Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
460/20.3T8AVR-F.P1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: JOSÉ RAINHO
Descritores: RECURSO DE REVISTA
RECURSO POR ADESÃO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
EXTENSÃO DO RECURSO
SUCUMBÊNCIA
VALOR PARA EFEITOS DE RECURSO
PRESSUPOSTOS
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
REJEIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 06/07/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (COMÉRCIO)
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
I - A adesão ao recurso e o propósito de assumir a posição de recorrente principal não representa uma acumulação superveniente de outros tantos recursos, mas sim uma atividade exercida sobre recurso alheio, e daqui que sujeita em toda a linha à admissibilidade desse recurso alheio.
II - Por isso, se o recurso interposto não for admissível por si mesmo (nomeadamente em razão da sucumbência do recorrente), não é o expediente da extensão do recurso aos compartes não recorrentes que o vai tornar depois admissível.
III - Tendo a recorrente reclamado um crédito pessoal e autónomo de € 9 295,25, que lhe foi reconhecido, os respetivos interesses creditórios no processo confinam-se a essa expressão pecuniária, que representa a sua sucumbência para efeitos de recurso.
IV - O que significa que o acórdão recorrido, ao ter determinado a atendibilidade do crédito hipotecário de um outro credor, só pode (e no pior dos cenários para a recorrente) ter-lhe sido desfavorável (sucumbência) nesse preciso valor de € 9 295,25.
V - Tal valor não excede metade da alçada do tribunal recorrido, que é de € 30 000,00, pelo que, visto o estabelecido no n.º 1 do art. 629.º do CPC, não é admissível o recurso de revista que foi interposto.
VI - A al. b) do n.º 2 do art. 634.º do CPC nada adianta nem pode adiantar à questão da admissibilidade do recurso, limitando-se a figurar um caso de extensão do recurso aos compartes não recorrentes.
VII - A circunstância de dois credores, pese embora a respetiva sucumbência ser superior a metade da alçada da Relação, terem vindo declarar que aderiam ao recurso e que assumiam a posição de recorrentes principais, de modo a que o recurso lhes pudesse aproveitar (extensão do recurso aos compartes), nada tem de relevante para o caso, pois que tal atividade processual não possui a propriedade de tornar admissível um recurso alheio que é à partida inadmissível.
Decisão Texto Integral:


Processo n.º 460/20.3T8AVR-F.P1.S1

Revista

Incidente de reclamação para a conferência

+

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção):

Tendo o relator decidido que o recurso de revista aqui em causa, interposto pela Credora Paintgap Consulting - Soluções de Gestão de Empresas, Lda., não é admissível, reclama a esta para a conferência, requerendo que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão.

+

Encerra o seu requerimento com as seguintes asserções, a que dá o nome de conclusões:

1ª – O Acórdão recorrido era – é - desfavorável aos demais credores comuns, considerados na sua globalidade, em medida superior a metade da alçada do Tribunal recorrido, facto este que aliás havia sido posto em evidência pelo próprio Relator no despacho a que acima nos referimos.

2ª - A prolação da decisão de 1ª instância e confirmada em sede de apelação, por prejudicar de forma unitária os referidos credores comuns, investe-os assim num interesse comum e funcionalmente interdependente, apto a preencher a previsão legal da al. b) do n.º 1[1] do artigo 634.º do CPC.

3ª - Nessa medida, a interposição da presente revista por qualquer daqueles credores graduados como comuns é suficiente para salvaguardar o pressuposto da sucumbência, o qual funciona como como baliza objetiva da dignidade e justificação da intervenção dos Tribunais Superiores.

4ª - A procedência da presente revista beneficia os aludidos credores comuns, globalmente considerados, num valor superior à metade da alçada do Tribunal recorrido e, reversamente, a improcedência da mesma revista prejudica-os em montante equivalente.

5ª - A utilidade económica do recurso não se reconduz às pretensões creditórias dos credores comuns individualmente consideradas, mas sim ao valor do imóvel, cujo produto após venda - expurgada a hipoteca existente – beneficiará a globalidade dos credores comuns numa medida objetivamente quantificável e coincidente com esse valor, a ratear ulteriormente entre eles, permitindo-se assim a satisfação dos créditos reclamados pela universalidade de credores, a quem o presente recurso aproveita.

6ª - A sucumbência deve, assim, ser analisada nessa perspetiva – nomeadamente, à luz do princípio pro actione - da globalidade dos credores a quem a presente revista aproveita e não residualmente em atenção ao mero interesse individual da recorrente.

7ª – Os requisitos de recorribilidade consagrados pelo nº 1 do artigo 629º e alínea b) do nº 2 do artigo 634º, ambos do CPC, não saem beliscados pela subsunção aos mesmos do raciocínio lógico e prático aqui empreendido.

8ª – Impunha-se ao Exmº Juiz Relator que privilegiasse uma interpretação e – assim – a aplicação daqueles preceitos com o alcance que melhor salvaguardasse os imperiosos ditames de justiça material que presidem ao caso concreto, em prol de um interpretação e aplicação acrítica, rígida ou se preferirmos, matemática, dos mesmos.

9ª - Na verificação casuística dos pressupostos de recorribilidade deverá ter-se em linha de conta os efeitos práticos – mediatos e imediatos - que a (im)procedência do presente recurso propiciará e que assim correspondem à verdadeira utilidade económica – para a recorrente mas também para a generalidade dos credores comuns, maxime os que deram adesão expressa ao presente recurso e que estão assim funcional e praticamente na dependência do interesse da recorrente – da presente revista.

+

O Credor Santander Totta, S.A. respondeu à reclamação, concluindo pelo seu indeferimento.

+

Cumpre apreciar e decidir.

+

A decisão do relator sob reclamação tem o seguinte teor:

«As Credoras reclamantes Mind Over Body, Unipessoal, Lda. e M. Moura - Consultores Associados, Lda. vêm anunciar a adesão ao recurso que foi interposto e, sob a invocação da alínea b) do n.º 2 e dos n.ºs 3, 4 e 5 do art. 634.º do CPCivil, declarar que assumem a posição de recorrentes principais.

Nada há a objetar às adesões ao recurso (art. 634.º, n.º 2, alínea a)), pois que será de entender que se está perante interesses comuns.

Também nada há a objetar a que as Credoras assumam, como aderentes, a posição de recorrentes principais (n.º 4, 2ª parte, do art. 634.º)[2].

Contudo, é de observar que estes posicionamentos das Credoras se antolham à partida como inúteis e destinados a não poder produzir quaisquer efeitos, uma vez que, como se dirá a seguir, o recurso que foi interposto não é admissível[3].

+

Vem interposto recurso de revista pela Credora Paintgap Consulting - Soluções de Gestão de Empresas, Lda.

+

O relator proferiu despacho preliminar no sentido de que o recurso não é admissível e abriu às partes a possibilidade de pronúncia sobre a questão.

+

A Recorrente pronunciou-se no sentido de que o recurso é admissível.

+

O Credor Banco Santander Totta, S.A. pronunciou-se no sentido de que o recurso não é admissível.

+

Exatamente como se aponta no despacho preliminar, vê-se que a Recorrente reclamou um crédito comum de €9.295,25, que lhe foi reconhecido.

Deste modo, os respetivos interesses creditórios no processo confinam-se a essa expressão pecuniária.

O que significa que o acórdão recorrido, ao ter determinado a atendibilidade do crédito hipotecário de um outro credor, só pode (e no pior dos cenários para a Recorrente) ter-lhe sido desfavorável (sucumbência) nesse preciso valor de €9.295,25. Nem mais nem menos.

Tal valor não excede metade da alçada do tribunal recorrido, que é de €30.000,00.

Consequentemente, visto o estabelecido no n.º 1 do art. 629.º do CPCivil, não é o presente recurso de revista admissível.

E repetindo o que já consta do despacho preliminar, a circunstância de o acórdão recorrido ser desfavorável aos demais credores comuns em medida superior a metade da alçada do tribunal recorrido não tem aqui qualquer impacto, visto que a Recorrente não é representante desses credores nem tem legitimidade para se substituir a eles e defender no processo os respetivos interesses pessoais e autónomos.

E a circunstância de dois credores terem vindo, aliás apressadamente (e certamente inspirados no que consta do despacho preliminar do relator), declarar a adesão ao recurso e a declarar que assumiam a posição de recorrentes principais, de modo a que o recurso lhes pudesse aproveitar (extensão do recurso aos compartes), nada tem de relevante para o caso, pois que tal atividade processual não possui a propriedade de tornar admissível um recurso alheio que é à partida inadmissível.

Quanto às considerações da Recorrente em torno das “particulares exigências de justiça material do caso concreto” e da “função disciplinadora e corretiva do Supremo Tribunal de Justiça”, cabe simplesmente dizer que nada disso pode servir de argumento para que, e à medida do caso concreto, sejam postergadas as normas legais gerais e imperativas relativas à admissibilidade dos recursos.

+

Decisão

Pelo exposto é a presente revista julgada inadmissível, declarando-se findo o recurso por não haver que conhecer do seu objeto.»

+

Este entendimento do relator apresenta-se inteiramente correto, pelo que não pode deixar de ser mantido.

Desde logo é preciso ter presente que, contrariamente ao que parece pensar a Reclamante, a adesão ao recurso e o propósito de assumir a posição de recorrente principal não representam uma acumulação superveniente de outros tantos recursos (que para todos os efeitos não foram interpostos a seu devido tempo e por quem tinha legitimidade, logo não existem pura e simplesmente), mas sim uma atividade exercida sobre recurso alheio, e daqui sujeita em toda a linha à admissibilidade desse recurso alheio.

Logo, se o recurso interposto não for admissível por si mesmo (nomeadamente em razão da sucumbência do recorrente), não é o expediente da extensão do recurso aos compartes não recorrentes que o vai tornar depois admissível, ainda que pudessem ser admissíveis de per si eventuais recursos (não interpostos) dos compartes. Observe-se, a propósito, que mesmo que no caso vertente os outros compartes tivessem recorrido, nem por isso o recurso interposto pela ora Reclamante seria admissível, pois que a sua sucumbência sempre seria a mesma e única.

Ora, a Recorrente reclamou um crédito comum de €9.295,25, que lhe foi reconhecido. Deste modo, os respetivos interesses creditórios no processo confinam-se a essa expressão pecuniária, sendo que não é representante de outros demais credores, não tem legitimidade para se substituir a eles e defender por via de recurso os respetivos interesses pessoais e autónomos, nem pode modificar a sua própria sucumbência à custa da sucumbência de outros credores.

O que significa que o acórdão recorrido, ao ter determinado a atendibilidade do crédito hipotecário de um outro credor, só pode (e no pior dos cenários para a Recorrente) ter-lhe sido desfavorável (sucumbência) nesse preciso valor de €9.295,25. Nem mais nem menos.

Tal valor não excede metade da alçada do tribunal recorrido, que é de €30.000,00.

Consequentemente, visto o estabelecido no n.º 1 do art. 629.º do CPCivil, não é o presente recurso de revista admissível.

De outro lado, e contrariamente ao que se esforça a Reclamante por defender, não tem proveito para o caso a alínea b) do n.º 2 do art. 634.º do CPCivil. Aliás, tal norma nada adianta nem pode adiantar à questão da admissibilidade do recurso, limitando-se a figurar um caso de extensão do recurso (posto que este seja admissível) aos compartes não recorrentes. Exatamente como se aponta no despacho do relator, a circunstância de dois credores (e pese embora a respetiva sucumbência ser superior a metade da alçada do tribunal recorrido) terem vindo declarar que aderiam ao recurso e que assumiam a posição de recorrentes principais, de modo a que o recurso lhes pudesse aproveitar (extensão do recurso aos compartes), nada tem de relevante para o caso, pois que tal atividade processual não possui a propriedade de tornar admissível um recurso alheio que é à partida inadmissível.

E tal norma (alínea b) do n.º 2 do art. 634.º do CPCivil) não tem aqui aplicação, na medida em que os interesses das Credoras que vieram anuir ao recurso da Recorrente não dependem em nada do interesse da Recorrente, pelo contrário trata-se de interesses totalmente autónomos ou independentes. Como nos diz Fernando Amâncio Ferreira (Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª ed., p. 142), reportando-se a idêntico direito pregresso (alínea b) do n.º 2 do artigo 683.º do anterior Código de Processo Civil), “A segunda excepção refere-se ao caso de dependência de interesses. Verifica-se esta dependência quando há um nexo de prejudicialidade entre o interesse do recorrente e o do não recorrente, ou melhor, quando o interesse do recorrente é prejudicial em relação ao do não recorrente, por o interesse deste se encontrar na dependência do daquele. Será, por exemplo, o caso do interesse do fiador em relação ao do devedor, que recorreu. Decidido, em recurso, que não existe a obrigação do devedor principal, portador do interesse prejudicial, tal aproveita necessariamente ao fiador, titular passivo da obrigação dependente, que se tornará insubsistente, uma vez que a fiança não é válida se o não for a obrigação principal (…)”. Manifestamente que nada disto se ajusta ao caso vertente.

Deste modo, a circunstância de o acórdão recorrido poder ser desfavorável aos demais credores comuns em medida superior a metade da alçada do tribunal recorrido não tem aqui qualquer impacto nem pode servir para, enviesadamente, superar a questão da inadmissibilidade do recurso que foi interposto.

Quanto às asserções da Reclamante em torno do “princípio pro actione”, do “raciocínio lógico e prático aqui empreendido”, dos “imperiosos ditames de justiça material que presidem ao caso concreto” e assim por diante, é simplesmente de dizer que nada disso pode servir de argumento para que, e à medida do caso concreto, sejam postergadas as normas legais gerais e imperativas relativas à admissibilidade dos recursos.

Improcede assim, em toda a linha, a reclamação.

+

Decisão

Pelo exposto acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente a presente reclamação.

Regime de custas

A Reclamante é condenada nas custas inerentes ao incidente da reclamação. Taxa de justiça: 3 Uc’s.

+

Lisboa, 7 de junho de 2022

José Rainho (Relator)

Graça Amaral

Maria Olinda Garcia

++

Sumário (art.s 663.º, n.º 7 e 679.º do CPCivil).

_________________________________________________


[1] Há aqui um lapso de escrita. A Recorrente quis-se referir, naturalmente, ao n.º 2 do artigo 634.º
[2] Mas não há fundamento para que as Credoras possam assumir a posição de recorrentes principais no contexto n.º 5 do art. 634.º, na medida em que elas e a Recorrente não estão em relação de litisconsórcio necessário (pelo contrário, são sujeitos de relações creditórias totalmente autónomas e independentes, que levaram simplesmente a algo equiparável a uma cumulação de ações) nem se verifica a hipótese prevista na alínea b) do n.º 2 do art. 634.º. Quanto a este último ponto é de dizer que o interesse das Credoras, ainda que comuns ao da Recorrente, não dependem em nada do interesse da Recorrente. Trata-se de interesses paralelos, não de interesses em relação de dependência.
V. a propósito Amâncio Ferreira (Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª ed., p. 142). Reportando-se a idêntico direito pregresso (alínea b) do n.º 2 do artigo 683.º do anterior Código de Processo Civil), aduz o autor: “A segunda excepção refere-se ao caso de dependência de interesses. Verifica-se esta dependência quando há um nexo de prejudicialidade entre o interesse do recorrente e o do não recorrente, ou melhor,, quando o interesse do recorrente é prejudicial em relação ao do não recorrente, por o interesse deste se encontrar na dependência do daquele. Será, por exemplo, o caso do interesse do fiador em relação ao do devedor, que recorreu. Decidido, em recurso, que não existe a obrigação do devedor principal, portador do interesse prejudicial, tal aproveita necessariamente ao fiador, titular passivo da obrigação dependente, que se tornará insubsistente, uma vez que a fiança não é válida se o não for a obrigação principal (…)”.
[3] A adesão ao recurso e a possibilidade de assumir a posição de recorrente principal estão, obviamente, dependentes de o recurso interposto ser admitido, não formando tal atividade qualquer recurso diferente do que foi efetivamente interposto.
Como nos diz Francisco Ferreira de Almeida (Direito Processual Civil II, p. 428), “Não existindo, na fase dos recursos, a figura do litisconsórcio ou da coligação, a adesão não investe o aderente na posição processual de recorrente. Assiste, todavia, ao aderente o direito de (a qualquer momento) abandonar a posição (passiva) de simples aderente para assumir a posição (ativa) de recorrente principal, passando a desenvolver atividade própria, no decurso da fase recursória, opção que normalmente ocorrerá quando a atividade desenvolvida pelo recorrente principal (inicial) lhe não oferecer plenas garantias de sucesso, v.g., apresentando alegações diferentes das do primitivo recorrente (…)”.