricas se tomem medidas especiais de segurança, tais como a utilização de guarda-corpos, plataformas de trabalho, escadas de telhador e tábuas de rojo”.

2 – As medidas constantes no preceito são meramente exemplificativas, competindo ao técnico responsável pela obra, caso tenha sido nomeado, ao empreiteiro ou residualmente ao dono da obra implementar as concretas medidas necessárias e adequadas a evitar as quedas do telhado para o solo, “face a um juízo de prognose a formular, no quadro do circunstancialismo existente aquando do acidente” e não tendo este como ponto de partida.

3 – De acordo com as regras de distribuição do ónus da prova estabelecidas no art. 342º do CC é sobre a parte que pretende tirar proveito do agravamento da responsabilidade da entidade empregadora, que compete provar os factos que a ela conduzem.


4 – Estando apenas provado que o telhado era inclinado, que o trabalhador desmaiou e caiu do telhado onde estava a trabalhar sentado e que na fachada do prédio existia um andaime que ia até ao telhado, a qual tinha guarda-costas, guarda-corpos duplos e guarda-cabeças do andaime, não há lugar ao agravamento da responsabilidade por inobservância das regras de segurança.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça ([1]) ([2])

1 - RELATÓRIO

AA, com o patrocínio oficioso do Ministério Público, intentou contra BB, LDA, e CC, S.A., ação emergente de acidente de trabalho pedindo que esta seja julgada procedente e as RR condenadas a pagarem-lhe:

I- A pensão anual agravada por incapacidade permanente para o trabalho habitual devida desde 2 de Março de 2012 no montante de € 8.034,53, respondendo a R. seguradora pela pensão normal de € 5.038,98;

II- A indemnização agravada por incapacidade temporária absoluta de € 16.052,24 respondendo a R. seguradora em função da retribuição transferida pela indemnização normal de € 10.009,79. Tendo já pago € 8.395,51 pagará a diferença de € 1.611,48.

III- O subsídio por elevada incapacidade no montante de € 4.948,18.

IV- A indemnização por danos não patrimoniais de € 40.000,00.

V- Juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal sobre as quantias em dívida até integral pagamento estando vencidos € 53,78.

Subsidiariamente, caso improceda a alegada culpa da empregadora e consequente pedido de pensão agravada, uma vez que a retribuição não estava totalmente transferida, deverão ambas as RR ser condenadas a pagar-lhe a pensão total de € 5.655,86, sendo a quota-parte da responsabilidade da seguradora de € 5.038,98 e a da entidade empregadora de € 616,88.

Para tanto invocou que no dia 18/05/2010, pelas 11h00m, em Lisboa, quando exercia as funções de montador de andaimes, sob as ordens, direção e fiscalização da 1ª R., sofreu um acidente quando trabalhava no telhado de um edifício e se encontrava sentado a furar umas chapas com um berbequim, ao rebolar pelas telhas galgou o guarda-costas e o guarda-cabeças do andaime e caiu ao chão de uma altura superior a 7 metros. Como os trabalhadores que consigo executavam o trabalho, não tinha proteção individual, embora houvesse um andaime na fachada do prédio. Tinha sido contratado verbalmente no dia anterior ao acidente, para auferir cerca de € 600,00 por mês. A 1ª R. havia transferido a sua responsabilidade para a 2ª R. em função da retribuição anual de € 8.005,20 [(€ 475,00 x 14 meses) + (€ 123,20 x 11 meses de subsídio de alimentação)], sendo certo que o salário devido, de acordo com o CCT de construção da AECOPS – Associação de Empresas de Construção e Obras Públicas e Serviços e outras, publicado no BTE n.º 12 de 29/03/2010, é de € 545,00 e não o que se encontrava transferido para a seguradora. No acidente sofreu lesões que lhe determinaram ITA de 19/05/2010 a 1/03/2012 e ficou com uma IPATH com IPP residual de 64,7319%, tendo ficado dependente de duas canadianas. Não lhe foi ministrada formação teórico-prática nem foi avisado da necessidade de usar instrumentos de proteção individual, nem os mesmos lhe foram fornecidos, para além de um capacete. Tal omissão da 1ª ré, quanto ao cumprimento das regras de segurança, foi determinante na produção do acidente por si sofrido. Sofreu danos não patrimoniais.

Citadas, as rés contestaram.

A R. seguradora assumiu a sua responsabilidade em função da retribuição transferida (€ 8.005,20), pedindo a imediata absolvição do pedido de danos não patrimoniais, sustentando que tal responsabilidade, por parte da seguradora, não está prevista na lei nem na apólice de seguro. Invocou ainda que a R. empregadora violou várias regras de segurança e higiene do trabalho e que se o A. rebolou pelas telhas e caiu é porque o telhado era inclinado, pelo que, nesse caso, deviam ter sido adotadas medidas especiais de segurança. Caso se prove que foi distribuído ao A. arnês ou cinto de segurança e instalado cabo de suspensão para os mesmos e que este não os utilizou e desobedeceu a instruções dadas pela empregadora, então, o acidente está descaracterizado, nos termos do art.º 14º, nº 1 da LAT. A IPP de que o autor está afetado é apenas de 25,60% e este não depende de ajudas técnicas (canadianas) para se locomover.

A R. empregadora alegou que o A. não exercia a atividade de montador de andaimes, mas de servente, sendo nessa qualidade que foi contratado e que o valor do vencimento desta categoria profissional, de acordo com o CCT aplicável, corresponde exatamente ao valor que se mostrava transferido para a seguradora. Todos os seus trabalhadores têm equipamentos de proteção, nos quais se inclui o cinto de segurança. A estrutura era dotada de elementos de proteção coletiva composta por guarda-corpos duplos, bem como guarda‑cabeças e para reforçar a segurança dos trabalhadores foi colocada uma plataforma adicional entre o andaime e a fachada do edifício em obra. Adotou os procedimentos de segurança adequados não tendo sido por essa razão que se deu o acidente.

O A. respondeu às contestações invocando que o pedido de danos não patrimoniais não é dirigido à seguradora, que não existe qualquer descaracterização do acidente, que não violou qualquer procedimento de segurança, sendo que em sede de tentativa de conciliação a empregadora reconheceu o acidente como de trabalho.

Foi fixada pensão provisória ao sinistrado no valor de € 4.885,26, a cargo de ambas as RR, tendo em consideração o valor da retribuição transferido.

Proferido o saneador, em que se determinou a organização de apenso para fixação da incapacidade, no âmbito do qual foi proferida a respetiva decisão, realizou-se a audiência de julgamento e foi proferida a sentença com o seguinte dispositivo:

“Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a presente acção, e declaro que o sinistrado AA se encontra, desde 1/03/2012, com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual e uma incapacidade permanente parcial de 62,4045%, residual para o exercício de outra actividade como decorrência do acidente de trabalho em causa nos presentes autos e, consequentemente, decide-se o seguinte:

A) O sinistrado tem direito, desde 2/03/2012, a uma pensão anual e vitalícia de € 5. 614,03 (cinco mil e seiscentos e catorze euros e três cêntimos).

B) Por força das actualizações previstas nas Portarias n.º 338/2013 de 21 de Novembro, n.º 378-C/2013, de 31 de Dezembro e n.º 162/2016 de 9 de Junho, o valor das pensões devidas é:

i) a partir de 1/01/2013 € 5.776,84 (cinco mil setecentos e setenta e seis euros e oitenta e quatro cêntimos);

ii) a partir de 1/01/2014 € 5.799,95 (cinco mil setecentos e noventa e nove euros e noventa e cinco cêntimos);

iii) e a partir de 1/01/2016 € 5.823,15 (cinco mil oitocentos e vinte e três euros e quinze cêntimos).

C) Consequentemente, condena-se:

i) A CC, SA no pagamento ao sinistrado dos seguintes valores:

- desde 3/03/2012, uma pensão anual e vitalícia no valor de € 5.001,54 (cinco mil e um euros e cinquenta e quatro cêntimos;

- desde 1/01/2013, uma pensão anual e vitalícia no valor de € 5.146,59 (cinco mil cento e quarenta e seis euros e cinquenta e nove cêntimos);

- desde 1/01/2014, uma pensão anual e vitalícia no valor de € 5.167,18 (cinco mil cento e sessenta e sete euros e dezoito cêntimos);

- desde 1/01/2016, uma pensão anual e vitalícia no valor de € 5.187,84 (cinco mil cento e oitenta e sete euros e oitenta e quatro cêntimos).

ii) A BB, LDA. no pagamento ao sinistrado dos seguintes valores:

- desde 3/03/2012, uma pensão anual e vitalícia no valor de € 612,49 (seiscentos e doze euros e quarenta e nove cêntimos);

- desde 1/01/2013, uma pensão anual e vitalícia no valor de € 630,25 (seiscentos e trinta euros e vinte e cinco cêntimos);

- desde 1/01/2014, uma pensão anual e vitalícia no valor de € 632,77 (seiscentos e trinta a dois euros e setenta e sete cêntimos);

- desde 1/01/2016, uma pensão anual e vitalícia no valor de € 635,31 (seiscentos e trinta e cinco euros e trinta e um cêntimos).

D) Às quantias devidas a título de pensão serão descontados os valores comprovadamente pagos pelas rés ao sinistrado a título de pensão provisória, em conformidade com a decisão de fls. 312-314.

E) O sinistrado tem direito, a título de subsídio por situações de elevada incapacidade, à quantia total de € 4.909,57 (quatro mil, novecentos nove euros e cinquenta e sete cêntimos);

Consequentemente, condena-se:

i) A CC, SA no pagamento ao sinistrado da quantia de € 4.373,94 (quatro mil trezentos e setenta a três euros e noventa e quatro cêntimos);

ii) A BB, LDA. no pagamento ao sinistrado da quantia de € 535,64 (quinhentos e trinta e cinco euros e sessenta e quatro cêntimos).

F) O sinistrado tem direito, a título de indemnização por incapacidades temporárias, à quantia total de € 11.597,45 (onze mil quinhentos e noventa e sete euros e quarenta e cinco cêntimos); Considerando o pagamento parcial já efectuado pela seguradora a esse respeito, condena-se:

i) A CC, SA no pagamento ao sinistrado da quantia de € 1.936,66 (mil novecentos e trinta e seis euros e sessenta e seis cêntimos);

ii) A BB, LDA. no pagamento ao sinistrado da quantia de € 1.265,28 (mil duzentos e sessenta e cinco euros e vinte e oito cêntimos.

G) Tem ainda o sinistrado direito a juros de mora sobre as quantias referidas supra referidas, calculados desde o vencimento das pensões e desde o final de cada quinzena em que cada parcela deveria ter sido liquidada até integral pagamento no que concerne à indemnização por incapacidades temporárias.

H) Absolve-se as rés do demais peticionado pelo autor.

Registe e notifique.

Custas a cargo das rés, na proporção da respectiva responsabilidade, ou seja, 89,09% para a seguradora e 10,91% para a empregadora (art.º 527.º, n.º 1, do Código do Processo Civil, aplicável ex vi art. 1.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo do Trabalho).

Valor da acção: 101.218,60 (cento e um mil, duzentos e dezoito euros e sessenta cêntimos (art.º 120º, n.º 2 do Código de Processo do Trabalho).”

Inconformados, o sinistrado e a seguradora apelaram tendo esta ainda arguido a nulidade da sentença e requerido a alteração da decisão sobre a matéria de facto.

A Relação considerou não verificadas as invocadas nulidades, alterou parcialmente a decisão sobre a matéria de facto e proferiu a seguinte deliberação:

«Em face do exposto, acordam os Juízes deste Tribunal e Secção em julgar parcialmente procedente o recurso do sinistrado e procedente o recurso da Ré seguradora e, em consequência, julgando-se a acção parcialmente procedente, altera-se a sentença recorrida e condena-se:

1- A Ré, BB, Lda, a pagar ao Autor, desde 2.3.2012, uma pensão anual e vitalícia no montante de € 7.971,79, actualizável nos termos definidos nas Portarias acima referidas; a quantia de € 16.050,27, a título de indemnização por incapacidade temporária absoluta para o trabalho; [a] tais quantias deverão ser descontadas as quantias já pagas ao Sinistrado pela Ré Seguradora, sem prejuízo do direito de regresso desta.

2- A Ré CC, S.A., ao abrigo do artigo 79º nº 3 da LAT, a pagar ao sinistrado a pensão anual e vitalícia, actualizável, nos termos acima referidos, no valor de € 5.001,68 e a quantia de € 10.324,51, a título de indemnização por incapacidade temporária, a que deverão ser descontadas as quantias já pagas e sem prejuízo do direito de regresso a que alude aquele normativo;

3- As Rés, CC e BB, Lda, no pagamento ao sinistrado, respectivamente das quantias de € 4.373,94 e de € 535,64, a título de subsídio por elevada incapacidade, sem prejuízo do direito de regresso da seguradora;

4- Ambas as Rés, a pagar ao Sinistrado os juros de mora calculados desde o vencimento das pensões e desde o final de cada quinzena em que cada parcela deveria ter sido liquidada até integral pagamento no que respeita à indemnização por incapacidades temporárias, sem prejuízo do direito de regresso da seguradora; e

5- A Ré, BB, Lda, a pagar ao Autor, a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 15.000,00, a que acrescem juros de mora à taxa legal, até efectivo e integral pagamento.

6- Mantém-se, no mais, a sentença recorrida.

Custas do recurso do Sinistrado, pelo Sinistrado e Ré empregadora na proporção do decaimento e tendo-se em atenção a isenção de que aquele beneficia.

Custas do recurso da Ré seguradora, pela Ré empregadora.»

Desta deliberação recorre a Ré BB de revista para este Supremo Tribunal, arguindo a nulidade do acórdão por não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificaram a revogação da sentença da 1ª instância e impetrando a revogação do acórdão, porque o acidente não só não foi consequência do trabalho que desempenhava como não foi consequência de omissão das regras de segurança.

A seguradora e o sinistrado contra-alegaram pugnando pela manutenção do julgado.

Prevenindo a possibilidade deste Supremo Tribunal não poder conhecer da arguida nulidade, foram as partes, nos termos do art. 3º, nº 3 do CPC, notificadas para se pronunciarem.

A seguradora e a própria recorrente pronunciaram-se no sentido de estar, efetivamente, interdito a este tribunal o conhecimento de tal questão.

Formulou a recorrente as seguintes conclusões, as quais, como se sabe, delimitam o objeto do recurso ([3]) e, consequentemente, o âmbito do conhecimento deste tribunal:

«1. Os presentes autos tiveram origem numa ação judicial decorrente de um "acidente de trabalho" interposta pelo Trabalhador Sinistrado, AA, tendo deduzido o pedido contra a Ré, Entidade Empregadora, BB, aqui Apelante e, também, contra a Apelada, e Ré Seguradora CC, para onde havia sido transferido o risco por acidentes de trabalho;

2. Em sede de 1ª Instância, a Meritíssima Julgadora "a quo" entendeu e condenou nos seguintes termos:

- Que não houve responsabilidade agravada prevista no art.º 18º da Lei de Acidentes de Trabalho ("LAT") logo, improcedeu também a respetiva indemnização os danos morais;

- Condenou a R. BB na parte remuneratória que não se encontrava transferida para a R. seguradora.

- Condenou a R. Seguradora, na parte do risco considerado transferido por força do aludido contrato de seguro;

3. A douta sentença considerou, e bem, que o Trabalhador Sinistrado não tinha direito às "prestações agravadas" nos termos do art.º 18º da LAT, nem ao ressarcimento de "danos não patrimoniais", que apenas seriam devidos no caso de atuação culposa da empregadora;

4. Desta douta decisão da 1ª Instância, interpuseram recurso, o A., Trabalhador Sinistrado e a R. Seguradora, aqui Apelados;

5. Quanto ao recurso do Trabalhador Sinistrado, a Relação acordou em julgar "parcialmente procedente". Quanto ao recurso da R. seguradora foi julgado "procedente ";

6. A razão dos presentes autos da Revista prende-se tão só, e apenas, com uma única questão:

Houve, ou não, responsabilidade agravada da R., Entidade Empregadora, aqui Apelante, por força de um comportamento culposo, ou pela não observação das regras sobre segurança e saúde no trabalho, e ainda, a existência, ou não, do nexo [de] causalidade entre a alegada conduta culposa, ou a alegada inobservância das referidas regras, e o acidente subj[u]dice;

7. Assim, cumpre apenas apreciar a "Responsabilidade Agravada";

8. Diz-nos o Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 41.821 de 11 de Agosto de 1958 que:

"...No trabalho em cima de telhados que ofereçam perigo pela inclinação, natureza ou estado da sua superfície, ou por efeito de condições atmosféricas, tomar-se-ão medidas especiais de segurança, tais como a utilização de guarda-corpos, plataformas de trabalho, escadas de telhador e tábuas de rojo.

§ 1.° As plataformas terão a largura mínima de 0,40 m e serão suportadas com toda a segurança.

As escadas de telhador e as tábuas de rojo serão fixadas solidamente.

§ 2.° Se as soluções indicadas no corpo do artigo não forem praticáveis, os operários utilizarão cintos de segurança providos de cordas que lhes permitam prender-se a um ponto resistente da construção..." (sublinhado nosso);

9. Desde logo, desconhecemos a inclinação do telhado, pelo que, não podemos concluir que a inclinação in casu oferecia perigo;

 10. E, isso nos diz a douta sentença de 1º grau: "...é certo que se provou que o mesmo era inclinado, mas nada mais se apurou no que concerne, desde logo, ao nível de inclinação em causa, de forma a concluir-se que tal inclinação oferecia perigo...";

11. Porém, ainda assim, verifica-se que a R. empregadora colocou "guarda-‑corpos", e "plataformas" de trabalho;

12. Mais uma vez, a douta sentença foi nesse sentido "...Admitindo que a inclinação do telhado oferecia, por si só, perigo, verifica-se, porém, que foram adoptadas pela 1ª ré algumas medidas especiais de segurança, como sejam os guarda-costas, guarda-cabeças e guarda-corpos duplos...";

13. Não era exigível para a situação, ou melhor, para os trabalhos em execução qualquer procedimento adicional de segurança além daqueles que se verificaram;

14. Pelo que, no caso subj[u]dice, não era necessário a utilização de cinto de segurança /arnês;

15. E, se por mera hipótese de raciocínio se admitisse que houve atuação culposa, ou até a não observância das regras de segurança, ainda assim, faltaria para a responsabilidade agravada da R. o já referido "nexo de causalidade" com o acidente;

16. É que se, academicamente, ainda poderíamos admitir uma atuação culposa, quanto muito a não observância das regras de segurança, no que concerne ao "nexo de causalidade" com o acidente jamais, nem sequer, hipoteticamente, é admissível;

17. Assim, não vislumbrarmos qualquer atuação culposa, ou a não observação das regras de segurança, conforme a douta decisão recorrida;

18. Independentemente das condições de segurança adotadas pela R., e da perigosidade do trabalho desempenhado pelo sinistrado, o acidente em crise apenas, e só, ocorreu porque o sinistrado desmaiou. Logo, será a partir deste pressuposto que deverá ser analisada uma eventual responsabilidade agravada/atuação culposa da empregadora;

 19. Importa relembrar que o sinistrado sofria do "...síndrome de privação alcoólica pós-internamento hospitalar, AP - etanolismo crónico...", conforme relatório médico, que se encontra nos presentes autos, junto com a contestação como "Doc. n.º 10";

20. Assim, é inequívoco que o acidente teve origem no desmaio sofrido pelo sinistrado;

21. Desmaio esse, que não foi consequência do trabalho que desempenhava;

22. Como também, não foi consequência da alegada omissão das regras de segurança;

23. Com efeito, outra coisa, totalmente, distinta é se a R. deveria ter observado determinadas regras de segurança;

24. Não podemos confundir a origem / causa do acidente laboral, com a adoção, ou omissão, de medidas de segurança;

25. Sim, porque uma situação, totalmente, distinta seria o caso do acidente de trabalho ter origem por falta de medidas de segurança;

26. Ora, definitiva, e inequivocamente, não foi o caso subj[u]dice;

27. De facto, o artigo 18º da Lei 98/2009, de 04 de Setembro, invocado pelo sinistrado refere que "...Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais...";

28. Sucede que, o acidente não foi provocado pela empregadora, aconteceu, sim, por causa de um desmaio sofrido pelo sinistrado;

29. Como também, o desmaio não resultou por eventual falta de observação das regras de segurança e saúde no trabalho;

30. Deste modo, jamais se poderá admitir, nem sequer por mera hipótese de raciocínio, existência de um qualquer "nexo causal" entre, a falta de uma qualquer medida de segurança, o desmaio, e a queda do A.;

31. Por outro lado, vem ainda a R. Seguradora invocar, e aceite no Acórdão, que ocorreu omissão de formação por parte da R. empregadora ao Sinistrado;

32. Tal como diz a douta sentença de 1º grau: "...por outro lado, o autor tinha, 16 anos de experiência como montador de andaimes e sabia os riscos a que estava sujeito e da necessidade de usar os meios de segurança (factos provados n.°s 18, 19, 36 e 37)... ";

33. Assim, não se verifica que tenha existido qualquer atuação culposa da empregadora e, consequentemente, não poderá haver lugar ao agravamento da sua responsabilidade, como também, tem de cair a indemnização por "danos não patrimoniais".»

A Ré seguradora contra-alegou tendo formulado as seguintes conclusões:

«1) Vem o presente recurso de revista interposto pela co-Ré BB -‑…, Lda., do aliás, douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que julgou parcialmente procedente o recurso então interposto pelo sinistrado, e procedente o recurso interposto pela Ré seguradora, alterando a sentença recorrida, condenando:

a - A Ré BB - …, Lda a pagar ao Autor, desde 2.3.2012, uma pensão anual e vitalícia de € 7.971,79 Euros, actualizável nos termos definidos das Portarias 338/2013 de 21/11, Portaria 378-C/2013 de 31/12, Portaria 162/2016 de 9/06; a quantia de € 16.050,27, a título de indemnização por incapacidade absoluta para o trabalho; a tais quantias deverão ser descontadas as quantias já pagas ao sinistrado pela Ré seguradora, sem prejuízo do direito de regresso desta;

b - A Ré CC, S.A., ao abrigo do art.° 79.° n.° 3 da LAT, a pagar ao sinistrado a pensão anual e vitalícia, actualizável, nos termos acima referidos, no valor de € 5.001,68 e a quantia de € 10.324,51 a título de indemnização por incapacidade temporária, a que deverão ser descontadas as quantias já pagas e sem prejuízo do direito de regresso a que alude aquele normativo.

c - As Rés CC, S.A. e BB - …, Lda, no pagamento ao sinistrado, respectivamente, das quantias de € 4.373,94 e de € 535,64, a título de subsídio por elevada incapacidade, sem prejuízo do direito de regresso da seguradora;

d - Ambas as Rés, a pagar ao sinistrado os juros de mora calculados desde o vencimento das pensões e desde o final de cada quinzena em que cada parcela deveria ter sido liquidada até integral pagamento no que respeita à indemnização por incapacidades temporárias, sem prejuízo do direito de regresso da seguradora;

e - A Ré BB - …, Lda, a pagar ao Autor a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 15.000 Euros a que acrescem os juros de mora à taxa legal, até efectivo e integral pagamento.

f - Mantendo no mais a decisão recorrida.

2) O recurso da Recorrente "BB, Lda" circunscreve-se à discussão de três questões, a saber: i) se houve ou não responsabilidade agravada da R., aqui apelante, por força de um comportamento culposo, ou pela não observação das regras sobre saúde e segurança no trabalho; ii) da verificação ou não do nexo de causalidade entre a alegada conduta culposa ou a alegada inobservância das referidas regras e o acidente sub judice; iii) Se o acidente ocorreu por negligência do trabalhador / sinistrado.

3) A Recorrida acompanha o entendimento do Tribunal da Relação de Lisboa, de que houve inobservância pela entidade empregadora das regras de segurança, ocorrendo, por outro lado, a verificação de nexo causal entre essa inobservância e a ocorrência do sinistro.

4) Da factualidade provada, consta, além do mais, que o sinistrado desenvolvia a sua actividade no telhado de um edifício (cfr. ponto 4 dos factos provados por referência à alínea D) dos factos assentes), que esse telhado encontrava-se a pelo menos 7 metros de altura (ponto 10 dos factos provados); que o sinistrado, por seu lado, estava no topo do telhado, sentado, a colocar umas chapas metálicas a cerca de 1,20 metros de altura - Alínea F) dos factos Assentes.

5) O sinistrado estava, assim a exercer a sua actividade a pelo menos 8,20 metros do solo, o que sem dúvida representa o exercício de trabalhos em altura - assim o atestam, entre outros, as fotos de fls. 111.

6) Por outro lado, também ficou demonstrado que o telhado onde o sinistrado desenvolvia os seus trabalhos era inclinado - conforme resulta do ponto 31 dos factos provados e das fotografia[s] juntas aos autos a fls.

7) Os elementos probatórios carreados para os autos, mormente as fotografias do telhado a fls., levam a concluir, como levaram o Tribunal "a quo" que essa inclinação impunha a adopção de regras de segurança que impedissem a queda dos sinistrados - como infelizmente acabou por acontecer com o sinistrado.

 8) Se não existisse inclinação do telhado, o acidente não teria ocorrido, uma vez que, por razão de ciência e da física, o sinistrado, desmaiando num telhado sem inclinação, nunca teria caído, como caiu...

9) De acordo com o DL 41821 de 11/08/1958, "é obrigatório o emprego de andaimes nas obras de construção civil em que os operários tenham de trabalhar a mais de 4 metros do solo ou de qualquer superfície contínua que ofereça as necessárias condições de segurança".

10) Nos termos do art. 44.° do referido DL 41821 de 11/08/1958, (obras em telhados), "No trabalho em cima de telhados que ofereçam perigo pela inclinação, natureza ou estado de superfície, ou por efeitos de condições climatéricas, tomar-se-ão medidas especiais de segurança, tais como a utilização de guarda corpos, plataformas de trabalho, escadas do telhado e tábuas de rojo.

1.° As plataformas terão a largura mínima de 0,40 m e serão suportadas com toda a segurança. As escadas do telhado[r] e as tábuas de rojo serão fixadas solidamente.

2.° Se as soluções indicadas no ponto anterior não forem praticáveis, os operários utilizarão cintos de segurança providos de cordas que lhes permitam pender-se a um ponto resistente da construção.

11) No caso dos autos, impunha-se assim à Ré a adopção de um comportamento preventivo da ocorrência de acidentes de trabalho, observando normas e procedimentos impeditivos à sua verificação.

12) A norma do art.º 44.° do DL 41821 está construída de molde a que, perante o caso concreto, e de modo a prevenir a ocorrência de acidentes de trabalho em obras em telhados, sejam disponibilizadas, pela entidade empregadora, as medidas de segurança concretas que evitem aquela ocorrência, seja através da colocação de guarda corpos, seja de plataformas de trabalho, seja de escadas de telhado[r] ou tábuas de rojo.

13) O objectivo da norma é pois que, face ao caso concreto, ou seja, do conhecimento que a entidade empregadora tenha do trabalho a desenvolver, e ainda dos potenciais perigos que se lhe apresentem, em função da inclinação, natureza e superfície do telhado, ou por efeitos das condições climatérica, opte pela tomada de medidas de protecção que evitem a ocorrência de acidentes.

14) E, a opção pode ser pela utilização de guarda corpos, plataformas de trabalho, escadas de telhador, tábuas de rojo, ou, se necessário, cintos de segurança providos de cordas que lhes permitam prender-se a um ponto resistente de construção.

15) No caso, e como muito bem sublinhou o acórdão recorrido, a entidade empregadora sabia, e não podia desconhecer, que o trabalho era efectuado em altura, em zona de telhado, que o mesmo era inclinado, e que merecia assim a tomadas de medidas especiais.

16) Essa consciência do risco (acentuado) de queda era tal, que a Ré entidade empregadora alegou, mas não provou, que no momento do acidente, para além do guarda corpos duplo, e de tábuas de rojo, tinha colocado uma plataforma adicional entre o andaime e o prédio.

17) Essa dinâmica (a de que o sinistrado terá caído nesse intervalo entre a fachada do prédio e o andaime) foi justamente invocada em sede de julgamento pela testemunha DD, e consta aliás das fotografias juntas na audiência a fls. dos autos, de onde se verifica, por um lado, a inexistência dessa plataforma adicional, e, por outro, por confronto com fls. 111 (foto a preto e branco) que a "linha de vida" existente para fixação do arnês ou cinto de segurança, no topo do telhado, só ali foi colocada depois da ocorrência do acidente - o que, mais uma vez, reforça ainda mais a ideia da perigosidade da actividade, por um lado, e da consciência que a entidade empregadora tinha dessa mesma perigosidade e do risco de queda em altura, como foi o caso do sinistrado.

18) A entidade empregadora não respeitou, como se lhe impunha, o teor do art.° 44.° do DL 41821, ao não ter estabelecido normas de segurança que impedissem a ocorrência de queda em altura, nomeadamente com a colocação de plataforma adicional, ou com o fornecimento, ao sinistrado, de arnês ou cinto de segurança (cfr. facto provado 40, por referência ao art.° 18.° da Base Instrutória).

19) Ficou demonstrado nos presentes autos que:

a. os trabalhos desenvolvidos pelo sinistrado eram trabalhos a uma altura de pelo menos 8,20 metros;

b. que tais trabalhos eram desenvolvidos em telhado inclinado;

c. que a altura e a inclinação do telhado impunham a adopção de medidas adequadas a evitar quedas em altura;

d. que essas medidas, de acordo com a cognoscibilidade que a entidade empregadora tinha da actividade e circunstâncias em que a mesma se desenvolvia, impunha, para além da existência de guarda corpos duplo, guarda cabeça e tábuas de rojo, a adopção de medidas adicionais, como seja a colocação de plataforma adicional entre o andaime e a fachada do prédio que prevenisse a precipitação do sinistrado para esse intervalo.

e. que, caso tal medida não fosse praticável, deveria ter sido tomada a medida de protecção individual através da entrega de arnês ou cinto de segurança;

f. que a entidade empregadora não tendo fornecido o arnês ou cinto de segurança; e ao não ter providenciado pela plataforma adicional, linha de vida ou outro meio de impedir a queda, inobservou as regras de segurança que se impunham respeitar para evitar o acidente de trabalho.

20) Como se defendeu no acórdão recorrido, "tal pressupunha, necessariamente, por parte da entidade empregadora, e de qualquer empregador razoável colocado na sua posição que, num juízo de prognose, apurasse quais as medidas mais adequadas a evitar o risco de quedas do telhado para o solo e a questionar-se, perante a inclinação que apresentava o telhado e a altura do prédio, se as medidas de segurança que ia utilizar e utilizou eram suficientes para tal efeito".

21) E, continuando aquele douto aresto, "tendo em conta que o telhado oferecia perigo pela sua inclinação e que se situava, pelo menos, a 7,5 m de altura em relação ao solo, que a empregadora conhecia a natureza das tarefas que o Autor iria executar, que o Autor estaria no telhado a furar chapas metálicas, de cerca de 1,20 m de altura, e que para o efeito teria de esticar os braços acima da cabeça para furar as referidas chapas com um berbequim elétrico e proceder à colocação de camarões para que os trabalhadores que se encontravam por cima das chapas pudessem colocar e apertar as anilhas e porcas que seguravam as estruturas (ponto 7 dos factos provados), o que significava que o trabalhador, porque tinha de esticar os braços acima da cabeça e concentrar-se, poderia, a qualquer momento, ficar numa situação de desequilíbrio, era razoável prever que qualquer evento naturalístico que provocasse desequilíbrio, como foi o desmaio, poderia determinar a sua queda ao solo.»

22) Ainda, o facto de, como também sublinhou o acórdão recorrido, não ter ficado provado que, no telhado propriamente dito, ou seja, no local onde se desenvolviam os trabalhos, tenham sido implementadas medidas de segurança (guarda corpos, linha de vida, ou outras), que determinam que, "relativamente aos trabalhos que o sinistrado executava no telhado, sempre estariam inobservadas as regras de segurança exigidas para o caso".

23) E, por isso, é evidente, do ponto de vista da Recorrida, a verificação da inobservância das normas de segurança pela entidade empregadora, mormente as elencadas no artigo 44° do DL 41821 de 11/08/1958.

24) A Recorrente, com a sua conduta, violou, designadamente as normas do art. 44.° do Decreto n.° 41821, de 11.08.1958, no art. 11.° da Portaria n.° 101/96, de 03.04. e o DL n.° 348/93, de 01.10, as quais existem precisamente para evitar acidentes de queda em altura como o que ocorreu na situação em análise.

25) Provando-se no caso dos autos que o sinistrado desmaiou e caiu do telhado de uma altura de 7,5 m, desde a cobertura do 2.° piso para o piso 0, estatelando-se no chão, conclui-se que o sinistro ocorreu na sequência do desmaio e da queda.

26) Ora, se quanto ao desmaio não existem factos provados sobre os seus motivos, já quanto à queda, o facto de a mesma ter sido em altura, e da inclinação do telhado (só assim sendo possível uma precipitação do sinistrado para o solo por acção da gravidade), então consegue-se estabelecer um nexo de causalidade adequada entre a inobservância das regras e o sinistro.

27) Se tivessem sido implementadas as medidas de segurança adequadas, mormente colocação de plataforma adicional, linha de vida e fornecimento ao sinistrado de arnês ou cinto de segurança, tal iria impedir o sinistro de acontecer, porquanto essas regras de segurança impediriam a deslocação por força da gravidade e da inclinação do telhado, do sinistrado, desde o telhado até ao chão.

28) Como conclui o acórdão recorrido: "Contudo, apelando às regras da experiência, podemos afirmar que o sinistrado veio embater no solo porque não existia plataforma no andaime que amparasse o seu corpo em movimento. E só caiu no solo porque não tinha arnês ou cinto de segurança".

29) É assim incorrecto, na perspectiva da Recorrente, e salvo melhor opinião, afirmar-se que não foi demonstrado o nexo causal entre a inobservância das medidas de segurança a adoptar e a ocorrência do acidente.

30) Quanto à alegação, feita pela Recorrente, de que o sinistro ocorreu por negligência do sinistrado, se é certo que essa foi a versão também inicialmente defendida pela ora Recorrida, mesmo em sede de recurso, também é verdade que a factualidade provada, no sentido em que é dada pela Recorrente "BB, Lda", nas suas alegações de recurso, não permite, no nosso humilde entender, descaracterizar o acidente como de trabalho com base na negligência (grosseira) deste.

31) No tocante às nulidades do acórdão invocadas pela recorrente nas suas alegações, as mesmas não podem ser conhecidas pelo Tribunal, por não ter sido observado pela recorrente o ónus de as alegar especifica e separadamente nas suas alegações, conforme assim dispõe o artigo 77.º n.º 1 do Cód. Proc. Trabalho.

Também o sinistrado pela pena do Ministério Público contra-alegou pugnando pela manutenção do julgado, mas sem formular conclusões.

2 – ENQUADRAMENTO JURÍDICO

Os presentes autos respeitam a ação especial emergente de acidente de trabalho participada em 19/05/2011.

- O acórdão recorrido foi proferido em 08/02/2017.

Assim sendo, são aplicáveis:

- O Código de Processo Civil (CPC) na versão conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho;

- O Código de Processo do Trabalho (CPT), na versão operada pelo DL n.º 295/2009, de 13 de Outubro, entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2010.  - A Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro.

3 - ÂMBITO DO RECURSO – DELIMITAÇÃO

Face às conclusões formuladas pela recorrente, as questões submetidas à nossa apreciação consistem em saber:

1 – Se o acórdão é nulo por não especificar os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a revogação da sentença da 1ª instância;

2 – Se o acidente ocorreu por falta de observância das normas de segurança com o consequente agravamento da responsabilidade da empregadora;

3 – Se há lugar à condenação da recorrente em indemnização por danos não patrimoniais.

4 – FUNDAMENTAÇÃO

4.1 – OS FACTOS

As instâncias consideraram provados os seguintes factos:

“1. No dia 18 de Maio de 2010, em Lisboa, o Autor AA exercia a sua actividade, sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré BB - …, Lda., em execução de contrato com esta celebrado no dia anterior. (alínea A) dos factos assentes).

2. O Autor e a Ré BB subscreveram o escrito particular denominado «CONTRATO DE TRABALHO A TERMO CERTO POR PERÍODO IGUAL OU SUPERIOR A SEIS MESES DE ACORDO COM O CÓDIGO DE TRABALHO», cuja cópia consta de fls. 216 e 217 dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, no qual está consignado: «1ª O segundo outorgante é admitido ao serviço do primeiro outorgante para desempenhar as funções incorrentes à categoria profissional de SERVENTE, exercendo a função respectiva com a caracterização sumária definida no CCT, bem como outras que o primeiro outorgante o possa igualmente incumbir… 4ª Ao segundo outorgante será paga uma remuneração mensal base de Euros, 475,00€… acrescida do subsídio de refeição, atribuível nos termos da cláusula 39ª do CCT...Celebrado aos 17 de Maio de 2010…» (alínea B) dos factos assentes).

3. A Ré BB tinha a responsabilidade emergente de acidente de trabalho transferida para a Ré CC, SA em função da retribuição anual de € 8.005,20 (475,00 x 14 retribuição base + 123,20 x 11 subsídio de alimentação), por meio de contrato de seguro titulado pela apólice nº ... do ramo AT, na modalidade de folha de férias, constando da respectiva folha de férias que o Autor é servente. (alínea C) dos factos assentes).

4. Na data e horas referidas em 1, o Autor sofreu um acidente consistente numa queda no local de trabalho, quando o mesmo se encontrava a trabalhar no telhado do edifício do colégio ..., sito na Rua ..., nº…, … em Lisboa, prédio este que estava a ser intervencionado, com obras de beneficiação de remodelação das coberturas. (alínea D) dos factos assentes).

5. A Ré BB dedica-se à actividade de empreiteiro de obras públicas e de indústria da construção civil. (alínea E) dos factos assentes).

6. O referido acidente ocorreu quando o Autor se encontrava sentado no telhado, a furar umas chapas metálicas, de cerca de 1,20 m de altura. (alínea F) dos factos assentes)

7. Tendo para o efeito que esticar os braços acima da cabeça para furar as referidas chapas com um berbequim eléctrico e proceder à colocação de camarões para que os trabalhadores que se encontravam por cima das chapas pudessem colocar e apertar as anilhas e porcas que seguravam as estruturas. (alínea G) dos factos assentes)

8. Tal tarefa era efectuada sob as ordens [do] encarregado-geral EE, chefe de equipa que se encontrava também no telhado. (alínea H) dos factos assentes)

9. Ao executar essa tarefa o Autor não usava protecção individual (arnês). (alínea I) dos factos assentes)

10. E cerca das 10h00, o Autor desmaiou e caiu do telhado de uma altura de 7 metros e meio, desde a cobertura do 2.º piso para o piso zero estatelando-se no chão, ficando inconsciente. (alínea J) dos factos assentes)

11. Embora houvesse na fachada do prédio um andaime que ia até ao telhado, a qual tinha, pelo menos, guarda-costas e guarda-cabeças do andaime. (alínea K) dos factos assentes)

12. Foi transportado de ambulância para o Hospital de S. Francisco Xavier onde esteve 4 dias e posteriormente transferido para o Hospital de S. José, onde sofreu intervenções cirúrgicas a ambos os joelhos, fractura cominutiva da rótula esquerda e fractura exposta maleolar à esquerda. (alínea L) dos factos assentes)

13. Como consequência da queda, resultaram para o Autor as lesões consistentes em traumatismo craneo-encefálico com fenda da face e occipital, fractura cominutiva do planalto tibial à direita, fractura cominutiva da rótula esquerda, e fractura exposta maleolar à esquerda. (alínea M) dos factos assentes)

14. Tais lesões provocaram os seguintes períodos de incapacidades temporárias: Incapacidade Temporária Absoluta de 19 de Maio de 2010 a 1 de Março de 2012. (alínea N) dos factos assentes)

15. A Ré Seguradora atribuiu alta ao Autor em 1 de Março de 2012. (alínea O) dos factos assentes)

16. A Ré Seguradora pagou ao Autor a quantia de € 8.395,51 respeitante ao período de ITA. (alínea P) dos factos assentes)

17. O Autor subscreveu o escrito particular denominado «DECLARAÇÃO DO PLANO DE SEGURANÇA E DE SAÚDE», cuja cópia consta de fls. 216 e 2171 dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, no qual está consignado: «declaro que tomei conhecimento das normas internas de segurança e montagem de andaimes bem como do plano de Segurança e Higiene em vigor na firma BB, entendendo os riscos a que estava sujeito no desempenho das minhas actividades de montagem e desmontagem de andaimes e outras estruturas tubulares… 17 de Maio de 2010». (alínea Q) dos factos assentes)

18. Antes de iniciar tal tarefa não foi ministrado ao Autor pela Ré qualquer formação teórico-prática no que respeita aos riscos do trabalho em coberturas. (alínea R) dos factos assentes)

19. Antes de iniciar tal tarefa, a Ré BB forneceu ao Autor um capacete. (alínea S) dos factos assentes)

20. As intervenções cirúrgicas referidas em 12 desencadearam sofrimento ao Autor. (alínea R) dos factos assentes)

21. A actividade do Autor referida em 1 era de montador de andaimes. (resposta a quesito 1º da base instrutória)

22. A tarefa referida em 6 a 8 era realizada segundo as directrizes da Ré as quais eram veiculadas pelo aludido encarregado geral. (resposta a quesito 4º da base instrutória)

23. Em consequência das lesões referidas em 13 o Autor apresenta as seguintes sequelas: rigidez na flexão do joelho, amiotrofia da coxa, encurtamento do membro, amiotrofia da perna, fractura da tíbia e anquilose do tornozelo. (resposta a quesito 9º da base instrutória)

24. As quais implicam que o Autor esteja dependente de ajudas técnicas na locomoção: “duas canadianas para deambular”. (resposta a quesito 10º da base instrutória)

25. Em razão das referidas sequelas, o Autor ficará para sempre com incapacidade permanente e impossibilitado de desempenhar profissões que exijam esforços físicos. (resposta a quesito 11º da base instrutória)

26. O autor possui o 2º ano do liceu. (resposta a quesito 12º da base instrutória)

27. O referido em 23 e 24 desencadeia sentimentos de desgosto, revolta e frustração ao autor. (resposta a quesito 13º da base instrutória)

28. Por força do referido em 23 o autor padece de sintomas dolorosos. (resposta a quesito 14º da base instrutória)

29. O referido em 9 a 14 tornou o autor uma pessoa triste e angustiada. (resposta a quesito 15º da base instrutória)

30. Sofrimento que o afecta na saúde, alegria de viver, bem-estar físico e psicológico. (resposta a quesito 16º da base instrutória)

31. O telhado era inclinado. (resposta a quesito 17º da base instrutória)

32. Quando o autor caiu, não existia a instalação do cabo de suspensão para arnês. (resposta a quesito 19º da base instrutória)

33. Na intervenção referida em 4, a Ré BB foi contratada na qualidade de subempreiteira para montagem de andaimes e cobertura provisória, trabalhando para o cliente FF, Lda. (resposta a quesito 20º-A da base instrutória)

34. Em data não apurada, posterior ao acidente, foi elaborado pelo empreiteiro da obra um Plano de Segurança geral. (resposta conjunta aos quesitos 21º e 28º da base instrutória)

35. A estrutura (andaimes) referida em 11 tinha guarda corpos duplos. (resposta a quesito 22º da base instrutória

36. A ré tinha conhecimento que o autor, aquando da contratação, tinha 16 anos de experiência no ramo. (resposta a quesito 24º da base instrutória)

37. Pelo que o autor sabia os riscos a que estava sujeito e sabia da necessidade de usar os equipamentos de segurança. (resposta a quesito 25º da base instrutória)

38. A ré BB tem ao serviço um Técnico de Segurança, Higiene e Saúde. (resposta a quesito 27º da base instrutória)

39. E existia a «Ficha de Procedimento de Segurança» cuja cópia consta de fls. 230 a 234 dos autos. (resposta a quesito 29º da base instrutória)

40. - A Ré empregadora não forneceu ao sinistrado arnês ou cinto de segurança (aditado pela Relação).

4.2 - O DIREITO

Vejamos então as referidas questões que constituem o objeto do recurso, mas não sem que antes se esclareça que este tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas alegações e conclusões, mas apenas as questões suscitadas ([4]), bem como, nos termos dos arts. 608º, n.º 2, 663º n.º 2 e 679ºdo Código de Processo Civil, não tem que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras([5]).

4.2.1 - Se o acórdão é nulo por não especificar os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a revogação da sentença da 1ª instância.

Pese embora não conste nas conclusões que, como referido, delimitam o âmbito do conhecimento deste tribunal, a recorrente arguiu nas alegações a nulidade do acórdão recorrido com o fundamento de que nele não se especificam “os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a revogação da douta sentença da 1ª instância”.

Estabelece o art. 77º, nº 1 do CPT:

“1 – A arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso.”

Não oferece dúvidas de que o requerimento de interposição de recurso e as alegações constituem peças processuais diferentes, mesmo que constem do mesmo suporte físico.

Como claramente se estabelece no transcrito art. 77º, nº 1 do CPT, é no requerimento de interposição de recurso e não no corpo das alegações que a arguição das nulidades deve ser feita.

Sendo o requerimento omisso, como é o caso, quanto a essa arguição, a sua exclusiva inclusão nas alegações não é atendível, como constitui jurisprudência consolidada desta Secção, entendimento que mereceu a concordância expressa da recorrente como expressamente referiu no exercício do contraditório.

Pelo referido e sem necessidade de maiores considerandos, não se conhece da invocada nulidade.

4.2.2 – Se o acidente ocorreu por falta de observância das normas de segurança com o consequente agravamento da responsabilidade da empregadora.

Refira-se que não constitui objeto da revista a caracterização ou a descaracterização do acidente como de trabalho, mas apenas se o mesmo ocorreu por falta de observância pela recorrente das normas de segurança, como decidido no acórdão revidendo.

Está provado que no dia 18 de Maio de 2010, em Lisboa, o Autor AA exercia a sua actividade, sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré BB - …, Lda., em execução de contrato com esta celebrado no dia anterior, tendo então sofrido um acidente consistente numa queda no local de trabalho, quando o mesmo se encontrava a trabalhar no telhado do edifício do colégio ..., sito na Rua ..., nº …, … em Lisboa, prédio este que estava a ser intervencionado, com obras de beneficiação de remodelação das coberturas.

O referido acidente ocorreu quando o Autor se encontrava sentado no telhado (que distava 7 metros e meio do solo), a furar umas chapas metálicas, de cerca de 1,20 m de altura, tendo para o efeito que esticar os braços acima da cabeça para furar as referidas chapas com um berbequim eléctrico e proceder à colocação de camarões para que os trabalhadores que se encontravam por cima das chapas pudessem colocar e apertar as anilhas e porcas que seguravam as estruturas. Ao executar essa tarefa o Autor não usava protecção individual (arnês nem cinto de segurança), sendo certo que a entidade empregadora não lhos havia fornecido, tendo-lhe apenas entregue um capacete, bem como não existia a instalação do cabo de suspensão para arnês.

O telhado era inclinado.

Cerca das 10h00, o Autor desmaiou e caiu do telhado de uma altura de 7 metros e meio, desde a cobertura do 2.º piso para o piso zero estatelando-se no chão, ficando inconsciente.

Na fachada do prédio existia um andaime que ia até ao telhado, a qual tinha guarda-costas, guarda corpos duplos e guarda-cabeças do andaime.

Estabelece o art. 44º do Decreto nº 41 821, de 11 de Agosto de 1958 (obras em telhados) ([6]):

“No trabalho em cima de telhados que ofereçam perigo pela inclinação, natureza ou estado da sua superfície, ou por efeito de condições atmosféricas, tomar-se-ão medidas especiais de segurança, tais como a utilização de guarda-corpos, plataformas de trabalho, escadas de telhador e tábuas de rojo.

§ 1.º As plataformas terão a largura mínima de 0,40 m e serão suportadas com toda a segurança. As escadas de telhador e as tábuas de rojo serão fixadas solidamente.

§ 2.º Se as soluções indicadas no corpo do artigo não forem praticáveis, os operários utilizarão cintos de segurança providos de cordas que lhes permitam prender-‑se a um ponto resistente da construção.”

Impõe o preceito que nos trabalhos em cima de telhados inclinados e que ofereçam perigo, se tomem medidas especiais de segurança coletivas de forma a evitar quedas, como sejam a colocação de guarda-corpos, plataformas de trabalho, escadas de telhador e tábuas de rojo. Não sendo praticáveis estas soluções coletivas devem ser tomadas medidas de proteção individual, como sejam cintos de segurança providos de cordas que lhes permitam prender-se a um ponto resistente da construção.

Como resulta do preceito – tais como -, as medidas coletivas preconizadas são meramente exemplificativas. O que se impõe é que se tomem as medidas especiais que se tiverem por adequadas a prevenir os acidentes, nomeadamente as quedas do telhado para o solo.

Por conseguinte, é sobre o técnico responsável pela obra, caso tenha sido nomeado, sobre o empreiteiro ou residualmente sobre o dono da obra (arts. 174º e 176º do referido Decreto 41821) que cabe decidir, na perspetiva do empregador normal e “face a um juízo de prognose a formular, no quadro do circunstancialismo existente aquando do acidente” ([7]), quais as medidas coletivas concretas a implementar. Já as medidas individuais são obrigatoriamente as definidas no transcrito § 2º (para além de outras que, suplementarmente, se queiram implementar).

De acordo com as regras de distribuição do ónus da prova estabelecidas no art. 342º do CC é sobre a parte que pretende tirar proveito do agravamento da responsabilidade da entidade empregadora, que compete provar os factos que a ela conduzem ([8]).

No caso, peticionando o sinistrado e a seguradora o agravamento, sobre eles impendia a prova dos factos determinantes.

De acordo com a matéria de facto provada, a recorrente não implementou as prescritas medidas de segurança individuais, sendo certo que também não vem provado que as medidas coletivas referidas, ou outras, não eram praticáveis, e aquelas, nos termos do transcrito § 2º, apenas são de implementação obrigatória se estas não forem executáveis.

A seguradora invocou que o telhado era inclinado ([9]) e, como ocorreu a queda, não foram implementadas as medidas de segurança legalmente impostas.

Vem, todavia provado que na fachada do prédio existia um andaime que ia até ao telhado, a qual tinha guarda-costas, guarda corpos duplos e guarda-cabeças do andaime.

Conclui-se, assim, que a recorrente implementou as medidas de segurança coletivas legalmente prescritas para evitar a queda pelo beirado do telhado - os guarda-corpos. As plataformas de trabalho, as escadas de telhador e as tábuas de rojo, como resulta da própria denominação, visam evitar outros tipos de queda que não a que vitimou o sinistrado.

Competia assim à seguradora alegar e provar que as medidas implementadas eram insuficientes e inadequadas, não sendo suficiente a mera invocação e prova, que fez, de que o telhado era inclinado, mas em medida que se desconhece, pese embora a lei não defina qual o nível de inclinação do telhado que impõe a implementação das referidas medidas especiais de segurança. O juízo sobre o perigo da inclinação tem por referência a inclinação em si mesma e as características do telhado (se oferece ou não perigo, na perspetiva do bonus pater familias) e não partindo do acidente, como alegou a seguradora.

Ora, existindo na fachada do prédio um andaime que ia até ao telhado, a qual tinha, pelo menos, guarda-costas e guarda-cabeças do andaime e sendo estas as medidas de segurança coletiva legal e abstratamente adequadas, competia, no caso, à seguradora e ao sinistrado alegar e provar que eram insuficientes ou que haviam sido incorretamente executadas, prova que não foi feita.

“Não basta que tenha ocorrido um acidente de trabalho traduzido em queda em altura para, de imediato e sem mais, se poder afirmar que houve violação das regras de segurança, não podendo a eclosão do acidente ser o ponto de partida para se ajuizar da necessidade de implementar uma determinada medida de segurança” ([10]).

Importa ainda considerar que o acidente ocorreu quando o Autor se encontrava sentado no telhado, a furar umas chapas metálicas, de cerca de 1,20 m de altura, posição em que a perda de equilíbrio e eventual queda não se apresentaria com um grau de probabilidade elevado.

Repare-se que o próprio sinistrado não assenta o seu pedido de agravamento da pensão na falta de implementação das adequadas medidas de segurança em face da inclinação do telhado, que, aliás, nem invoca, mas por não lhe ter sido ministrada formação teórico-prática ([11]) e por não lhe terem sido fornecidos os instrumentos de proteção individual (cfr. arts. 21 a 29 da petição).

Como referimos, a entidade empregadora só estava obrigada a fornecer os meios individuais de proteção se os coletivos não fossem praticáveis sendo certo que estes, de acordo com a matéria de facto provada, foram implementados.

Já no que tange ao facto provado de, antes de iniciar as tarefas, não ter sido ministrado ao Autor pela Ré qualquer formação teórico-prática no que respeita aos riscos do trabalho em coberturas, não acarreta, por si só, o agravamento da responsabilidade da empregadora, para além de estar provado que a ré tinha conhecimento que o autor, aquando da contratação, tinha 16 anos de experiência no ramo e que sabia os riscos a que estava sujeito e sabia da necessidade de usar os equipamentos de segurança.

Para que exista responsabilidade agravada, não basta a inobservância das normas de segurança, sendo ainda necessário que exista o nexo de causalidade entre a inobservância e a ocorrência do acidente e consequentes danos (art. 563º do CC), não se exigindo, todavia, que aquela seja a única causa mas apenas que seja idónea e adequada.

Refere-se a este propósito no acórdão recorrido:

«E quanto ao nexo de causalidade, é sabido que a nossa lei adoptou a teoria da causalidade adequada.

Assim e conforme se escreve no Acórdão deste Tribunal e Secção de 20.3.2013, in www.dgsi.pt: “A problemática do nexo de causalidade e a sua inserção teórica equaciona-se num dúplice aspecto:

- A tomada num sentido meramente naturalístico, no restrito âmbito da matéria de facto (saber se o facto, em termos da fenomenologia real e concreta, deu origem ao dano);

 - A considerada na sua vertente eminentemente jurídica (apurar se, à luz da teoria da causalidade adequada, consagrada no artigo 563.º do Código Civil, esse facto concreto pode ser considerado, em abstracto, causa idónea (adequada) do dano verificado.

Ao estabelecer que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, o artigo 563.º do Código Civil acolheu, como é unanimemente reconhecido na doutrina e na jurisprudência, a teoria da causalidade adequada na sua formulação negativa, segundo a qual o estabelecimento do nexo de causalidade, juridicamente relevante para efeito da imputação de responsabilidade, pressupõe que o facto ilícito (acto ou omissão) praticado pelo agente tenha actuado como condição da verificação de certo dano, ou seja, que não foi de todo indiferente para a produção do dano, apresentando-se este como consequência normal, típica ou provável daquele.

A causalidade adequada «não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto conduziu ao dano», sendo «esse processo concreto que há de caber na aptidão geral e abstracta do facto para produzir o dano» — observa o Professor Antunes Varela (Das Obrigações em Geral, Livraria Almedina, 2.ª Edição, Volume I, Coimbra, 1973, p. 752), acolhendo, a propósito, a opinião do Professor Pessoa Jorge, segundo o qual «a adequação não abrange apenas a causa e o efeito isoladamente considerados, mas todo o processo causal», sendo «necessário, por outras palavras, que o efeito tenha resultado do facto, considerado causa dele, pelo processo por que este é abstractamente adequado a produzi-lo».

Não é necessário, para que haja causa adequada, que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano: essencial é que o facto seja condição do dano, mas nada obsta a que, como frequentemente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano — ensina o mesmo Professor na obra citada, p. 750.”

Ora, na factualidade provada nada existe que permita estabelecer, ainda que remotamente, o nexo de causalidade entre a invocada e provada omissão da formação e a ocorrência do acidente.

Em suma, sabendo-se apenas que o telhado era inclinado, que o acidente ocorreu quando o Autor se encontrava sentado no telhado, a furar umas chapas metálicas, de cerca de 1,20 m de altura tendo para o efeito que esticar os braços acima da cabeça para furar as referidas chapas com um berbequim eléctrico e proceder à colocação de camarões para que os trabalhadores que se encontravam por cima das chapas pudessem colocar e apertar as anilhas e porcas que seguravam as estruturas, que cerca das 10h00, o Autor desmaiou e caiu do telhado de uma altura de 7 metros e meio, desde a cobertura do 2.º piso para o piso zero estatelando-se no chão, ficando inconsciente embora houvesse na fachada do prédio um andaime que ia até ao telhado, a qual tinha, pelo menos, guarda-costas, guarda-corpos duplos e guarda-cabeças do andaime, não podemos concluir, como o fez o acórdão revidendo, que o acidente ocorreu por inobservância das normas de segurança.

Refira-se, por último, sobre o invocado desmaio do A., que está assente, com trânsito em julgado, que o acidente foi de trabalho e que o mesmo não se encontra descaracterizado.

Face ao referido concluímos que não há lugar à responsabilidade agravada da entidade empregadora.

4.2.3 – Se há lugar à condenação da recorrente em indemnização por danos não patrimoniais.

Nos termos do nº 1 e 4 do artigo 18º da LAT, “Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais.”

Ora, tendo o pedido de agravamento como causa de pedir a inobservância pela entidade empregadora, ora recorrente, das regras de segurança e tendo-se concluído que essa omissão não se verificou, não está a recorrente obrigada a reparar os danos não patrimoniais sofridos pelo sinistrado.

5. DECISÃO

Pelo exposto delibera-se:

1 – Conceder a revista e revogar o acórdão recorrido, repristinando-se a sentença da 1ª instância.

2 – Condenar a seguradora recorrida nas custas da revista e nas da apelação por si interposta, não as suportando o A. por delas estar isento.

Anexa-se o sumário do acórdão.

Lisboa, 21.09.2017


Ribeiro Cardoso (Relator)

Ferreira Pinto

                  

Chambel Mourisco

_________________
[1] Relatório elaborado tendo por matriz o constante no acórdão recorrido.
[2] Acórdão redigido segundo a nova ortografia com exceção das transcrições em que se manteve a original.
[3] Cfr. 635º, n.º 3 e 639º, n.º 1 do Código de Processo Civil, os Acs. STJ de 5/4/89, in BMJ 386/446, de 23/3/90, in AJ, 7º/90, pág. 20, de 12/12/95, in CJ, 1995, III/156, de 18/6/96, CJ, 1996, II/143, de 31/1/91, in BMJ 403º/382, o ac RE de 7/3/85, in BMJ, 347º/477, Rodrigues Bastos, in “NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL”, vol. III, pág. 247 e Aníbal de Castro, in “IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS”, 2ª ed., pág. 111.    
[4] Ac. STJ de 5/4/89, in BMJ, 386º/446 e Rodrigues Bastos, in NOTAS AO Código de Processo CivIL, Vol. III, pág. 247, ex vi dos arts. 663º, n.º 2, 608º, n.º 2 e 679º do CPC.
[5] Ac. STJ de 5/4/89, in BMJ, 386º/446 e Rodrigues Bastos, in NOTAS AO Código de Processo CivIL, Vol. III, pág. 247.
[6] O Decreto n.º 41.821, publicado em 11 de Agosto de 1958, aprovou o Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil, diploma que previa as normas de segurança a observar no trabalho da construção civil, sendo que o artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29 de Outubro, manteve em vigor as respetivas normas técnicas até à entrada em vigor de novo Regulamento de Segurança para os Estaleiros da Construção Civil.
[7] Como é referido no acórdão desta 4ª Secção, de 9.12.2010, proc. 838/06.5TTMTS.P1.S1 (Mário Pereira).
[8] Neste sentido os acórdãos desta secção de 15.12.2011, proc. 222/03.27TTLRS-A.L2.S1 (Pinto Hespanhol), de 16.11.2011, proc. 817/07.5TTBRG.P1.S1 (Gonçalves Rocha), de 25.11.2010, proc. 710/04.3TUFMR.P1.S1 (Sousa Peixoto) e de 10.11.2010, proc. 3411/06.4TTLSB.S1 (Sousa Grandão), entre outros.
[9] E, ainda assim, em termos conclusivos e tendo como premissa a ocorrência do acidente. Art. 12º da contestação: “Se o A. rebolou pelas telhas, é porque o telhado era inclinado”.
[10] Ac. desta secção de 9.12.2010, proc. 838/06.5TTMTS.P1.S1 (Mário Pereira).
[11] Omissão pela qual a entidade empregadora foi sancionada pela ACT em processo de contraordenação, não o tendo sido pela falta de implementação das medidas especiais de segurança.