Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
030057
Nº Convencional: JSTJ00004320
Relator: F TOSCANO PESSOA
Descritores: DIFAMAÇÃO
INJURIA
PESSOA COLECTIVA
SUJEITO PASSIVO
FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ196002240300573
Data do Acordão: 02/24/1960
Votação: MAIORIA COM 2 VOT VENC
Referência de Publicação: DG IªS 10-03-1960 ; BMJ 94 ,107
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO
Decisão: FIXADA JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO 1/1960
Área Temática: DIR CRIM - CRIM C/PESSOAS.
Legislação Nacional: CP886 ARTIGO 407 ARTIGO 408 N2 PARUNICO ARTIGO 410 ARTIGO 411 PARUNICO ARTIGO 417.
CPP29 ARTIGO 669.
CCOM888 ARTIGO 19.
D 12008 1926/08/02 ARTIGO 53 PAR2.
CPI40 ARTIGO 141.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO RL PROC30057 DE 1958/10/29.
ACÓRDÃO RL PROC5842 DE 1958/10/08.
Sumário :
As pessoas colectivas podem ser sujeito passivo nos crimes de difamação e de injuria.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferencia no Supremo Tribunal de Justiça, em Tribunal Pleno:

A e B, com os sinais dos autos, eram acusados, pela firma assistente, "C, Lda.", "D, Lda", e "E, Lda", e pelo Ministerio Publico, como autores, respectivamente, material e moral do crime do artigo 407 do Codigo Penal, por haver difamado as mesmas sociedades.
Recebida a acusação, por despacho de folhas 72 verso, que marcou dia para o respectivo julgamento, em processo de policia correccional, logo o arguido B, dele interpos o competente recurso.
E, a Relação de Lisboa, por seu acordão de 29 de Outubro de 1958, neste processo, a folhas 126, conhecendo do recurso, em relação aos dois arguidos, mandou que o procedimento se arquivasse quanto ao recorrente, por se verificar que procedeu sem animus injuriandi, vel difamandi, mantendo no entanto o despacho recorrido, para o arguido Leitão, embora alterando a incriminação, para o artigo 410 do mesmo Codigo.
E deste acordão, que o excelentissimo Procurador da Republica, traz o presente recurso extraordinario, nos termos do artigo 669 do Codigo de Processo Penal, a fim de, por assento, ser solucionado o conflito de jurisprudencia, resultante da oposição entre o decidido nesse aresto, e noutro do mesmo Tribunal, proferido em 8 de Outubro de 1958, a folhas 91 do Processo n. 5842, junto por certidão a folhas 141. O recurso, e restrito a divergencia, quanto a poderem as sociedades comerciais, ser sujeito passivo do crime de injuria ou difamação.
Como o acordão da Secção Criminal, deste Supremo Tribunal de Justiça, entendesse ser patente a oposição entre os dois arestos, proferidos no dominio da mesma legislação, em referencia a mesma questão de direito, o processo seguiu seus termos.
O excelentissimo Ajudante do Procurador-Geral, pronunciou-se no largo e bem elaborado parecer de folhas 170, pela tese afirmativa, que representa a orientação dominante na doutrina e na jurisprudencia espanhola e portuguesa.
Invoca determinadamente, o alcance das expressões, "outrem" do artigo 407, e "qualquer pessoa" do artigo 410, o conceito de firma dum estabelecimento comercial, do artigo 19 do Codigo Comercial, e, bem assim, argumentos tirados de outros preceitos de lei, entre os quais, o artigo 53 e paragrafo 2 da Lei de Imprensa. Termina, propondo se formule assento nos termos seguintes: As pessoas colectivas podem ser sujeito passivo nos crimes de difamação e de injuria.
Correram-se depois os vistos legais, a todos os juizes deste Supremo Tribunal, apresentando-se agora o processo para decidir.
Tudo visto e ponderado:
I - Duvidas se não levantam, quanto a atitude da Relação, ao conhecer do recurso, em referencia aos dois arguidos, nem quanto ao transito em julgado, da decisão que mandou arquivar o procedimento contra o B.
O processo, pende agora, apenas, no que respeita ao Leitão e, a posição deste Supremo Tribunal de Justiça, e restrita a decidir, se as pessoas colectivas, podem ser sujeito passivo de crimes da natureza dos encarados nos autos.
II - E de entender, com o acordão sub judice, que as pessoas colectivas podem exercer a acção penal, como ofendidas por esses crimes, dada a sua capacidade juridica, e susceptibilidade de interesse, que a lei penal quis proteger, com a aludida incriminação.
Tanto a expressão "... qualquer pessoa"... do artigo 410, como a palavra "... outrem..." do artigo 407, abrangem tanto as pessoas singulares, como as pessoas colectivas.
Os textos são claros, e não sofrem qualquer limitação, como se deduz e ressalva, do exame e confronto que se faça, do tipo legal dessas infracções.
No conceito em que a nossa legislação, encara a firma e o nome de um estabelecimento comercial, e de entender que este desempenha na vida mercantil a mesma função, que na vida civil pertence ao nome civil do individuo - Codigo Comercial, artigo 19, e Codigo da Propriedade Industrial, artigo 141.
E nem as pessoas colectivas podem negar-se os direitos de personalidade, direito ao nome e a firma, a distinções honorificas, e ate a honra e bom nome como escreveu um ilustre e malogrado Professor de Direito focando um ponto de vista, que corresponde alias ao sentir geral na vida corrente.
O preceituado no corpo e paragrafo unico do artigo 411, não obsta, de qualquer forma a posição atras tomada. Nele se estabelece uma agravação da pena, quando o ofendido vise qualquer das pessoas colectivas expressamente mencionadas.
Mas, de modo algum podera entender-se, que refere a titulo excepcional, limitado, os casos em que possa ter-se por relevante a ofensa a pessoa colectiva.
Elementos a favor da tese afirmativa, no plano sistematico, poderiamos ir busca-los, a outros preceitos da nossa legislação, apontados de resto, no parecer de folhas 170, como o disposto no artigo 408 n. 2 e paragrafo unico do Codigo Penal, e a diversos preceitos da Lei de Imprensa - Decreto n. 12008 - mas bastara o texto do seu artigo 53 do ultimo desses diplomas na referencia que faz a "...qualquer individuo ou pessoa moral..." que considera por igual atingiveis, sem a menor restrição, por factos inveridicos ou erroneos que possam afectar a sua reputação e a sua honra.
III - E de resto, no sentido exposto que se pronuncia a quase totalidade da jurisprudencia dos Tribunais e da doutrina em Portugal e na Espanha.
E embora na Italia, se observe orientação diversa, perante uma legislação sem grande dissemilhança, certo e que as considerações que ficam alinhadas levam a solução afirmativa.
Nem o ser hoje, como e, necessario e corrente no comercio, a prestação pelos Bancos, e outros organismos, de informações sobre a idoneidade e solvencia das firmas com quem se trata, pode fornecer argumento em contrario.
Tais informações tem de ser, por vezes, pejorativas.
Mas não se referem apenas as Sociedades Comerciais, mas sim igualmente aos comerciantes em nome individual, o que servira a manter em pe de igualdade, uns e outros. E, o problema, estaria em verificar, afinal, em ultima analise, se tais informações, representam apenas um movimento de rotina na vida comercial, ou foram prestadas, com fim de prejudicar o bom nome do comerciante, singular ou colectivo.
IV - Nestes termos se acorda no Supremo Tribunal de Justiça, em Tribunal Pleno, em proferir o seguinte Assento:

As pessoas colectivas podem ser sujeito passivo nos crimes de difamação e de injuria.

Sem imposto.


Lisboa, 24 de Fevereiro de 1960

F. Toscano Pessoa (Relator) - Eduardo Coimbra - Mario Cardoso - S. Figueirinhas - João de Barros Morais Cabral - Pinto Vasconcelos - A. Vaz Pereira - Lopes Cardoso - Carlos de Miranda - Anselmo Taborda - Barbosa Viana - Agostinho Fontes - Sousa Monteiro - Alves Monteiro (Vencido, pelas razões ja expostas nos meus votos de folhas 134-134 verso. Alias, tratando-se em ambos os arestos de injurias supostamente ofensivas de sociedades comerciais, e prosseguindo estas fins essencialmente lucrativos, e materiais portanto, o que podera estar em causa e a afectação de seu credito mercantil - civilmente reparavel - e não, quanto a propria sociedade como tal, a sua pretensa honra e consideração. Alem do mais, transcendendo tais elementos do patrimonio moral dos individuos a propria vida destes (artigos 417 e 247, paragrafo 2, do Codigo Penal) dissolvem-se e extinguem-se geralmente as sociedades comerciais com meros efeitos de liquidação material) - Campos de Carvalho (Vencido. A lei so excepcionalmente admite que certas pessoas juridicas possam ser sujeitos passivos de crimes de difamação e injuria. Não e possivel tornar a excepção extensiva a outras colectividades, infringindo a regra geral de que so a pessoa humana pode ser atingida na sua honra e consideração).