Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
939/11.8T2STC.E1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: MARTINS DE SOUSA
Descritores: ARRENDAMENTO FLORESTAL
DIREITO DE PREFERÊNCIA
OBJECTO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MATÉRIA DE FACTO
Data do Acordão: 09/16/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - INTERPRETAÇÃO DAS LEIS - RELAÇÕES JURÍDICAS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / ARRENDAMENTO RURAL.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - SENTENÇA - RECURSOS.
Doutrina:
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 9.º, N.º2, 342.º, N.º 1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 655.º, N.ºS 1 E 2, 712.º.
D.L. N.º 294/2009, DE 13.10: - ARTIGO 27.º, N.º2.
D.L. N.º 394/88, DE 8.11: - ARTIGO 24.º, N.º1.
LEI N.º 63/77, DE 25.08 (PREÂMBULO).
NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGOS 607.º, N.º 5, 662.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 10/11/1992, NO PROC. 081438.
Sumário :
I - Ao STJ está vedada a alteração da decisão sobre a matéria de facto, ainda que exista erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa.

II - Embora o arrendamento florestal incida sobre uma parte do prédio, é relativamente à sua totalidade – a que foi objecto de transmissão –, que a autora, na qualidade de arrendatária, pode exercer o seu direito de preferência legal.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM 0S JUÍZES NESTE SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

I.

AA, SA, intentou acção declarativa com processo ordinário contra BB e CC, SA, pedindo que:

- lhe fosse reconhecido o direito de preferência sobre o prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial de Odemira sob o n.º …  da freguesia de ..., substituindo-se a autora à segunda ré na escritura de compra e venda;

- os RR fossem condenados na entrega do referido prédio à autora livre e desocupado;

- fosse reconhecido que a autora só terá que suportar o custo com o preço pago pela segunda ré na aquisição do prédio [€ 245.000], pelo que a restante quantia depositada a mais para pagamento dos restantes custos suportados por esta seja, no final, devolvida à autora, a menos que o tribunal considere que deva ser esta, também, a suportar os mesmos;

- fosse ordenado o cancelamento de todos e quaisquer registos que a segunda ré, compradora, haja feito, a seu favor, em consequência da compra do prédio.

Para tanto alegou, em síntese:

Em 12 de Maio de 1998 a então AA, SA celebrou com o primeiro réu um contrato de arrendamento florestal, da área de 53 hectares e depois, em 15/07/2007 da área, de 4,94 hectares, do prédio misto denominado Herdade ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Odemira, freguesia de ..., sob o n.º …, inscrito na matriz predial rústica e urbana desta freguesia sob os artigos 11 da Secção V e 367, sendo que o prédio tem na totalidade 156,7750 hectares, com termo em 12 de Maio de 2023 e 17 de Julho de 2023;

em 9 de Maio de 2011, um técnico da autora foi informado que o referido prédio tinha sido vendido e em 27 de Junho de 2011 a autora tomou conhecimento do teor da escritura pública de compra e venda onde consta que o primeiro réu vendeu à segunda o referido prédio pelo preço de € 245.000;

a autora nunca foi notificada para exercer a preferência, pelo que pretende exercê-la judicialmente, depositando o respectivo preço.

Citados os réus vieram contestar, alegando, em síntese:

- No dia 2 de Fevereiro de 1998 o primeiro réu deu de arrendamento rural a DD a referida Herdade ..., pelo prazo de 15 anos, sucessivamente renovado por períodos de 3 anos e em 2 de Junho de 2003 este declarou ceder a sua posição contratual no arrendamento à segunda ré com a autorização do primeiro réu.

- Em 5 de Julho de 2005, o primeiro réu comunicou à segunda ré a sua intenção na venda da herdade, com ónus relativo à venda da cortiça, dando-lhe um prazo para manifestar a vontade de a adquirir sob pena de venda a terceiros, tendo esta adquirido a herdade;

- A autora nunca apresentou qualquer reclamação, recebeu a escritura e passou a pagar a renda à segunda ré;

- A autora apenas é arrendatária de parte da herdade e pretende exercer a preferência sobre toda a herdade, entendendo-se que, quanto muito, a autora tem direito a exercer a preferência relativamente à parte de que é arrendatária;

- Não assiste razão à autora na pretensão de depósito do preço em singelo pois terá que depositar igualmente, sob pena de caducidade, o valor da transação, o custo da escritura, o custo dos registos e o valor do IMT.

Concluindo, peticionam a improcedência da ação.

Na réplica a autora impugna a genuinidade dos documentos [contrato de arrendamento rural e contrato de cessão de posição contratual de arrendatário], na parte relativa à data dos mesmos, defendendo que são contemporâneos da presente acção pois o prédio foi posteriormente e parcialmente arrendado à autora [e não subarrendado pelo suposto arrendatário rural], os colaboradores da autora nunca tiveram conta da presença deste arrendatário rural no prédio, sempre foi o primeiro réu a receber as rendas da autora, é estranho a fixação do pagamento em dinheiro de uma renda de 500.000$00, o contrato de arrendamento nunca foi comunicado às finanças e não consta de qualquer outro organismo da administração pública e na escritura consta a isenção de pagamento de IMT, não por a segunda ré ser arrendatária rural mas antes porquanto o comprou para revenda.

Alega ainda, que mesmo que este contrato existisse, isso não significa que a autora não tivesse preferência e que não tivesse que ser notificada para exercê-la, mas apenas que ambos os arrendatários teriam que ser notificados para o efeito.

Reconhece que a compra e venda existiu e, como tal, procede ao pagamento a quem demonstra ter adquirido o prédio para não correr o risco de resolução do contrato de arrendamento, ou seja, como proprietário provisório, sem prejuízo do exercício dos seus direitos.

Por fim, salienta que só tem que depositar o preço em singelo mas à cautela depositou todas as despesas da segunda ré, com exclusão do IMT que esta não pagou.

                   Saneados os autos e após realização de audiência de julgamento veio a ser proferida sentença cujo dispositivo reza:

“Pelo exposto:

Declaro que a autora é titular do direito de preferência sobre o prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial de Odemira sob o n.º … da freguesia de ..., devendo abrir-se licitação entre a autora e a segunda ré, revertendo o excesso do preço pago para o primeiro réu, nos termos previstos nos artigos 1.460.º, n.º 1 e 1.465.º do Código do Processo Civil, remetendo-se os pedidos de substituição da segunda ré pela autora no negócio, condenação na entrega do prédio e cancelamento dos registos para o termo do processo de licitações;

Declaro que a autora só terá que suportar o custo com o preço pago pela segunda ré na aquisição do prédio [€ 245.000], determinando-se a restituição à autora da restante quantia depositada;

No mais, julgo improcedente a ação;

Inconformados com esta decisão vieram interpor recurso, a autora e a ré CC (esta apresentando recurso subordinado) e por seu acórdão proferido nos autos, a Relação de Évora, determinou:

“1) Julgar improcedente o recurso subordinado interposto pela ré CC.

2) Julgar procedente, nos termos supra referenciados, o recurso interposto pela autora e, em consequência revoga-se a decisão recorrida e,

a) Reconhece-se à autora a titularidade do direito de preferência sobre o prédio misto descrito na CRP de Odemira, sob o  n.º …, substituindo-se à ré CC na escritura pública de compra e venda;

b) Condena-se os réus a entregarem à autora o referido prédio livre e desocupado;

c) Ordena-se o cancelamento de todos e quaisquer registos que a ré CC haja feito a seu favor, em consequência da compra do prédio;

d) Determina-se a restituição à autora da quantia depositada que vai além do preço pago (€ 245 000,00) pela ré CC na aquisição do prédio”.

Inconformada a Ré CC, Investimentos Imobiliários, S.A., veio interpor revista cuja alegação conclui nos seguintes termos:

1) Conforme resulta de fls., a Recorrente foi citada para contestar a acção proposta pela Autora, e em contestação juntamente com o outro Réu, alegou o que acima se transcreveu;

2)A Recorrida apresentou réplica conforme consta de fls.

3) Por Sentença de fls. decidiu o Meritíssimo Juiz o acima transcrito; 

4) A Recorrente não se conformando com a referida decisão dela veio interpor recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra;

5) Foi decidido por Acórdão de fls., o acima transcrito;

6) Não assiste razão aos Venerandos Juízes Desembargadores quanto à alteração da resposta aos quesitos 1 e 2 da Base Instrutória;

7) Dos autos resulta a existência do contrato de arrendamento rural a favor do Sr. DD, sobre a totalidade do prédio em discussão nos presentes autos, bem como a existência do contrato da cessão da posição contratual celebrado entre o Sr. DD e a CC;     

8) Nos autos consta um contrato de Arrendamento Rural celebrado entre o Sr. BB e o Sr. DD, no dia 02 de Fevereiro de 1998;

9) Da prova testemunhal apresentada pela Recorrente CC resulta que o Sr. DD era arrendatário do prédio misto denominado de L...;

10) A testemunha arrolada EE, arrolada pela Ré CC assistiu à elaboração e assinatura do contrato de arrendamento e de cessão da posição contratual, visto que os mesmos foram feitos por ele e assinados no seu escritório pelos seus Outorgantes no seu escritório;

11) Foi produzida prova documental e testemunhal sobre a existência e validade dos contratos juntos, nomeadamente a data em que foram celebrados, por quem é que foram, assinados, as rendas pagas, por quem é que foram elaborados, e onde é que foram elaborados e assinados;

12) A testemunha EE elaborou os contratos, e assistiu à sua assinatura no seu escritório pelo Sr. BB e pelo Sr. DD e o segundo contrato pelo DD e pela CC pelo que o mesmo tem conhecimento direto dos factos por presenciá-los;

13) A existência e validade dos contratos juntos aos autos foi corroborada pela prova testemunhal, nomeadamente a pessoa que os elaborou e os viu assinar bem como pessoas que depois viram o contrato, por lhe ter sido mostrado;

14) Não assiste razão aos Venerandos Juízes Desembargadores quando dizem no Acórdão recorrido, que a prova documental produzida nos autos abala o depoimento da testemunha acima referida;

15) A referida testemunha no seu depoimento, prestou-o de forma isenta, clara e precisa quanto aos factos que tinha conhecimento direto e que presenciou;

16) Ao contrário do que consta no Acórdão recorrido, foi feita prova quanto à existência dos contratos referidos nos quesitos 1 e 2 da Base instrutória, bem como foi feita prova de que os mesmos foram assinados nas datas neles constantes;

17)Não é por as testemunhas arroladas pela Recorrida nunca terem visto, quer o Sr. DD, quer outras pessoas na herdade denominada "L...", que se pode decidir que a mesma não estava arrendada àquele;

18) O Sr. DD tinha um caseiro na herdade que tratava da mesma e que "alimentava o gado, sua propriedade;

19) As testemunhas, em sede de audiência de Julgamento, nomeadamente o Sr. FF e GG, os mesmos foram à referida herdade comprar borregos que eram do Sr. DD;      

20) Resulta do depoimento da testemunha GG que, após 2000, e após ter iniciado a exploração de um talho, adquiriu ao Sr. DD os animais ao Sr. DD, tendo acordado um valor para que os mesmos permanecessem na herdade, tendo em conta a pastagem que existia no terreno;

 21) Consta também do depoimento da testemunha HH, que o mesmo enquanto vendedor de rações da provimi, vendeu rações ao Sr. DD, destinada ao gado (ovelhas, borregos e bois) que o mesmo detinha na herdade, sendo que o local de descarga era a herdade da "L...";

22) A testemunha HH afirmou no seu depoimento que tinha visto o contrato de arrendamento, o que comprova a existência de tal contrato;

23) Resulta da prova produzida, em sede de julgamento, quer testemunhal, quer documental, que o contrato de, arrendamento rural a favor do Sr. DD existia e foi celebrado na data consignada no mesmo; 

24) Também ficou provado a existência do contrato de cessão, da posição contratual celebrado entre o Sr. DD e a Recorrente; 

25) Analisando o depoimento da testemunha GG o mesmo passou a pagar CC o valor acordado com o Sr. DD quanto à manutenção do gado na herdade, bem quanto à exploração dá pastagem existente na mesma, destinada à alimentação do gado;

26) Em virtude dos depoimentos das testemunhas arroladas pela Recorrente, terem prestado um depoimento claro, preciso, e imparcial, e terem conhecimento direto dos factos, por os terem presenciado, é que o Meritíssimo Juiz da 1ª Instância deu como provado os quesitos 1 e 2 da Base Instrutória;

27) Não assiste razão quanto ao alegado sobre o erro na apreciação da prova testemunhal, com excepção na parte de que se recorre, visto que as testemunhas tinham conhecimento direto dos factos e prestaram os seus depoimentos de forma clara, precisa, concisa e espontânea, tal qual consta da sentença recorrida;

28) Tendo em conta a prova testemunhal e documental junta aos autos, não poderia o Venerando Tribunal ter alterado a matéria de facto constante nos quesitos 1 e 2 da Base instrutória;

29) Não se pode afirmar e concluir que, não tendo o arrendatário DD pedido quaisquer ajudas à exploração agrícola, nem os mesmos constarem da base de dados do IFAP, que os mesmos não foram na realidade celebrados;

30) Apenas significa que o arrendatário DD não pretendeu, nem quis qualquer ajuda à exploração agrícola, mas nunca pode provar que o contrato de arrendamento nunca existiu, nem que o mesmo foi celebrado entre os outorgantes, nas datas neles consignados;

3l) Não é pelo facto de tais contratos não terem sido comunicados ao Ministério da Agricultura, das Autoridade Tributária, e às Finanças que os mesmos não são válidos, ou que não produzam efeitos;

 32) Os contratos juntos aos autos são documentos particulares assinados pelas partes - o primeiro pelo BB e Sr. DD e o segundo pelo Sr DD e pela CC -onde foram estipulados direitos e obrigações para ambas as partes, e que sempre foram cumpridos;       

33) A falta de comunicação às Finanças, não implica, a não validade ou a inexistência dos contratos, mas apenas a omissão de uma formalidade, que pode implicar outras consequências que não a inexistência dos mesmos;

34) Consta da contabilidade da Recorrente o pagamento das rendas relacionadas com o contrato de arrendamento - vide os documentos juntos aos autos;

35) E o meio de pagamento das rendas foi estipulado em dinheiro, visto que a lei determinava que o pagamento da mesma era feito dinheiro - vide artigo 10°, do D.L. n° 394/88, de 8 de Novembro;

36) Também falece o argumento utilizado pelos Venerandos Juízes Desembargadores para dar como não provados os quesitos 1 e 2 da Base instrutória;     

37) Não é fundamento para dar como não provado os quesitos 1 e 2 da Base instrutória, o facto de as partes terem acordado o pagamento das rendas em dinheiro;

38) Isto porque é um dos meios de pagamento admissível, tendo sido esse o meio acordado pelas partes e tendo o mesmo sido cumprido;

39) O facto do Sr. BB ter celebrado os contratos com a Recorrida e dela receber as rendas, não quer dizer que não tenha celebrado com o Sr. DD o contrato de arrendamento rural;

40) A única ilação que se podia e pode tirar é que o Sr. BB não tinha legitimidade para celebrar tais contratos com a Recorrida e, por isso mesmo é que apenas arrendou 57,94 hectares do prédio em discussão;

41) Tanto assim é que omitiu, quer ao Sr. DD e posteriormente à Recorrente, quer à Recorrida a existência dos contratos de arrendamento, recebendo rendas das duas partes;

42) Facto que a Recorrente, só veio a ter conhecimento com a compra e venda do prédio em discussão.

43) Não se pode dar como não provado a existência, dos contratos referidos nos quesitos 1 e 2 da Base instrutória, com o fundamento na celebração posterior  dos contratos pelo Sr. BB e a Recorrida;.

 44) Nenhuma prova consta nos autos em como os contratos de arrendamento rural de 1998 e o de cedência da posição contratual do  arrendamento rural não foram  celebrados e assinados nas datas neles constantes.

45) Quanto à questão do direito de preferência também o Venerando Tribunal recorrido não interpretou correctamente a prova produzida, bem como os documentos juntos aos autos;

46) Conforme já se disse, o Sr. DD e, posteriormente a CC era o arrendatário de toda a herdade, ou seja, dos 156,7750 hectares;

47) Quando a recorrida celebrou o contrato de plantação de eucaliptos com o 1º Réu, já o prédio estava arrendado ao Sr. DD na sua totalidade para exploração agrícola e amanho de culturas arvenses de sequeiro e regadio e pastagens;

48) O 1º Réu não tinha legitimidade para celebrar tais contratos com a Recorrida;

49) Na parte que foi arrendada à Recorrida tendo em conta o tipo de solo, não servia para amanho, e daí essa parte ser utilizada apenas, primeiramente pelo Sr. DD e depois pela Recorrente como pastorícia, e culturas arvenses, que se manteve até à compra do imóvel, e ainda hoje se mantém;

50) Caso assim não se entendesse, o que por mera hipótese académica se equaciona, a existir direito de preferência da Autora na Compra e venda do prédio em discussão nos presentes autos, nunca poderá ser quanto à totalidade do mesmo;

51) O 1º contrato arrendamento florestal incidia sobre a área de 53 hectares e o 2º sobre a área de 4,94 hectares do prédio aqui em causa;

52) A Recorrida era arrendatária de 57,94 hectares do prédio em discussão nos presentes autos;

53) No caso de se entender, que à Recorrida lhe assiste o direito de preferência, o mesmo deve apenas incidir sobre a área total de 57,94 hectares do prédio e não da sua totalidade;

54) A Recorrente, através da cessão da posição contratual, ficou como arrendatária rural da totalidade do prédio, nomeadamente dos 156,7750 hectares;

55) Quanto muito, poderia eventualmente a Autora/Recorrida ter direito a exercer o direito, de preferência de acordo com a sentença recorrida na parte que arrendou para plantação de eucaliptos ao 1º Réu - mas só e apenas-nessa parte nunca no prédio todo;

56) O Acórdão recorrido faz uma errada interpretação das normas legais que enumera

57) Nesta deliberação recorrida interpretaram bem as normas de forma a decidir pela inexistência dos contratos juntos aos autos e objecto dos quesitos 1 e-2 da Base instrutória;

58) Lendo, atentamente, a deliberação recorrida verifica-se que não se indica nela um único facto concreto susceptível de revelar, informar, e fundamentaria  real e efectiva situação, do verdadeiro motivo do não deferimento da pretensão dos Alegantes;

59) Isto é, os Venerandos Juízes Desembargadores com a deliberação recorrida não asseguraram a defesa dos direitos dos Alegantes, e não fundamentar exaustivamente a sua decisão;

60)Sendo certo que a pretensão dos Alegantes é legal e útil à decisão da causa, e está dentro dos princípios que regem o nosso direito;

Termos em que, se requer a V. Exas.:

1) A revogação do Acórdão recorrido, com todas as consequências legais daí resultantes;

2) Se assim se não entender, a revogação do Acórdão recorrido no sentido de declarar a Recorrida titular do direito de preferência, mas apenas sobre a parte do terreno que arrendou para plantação de eucaliptos ao 1º Réu, e consequentemente a abertura de licitação entre a Recorrente e a Recorrida, nessa parte;

Contraminutando, concluiu a Recorrida de forma fundamentada, pela improcedência do recurso.

Ora, corridos os vistos cumpre apreciar as questões da revista que passam, em primeiro lugar, pela revogação da alteração da matéria de facto a que se procedeu no acórdão recorrido e, caso assim se não entenda, pela redução da incidência do direito de preferência da A. à área do prédio sobre que recai o contrato de arrendamento de que é titular.

II.

Antes porém, vão enunciar-se os factos que a Relação de Évora deu como provados:

1 - Por documento escrito, datado de 12 de Maio de 1998, que denominaram de “contrato de arrendamento florestal”, BB declarou dar de arrendamento à AA, SA, para fins de exploração silvícola, 53 hectares do prédio misto denominado L..., inscrito na matriz da freguesia de ... sob o artigo 11 da Secção U, concelho de Odemira, com a área total de € 156,7750 hectares, com início em 12 de Maio de 1998 e pelo prazo de 25 anos, que a AA, SA, através do seu representante, declarou tomar de arrendamento.

2 - Por documento escrito, datado de 15 de Julho de 2007, que denominaram de “contrato de arrendamento florestal”, BB declarou dar de arrendamento à AA, SA, para fins de exploração silvícola, 4,94 hectares do prédio misto denominado L..., inscrito na matriz da freguesia de ... sob o artigo 11 da Secção U, concelho de Odemira, com a área total de € 156,7750 hectares, com inicio em 1 de Setembro de 2007 e pelo prazo de 16 anos, que a AA, SA, através do seu representante, declarou tomar de arrendamento.

3 - A AA, SA e a AA, SA, são sociedades que se encontram em relação de grupo e de domínio total da AA, SA.

4 - No âmbito de uma operação de reestruturação interna realizada no Grupo AA operou-se uma cisão – fusão que envolveu a autora, então denominada Aliança Florestal e a AA Florestal, inscrita no registo comercial em 30 de Dezembro de 2010, que implicou que a autora assumisse a posição desta nos contratos referidos.

5 - Este facto foi comunicado ao réu BB por carta datada de 10 de Janeiro de 2011.

6 - Por escritura pública outorgada no dia 3 de Maio de 2011 no Cartório Notarial de II, JJ, na qualidade de procurador de BB, declarou vender à sociedade CC – INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, SA, pelo preço de duzentos e quarenta e cinco mil euros, o prédio misto composto por cultura arvense, sobreiros, montado de sobro, oliveiras, sobreiros, prado natural, casa de rés-do-chão e dependências, denominado por Herdade da … ou Herdade … ..., sito em ..., concelho de Odemira, descrito na competente Conservatória sob o n.º … e aí registado a favor do vendedor e inscrito na matriz urbana sob o artigo … e na matriz rústica sob o artigo 11 da Secção U, que esta declarou comprar através do seu legal representante.

7 - A aquisição do direito de propriedade por compra a BB sobre o prédio misto composto por cultura arvense, sobreiros, montado de sobro, oliveiras, sobreiros, prado natural, casa de rés-do-chão e dependências, denominado por Herdade … ou Herdade da … ..., sito em ..., concelho de Odemira, descrito na competente Conservatória sob o n.º … e aí registado a favor do vendedor e inscrito na matriz urbana sob o artigo … e na matriz rústica sob o artigo 11 da Secção U, está inscrita a favor da ré CC – INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, SA, pela apresentação n.º … de 4 de Maio de 2011.

8 - Em 24 de Maio de 2011 o réu BB informou a autora que tinha procedido à venda referida à ré CC – INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, SA.

9 - Em Junho de 2011 a autora foi informada do teor da escritura de compra e venda referida.

10 - O réu BB não comunicou à autora o projeto do negócio nem ofereceu a possibilidade de optar pela sua realização nas mesmas condições.

11 - Na sequência da presente ação, a autora procedeu ao depósito da quantia de € 247.522,65 discriminada da seguinte forma: Preço – € 245.000; Imposto de Selo – € 1.960; Custo da Escritura [excluindo IVA] – € 282,65; e Emolumentos de registo predial – € 280.

12 - Por carta datada de 27 de Junho de 2011 que a autora remeteu à ré CC – INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, SA, refere o seguinte:

«Acusamos a receção da escritura de compra e venda do prédio constante dos contratos em referência e, face ao documento, informamos que procedemos à alteração da titularidade dos contratos e consequentemente o beneficiário do pagamento da renda. Aproveitamos para formalizar a comunicação do 1.º corte do eucaliptal, a qual foi feita através da nossa carta refª CP-484/AM de 14/04/2011, enviada ao anterior proprietário Sr. BB e de que lhe enviámos cópia».

13 - A autora procedeu ao pagamento de rendas à ré.

….

16 - Por carta datada de 5 de Julho de 2005, o réu BB comunicou à ré CC – INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, SA, a intenção de vender o prédio acima referido.

17 - A autora só alterou o beneficiário da renda e procedeu ao pagamento de rendas à ré para evitar ação de resolução dos contratos acima referidos e propor esta ação.

18 - A ré não procedeu ao pagamento de qualquer quantia a título de Imposto Municipal sobre Transações por força da venda acima referida.

B – Não se conforma a Recorrente com a alteração da matéria de facto levada a cabo no acórdão recorrido em consequência da qual foram eliminadas do respectivo âmbito as respostas positivas que os quesitos um e dois haviam merecido na 1º instância. Seu inconformismo é, decerto, compreensível pois que, com aquela alteração, o que se excluiu dos autos foi, nem mais nem menos que a prova dos contratos que sustentavam o seu direito de preferência!

Pretende, no entanto, a mesma Recorrente que essa matéria foi objecto de julgamento errado pelos ilustres desembargadores da Relação de Évora que, debruçando-se sobre a prova produzida, não levaram em conta depoimentos de testemunhas e documentos juntos aos autos a que, aliás, aludira já na apelação que, subordinadamente, interpôs e à qual aquele memo colectivo de juízes não conferiu crédito.

Ora, esta matéria não se compreende no âmbito dos poderes que cabem a este tribunal de revista, uma vez que, em princípio, lhe está vedada a alteração da decisão adoptada quanto à matéria de facto, ainda que exista erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa.

De resto, à Relação compete modificar a decisão sobre a matéria de facto, podendo alterar as respostas aos pontos da base instrutória, a partir da prova testemunhal extratada nos autos e dos demais elementos que sirvam de base à respectiva decisão, desde que neles esteja incorporada toda a prova, necessária e suficiente, para o efeito, no quadro normativo do exercício dos poderes facultados pelo artigo 712º, do CPC vigente à data da propositura da acção e pelo artº662º do NCPC. E, sendo possível o erro na apreciação das provas e consequente fixação dos factos materiais da causa, desde que a decisão da matéria de facto esteja sustentada em meios de prova livremente apreciáveis pelo julgador, como foi o caso, a sua sanação não está ao alcance deste tribunal, excedendo o âmbito do recurso de revista.

E a Relação reapreciou, no acórdão recorrido, as provas em que assentou a parte impugnada da decisão proferida, em primeira instância. Na verdade, como é pressuposto de um segundo julgamento da matéria de facto, a Relação procedeu à audição da prova pessoal gravada e à análise do teor dos documentos existentes nos autos, examinando as provas e motivando a decisão de forma coerente e transparente, adquirindo os elementos de convicção probatória, de acordo com o princípio da convicção racional, consagrado pelo artigo 655º, nºs 1 e 2, do CPC anterior e 607º, 5 do NCPC, que combina o sistema da livre apreciação ou do íntimo convencimento com o sistema da prova positiva ou legal.

E concluiu, no termo de tal análise: “ a nosso convicção após a audição da totalidade dos depoimentos testemunhais e de os conexionar e contextualizar com os elementos constantes nos autos e com as posições das partes manifestadas nos articulados é a de que os escritos “contratos de arrendamento rural” e “cedência da posição contratual do arrendamento rural celebrado em 02 de Fevereiro de 1998” foram feitos em datas posteriores às neles mencionadas com a finalidade de obstar a que a autora enquanto arrendatária de parte do imóvel em causa pudesse exercer o seu direito de preferência na venda, nunca existindo uma real e efectiva intenção por parte dos subscritores dos escritos de exercerem realmente os direitos e obrigações que o clausulado contempla. Impõe-se, assim, que os artigos 1º e 2º da Base Instrutória sejam considerados como não provados, não estando, não obstante os escritos, em nossa opinião, demonstrada a existência de qualquer contrato de arrendamento rural válido e eficaz realizado entre BB e DD, bem como a cedência da posição contratual do arrendamento rural entre o DD e a CC – Investimentos Imobiliários, S.A.”

Assim, limitou-se a Relação a enquadrar o caso vertente no número daqueles em que a sua intervenção não oferece dúvida e reapreciando, nessa conformidade, a matéria de facto objecto de dissídio (e da apelação), fê-lo de forma a não extravasar de seus poderes nesse domínio, mormente, no que tange aos referenciados “escritos” que, tendo sido impugnados pela A., como já se referenciou, sempre estariam à mercê da livre apreciação do julgador quanto ao que os respectivos outorgantes neles disseram, aos vícios das respectivas vontades ou à simulação de tais actos.

Por sua vez, a Recorrente não apontou à decisão qualquer violação de direito probatório material, limitando-se, aparentemente, a suscitar dúvida quanto à congruência da prova e sua fundamentação sobre a qual, porém, não cabe a este Tribunal intervir, coberta, como se referiu, inclusive, pela margem de erro da instância recorrida.

Em síntese, circunscrevendo-se o objecto da revista, nesta parte, a questão que, exclusivamente, se prende com a reapreciação da matéria de facto processada no acórdão recorrido e não se vislumbrando nem tendo sido arguidas pelo Recorrente quaisquer das circunstâncias que permitem ao Supremo Tribunal de Justiça intervir nesse domínio, resta concluir que dele se não conhecerá.

C – Em resultado da alteração da matéria de facto que foi levada a cabo pela Relação foram eliminados do contexto da acção o arrendamento rural da herdade ... a DD e a posterior cedência de sua posição contratual à R. e Recorrente CC.

Cabendo aos RR. o ónus da prova dos factos constitutivos do direito de serem qualificados como arrendatários do dito prédio e do consequente direito de preferência (art.º 342º, n.º 1, do Cód. Civil), como não conseguiram satisfazer tal ónus não podem senão ver insatisfeita a sua pretensão, uma vez que dúvida resultante dessa falta de prova deve ser decidida contra eles.

Deixou, pois, de ter espaço jurídico no âmbito do litígio o direito de preferência que a Recorrente reclamava e  que assentava na sua qualidade de arrendatária rural da dita herdade.

Sem a concorrência daquele, fica de pé, apenas, o direito de preferência peticionado pela A. e recorrida AA que a lei lhe reconhece na qualidade de arrendatária florestal daquele prédio rústico (cfr. no DL nº 394/88 de 8.11, o artº24º,1 e no DL 294/2009 de 13.10, o seu artº27º,2). Opôs-lhe, no entanto, a Recorrente que, sendo ela, arrendatária florestal de parte desse mesmo prédio, o exercício daquele seu direito de preferência havia de circunscrever-se à área que é objecto de arrendamento.

Não tem razão.

O direito de preferência do rendeiro, como não pode deixar de ser, é regulado pela lei em vigor na data da escritura de compra e venda que despoletou o seu exercício, pelo que, na hipótese dos autos, haveria que atender ao normativo do último dos diplomas atrás citados.

Nele se dispõe: no caso de venda ou dação em cumprimento de prédios que sejam objecto de arrendamento agrícola ou florestal, aos respectivos arrendatários cujo contrato vigore há mais de três anos, assiste o direito de preferirem na transmissão.

Sabe-se que a fixação do sentido da norma depende, desde logo, de seu texto:
por um lado, não pode valer com um sentido que não encontre um mínimo bastante de correspondência no invólucro verbal da respectiva disposição (artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil); por outro lado, o sentido que melhor corresponda ao significado natural das palavras aí usadas fica, por esse simples facto, melhor credenciado que os outros para se impor ao intérprete avisado como a verdadeira expressão do pensamento legislativo porquanto em matéria de interpretação de textos, deve entender-se que o legislador, ao mesmo tempo que consagrou as soluções mais acertadas “soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.

Brevemente: como é patente, no texto daquele normativo, desde logo, não se vislumbra qualquer referência que autorize a interpretação de que o exercício daquele direito de preferência haja de circunscrever-se à área que é objecto do arrendamento agrícola ou florestal. Assim como, se não vislumbra que nele se faça distinção entre o arrendamento que incide sobre todo o prédio ou sobre parte dele, sendo certo que se o legislador pretendesse essa distinção a ela haveria de proceder, pois só assim exprimiria, adequadamente, seu pensamento.

Pelo contrário, o sentido da norma parece ser o da atribuição de tal direito em função da qualidade jurídica do arrendatário e não o da maior ou menor extensão física do objecto do arrendamento. Será este, aliás, o sentido que melhor se coaduna com o espírito das normas que atribuem ao arrendatário aquele direito pois é corrente entender-se (cfr vg, preâmbulo da lei 63/77 de 25.08 relativa ao arrendamento urbano) que a justificação que preside à atribuição do direito de preferência a favor do locatário/arrendatário é a de facilitar a aquisição do prédio, proporcionando o acesso à propriedade a quem beneficia já de direito de gozo mais ou menos prolongado sobre esse bem, ao mesmo tempo que se solidifica a paz social, ao eliminar potenciais conflitos entre locador e locatário.

Acresce que a interpretação restritiva defendida pela Recorrente, conduziria, na maioria dos casos, à negação ou inviabilização do direito de preferência em apreço, face às proibições de fraccionamento decorrentes quer da lei civil quer dos diplomas relativos ao planeamento urbanístico.

Conclui-se, por isso que, embora, no vertente caso, o arrendamento florestal tenha por objecto uma parte do prédio, é sobre a sua totalidade que foi objecto de transmissão que a A.,  na qualidade de sua arrendatária, pode exercer o seu direito de preferência legal – cfr. neste sentido o Ac. deste STJ, proferido em 10/11/1992, no proc. 081438 e outra jurisprudência, citada no acórdão recorrido.

III.

Face ao exposto, nega-se a revista.

Custas a cargo da Recorrente.

                                             Lisboa, 16 de Setembro de 2014

MARTINS DE SOUSA (Relator)

GABRIEL CATARINO

MARIA CLARA SOTTOMAYOR