Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6.ª SECÇÃO | ||
Relator: | JOSÉ RAINHO | ||
Descritores: | RECURSO DE REVISTA RECURSO POR ADESÃO ADMISSIBILIDADE DE RECURSO EXTENSÃO DO RECURSO SUCUMBÊNCIA VALOR PARA EFEITOS DE RECURSO PRESSUPOSTOS RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS REJEIÇÃO DE RECURSO | ||
Data do Acordão: | 06/07/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA (COMÉRCIO) | ||
Decisão: | INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO. | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO. | ||
Sumário : | I - A adesão ao recurso e o propósito de assumir a posição de recorrente principal não representa uma acumulação superveniente de outros tantos recursos, mas sim uma atividade exercida sobre recurso alheio, e daqui que sujeita em toda a linha à admissibilidade desse recurso alheio. II - Por isso, se o recurso interposto não for admissível por si mesmo (nomeadamente em razão da sucumbência do recorrente), não é o expediente da extensão do recurso aos compartes não recorrentes que o vai tornar depois admissível. III - Tendo a recorrente reclamado um crédito pessoal e autónomo de € 9 295,25, que lhe foi reconhecido, os respetivos interesses creditórios no processo confinam-se a essa expressão pecuniária, que representa a sua sucumbência para efeitos de recurso. IV - O que significa que o acórdão recorrido, ao ter determinado a atendibilidade do crédito hipotecário de um outro credor, só pode (e no pior dos cenários para a recorrente) ter-lhe sido desfavorável (sucumbência) nesse preciso valor de € 9 295,25. V - Tal valor não excede metade da alçada do tribunal recorrido, que é de € 30 000,00, pelo que, visto o estabelecido no n.º 1 do art. 629.º do CPC, não é admissível o recurso de revista que foi interposto. VI - A al. b) do n.º 2 do art. 634.º do CPC nada adianta nem pode adiantar à questão da admissibilidade do recurso, limitando-se a figurar um caso de extensão do recurso aos compartes não recorrentes. VII - A circunstância de dois credores, pese embora a respetiva sucumbência ser superior a metade da alçada da Relação, terem vindo declarar que aderiam ao recurso e que assumiam a posição de recorrentes principais, de modo a que o recurso lhes pudesse aproveitar (extensão do recurso aos compartes), nada tem de relevante para o caso, pois que tal atividade processual não possui a propriedade de tornar admissível um recurso alheio que é à partida inadmissível. | ||
Decisão Texto Integral: |
Processo n.º 460/20.3T8AVR-F.P1.S1 Revista Incidente de reclamação para a conferência +
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção):
Tendo o relator decidido que o recurso de revista aqui em causa, interposto pela Credora Paintgap Consulting - Soluções de Gestão de Empresas, Lda., não é admissível, reclama a esta para a conferência, requerendo que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão. + Encerra o seu requerimento com as seguintes asserções, a que dá o nome de conclusões:
1ª – O Acórdão recorrido era – é - desfavorável aos demais credores comuns, considerados na sua globalidade, em medida superior a metade da alçada do Tribunal recorrido, facto este que aliás havia sido posto em evidência pelo próprio Relator no despacho a que acima nos referimos. 2ª - A prolação da decisão de 1ª instância e confirmada em sede de apelação, por prejudicar de forma unitária os referidos credores comuns, investe-os assim num interesse comum e funcionalmente interdependente, apto a preencher a previsão legal da al. b) do n.º 1[1] do artigo 634.º do CPC. 3ª - Nessa medida, a interposição da presente revista por qualquer daqueles credores graduados como comuns é suficiente para salvaguardar o pressuposto da sucumbência, o qual funciona como como baliza objetiva da dignidade e justificação da intervenção dos Tribunais Superiores. 4ª - A procedência da presente revista beneficia os aludidos credores comuns, globalmente considerados, num valor superior à metade da alçada do Tribunal recorrido e, reversamente, a improcedência da mesma revista prejudica-os em montante equivalente. 5ª - A utilidade económica do recurso não se reconduz às pretensões creditórias dos credores comuns individualmente consideradas, mas sim ao valor do imóvel, cujo produto após venda - expurgada a hipoteca existente – beneficiará a globalidade dos credores comuns numa medida objetivamente quantificável e coincidente com esse valor, a ratear ulteriormente entre eles, permitindo-se assim a satisfação dos créditos reclamados pela universalidade de credores, a quem o presente recurso aproveita. 6ª - A sucumbência deve, assim, ser analisada nessa perspetiva – nomeadamente, à luz do princípio pro actione - da globalidade dos credores a quem a presente revista aproveita e não residualmente em atenção ao mero interesse individual da recorrente. 7ª – Os requisitos de recorribilidade consagrados pelo nº 1 do artigo 629º e alínea b) do nº 2 do artigo 634º, ambos do CPC, não saem beliscados pela subsunção aos mesmos do raciocínio lógico e prático aqui empreendido. 8ª – Impunha-se ao Exmº Juiz Relator que privilegiasse uma interpretação e – assim – a aplicação daqueles preceitos com o alcance que melhor salvaguardasse os imperiosos ditames de justiça material que presidem ao caso concreto, em prol de um interpretação e aplicação acrítica, rígida ou se preferirmos, matemática, dos mesmos. 9ª - Na verificação casuística dos pressupostos de recorribilidade deverá ter-se em linha de conta os efeitos práticos – mediatos e imediatos - que a (im)procedência do presente recurso propiciará e que assim correspondem à verdadeira utilidade económica – para a recorrente mas também para a generalidade dos credores comuns, maxime os que deram adesão expressa ao presente recurso e que estão assim funcional e praticamente na dependência do interesse da recorrente – da presente revista. + O Credor Santander Totta, S.A. respondeu à reclamação, concluindo pelo seu indeferimento. + Cumpre apreciar e decidir. + A decisão do relator sob reclamação tem o seguinte teor:
«As Credoras reclamantes Mind Over Body, Unipessoal, Lda. e M. Moura - Consultores Associados, Lda. vêm anunciar a adesão ao recurso que foi interposto e, sob a invocação da alínea b) do n.º 2 e dos n.ºs 3, 4 e 5 do art. 634.º do CPCivil, declarar que assumem a posição de recorrentes principais. Nada há a objetar às adesões ao recurso (art. 634.º, n.º 2, alínea a)), pois que será de entender que se está perante interesses comuns. Também nada há a objetar a que as Credoras assumam, como aderentes, a posição de recorrentes principais (n.º 4, 2ª parte, do art. 634.º)[2]. Contudo, é de observar que estes posicionamentos das Credoras se antolham à partida como inúteis e destinados a não poder produzir quaisquer efeitos, uma vez que, como se dirá a seguir, o recurso que foi interposto não é admissível[3]. + Vem interposto recurso de revista pela Credora Paintgap Consulting - Soluções de Gestão de Empresas, Lda. + O relator proferiu despacho preliminar no sentido de que o recurso não é admissível e abriu às partes a possibilidade de pronúncia sobre a questão. + A Recorrente pronunciou-se no sentido de que o recurso é admissível. + O Credor Banco Santander Totta, S.A. pronunciou-se no sentido de que o recurso não é admissível. + Exatamente como se aponta no despacho preliminar, vê-se que a Recorrente reclamou um crédito comum de €9.295,25, que lhe foi reconhecido. Deste modo, os respetivos interesses creditórios no processo confinam-se a essa expressão pecuniária. O que significa que o acórdão recorrido, ao ter determinado a atendibilidade do crédito hipotecário de um outro credor, só pode (e no pior dos cenários para a Recorrente) ter-lhe sido desfavorável (sucumbência) nesse preciso valor de €9.295,25. Nem mais nem menos. Tal valor não excede metade da alçada do tribunal recorrido, que é de €30.000,00. Consequentemente, visto o estabelecido no n.º 1 do art. 629.º do CPCivil, não é o presente recurso de revista admissível. E repetindo o que já consta do despacho preliminar, a circunstância de o acórdão recorrido ser desfavorável aos demais credores comuns em medida superior a metade da alçada do tribunal recorrido não tem aqui qualquer impacto, visto que a Recorrente não é representante desses credores nem tem legitimidade para se substituir a eles e defender no processo os respetivos interesses pessoais e autónomos. E a circunstância de dois credores terem vindo, aliás apressadamente (e certamente inspirados no que consta do despacho preliminar do relator), declarar a adesão ao recurso e a declarar que assumiam a posição de recorrentes principais, de modo a que o recurso lhes pudesse aproveitar (extensão do recurso aos compartes), nada tem de relevante para o caso, pois que tal atividade processual não possui a propriedade de tornar admissível um recurso alheio que é à partida inadmissível. Quanto às considerações da Recorrente em torno das “particulares exigências de justiça material do caso concreto” e da “função disciplinadora e corretiva do Supremo Tribunal de Justiça”, cabe simplesmente dizer que nada disso pode servir de argumento para que, e à medida do caso concreto, sejam postergadas as normas legais gerais e imperativas relativas à admissibilidade dos recursos. + Decisão Pelo exposto é a presente revista julgada inadmissível, declarando-se findo o recurso por não haver que conhecer do seu objeto.» +
Este entendimento do relator apresenta-se inteiramente correto, pelo que não pode deixar de ser mantido. Desde logo é preciso ter presente que, contrariamente ao que parece pensar a Reclamante, a adesão ao recurso e o propósito de assumir a posição de recorrente principal não representam uma acumulação superveniente de outros tantos recursos (que para todos os efeitos não foram interpostos a seu devido tempo e por quem tinha legitimidade, logo não existem pura e simplesmente), mas sim uma atividade exercida sobre recurso alheio, e daqui sujeita em toda a linha à admissibilidade desse recurso alheio. Logo, se o recurso interposto não for admissível por si mesmo (nomeadamente em razão da sucumbência do recorrente), não é o expediente da extensão do recurso aos compartes não recorrentes que o vai tornar depois admissível, ainda que pudessem ser admissíveis de per si eventuais recursos (não interpostos) dos compartes. Observe-se, a propósito, que mesmo que no caso vertente os outros compartes tivessem recorrido, nem por isso o recurso interposto pela ora Reclamante seria admissível, pois que a sua sucumbência sempre seria a mesma e única. Ora, a Recorrente reclamou um crédito comum de €9.295,25, que lhe foi reconhecido. Deste modo, os respetivos interesses creditórios no processo confinam-se a essa expressão pecuniária, sendo que não é representante de outros demais credores, não tem legitimidade para se substituir a eles e defender por via de recurso os respetivos interesses pessoais e autónomos, nem pode modificar a sua própria sucumbência à custa da sucumbência de outros credores. O que significa que o acórdão recorrido, ao ter determinado a atendibilidade do crédito hipotecário de um outro credor, só pode (e no pior dos cenários para a Recorrente) ter-lhe sido desfavorável (sucumbência) nesse preciso valor de €9.295,25. Nem mais nem menos. Tal valor não excede metade da alçada do tribunal recorrido, que é de €30.000,00. Consequentemente, visto o estabelecido no n.º 1 do art. 629.º do CPCivil, não é o presente recurso de revista admissível. De outro lado, e contrariamente ao que se esforça a Reclamante por defender, não tem proveito para o caso a alínea b) do n.º 2 do art. 634.º do CPCivil. Aliás, tal norma nada adianta nem pode adiantar à questão da admissibilidade do recurso, limitando-se a figurar um caso de extensão do recurso (posto que este seja admissível) aos compartes não recorrentes. Exatamente como se aponta no despacho do relator, a circunstância de dois credores (e pese embora a respetiva sucumbência ser superior a metade da alçada do tribunal recorrido) terem vindo declarar que aderiam ao recurso e que assumiam a posição de recorrentes principais, de modo a que o recurso lhes pudesse aproveitar (extensão do recurso aos compartes), nada tem de relevante para o caso, pois que tal atividade processual não possui a propriedade de tornar admissível um recurso alheio que é à partida inadmissível. E tal norma (alínea b) do n.º 2 do art. 634.º do CPCivil) não tem aqui aplicação, na medida em que os interesses das Credoras que vieram anuir ao recurso da Recorrente não dependem em nada do interesse da Recorrente, pelo contrário trata-se de interesses totalmente autónomos ou independentes. Como nos diz Fernando Amâncio Ferreira (Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª ed., p. 142), reportando-se a idêntico direito pregresso (alínea b) do n.º 2 do artigo 683.º do anterior Código de Processo Civil), “A segunda excepção refere-se ao caso de dependência de interesses. Verifica-se esta dependência quando há um nexo de prejudicialidade entre o interesse do recorrente e o do não recorrente, ou melhor, quando o interesse do recorrente é prejudicial em relação ao do não recorrente, por o interesse deste se encontrar na dependência do daquele. Será, por exemplo, o caso do interesse do fiador em relação ao do devedor, que recorreu. Decidido, em recurso, que não existe a obrigação do devedor principal, portador do interesse prejudicial, tal aproveita necessariamente ao fiador, titular passivo da obrigação dependente, que se tornará insubsistente, uma vez que a fiança não é válida se o não for a obrigação principal (…)”. Manifestamente que nada disto se ajusta ao caso vertente. Deste modo, a circunstância de o acórdão recorrido poder ser desfavorável aos demais credores comuns em medida superior a metade da alçada do tribunal recorrido não tem aqui qualquer impacto nem pode servir para, enviesadamente, superar a questão da inadmissibilidade do recurso que foi interposto. Quanto às asserções da Reclamante em torno do “princípio pro actione”, do “raciocínio lógico e prático aqui empreendido”, dos “imperiosos ditames de justiça material que presidem ao caso concreto” e assim por diante, é simplesmente de dizer que nada disso pode servir de argumento para que, e à medida do caso concreto, sejam postergadas as normas legais gerais e imperativas relativas à admissibilidade dos recursos. Improcede assim, em toda a linha, a reclamação. +
Decisão
Pelo exposto acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente a presente reclamação.
Regime de custas
A Reclamante é condenada nas custas inerentes ao incidente da reclamação. Taxa de justiça: 3 Uc’s.
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Lisboa, 7 de junho de 2022 José Rainho (Relator) Graça Amaral Maria Olinda Garcia
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Sumário (art.s 663.º, n.º 7 e 679.º do CPCivil).
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