Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
09P0487
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SIMAS SANTOS
Descritores: DESOBEDIÊNCIA
PROCESSO SUMÁRIO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
CONCURSO DE INFRACÇÕES
CÚMULO JURÍDICO
PENA ÚNICA
Nº do Documento: SJ200904020004875
Data do Acordão: 04/02/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :

1 – Para que o crime de desobediência do art. 348.º, n.º 1, do C. Penal se verifique, torna-se necessária a existência de uma disposição legal que expressamente comine a punição da desobediência (al. a)) ou, na ausência de disposição legal, uma ordem substancial e formalmente legítima, provinda de autoridade competente para a emitir (al. b).

2 – Com a Lei n.º 48/2007, de 29-08, foi eliminada do CPP a cominação legal de crime de desobediência em caso de não comparência do arguido a audiência em processo sumário (art. 387.º, n.º 2, do CPP), que foi substituída pela advertência de que aquela será realizada, mesmo que o arguido não compareça, sendo representado por defensor.

3 – E se, no domínio da redacção anterior à Lei 48/2007, se entendia que não era aplicável ao caso o disposto na al. b) do n.º 1 do art. 348.º do CP – pois a legitimação do crime de desobediência decorria da al. a) daquela disposição –, então também não é defensável que a eliminação da cominação pelo referido diploma não afasta o recurso àquela al. b). Por isso, se qualquer autoridade emitisse uma ordem, suprindo a omissão legal, notificando o arguido para comparecer à audiência sob cominação do crime de desobediência, tal ordem não seria substancialmente legítima, porque não se encontrava legalmente tutelada, apesar da autoridade ser formalmente competente para a emitir.

4 – Assim, inexiste agora crime de desobediência por falta de comparência de arguido notificado a audiência de julgamento em processo sumário.

5 – Tendo havido descriminalização do crime de desobediência previsto no art. 387.º, n.º 2, do CPP, na redacção anterior à reforma de 2007, é de aplicar retroactivamente a lei penal mais favorável (art. 2.º, n.º 2, do CP) que, embora processualmente localizada, é materialmente substantiva, integrando-se no âmbito doutrinalmente considerado das normas processuais substantivas.»

6 – A pena única é determinada atendendo à soma das penas parcelares que integram o concurso, atento o princípio de cumulação a fonte essencial de inspiração do cúmulo jurídico sem esquecer, no entanto, que o nosso sistema é um sistema de pena unitária em que o limite mínimo da moldura atendível é constituído pela mais grave das penas parcelares (numa concessão minimalista ao princípio da exasperação ou agravação - a punição do concurso correrá em função da moldura penal prevista para o crime mais grave, mas devendo a pena concreta ser agravada por força da pluralidade de crimes), sem que possa ultrapassar a soma das penas concretamente que seriam de aplicar aos crimes singulares.

7 – Frequentemente, no escopo de obstar a disparidades injustificadas da medida da pena, essa “agravação” da pena mais grave é obtida pela adição de uma proporção do remanescente das penas parcelares que oscila, conforme as circunstâncias de facto e a personalidade do agente e por via de regra, entre 1/3 e 1/5.

8 – Se anteriormente foram efectuados cúmulos anteriores, como era o caso, deve atender-se às respectivas penas únicas conjuntas, apesar de tais cúmulos serem desfeitos, retomando todas as penas parcelares a sua autonomia.

9 – Não há concurso entre as penas de um processo e outro posterior se o trânsito do primeiro processo é anterior ao cometimento dos factos dos restantes. Assim, as penas aplicadas nesse processo não entram no cúmulo jurídico e o cumprimento da pena única então aplicada não se confunde com a pena única correspondente aos restantes processos.

10 – Mas, face ao princípio da proibição da reformatio in pejus, uma vez que se trata de recurso trazido exclusivamente pela defesa, não pode ser agravada, por tal circunstância, a pena única fixada.
Decisão Texto Integral:

1.

O Tribunal Colectivo da 4.ª Vara Criminal do Porto (proc.n.º 425/02.7SLPRT) decidiu, por acórdão de 11.11.2008, aplicar ao arguido AA, em cúmulo jurídico, a pena única de 6 anos de prisão e 240 dias de multa à taxa diária de € 2,50, o que perfaz a quantia de € 600,00, ou na pena de 6 anos e 160 dias de prisão, caso não proceda ao pagamento da multa em que foi condenado.

Inconformado recorre o arguido, que contesta a medida da pena única que sustenta dever ser fixada em 5 anos e suspensa na sua execução.

Respondeu o Ministério Público junto do Tribunal recorrido que se pronunciou pela improcedência do recurso.

Distribuídos os autos neste Supremo Tribunal de Justiça, teve vista o Ministério Público que emitiu parecer no sentido de que, na ponderação do ilícito global e da personalidade do arguido e muito fortes exigências de prevenção geral e especial, a pena única fixada acata os critérios fixados no art. 77.º do C. Penal, não merecendo censura.
Colhidos os vistos teve lugar a conferência, pelo que cumpre conhecer e decidir.

2.

E conhecendo.

O Tribunal recorrido partiu dos seguintes factos.

Dos elementos juntos aos autos resulta que o arguido BB foi julgado e condenado nos processos, pelos factos, nas circunstâncias e penas a seguir discriminadas:

– No Processo Comum Singular n° 1455/98.7SJPRT do 2° Juízo Criminal do Porto, por sentença de 02/07/2002, transitada em julgado a 16/9/2002, por factos ocorridos em 12/12/1998, como autor material, na forma consumada e em concurso real, de dois crimes de furto qualificado, um p. e p. pelos arts. 203° e 204°, n° i, ai. e) do Código Penal e outro p. e p. pelos arts. 2003°, n° 1 e 204°, n° 2, al. e) do mesmo diploma, nas penas respectivas de 13 meses de prisão e 24 meses de prisão, vindo a ser-lhe aplicada a pena única de 28 meses de prisão cuja execução foi declarada suspensa pelo período de 3 anos. Ulteriormente, e por decisão já transitada em julgado, foi declarada a revogação da suspensão da execução da pena;

– No Processo Comum Colectivo n° 598/98.1SLPRT da 3 Vara Criminal do Porto, por acórdão datado de 11/10/2007, já transitado em julgado, por factos ocorridos em 23/06/1 998 e 25/09/1 998 que se subsumem à pratica de dois crimes de roubo, p. e p. pelo art. 2 10°, n° 1 do Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses por cada um dos referidos ilícitos, vindo a ser-lhe aplicada a pena única de 2 anos de prisão, que foi declarada suspensa pelo período de 2 anos e com a sujeição a regime de prova, suspensão esta que veio a ser revogada.

Em tais autos veio a ser proferido acórdão cumulatório, sendo aplicada a pena única de 3 anos de prisão, integrando as penas aplicadas no âmbito do Processo Comum Singular n° 1455/98.7SJPRT;

– No Processo Comum Singular n° 633/05.9TSPRD do 1° Juízo Criminal de Paredes, por sentença datada de 23/01/2006, já transitada em julgado, pela pratica em 13/05/2004 de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3°, n° 1 e 2 do D.L. n° 2/98 de 03/01, na pena de 8 meses de prisão, cuja execução foi declarada suspensa pelo período de 24 meses;

– No Processo Comum Singular n° 371/01.1SMPRT do 3º Juízo Criminal do Porto, por sentença datada de 22/04/2005, já transitada em julgado, pela prática em 24/03/2001 de um crime de descaminho de objectos colocados sob o poder público, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22°, 23° e 355°, todos do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão, cuja execução foi declarada suspensa pelo período de 2 anos, suspensão essa que veio a ser revogada;

– No Processo Comum Colectivo n° 356/04.6GBPRD do 2° Juízo Criminal de Paredes, por acórdão datado de 04/04/2006, já transitado em julgado, pela prática em 13/05/2004 de factos que integram a pratica de dois crimes de roubo, p. e p. pelo art. 2 10°, n° 1 do Código Penal, um na pena de 2 anos de prisão e outro na pena de 2 anos e 2 meses de prisão, vindo a ser-lhe aplicada a pena única de 3 anos e 6 meses de prisão;

– No Processo Comum Singular n° 45/04.1SLPRT do 1° Juízo Criminal do Porto, por sentença datada de 15/12/2005, já transitada em julgado, pela prática em 22/01/2004 de um crime de furto, p. e p. pelo art. 203°, n° 1 do Código Penal, na pena de 5 meses de prisão;

– No Processo Abreviado n° 579/05.OPBMTS do 2° Juízo Criminal de Matosinhos, por sentença datada de 23/01/2006, já transitada em julgado, pela prática em 07/05/2005 de factos que se subsumem a um crime de furto, p. e p. pelo art. 203°, n° 1 do Código Penal, na pena de 6 meses de prisão e de um crime de desobediência, p. e p. pelo art. 348°, n° 1, al. a) do mesmo diploma legal, na pena de 45 dias de prisão (que veio a ser considerado como descriminalizado na decisão recorrida), vindo a ser-lhe aplicada a pena única de 7 meses de prisão cuja execução foi declarada suspensa pelo período de um ano, suspensão esta que veio a ser revogada;

– No Processo Abreviado n° 137/06.2SFPRT do 2° Juízo de Pequena Instancia Criminal do Porto, por sentença de 26/03/2007, já transitada em julgado, pela pratica em 30 e 31/07/2006 de factos que se subsumem a um crime de furto, p. e p. pelo art. 203°, n° 1 do Código Penal, na pena de 7 meses de prisão e de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art. 204°, n° 1, al. f) do mesmo diploma legal, na pena de 8 meses de prisão, vindo a ser-lhe aplicada a pena única de 9 meses de prisão;

– No Processo Comum Singular n° 387/04.6PBMAI do 1° Juízo Criminal de Gondomar, por sentença datada de 08/06/2006, já transitada em julgado, pela pratica em 29/05/2004 de um crime de condução de veiculo automóvel sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3°, n° 2 do D.L. n° 2/98 de 03/01, na pena de 180 dias de multa à razão diária de 2,50 ou na pena subsidiária de 120 dias de prisão, que foi declara efectivada;

– No Processo Comum Singular n° 115/04.6SLPRT do 3° Juízo Criminal de Vila Nova de Gaia, por sentença datada de 15/02/2006, já transitada em julgado, pela pratica em 06/03/2004 de um crime de condução de veiculo automóvel sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 30, n° 1 e 2 do D.L. n° 2/98 de 03/01, na pena de 160 dias de multa à razão diária de 2,50;

– No Processo Comum Colectivo n° 425/02.7SLPRT da 4 Vara Criminal do Circulo do Porto, por acórdão do S.T.J. datado de 31 de Maio de 2007, já transitado em julgado, foi condenado pela pratica dos seguintes crimes:

• um crime de furto, na forma consumada, p. e p. pelos art. 203°, n° 1 do Código Penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão, por factos ocorridos em 28 de Maio de 2002;

• um crime de furto, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22°, 23°, 203°, n° 1 do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão, por factos ocorridos em 28 de Julho de 2002;

• um crime de furto, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22°, 23°, 203°, n° 1 do Código Penal, na pena de 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de prisão, por factos ocorridos em 15 de Agosto de 2002;

• um crime de furto, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22°, 23°, 203°, n° 1 do Código Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão, por factos ocorridos em 25 de Fevereiro de 2003;

• um crime de furto, na forma consumada, p. e p. pelo art. 203°, n° 1 do Código Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão, por factos ocorridos em 27 de Fevereiro de 2003;

• um crime de furto, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22°, 23°, 203°, n° 1 do Código Penal, na pena de 4 (quatro) meses de prisão, por factos ocorridos em 27 de Março de 2003;

• um crime de furto, na forma consumada, p. e p. pelo art. 203°, n° 1 do Código Penal, na pena de 11 (onze) meses de prisão, por factos ocorridos em 19 de Abril de 2003;

• um crime de furto, na forma consumada, p. e p. pelo art. 203°, n° 1 do Código Penal, na pena de 11 (onze) meses de prisão, por factos ocorridos em 14 de Maio de 2003;

• um crime de furto, na forma consumada, p. e p. pelo art. 203°, n° 1 do Código Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão, por factos ocorridos em 03 de Dezembro de 2004;

• um crime de desobediência, na forma consumada, p. e p. pelo art. 348°, n° 1 do Código Penal, na pena de 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de prisão (que veio a ser considerado como descriminalizado na decisão recorrida), por factos ocorridos em 03 de Dezembro de 2004, e,

• um crime de desobediência, na forma consumada, p. e p. pelo art. 348°, n° 1 do Código Penal, na pena de 5 (cinco) meses (que veio a ser considerado como descriminalizado na decisão recorrida), por factos ocorridos em 06 de Dezembro de 2004, vindo a ser cominada a pena única de 3 anos de prisão efectiva;

– O arguido AA descende de um casal de limitadas condições socio-económicas. Iniciou o consumo de substâncias estupefacientes durante a adolescência, com o consequente comprometimento progressivo da sua trajectória laboral e sócio-familiar. Trabalhou como operário da construção civil, área laboral que veio a abandonar em face do seu comportamento aditivo com crescente inadequação no contexto familiar e social, traduzida nomeadamente na adopção de postura agressiva para com os familiares e na apropriação indevida de valores do espaço intra e extra residencial e consequentes confrontos com a justiça penal. Esboçou iniciativas terapêuticas que veio a abandonar no seu decurso, tendo, ainda, registado diversos períodos de ausência prolongada da residência, pernoitando em locais abandonados. Na sequencia do não pagamento de uma pena de multa deu entrada no Estabelecimento Prisional do Porto em 06 de Agosto de 2005 com vista ao cumprimento da pena subsidiaria de 166 dias de prisão, que cumpriu. Após retomou o agregado familiar de origem, recorreu ao CAT de Gondomar, onde diz levar a cabo tratamento com vista a debelar a sua adição aos produtos estupefacientes, onde beneficia de apoio psicológico e social, tendo trabalhado na área da construção civil desde Janeiro de 2006. Posteriormente veio a ser preso, encontrando-se em cumprimento de pena. Em meio prisional, não leva a cabo qualquer actividade, sendo que no seu seio foi sujeito a tratamento medico-medicamentoso com vista a debelar a dependências de estupefacientes, não tendo, actualmente, qualquer acompanhamento. Diz-se arrependido e uma vez em liberdade, pretende voltar a viver com a sua companheira e uma filha de ambos, que conta com 20 meses de idade;

– O arguido AA tem antecedentes criminais, por crimes de deserção, roubo e furto, descaminho de objectos e condução sem habilitação legal, estando a cumprir pena privativa de liberdade.

2.2.

Sustenta o recorrente que o tribunal a quo ao aplicar-lhe a pena de 6 anos de prisão, não teve em consideração o facto de o arguido ter praticado os factos enquanto era toxicodependente (conclusões I e II), pois tais factos foram praticados para obter dinheiro para o seu consumo durante o tempo que foi toxicodependente, estando actualmente abstinente de drogas, recorreu ao CAT de Gondomar (conclusão III).

Após ser detido para cumprimento de pena no Estabelecimento Prisional do Porto, continuou o suporte terapêutico, encontrando-se a beneficiar de apoio psicológico e social por parte deste serviço (conclusão IV) e quando for restituído à liberdade irá retornar ao agregado familiar de origem, bem como irá viver com a sua companheira e a filha de ambos de 20 meses de idade, que nasceu já durante o período de tempo que o arguido se encontra em cumprimento de pena (conclusão V), beneficiando do apoio incondicional da família (conclusão VI) e tendo consciência das consequências dos seus comportamentos, em face de experiência de reclusão que experimentou (conclusão VII)

A experiência de detenção vivida abalou-o fisicamente e psicologicamente, demonstrando, a presente data, um propósito firme de evitar novos comportamentos desviantes que o levem a repetição do mesmo (conclusão VIII), pelo que o tribunal a quo não valorou como deveria ter valorado as especiais circunstâncias atenuantes, nomeadamente o arguido ter praticado todos os factos ilícitos num período de formação da sua personalidade (conclusão IX), fazendo apelo à sua personalidade que praticou todos os factos num período de formação da sua personalidade (conclusão X).

«Não se compreende, sendo mesmo repugnante e inaceitável, que o arguido AA, sendo um jovem, actualmente com 27 anos, venha a cumprir uma pena desajustada, efectiva e desproporcional. Afinal, qual é a finalidade da pena? Será mesmo a ressocialização do arguido na sociedade? Pois, quando se aplica uma pena superior e desproporcional ao arguido do processo, parece que se está a contrariar a finalidade da pena» (conclusão XI).

O que tudo são factos, realidades, constantes dos autos, não podem ser omitidos nem menosprezados como factor determinante à adequada e equilibrada sanção a aplicar ao recorrente (conclusão XII).

A decisão recorrida, que deve ser revogada, interpretou de «forma manifestamente errada» as disposições dos art.ºs 40.° n.° 1, 2 e 3, 71.º, n.° 1 e 2 al. d), 72.° n.° 1 e 2 als b), e e), 77.º, 78.º todos do Código Penal (conclusão XIII), devendo ser aplicada uma pena menor (5 anos), suspensa na sua execução (conclusão XIV).

Vejamos, pois, se lhe assiste razão.

Deve começar-se por assinalar que o Tribunal recorrido antes de determinar a pena única em cúmulo, teve em consideração as alterações sofrida pela lei penal substantiva, através da Lei n° 59/2007 de 4 de Setembro, e accionou o mecanismo do n.º 2 do art. 2.º do C. Penal, dada a modificação introduzida pela Lei n° 48/2007 de 29 de Agosto no regime legal relativo ao processo sumário, designadamente a realização de julgamento mesmo em face da ausência do arguido e sem que tal comporte a notícia de crime de desobediência – art.ºs 383°, n° 1, 385°, n° 3 e 389°, todos do CPP em vigor.

E, face à descriminalização da conduta do arguido, no que se refere aos crimes de desobediência com tal génese, julgou extintas as penas parcelares aos mesmos relativas — de 4 meses e 15 dias de prisão e 5 meses de prisão e ainda 45 dias de prisão, respectivamente. O que não vem impugnado e vai ao encontro do já decidido por este Tribunal.

Com efeito, no AcSTJ de 14.1.2009 (proc. n.º 397/08-5, com o mesmo Relator), decidiu-se que:

«6 – Para que o crime de desobediência do art. 348.º, n.º 1, do C. Penal se verifique, torna-se necessária a existência de uma disposição legal que expressamente comine a punição da desobediência (al. a)) ou, na ausência de disposição legal, uma ordem substancial e formalmente legítima, provinda de autoridade competente para a emitir (al. b).

7 – Com a Lei n.º 48/2007, de 29-08, foi eliminada do CPP a cominação legal de crime de desobediência em caso de não comparência do arguido a audiência em processo sumário (art. 387.º, n.º 2, do CPP), que foi substituída pela advertência de que aquela será realizada, mesmo que o arguido não compareça, sendo representado por defensor.

8 – E se, no domínio da redacção anterior à Lei 48/2007, se entendia que não era aplicável ao caso o disposto na al. b) do n.º 1 do art. 348.º do CP – pois a legitimação do crime de desobediência decorria da al. a) daquela disposição –, então também não é defensável que a eliminação da cominação pelo referido diploma não afasta o recurso àquela al. b). Por isso, se qualquer autoridade emitisse uma ordem, suprindo a omissão legal, notificando o arguido para comparecer à audiência sob cominação do crime de desobediência, tal ordem não seria substancialmente legítima, porque não se encontrava legalmente tutelada, apesar da autoridade ser formalmente competente para a emitir.

9 – Assim, inexiste agora crime de desobediência por falta de comparência de arguido notificado a audiência de julgamento em processo sumário.

10 – Tendo havido descriminalização do crime de desobediência previsto no art. 387.º, n.º 2, do CPP, na redacção anterior à reforma de 2007, é de aplicar retroactivamente a lei penal mais favorável (art. 2.º, n.º 2, do CP) que, embora processualmente localizada, é materialmente substantiva, integrando-se no âmbito doutrinalmente considerado das normas processuais substantivas.»

Quando alguém tiver praticado vários crimes, antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa única pena, havendo que ter em conta na ponderação da medida de tal pena, e em conjunto, os factos e a personalidade do arguido – art. 77.º, n.º 1 do C. Penal.
E se, depois de uma condenação transitada em julgado, mas antes da respectiva pena estar cumprida, prescrita ou extinta, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis aquelas regras, mesmo no caso de todos os crimes terem sido objecto, separadamente, de condenações transitadas em julgado – art. 78.º do C. Penal.
A pena única é determinada atendendo à soma das penas parcelares que integram o concurso, atento o princípio de cumulação a fonte essencial de inspiração do cúmulo jurídico sem esquecer, no entanto, que o nosso sistema é um sistema de pena unitária em que o limite mínimo da moldura atendível é constituído pela mais grave das penas parcelares (numa concessão minimalista ao princípio da exasperação ou agravação - a punição do concurso correrá em função da moldura penal prevista para o crime mais grave, mas devendo a pena concreta ser agravada por força da pluralidade de crimes), sem que possa ultrapassar a soma das penas concretamente que seriam de aplicar aos crimes singulares.

Frequentemente, no escopo de obstar a disparidades injustificadas da medida da pena, essa “agravação” da pena mais grave é obtida pela adição de uma proporção do remanescente das penas parcelares que oscila, conforme as circunstâncias de facto e a personalidade do agente e por via de regra, entre 1/3 e 1/5.

Se anteriormente foram efectuados cúmulos anteriores, como era o caso, deve atender-se às respectivas penas únicas conjuntas, apesar de tais cúmulos serem desfeitos, retomando todas as penas parcelares a sua autonomia.

Assim, se bem que nada na lei impede que a pena única conjunta a encontrar possa ser inferior a uma outra pena idêntica anteriormente fixada para parte das penas parcelares, esse resultado apresenta-se como uma antinomia do sistema, uma vez que tendo a anterior pena única conjunta transitado em julgado e começado a ser executada, se vê assim reduzida, aquando da consideração de mais pena(s). Aceitar-se-á que assim possa ser em casos contados e especialmente justificados em que o conhecimento de mais infracções pelo agente constituirá o elo perdido entre condutas permitindo estabelecer uma clara e franca pluriocasionalidade, o que não é o caso presente.

Os limites legais da pena única situam-se entre os 2 anos e 2 meses de prisão – isto por ser a pena parcelar mais elevada – e 20 anos, 2 meses e 15 dias de prisão e 340 dias de multa, já que é a soma de todas as referidas penas parcelares, tendo presente que já foram efectuados vários cúmulos parciais, sendo o maior de 3 anos de prisão e que algumas dessas penas únicas foram suspensas na sua execução, mas a suspensão veio a ser revogada anteriormente ao presente cúmulo.

Os já referidos coeficientes do remanescente das penas parcelares, excluída a pena mais grave, e somados a este, têm os seguintes valores: para 1/3, 8 anos e 2 meses, para 1/4 6 anos e 8 meses e para 1/5, 5 anos e 10 meses.

Quanto à pena única considerou, a decisão recorrida, o seguinte:

«Estabelece o art. 78° do Código Penal que “Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicável ao concurso de crimes”.

Já no dispositivo do art. 77.º do mesmo diploma, no seu n° 1, fica determinado que “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena (...)“, dizendo, noutro passo, quais os critérios a considerar para a estipulação da medida da pena bem como os seus limites.

Tratou o legislador de estipular um regime legal que dita a cumulação das penas dos crimes que estão, entre si, numa relação de concurso, ou seja, os crimes que tenham sido praticados antes da sentença que, não os tendo atendido, poderia já tê-los considerado dado já se ter verificado a respectiva ocorrência.

Vistos os factos dados como assentes em cada um dos identificados processos temos que todas as penas parcelares aplicadas, atenta a data da pratica dos factos integradores dos referidos ilícitos penais e a data das respectivas condenações, se encontram em situação de concurso de crimes, pelo que importa efectivar o cumulo jurídico das mesmas, com a consequente aplicação de uma pena única.

Para a determinação da pena única importa atender, conjuntamente, aos factos e bem assim à personalidade do agente, nos termos gizados no n° 1 do art. 77.º do Código Penal, observados os limites mínimo e máximo da pena única abstractamente aplicável.

Os limites legais da pena única situam-se, pelo mínimo, entre os 2 anos e 2 meses de prisão — isto por ser a pena parcelar mais elevada — e, pelo máximo de 20 anos, 2 meses e 15 dias de prisão e 340 dias de multa, já que é a soma de todas as referidas penas parcelares.

Tendo em conta o numero e a natureza das infracções, o limite temporal em que perdurou a sua conduta delituosa bem como a idade de cada um dos arguidos à data da pratica dos factos e o seu modo de vida compaginando-a com a actual situação pessoal, familiar e de inserção no meio social entende-se ser justa e adequada a pena única de 6 anos de prisão e de 240 (duzentos e quarenta) dias de multa à taxa diária de € 2,50, o que perfaz a quantia de € 600,00 ou na pena de 6 anos e 160 dias de prisão, caso o arguido não proceda ao pagamento da multa em que foi condenado.»

Como vimos a pena única parte de 2 anos e 2 meses de prisão, limite mínimo da respectiva moldura penal, e devem ser ponderados os elementos a que se ateve a decisão recorrida, mas não se vê que essa consideração deva ser levada mais longe na diminuição dessa pena que já se situa bem perto do valor mais elevado aplicado, por via de regra, por este Supremo Tribunal de Justiça: agravação da pena mais grave com de cerca de 1/5 do remanescente das restantes penas parcelares.

Os factos provados não consentem as afirmações que, a esse propósito são feitas pelo recorrente na sua motivação de recurso, com vista à diminuição da pena.

A matéria de facto consente a ligação dos factos à adição do recorrente, mas não com o alcance ou afirmatividade das conclusões II e III, incluindo que está actualmente abstinente de drogas. O que está provado é que «esboçou iniciativas terapêuticas que veio a abandonar no seu decurso, tendo, ainda, registado diversos períodos de ausência prolongada da residência, pernoitando em locais abandonados». Deu entrada na prisão em 6.8.2005 para cumprir pena subsidiaria de prisão e «após retomou o agregado familiar de origem, recorreu ao CAT de Gondomar, onde diz levar a cabo tratamento com vista a debelar a sua adição aos produtos estupefacientes, onde beneficia de apoio psicológico e social, tendo trabalhado na área da construção civil desde Janeiro de 2006». Veio depois a ser preso, encontrando-se em cumprimento de pena. «Em meio prisional, não leva a cabo qualquer actividade, sendo que no seu seio foi sujeito a tratamento medico-medicamentoso com vista a debelar a dependências de estupefacientes, não tendo, actualmente, qualquer acompanhamento» (realçado agora).

Não está provado que, quando for restituído à liberdade irá retornar ao agregado familiar de origem, bem como irá viver com a sua companheira e a filha de ambos de 20 meses de idade, como se sustenta na conclusão V, e que beneficia do apoio incondicional da família (conclusão VI), tendo consciência das consequências dos seus comportamentos, em face de experiência de reclusão que experimentou (conclusão VII), tendo sido abalado fisicamente e psicologicamente, com a prisão e demonstrando, a presente data, um propósito firme de evitar novos comportamentos desviantes que o levem a repetição do mesmo (conclusão VIII).

O que está provado é que «se iniciou no consumo de substâncias estupefacientes durante a adolescência, com o consequente comprometimento progressivo da sua trajectória laboral e sócio-familiar. Trabalhou como operário da construção civil, área laboral que veio a abandonar em face do seu comportamento aditivo com crescente inadequação no contexto familiar e social, traduzida nomeadamente na adopção de postura agressiva para com os familiares e na apropriação indevida de valores do espaço intra e extra residencial e consequentes confrontos com a justiça penal». Que «em meio prisional, não leva a cabo qualquer actividade, sendo que no seu seio foi sujeito a tratamento medico-medicamentoso com vista a debelar a dependências de estupefacientes, não tendo, actualmente, qualquer acompanhamento. Diz-se arrependido e uma vez em liberdade, pretende voltar a viver com a sua companheira e uma filha de ambos, que conta com 20 meses de idade» (realçado agora).

E, nos termos já ditos, face à factualidade apurada, não merece censura a decisão recorrida quanto à medida da pena única infligida e que valorizou bastante as circunstâncias provadas e atendíveis, sendo certo que não está presente uma pluriocasionalidade, mas uma conduta persistente, com um fio condutor relacionado com a adição e que não desvaloriza por si a conduta do arguido, antes torna mais prementes as necessidades de prevenção geral de integração e especial de inserção.

Daí que se mostre deslocada, quer no contexto da ciência do direito, quer no domínio do caso concreto a afirmação contida na conclusão XI sobre o carácter «repugnante e inaceitável» da pena aplicada.

Sucede, porém que não há concurso entre as penas do proc. n° 1455/98.7SJPRT do 2° Juízo Criminal do Porto com as dos processos Comum Singular n° 633/05.9TSPRD do 1° Juízo Criminal de Paredes (factos de 13/05/2004), Comum Colectivo n° 356/04.6GBPRD do 2° Juízo Criminal de Paredes (factos de 13/05/2004), Comum Singular n° 45/04.1SLPRT do 1° Juízo Criminal do Porto (factos de 22/01/2004), Abreviado n° 579/05.OPBMTS do 2° Juízo Criminal de Matosinhos (factos de 07/05/2005), Abreviado n° 137/06.2SFPRT do 2° Juízo de Pequena Instância Criminal do Porto (factos de 30 e 31/07/2006), Comum Singular n° 387/04.6PBMAI do 1° Juízo Criminal de Gondomar (factos de 29/05/2004), Comum Singular n° 115/04.6SLPRT do 3° Juízo Criminal de Vila Nova de Gaia (factos de 06/03/2004), Comum Colectivo n° 425/02.7SLPRT da 4 Vara Criminal do Circulo do Porto (factos de 25 de Fevereiro de 2003 ou posteriores), pois o trânsito do primeiro processo é anterior ao cometimento dos factos dos restantes.

Assim, as penas aplicadas nesse processo não entram no cúmulo jurídico e o cumprimento da pena única então aplicada não se confunde com a pena única correspondente aos restantes processos.

Mantém, pois, autonomia a pena unitária de 28 meses de prisão ali aplicada, e as penas parcelares aplicadas aos seguintes crimes: dois crimes de furto qualificado, um p. e p. pelos arts. 203° e 204°, n° i, ai. e) do Código Penal e outro p. e p. pelos arts. 2003°, n° 1 e 204°, n° 2, al. e) do mesmo diploma, nas penas respectivas de 13 meses de prisão e 24 meses de prisão, não entram no cúmulo efectuado pela decisão recorrida.

Por outro lado, face ao princípio da proibição da reformatio in pejus, uma vez que se trata de recurso trazido exclusivamente pela defesa, não pode ser agravada, por tal circunstância, a pena única fixada.

Assim, é ela reduzida a 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão e 240 (duzentos e quarenta) dias de multa à taxa diária de € 2,50, mantendo-se autónoma a pena única de 28 (vinte e oito) meses de prisão aplicada no Processo Comum Singular n° 1455/98.7SJPRT do 2° Juízo Criminal do Porto, por sentença de 02/07/2002, transitada em julgado a 16/9/2002

3.

Pelo exposto, acordam os juízes da (5.ª) Secção Criminal em negar provimento ao recurso, alterando a decisão recorrida, nos termos acima expostos.

Custas pelo recorrente com a taxa de justiça de 5 Ucs.

Lisboa, 2 de Abril de 2009

Simas Santos (Relator)

Santos Carvalho