Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
89/14.5YFLSB
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: HELENA MONIZ
Descritores: ACÓRDÃO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO
JUÍZ DE INSTRUÇÃO
MINISTÉRIO PÚBLICO
JOGO DE FORTUNA E AZAR
PERDA DE BENS A FAVOR DO ESTADO
DESTRUIÇÃO
Data do Acordão: 06/23/2016
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: DR, I SÉRIE, 138, 20.07.2016, P. 2374 - 2382
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Decisão: FIXADA JURISPRUDÊNCIA
Área Temática:
DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / BENS PERDIDOS A FAVOR DO ESTADO.
DIREITO PROCESSUAL PENAL - PROVA / MEIOS DE OBTENÇÃO DA PROVA / APREENSÕES.
Doutrina:
- Conde Correia, Da proibição do confisco à perda alargada, Lisboa: INCM/PGR, 2012, 54 e ss., 69-70, 72, 125 e ss. e bib. aí referida, 154.
- Conde Fernandes, Comentário das Leis Penais Extravagantes, Lisboa: U.C.P., vol. 2, 2011, 363, anotações aos artigos 108.º/ nm. 13, 363, 110.º, nm. 3, 376, 111.º, nm. 3, 377, 116.º, nm. 3, 386.
- Damião da Cunha, Perda de bens a favor do Estado, Lisboa: CEJ, 2002, 26.
- Fátima Mata-Mouros, Juiz das liberdades (desconstrução de um mito do processo penal), Coimbra: Almedina, 2011, 409 e ss..
- Figueiredo Dias, Direito Penal Português (As consequências jurídicas do crime), Lisboa: Ed. Notícias/Æquitas, 1993, § 979 (616), § 985 (619), § 996 (627), § 999 (628).
- Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal, vol. II, Lisboa: Verbo, 5.ª ed., 2011, 289.
- Maria João Antunes, Direito Processual Penal, Coimbra: Almedina, 2016, p. 116.
- Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Lisboa: UCP, 4.ª ed., 2011, art. 185.º/ nm. 7 (519).
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 178.º E SS., 268.º, N.º 1, AL. E), 374.º, N.º 3, AL. C).
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGO 109.º, N.º 3.
LEI DO JOGO (D.L. N.º 422/89, DE 02-12, ALTERADO PELO D.L. N.º 10/85, DE 19-01, PELA LEI N.º 28/2004, DE 16-07, PELO D.L. N.º 40/2005, DE 17-02, PELA LEI N.º 64-A/2008, DE 31-12, E PELO D.L. N.º 114/2011, DE 30-11): - ARTIGO 116.º.
Legislação Comunitária:
DIRETIVA 2014/42/UE, DE 03.04.2014.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-N.º 6/95, DR, I SÉRIE-A, 28.12.1995, 8207 E SS..

-*-

ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

- N.ºS 176/2000, 202/2000, 294/2008.
Sumário :
«Em caso de arquivamento do inquérito, cabe ao juiz de instrução, nos termos do art. 116.º, da lei do jogo (DL 422/89, de 02-12, alterado pelo DL 10/85, de 19-01, pela Lei 28/2004, de 16-07, pelo DL 40/2005, de 17-02, pela Lei 64-A/2008, de 31-12, e pelo DL 114/2011, de 30-11), declarar perdido a favor do Estado e mandar destruir o material e utensílios de jogo»
Decisão Texto Integral:


            Acordam no Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça:


I

   1. No âmbito do processo n.º 89/14.5YFLSB, o Ministério Público veio a 28.05.2014 (cf. fls. 3), ao abrigo do disposto no art. 437.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, interpor, para o pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça, recurso extraordinário para fixação de jurisprudência com fundamento em oposição de acórdãos da Relação — o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 19.03.2014, proferido no âmbito do n.º 383/09.7eaprt-A.P1, e transitado em julgado a 05.05.2014 (cf. fls. 36), e o acórdão do mesmo Tribunal da Relação do Porto, de 26.03.2014, prolatado no âmbito do processo n.º 46/07.8FBPVZ-A.P1 e transitado em julgado a 04.04.2014 (cf. fls 39).

            Em síntese, alega que os acórdãos estão em oposição sobre a mesma questão de direito relativa à entidade competente, na fase de inquérito, para ordenar a destruição dos objetos apreendidos, tendo em conta o disposto no art. 116.º, Lei do Jogo (Decreto Lei n.º 422/89, de 02.12, com as sucessivas alterações: Decreto-Lei n.º 10/95, de 19.01, Lei n.º 28/2004, de 16.07, Decreto-Lei n.º 40/2005, de 17.02, Lei n.º 64-A/2008, de 31.12,  e Decreto-Lei n.º 114/2011, de 30.11), — no acórdão recorrido considerou‑se como sendo o juiz de instrução a entidade materialmente competente para ordenar a destruição, e no acórdão fundamento foi confirmado o despacho do juiz de instrução que se considerou materialmente incompetente para ordenar a destruição da máquina de jogo.

            2. Em conferência, por acórdão de 19.03.2015, foi decidido que o recurso devia prosseguir por se verificar oposição de julgados sobre a mesma questão fundamental de direito, em situações factuais idênticas, e no domínio da mesma legislação.

3. Após o cumprimento do disposto no art. 442.º, n.º 1, do CPP, a Senhora Procuradora Geral-Ajunta apresentou as alegações e as seguintes conclusões:

«1. A direcção do inquérito cabe ao Ministério Público e nesta fase, apenas relativamente a determinados actos se prevê a competência exclusiva de um juiz, designadamente nos casos expressamente previstos na lei que se prendem com a defesa dos direitos, liberdades e garantia dos cidadãos.

2. Entre os actos cuja competência incumbe ao juiz de instrução criminal, na fase de inquérito, encontra-se a de declarar a perda a favor do Estado, de bens apreendidos, quando o Ministério Público proceder ao arquivamento do inquérito nos termos dos artigos 277.º, 280.º e 282.º.

3. À luz das disposições dos Código Penal e do Código de Processo Penal, artigos 109.º e 178.º, respectivamente, compete ao juiz, tal declaração quando se mostre necessário decretar a perda de objectos a favor do Estado.

4. Com o trânsito em julgado da decisão que determinou a perda a favor do Estado dos objectos apreendidos, extingue-se o direito de propriedade do respectivo proprietário sobre os mesmos.

5. A Lei do Jogo estabelece no seu artigo 116.º, um regime específico quanto ao destino a dar ao material e utensílios de jogo apreendidos, quando seja cometido o crime de jogo ilícito.

6. A expressão mandado do Tribunal utilizado neste normativo não pode deixar de ser interpretado como decisão do órgão jurisdicional, cujo titular é o juiz.

7. O legislador, na Lei do Jogo, optou por atribuir competência ao Tribunal para determinar a destruição do material e utensílios de jogo, mesmo na fase de inquérito, com o arquivamento deste pelo Ministério Público titular.

8. Compulsado o Código de Processo Penal, constata-se que sempre que o legislador quis fazer depender a competência decisória para um determinado acto da fase processual em que o processo se encontra, utilizou a expressão à “autoridade judiciária”, - referindo-se ao Juiz, ao Juiz de Instrução Criminal e ao Ministério Público, relativamente aos actos processuais que cabem na sua esfera de competências, o que não sucedeu neste caso, uma vez que a expressão utilizada é mandado do Tribunal.

9. Face à evolução legislativa que a Lei do Jogo tem sofrido, verifica-se uma vontade clara e inequívoca do legislador atribuir ao Tribunal a competência para ordenar a destruição de material e utensílios de jogo.

10. Na redacção anterior do diploma que regulava a exploração e prática dos jogos de fortuna ou azar em casinos, estabelecia-se que todos os utensílios relacionados com a prática de jogos de fortuna ou azar apreendidos seriam imediatamente destruídos pela entidade apreensora.

11. Verifica-se, assim, que apesar de a Lei do Jogo ter vindo a sofrer várias alterações ao longo dos anos, o legislador optou por manter inalterada a referência expressa ao “mandado do tribunal”.»

No seguimento propôs que «o conflito de jurisprudência existente entre o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, no processo número 383/09.7EAPRT-A.P1 e, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, no âmbito do recurso com o processo número 46/07.8FBPVZ-A.P1, seja resolvido nos seguintes termos:

na fase do inquérito e tendo o mesmo sido arquivado, compete ao juiz de instrução criminal mandar destruir o material e utensílios de jogo referidos no artigo 116.º da Lei do Jogo, vertido no Dec. Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, que se encontram apreendidos nos autos.»


II

1. A decisão, tomada na secção criminal por acórdão de 19.03.2015, sobre a oposição de julgados, não vincula o pleno das secções criminais. Por isso devemos reapreciar a questão.

2.1. No presente caso, o acórdão recorrido foi proferido a 19.03.2014 e transitou em julgado a 05.05.2014 (cf. fls. 36).

O recurso foi interposto 28.05.2014, pelo que se encontra cumprido o prazo de 30 dias após o trânsito em julgado do acórdão recorrido, conforme o disposto no art. 438.º, n.º 1 do CPP.

O acórdão fundamento do Tribunal da Relação do Porto foi proferido a 26.02.2014, e transitou em julgado a 04.04.2014 (cf. fls. 39).

Por tudo isto, considera-se tempestivo o recurso interposto.

Ambos os acórdãos proferem decisões ao abrigo do disposto no art. 116.º, da Lei do Jogo (DL n.º 422/89, de 02.12) e do art. 109.º, n.º 3, do Código Penal — qualquer um dos dispositivos tem a mesma redação e não foi objeto de modificação legislativa entre a data da prolação do acórdão fundamento e a data de prolação do acórdão recorrido, pelo que se considera estar verificado o pressuposto do art. 437.º, n.º 3, do CPP.

2.2. A questão de direito aqui relevante é a de saber qual é, na fase de inquérito, a entidade competente para mandar destruir o material e utensílios de jogo, referidos no art. 116.º da Lei do Jogo, apreendidos no âmbito de um processo crime: o juiz de instrução ou o Ministério Público?

Na verdade, aquele artigo 116.º referido determina que:

O material e utensílios de jogo serão apreendidos quando sejam cometidos    crimes previstos nesta secção e destruídos, a mandado do tribunal, pela autoridade apreensora, que lavrará o competente auto de destruição”.

Perante este dispositivo, no acórdão recorrido entendeu-se que quando a lei se refere a “mandado do tribunal” apenas se pode estar a referir a mandado da competência do tribunal, isto é, de um juiz ou juiz de instrução, pois trata-se de uma competência reservada ao juiz por força do disposto nos arts. 268.º, n.º 1, al. e) e 374.º, n.º 3, al. c) do CPP. E, de acordo com o art. 109.º, n.º 3, do CP, considerou que «embora a decisão de ordenar a destruição dos objectos do crime ou a sua colocação fora do comércio seja uma mera faculdade do juiz, tal ordem deve ser dada se, após ponderar o grau de perigo típico dos mesmos, o juiz concluir que a simples declaração de perda a favor do Estado não acautela suficientemente a protecção da comunidade visada pelo n.° 1 do art. 109° do Cód. Penal.

No entanto, se o juiz se limitar a declarar a perda a favor do Estado, por considerar esta medida suficiente para alcançar a finalidade visada pela norma legal em causa, já compete, então, ao Ministério Público, em representação do Estado, para cuja esfera patrimonial passaram os objectos declarados perdidos, dar-lhes o subsequente destino, podendo estes ser vendidos, destruídos ou ser-lhes dado outro destino, conforme o caso concreto.

Portanto, há que distinguir a ordem de destruição dada pelo Ministério Público, em representação do Estado, para cuja titularidade passaram os objectos declarados perdidos, por considerar que os mesmos não têm valor venal, e a ordem de destruição dada pelo juiz, atento o perigo típico desses mesmos objectos.»

 Porém, considerou que a situação já é diferente quando estamos perante um caso de destruição de material e utensílios ao abrigo do disposto no art. 116.º, da Lei do Jogo, pois de acordo com esta norma estes são sempre destruídos. Pelo que, «a ordem de destruição deixou de ser uma mera faculdade do tribunal, a ponderar face ao grau de perigo ínsito aos objectos apreendidos, mas uma imposição legal, face ao grau de perigo presumido, atenta a natureza do material e utensílios destinados ao jogo ilícito.»  Ou seja, há por parte do legislador uma presunção de perigosidade destes objetos e por isso a competência definida no art. 268.º, n.º 1, al. e), do CPP, tanto abrange a declaração de perda a favor do estado como o mandado de destruição, concluindo ser este da competência do juiz de instrução, mesmo na fase de inquérito — «determinando o art. 116° do Dec-Lei n.° 422/89, de 2 de Dezembro, que o material e os utensílios de jogo apreendidos e utilizados para a prática dos crimes previstos neste diploma legal sejam destruídos e competindo ao juiz de instrução, nos termos do art. 268°. n.° 1. al. e), do CPP, declarar a perda dos objectos a favor do Estado, no caso de o inquérito ser arquivado, compete-lhe igualmente dar a ordem de destruição prevista naquele preceito, conforme, aliás, aí se prevê, expressamente, a qual visa prevenir o perigo presumido de que aqueles objectos venham a ser utilizados na prática de novos crimes, o qual só desta forma é devidamente acautelado.

Ora, se o Ministério Público não pode dar outro destino a tais objectos, nomeadamente proceder à sua venda, não faz sentido que, arquivado o inquérito, o juiz de instrução se limite a declará-los perdidos a favor do Estado, para, de seguida, o Ministério Público proferir outro despacho, este sim a ordenar a sua destruição.

Assim, dada a especialidade do artigo 116. °, da Lei do Jogo (que prevalece sobre a lei geral, segundo o critério da especialidade), e em face do regime geral estabelecido nos artigos 109.° e seguintes do Código Penal e no artigo 268.°, n.° 1, al. e), do C.P.P., leva-nos a atribuir ao Tribunal a competência para a destruição dos objectos apreendidos. Não estando, assim, o destino destes objectos na disponibilidade do Ministério Público, antes se impondo a sua destruição, ope legis, esta deve ser decretada pelo juiz de instrução no despacho que declara os mesmos perdidos a favor do Estado, nos termos dos arts. 268°. n.° 1. al. e) do CPP e 116° do Dec-Lei n° 422/89, de 2 de Dezembro, como, aliás, se determina expressamente nesta última norma, assim se alcançando a finalidade visada pela mesma, ou seja, a defesa da comunidade, sem que, com tal entendimento, se ponha em causa a unidade do sistema, uma vez que tal possibilidade está prevista no n.° 3 do art. 1090 do Cód. Penal.

Assim, ao deferir ao Tribunal a competência para ordenar a destruição do material de jogo quando esteja em causa o crime de exploração ilícita de jogo, deve presumir-se que o legislador consagrou a solução mais acertada e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

Concluindo, dada a especialidade do artigo 116.°, da Lei do Jogo (que prevalece sobre a lei geral, segundo o critério da especialidade), e em face do regime geral estabelecido nos artigos 109.° e seguintes do Código Penal e no artigo 268.°, n.° 1, al. e), do C.P.P., atribui-se ao Tribunal (juiz de instrução), a competência para a destruição dos objectos apreendidos.»

2.3. Por seu turno, no acórdão fundamento entendeu-se que a competência atribuída ao juiz de instrução no art. 268.º, n.º 1, al. e), do CPP, se justifica, pois «estando em causa o direito de propriedade relativamente a objetos apreendidos na fase de inquérito, a lei atribui competência específica e excecional ao juiz de instrução criminal para determinar a perda desses bens a favor do Estado, na medida em que o trânsito de tal declaração de perdimento provoca a extinção do direito de propriedade do respetivo dono sobre os mesmos. Contudo, já não se justifica que a ordem ou autorização de destruição desses bens se inclua na esfera de competência do juiz de instrução criminal.» Entendeu ainda que a norma do art. 116.º da Lei do Jogo constitui uma lei especial, tendo o legislador querido estabelecer um regime diferente, pois o material e utensílios ali referidos nunca poderão ser restituídos ao seu detentor, e assim entendeu que “aqueles bens sejam destruídos sem necessidade de prévia declaração de perda a favor do Estado”. Porém, a expressão “Tribunal” não foi utilizada “com o rigor que se impunha”. Ora, «uma vez que a destruição das máquinas e utensílios de jogo (cuja exploração, fabrico, importação, transporte, exposição ou divulgação constitui crime) não contende com direitos fundamentais dos cidadãos, tratando-se mesmo de um ato meramente administrativo, não se integra no âmbito da competência exclusiva do juiz de instrução. Pelo que, ocorrendo na fase de inquérito, cujo dominus é o Ministério Público, é da competência deste Magistrado a destruição das máquinas e utensílios a que alude o art. 116.º da Lei do Jogo. (…) Conclui-se assim que, no caso sub judice, não estando em causa atos que possam interferir com direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, não sendo por isso da exclusiva competência do juiz de instrução, compete ao Mº Pº na fase de inquérito, no uso da competência que a lei que confere, como titular da acção penal, de direção do inquérito, determinar a destruição da máquina de jogo e respetiva chave apreendidas nos autos.»

2.4. Entende-se, pois, que quer os requisitos formais, quer os requisitos substanciais de admissibilidade do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência estão preenchidos, nomeadamente, a necessária oposição de julgados dado que têm soluções contrárias para a mesma questão de direito: qual a entidade competente, na fase de inquérito, para mandar destruir o material e utensílios de jogo, ao abrigo do disposto no art. 116.º da Lei do Jogo?

3. A partir de uma análise da jurisprudência conclui-se, na verdade, que as soluções ora oscilam entre considerar competente, para mandar destruir o material e utensílios de jogo quando haja arquivamento do inquérito, o juiz de instrução ou o Ministério Público. Ou seja, o acórdão recorrido e o acórdão fundamento refletem de forma clara as duas posições da jurisprudência.

Na linha do acórdão recorrido poderemos citar, por exemplo, os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 18.09.2013, processo n.º 429/11.9EAPRT-A. P1, de 20.11.2013, processo n.º 686/10.8EAPRT-A.P1 e de 04.12.2013, processo n.º 27/10.4EAPRT-A.P1.

E seguindo a posição do acórdão fundamento, entre outros, também o acórdão Tribunal da Relação do Porto, de 07.11.2012, processo n.º 22/08.3FBPVZ-A.P1, e os acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 03.02.2014, processo n.º 421/13.2TBFAF.G1  e de 05.05.2014, processo n.º 661/11.5GALSD-A.G1.

4. Analisemos o problema que se coloca tendo em conta os seguintes aspetos:

a)  natureza jurídica do instituto de perda de bens relacionados com o crime e seus pressupostos gerais; a declaração de perda com eficácia real de transferência da propriedade;

b) a perda de coisas relacionadas com a prática de factos ilícitos e típicos na lei do jogo;

c) o momento prévio da apreensão;

d) a necessidade de declaração de perda de bens atenta a violação de direitos fundamentais — a exigência constitucional de averiguação da proporcionalidade;

e) a necessidade de uma declaração de perda dos bens prévia à declaração de destruição;

f) o mandado de destruição, nos termos do art. 116.º, da lei do jogo, porque implicitamente contém uma declaração de perda, deve ser proferido por juiz.

4.1. A perda de bens ou de objetos relacionados com o crime tem uma natureza preventiva[1], isto é, sempre que aqueles bens coloquem “em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou [ofereçam] sério risco de serem utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos” (art. 109.º, do CP) devem ser declarados perdidos a favor do Estado. O que pode ocorrer independentemente da punição de uma pessoa — nos termos do art. 109.º, n.º 2, do CP, a perda de instrumentos e produtos do crime pode ter “lugar ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto”: casos em que pode ser declarada ainda que tenha havido despacho de arquivamento, por exemplo, ou ainda que tenha ocorrido uma absolvição. Usando as palavras de Conde Correia, “o que está em causa é remover um perigo, não aplicar uma sanção qualquer. Se não fosse assim, seria (...) uma clara violação da presunção de inocência (artigo 32.º, n.º 2, da CRP), por aplicação de uma determinada sanção penal, sem a prévia verificação da culpabilidade”[2].

Dada a sua natureza preventiva, apenas a perda ou a destruição cumpre as finalidades do instituto, dado que só assim é possível controlar o perigo inerente aos instrumentos ou produtos utilizados. “Pelos seus objetivos específicos (acautelar a perigosidade de certos objetos), a perda dos instrumenta ou producta não é, assim, um mecanismo essencialmente criado para demonstrar que o crime não compensa. Mais do que confirmar a bondade desse velho adágio, está em causa a prevenção dos riscos decorrentes da disponibilidade de objetos que, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso concreto, são perigosos”[3]. E por isto se admite que a perda possa ocorrer mesmo nos casos em que haja arquivamento e ainda que nenhuma pessoa possa ser punida.

Esta perigosidade das coisas, que determina a perda de bens a favor do Estado, deve ser avaliada objetivamente, a partir da perigosidade dos bens em si, ou subjetivamente, sempre que sejam considerados perigosos tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, atenta, por exemplo, a utilização que deles se fez ou fará — “As circunstâncias do caso concreto complementam a natureza objetiva da coisa, cerceando ou delimitando ainda mais o campo da aplicação da norma. O critério utilizado pelo legislador nacional é, assim, um critério misto, que parte das características objetivas da coisa, mas não esquece a natureza específica do caso concreto. Os dois critérios conjugam-se e articulam-se por forma a definir rigorosamente o caráter perigoso da coisa e a limitar os casos em que ela pode ser, por esta via preventiva, confiscada.”[4].

Além do mais, a lei exige que os bens “[tenham] servido ou estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico, ou que por estes tiverem sido produzidos” (art. 109.º, n.º 1, do CP)[5]. Isto é, torna-se necessário que o material ou os utensílios tenham sido utilizados para a realização de uma conduta que seja ilícita e típica — “ou, dito de forma explícita: torna-se necessária a verificação de todos os elementos de que depende a existência de um crime, com ressalva dos requisitos relativos à culpa do agente”[6].

Estamos, pois, perante um instituto que depende de uma perigosidade dos bens, objetiva ou subjetiva, presente ou futura, e que não depende da culpa do agente. E depende da prática de um facto típico e ilícito.  

Não se trata, no entanto, de uma medida automática, dado que depende da prévia declaração da autoridade judicial. Por isso se tem considerado não como uma pena acessória, não como uma medida de segurança, apesar da sua natureza preventiva, mas como “uma providência sancionatória de natureza análoga à da medida de segurança” (Figueiredo Dias). “Fala nesse sentido, por um lado, a circunstância de constituir seu pressuposto a prática de um facto ilícito-típico, em termos idênticos aos que assistem ao facto ilícito-típico como pressuposto de aplicação de uma autêntica medida de segurança não privativa da liberdade. E vai no mesmo sentido a exigência do pressuposto da perigosidade (...); e a consequente consideração da finalidade do instituto como prevenção da perigosidade.[7].

Havendo a declaração de perda, esta tem  uma “eficácia real, com transferência para o Estado da propriedade, sobre a coisa, no momento em que transite em julgado a decisão”[8]. E após aquela declaração, o destino a dar aos bens pode ser a destruição (cf. art. 109.º, n.º 3, do CP).  Mas, sempre que estejam verificados os necessários pressupostos da declaração de perda, nomeadamente, o da proporcionalidade, deve esta ser sempre decretada[9]. Além disto, e como determina expressamente o disposto no art. 109.º, n.º 3, do CP, também aqui é o juiz que ordena que os bens sejam total ou parcialmente destruídos, ou postos fora do comércio. Isto é, mesmo após a declaração de perda dos bens proferida pelo juiz, o legislador penal considerou ainda necessário que a declaração quanto ao destino dos bens, nomeadamente, a sua possível destruição, fosse também proferida pelo juiz. E mesmo que considerássemos que o art. 109.º, n.º 3, do CP, se referia apenas aos casos decididos na fase de julgamento, ainda assim o legislador não prescindiu da exigência de a declaração relativa ao destino dos bens ser proferida pelo juiz, ainda que o mesmo tenha também decidido quanto à perda dos mesmos bens. Aliás, constitui um requisito da sentença, nos termos do artigo 374.º, n.º 3, al. c), do CPP, a expressa referência, no dispositivo, à “indicação do destino a dar a coisas ou objectos relacionados com o crime”, ou seja, a indicação de perda e, eventual, destruição, ou qualquer outra finalidade dos bens relacionados com o crime.

4.2. No presente caso, o que está em causa é saber qual a entidade competente para, no âmbito de um inquérito por prática de alguns dos factos ilícitos previsto na lei do jogo (aprovada pelo Decreto-Lei n.º 422/89, de 2.12 e posteriores alterações), mandar destruir os bens apreendidos — “material e utensílios do jogo” — pela autoridade apreensora. Isto é, por força do art. 116.º quando sejam cometidos alguns dos crimes previstos na secção I (dos crimes), do capítulo IX (ilícitos e sanções), nos arts. 108.º a 115.º, há lugar à apreensão dos bens conexionados com aquelas atividades, seguida do “mandado do tribunal” para os destruir pela mesma entidade que os apreendeu.

Constituem, pois, factos ilícitos típicos os casos de exploração ou prática ilícita do jogo (art. 108.º)[10], a prática de jogo de fortuna ou azar fora dos locais autorizados  (art. 110.º)[11], a presença em local onde se pratique o jogo sem para tanto haver autorização e desde que a presença seja por causa do jogo (art. 111.º[12]), e ainda quem constranja outra pessoa a participar em jogo em locais não autorizados, ou coaja outra pessoa para dela obter meios para a prática do jogo (art. 112.º), ou quem pratique jogo fraudulento (art. 113.º) ou usura para o jogo (art. 114.º); por fim, constitui ainda crime aquele que obtém, sem autorização, material de jogo por qualquer uma das formas previstas no art. 115.º.

Em qualquer uma destas situações o material de jogo, por força do disposto no art. 116.º, será apreendido e será destruído depois do competente “mandado do Tribunal”. Ou seja, num primeiro momento, há lugar à apreensão do material ao que se segue o mandado de destruição, sem que o disposto no artigo referido faça qualquer alusão à declaração de perda dos bens; porém, e dado que aqueles bens, apesar de constituírem instrumento da prática de um crime, são pertença de alguém, que sobre eles tem um direito de propriedade, aquela declaração de perda tem que ocorrer, embora se possa considerar que abstratamente a lei tenha considerado que os bens referidos devem ser destruídos dada a sua perigosidade. Mas só concluindo pela perigosidade dos bens, nomeadamente porque podem ser utilizados para a prática de novos factos ilícitos típicos, é que se justifica a restrição ao direito de propriedade[13]. Trata-se, pois, também aqui de um instituto de natureza preventiva a fim de evitar a prática de novos crimes da mesma espécie dada a perigosidade dos bens, abstratamente considerada pelo legislador, e dada a prática (através deles) de factos típicos e ilícitos, como tal considerados pela lei do jogo.

4.3. No momento inicial ocorre, pois, a apreensão do material e utensílios do jogo. Estas apreensões seguirão as regras gerais do Código de Processo Penal.

Na verdade, as apreensões reguladas nos art. 178.º e ss, do CPP, não são apenas um meio de obtenção de prova (cf. art. 178.º, do CPP) — finalidade processual probatória —,  mas também um meio com vista à conservação de bens que mais tarde terão como destino a declaração de perda a favor do Estado  (cf. art. 185.º, do CPP) — finalidade processual substantiva[14]. Regra geral, as apreensões são “autorizadas, ordenadas ou validadas [[15]] por despacho da autoridade judiciária” (art. 178.º, n.º 3, do CPP), ou seja, pelo Ministério Público, pelo juiz de instrução ou pelo juiz de julgamento consoante a fase processual em que nos encontremos.

E nos termos do disposto no art. 185.º, do CPP, verificamos que no caso de coisas sem valor, perecíveis, perigosas ou deterioráveis, após a apreensão, ou seja, em situações com alguma urgência, a autoridade judiciária (Ministério Público ou juiz, consoante a fase processual) pode ordenar a venda daqueles bens ou, entre outras medidas, a sua destruição (cf. n.º 1 do art. 185.º, do CPP).

Todavia, a apreensão dos objetos não legitima a imediata destruição, dado que não existe qualquer transferência de propriedade com a sua efetivação. Na verdade, após a apreensão, e para que o Estado possa conservar os bens ou eventualmente destruí-los, por exemplo, é necessário que haja uma declaração de perda desses bens de modo a que a transferência da propriedade se possa efetuar do anterior proprietário para o novo proprietário.   Isto é, não pode haver mandado da autoridade judiciária para a destruição dos bens sem que haja uma declaração de perda dos bens a favor do Estado. Ainda que nada esteja referido expressamente no art. 116.º, da lei do jogo, após a apreensão e antes do mandado de destruição terá que haver uma declaração de perda, com eficácia real, de modo a que haja uma transferência da propriedade para o Estado.

E, nos termos do art. 268.º, n.º 1, al. e), do CPP, cabe ao juiz de instrução declarar a perda dos bens a favor do Estado quando haja lugar a arquivamento do inquérito. Ou seja, ainda que nos termos do art. 116.º, da lei do jogo, não haja qualquer referência à declaração de perda dos bens, mas apenas à sua destruição, aquela declaração está implícita no regime.

Todavia, há um regime diferente quando se trata de bens perecíveis, deterioráveis ou perigosos. Tendo em conta a letra do disposto no art. 185.º, do CPP, tudo indica que a autoridade judiciária pode ordenar a destruição imediata dos bens; porém, será ou não necessária a declaração de perda a favor do Estado? Dado o caráter urgente pressuposto pelo dispositivo, impondo-se uma decisão antes da prolação da sentença,  “a decisão nos termos do artigo 185.º não supõe a declaração de perda de objetos a favor do Estado”[16]. Ou seja, no caso de bens sem valor, perecíveis, perigosos ou deterioráveis a autoridade judiciária pode ordenar a sua destruição, considerando-se que não há lugar à declaração de perda dos bens a favor do Estado, atenta a urgência da medida — ou seja, é necessário que se conclua que a demora na obtenção da declaração de perda pelo juiz terá como consequência a deterioração dos bens sem que possam depois ser entregues, por exemplo, a entidades de solidariedade social que ainda os possam aproveitar, ou no caso de bens perigosos, colocando em causa a segurança pública, como acontecerá, por exemplo, com material explosivo.

Nos restantes casos, e tendo em conta o regime previsto Código de Processo Penal:

- as apreensões são autorizadas, validadas ou ordenadas pela autoridade judiciária;

- se houver urgência ou perigo na demora após terem sido efetuadas as apreensões pelos órgãos de polícia criminal devem ser validadas pela autoridade judiciária;

- em qualquer caso, o proprietário pode pedir a modificação da medida ou a sua revogação ao juiz de instrução (art. 178.º, n.º 5, do CPP);

- a declaração de perda dos bens é efetuada pelo juiz de instrução ou pelo juiz de julgamento, consoante a fase do processo;

4.4. Ou seja, só em situações muito excecionais se prescinde da declaração de perda. Quando não esteja em causa a deterioração do bem apreendido, ou perigo para a segurança da comunidade, não se procederá àquela destruição, nos termos extraordinários do disposto no art. 185.º, do CPP. Será sempre necessária uma declaração de perda efetuada pelo juiz — a lei é explícita: quando a decisão relativa ao destino dos bens ocorre após arquivamento do inquérito, aquando do despacho de não pronúncia, ou na sentença, caso em que a declaração de perda dos bens a favor do Estado é proferida pelo juiz de instrução ou pelo juiz de julgamento, respetivamente, de harmonia com o disposto nos arts. 268.º, n.º 1, al. e), 186.º, n.º 2 e 374.º, n.º 3, al. c), todos do CPP. O que constitui uma decorrência do disposto no art. 109.º, n.º 3, do CP, que expressamente estabelece que “pode o juiz ordenar que sejam total ou parcialmente destruídos ou postos fora do comércio”. O que decorre da necessidade de averiguação da proporcionalidade da medida, relativamente aos direitos lesados (e em decorrência da imposição constitucional consagrada no art. 18.º, da CRP).

Aliás, o Tribunal Constitucional já se pronunciou no sentido da necessidade de declaração de perda de bens antes que se proceda à sua destruição.

 No âmbito da lei da caça, na redação dada pela Lei n.º 30/86, de 27.08, estabelecia-se, no art. 30.º, n.º 10, que “a prática do exercício venatório em zonas de regime cinegético especiais, em épocas de defeso ou com o emprego de meios não permitidos, é punível (…) e acarreta sempre (…) a perda dos instrumentos e produtos da infracção.”.

Foi relativamente a esta norma que o Tribunal Constitucional, por acórdão n.º 202/2000, decidiu:

 “Julgar inconstitucional, por ofensa ao princípio constitucional da proporcionalidade, conjugado com o artigo 62º, n.º 2 da Constituição da República, a norma do artigo 31º, n.º 10, do mesmo diploma legal, na parte em que prevê, como efeito necessário da prática do crime ali tipificado, e independentemente da ponderação das circunstâncias do caso, a perda dos instrumentos da infracção”.

Para tanto considerou que:

Ora, uma norma que prevê que os instrumentos da infracção devem em qualquer caso ser declarados perdidos a favor do Estado, independentemente da consideração em concreto, quer da gravidade do ilícito e da culpa do agente, quer da perigosidade e do risco dos instrumentos para futuros crimes, quer mesmo da própria natureza (e valor) do objecto em questão, não pode certamente, na indeterminação abstracta da reacção ablatória do direito de propriedade que impõe, ser considerada respeitadora das exigências constitucionais de proporcionalidade.

Seja qual for a perigosidade dos instrumentos ou o risco de virem a ser utilizados na comissão de futuros crimes, seja qual for a culpa do agente ou as necessidades de prevenção geral, seja qual for o valor ou a natureza dos instrumentos em causa, a norma em crise impõe a sua perda a favor do Estado. A previsão abstracta pela lei de tal sanção acarreta, pois, necessariamente um obstáculo à ponderação concreta da proporcionalidade da imposição de tal providência sancionatória. (…)

Conclui-se, pois, que também o segmento normativo do artigo 31º, n.º 10, da Lei da Caça em que se prevê que a infracção nele prevista tem sempre como consequência a perda dos instrumentos da infracção, independentemente da avaliação da sua perigosidade ou do risco de utilização em futuros crimes e da ponderação de outras circunstâncias da situação concreta, é materialmente inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade.”[17]

Considerou-se, pois, que se impunha uma necessidade de uma decisão judicial a declarar a perda dos bens a favor do Estado em ordem ao cumprimento do princípio da proporcionalidade, dado que está em causa a proteção de um direito fundamental: o direito de propriedade[18].

4.5. Pelo que, se a simples declaração de perda da coisa, sem que haja destruição, impõe que haja uma apreciação judicial da proporcionalidade da medida relativamente ao direito fundamental — direito de propriedade — que lesa, consideramos que também quando se conclui pela necessidade de destruição da coisa, esta também implica uma necessária avaliação da proporcionalidade para que se proceda àquela destruição.

Consideramos que, ainda que no art. 116.º, da lei do jogo, apenas se refira à destruição dos bens e utensílios sem que faça qualquer referência à declaração de perda, esta declaração de perda está implícita e também aquela terá que ser proferida pelo juiz.

Na verdade, de acordo com o estipulado no art. 109.º, n.º 3, do CP, quando a lei não determina o destino da coisa, o juiz “pode” ordenar a sua destruição. Assim, e quando a lei nada estabelece, o juiz pode considerar que basta a perda do bem a favor do Estado sem que seja necessária a destruição. Caso em que o bem passa para a titularidade do Estado e caberá ao Ministério Público decidir o destino dos bens.  Porém, a lei do jogo determina expressamente a destruição dos bens. Isto é, o juiz não tem a faculdade de decidir se são ou não destruídos, e implicitamente não tem a faculdade de decidir se são ou não perdidos a favor do Estado? A restrição do direito de propriedade, ou melhor, a sua lesão, pode ocorrer independentemente da valoração em concreto?

Note-se que não estamos aqui perante um caso em que os bens sejam perecíveis, deterioráveis, ou perigosos ameaçando continuamente a segurança da comunidade enquanto não sejam destruídos. Ou seja, não estamos perante uma situação que se possa enquadrar no âmbito da regra especial subjacente ao art. 185.º, do CPP.

Tanto mais que tendo nós um regime que não torna o jogo ilícito, mas sim ilícita a sua exploração e prática fora dos locais para tanto autorizados, não fosse o disposto no art. 116.º, da lei do jogo, aquelas máquinas sempre poderiam ser vendidas a quem tenha autorização para as usar, por exemplo. Pelo que consideramos que uma qualquer destruição do material que não ofereça perigo eminente para a comunidade apenas poderá ocorrer depois de prévia avaliação por um magistrado judicial ao qual cabe proceder ao imprescindível juízo de proporcionalidade entre a necessidade de destruir o bem e o direito do proprietário do bem apreendido[19].

Pelo que após a apreensão realizada de acordo com o disposto nos arts. 178.º e ss, do CPP, apenas ocorrerá a destruição daqueles bens após declaração de perda. Esta declaração ocorrerá, quando não haja lugar a arquivamento, pelo juiz de instrução e pelo juiz de julgamento, consoante o momento em que o processo terminar. Havendo lugar a arquivamento, deverá haver lugar à declaração de perda nos termos do art. 268.º, n.º 1, al. e), do CPP.

4.6. Assim sendo, consideramos que o bem apreendido, nos termos do art. 116.º, apenas poderá ser destruído, após arquivamento do inquérito, quando o juiz de instrução proferir despacho a declarar os bens perdidos a favor do Estado. Mas, também a declaração de destruição deverá ser proferida pelo juiz de instrução quando ocorre um arquivamento do inquérito. Isto é, sendo o juiz de instrução aquele a quem cabe na fase de inquérito assegurar a proteção de direitos fundamentais, estando em causa um direito protegido constitucionalmente, caberá também ao juiz de instrução declarar a perda do bem e a sua destruição — não só por força do disposto no art. 116.º referido, mas também por força da regra geral consagrada no art. 109.º, n.º 3, do CP. Na realidade, esta situação é diferente daquela outra em que se concede a faculdade de o juiz decidir ou não pela destruição, total ou parcial, do bem em causa. A lei expressamente determina a sua destruição. Tendo em conta a lesão do direito de propriedade e a necessidade de averiguação da proporcionalidade (em função do caso concreto) aquela declaração de destruição, que contem implicitamente uma declaração de perda, deve ser proferida pelo juiz na fase de inquérito, o juiz de instrução garante dos direitos fundamentais naquela fase processual.

Aliás, se nos termos do art. 268.º, n.º 1, al. e), do CPP, a declaração de perda, a favor do Estado, dos bens apreendidos terá que ser proferida pelo juiz de instrução no caso de arquivamento do inquérito, não se compreenderia que, havendo destruição — que necessariamente implica também a perda dos bens — esta pudesse ocorrer sem que aquele juízo de avaliação fosse realizado. Tanto mais que não estamos perante um caso de um bem sem valor, perecível, deteriorável ou perigoso[20] (a máquina usada para praticar jogo de fortuna ou azar não é perigosa, apenas a sua utilização fora dos locais autorizados é ilícita).

É certo que sempre se poderá afirmar que o legislador ao determinar, abstratamente, a destruição do material e utensílios do jogo, parecendo impor que a destruição sempre ocorra independentemente do caso concreto, terá considerado que estavam sempre preenchidos os necessários requisitos que permitem a perda dos bens a favor do Estado. Isto é, poder-se-á considerar que o legislador entendeu que aqueles bens, abstratamente, constituem pela sua natureza, ou circunstâncias em que são utilizados, bens que colocam em perigo a segurança das pessoas, a moral ou ordem públicas (para atendermos aos requisitos exigidos pelo art. 109.º, do CP); pelo que estando estes pressupostos preenchidos abstratamente, só pela natureza dos objetos em questão e pelo modo como são utilizados, não seria necessária qualquer avaliação por um juiz. Ou seja, podemos considerar que o legislador concluiu que, tratando-se de bens que constituem material e utensílios de jogo, e que foram apreendidos aquando da exploração ou prática de jogo fora dos locais autorizados, só por si é o bastante para que se possa considerar que há o risco de voltarem a ser utilizados para a prática dos mesmos crimes. E daí a imposição geral e abstrata da sua destruição sem prévia declaração de perda.

Porém, mais uma vez aqui se impõe recordar as palavras do Tribunal Constitucional: 

uma norma que prevê que os instrumentos da infracção devem em qualquer caso ser declarados perdidos a favor do Estado [leia-se agora, destruídos], independentemente da consideração em concreto, quer da gravidade do ilícito e da culpa do agente, quer da perigosidade e do risco dos instrumentos para futuros crimes, quer mesmo da própria natureza (e valor) do objecto em questão, não pode certamente, na indeterminação abstracta da reacção ablatória do direito de propriedade que impõe, ser considerada respeitadora das exigências constitucionais de proporcionalidade.

Seja qual for a perigosidade dos instrumentos ou o risco de virem a ser utilizados na comissão de futuros crimes, seja qual for a culpa do agente ou as necessidades de prevenção geral, seja qual for o valor ou a natureza dos instrumentos em causa, a norma em crise impõe a sua perda a favor do Estado [leia-se agora, destruição]. A previsão abstracta pela lei de tal sanção acarreta, pois, necessariamente um obstáculo à ponderação concreta da proporcionalidade da imposição de tal providência sancionatória.”

E na mesma linha tem o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem considerado: “a presunção da origem ilícita dos bens não pode impedir as explicações alternativas fornecidas pelo visado, que deve ter oportunidade efetiva para apresentar e demonstrar a sua versão”[21].  Ou seja, “poder solicitar uma audiência pública e contraditória é, segundo o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, uma condição necessária à garantia do respeito dos direitos do interessado e logo do direito a um processo equitativo”[22].

Na verdade, ainda que não haja uma regulamentação exaustiva dos atos processuais essenciais a esta providência processual, ainda assim tem considerado a doutrina[23], mesmo nos casos de arquivamento, que deve ocorrer um “procedimento preventivo especial”, devendo ser cumprida uma “exigência mínima de contraditório”, não devendo ser negado um direito de audiência; exigências que são acrescidas quando ocorre um arquivamento, caso em que “deve ser dada especial atenção ao cumprimento desta garantia jurídico-constitucional mínima (artigo 32.º, n.º 5, da CRP e artigo 178.º, n.º 7, do CPP).”[24].

Assim sendo, após arquivamento, o juiz de instrução, nos termos do art. 268.º, n.º 1, al. e), do CPP, deve declarar a perda dos bens se estiverem preenchidos os pressupostos do art. 109.º, do CP, nomeadamente a possibilidade de poderem vir a ser utilizados para a prática de novos factos ilícitos típicos, e a sua destruição. Pelo que, também no caso do jogo ilícito, o material e utensílios de jogo devem ser declarados perdidos a favor do Estado e mandados destruir, se cumpridos os pressupostos legais, e após decisão judicial proferida pelo juiz de instrução, quando tenha havido arquivamento do inquérito, por força do disposto no art. 116.º, da lei do jogo e do art. 109.º, n.º 3, do CP. Isto é, o mandado de destruição previsto no art. 116.º, da lei do jogo, contem implicitamente uma declaração de perda de bens. Esta não deve ser automática em atenção às exigências constitucionais de restrição de direitos fundamentais, pelo que o juiz deverá expressamente averiguar do preenchimento dos pressupostos gerais de que depende a perda de coisas relacionadas com o crime. Seguindo-se o mandado de destruição pelo juiz, tal como estabelece o art. 109.º, n.º 3, do CP, e que a expressão “mandado do tribunal” contida do art. 116.º, da lei do jogo, não contraria.

4.7. De tudo o exposto podemos concluir que:

a) A perda de bens ou de objetos relacionados com o crime tem uma natureza preventiva.

b) Constituem pressupostos da perda a perigosidade dos bens (avaliada objetiva e subjetivamente — em função das circunstâncias do caso concreto) e a prática de um facto ilícito e típico.

c) Impõe-se a necessidade de declaração judicial da perda de bens, constituindo uma “uma providência sancionatória de natureza análoga à da medida de segurança” (Figueiredo Dias), e com eficácia real, com transferência para o Estado da propriedade sobre os bens.

d) Nos termos do art. 109.º, n.º 3, do CP (e art. 374.º, n.º 3, al. c), do CPP) compete ao juiz proferir a ordem quanto ao destino dos bens, nomeadamente, quanto à destruição, total ou parcial, dos bens ou quanto à sua colocação fora do comércio.

e) Nos termos do art. 116.º, da lei do jogo, o material e utensílios usados no jogo são apreendidos, todavia, a apreensão dos objetos não legitima a imediata destruição, dado que não existe qualquer transferência de propriedade com a sua efetivação.

f) Tendo em conta os direitos fundamentais em causa, não é admissível uma declaração de perda ou de destruição automática —  «uma norma que prevê que os instrumentos da infracção devem em qualquer caso ser declarados perdidos a favor do Estado, independentemente da consideração em concreto, quer da gravidade do ilícito e da culpa do agente, quer da perigosidade e do risco dos instrumentos para futuros crimes, quer mesmo da própria natureza (e valor) do objecto em questão, não pode certamente, na indeterminação abstracta da reacção ablatória do direito de propriedade que impõe, ser considerada respeitadora das exigências constitucionais de proporcionalidade.» (Ac. do Tribunal Constitucional, n.º 202/2000).

g) Só concluindo pela perigosidade dos bens, nomeadamente porque podem ser utilizados para a prática de novos factos ilícitos típicos, é que se justifica a restrição ao direito de propriedade.

h) Nos termos do ar. 268.º, n.º 1, al. e), do CPP, cabe ao juiz de instrução declarar a perda dos bens a favor do Estado quando haja lugar a arquivamento do inquérito.

i) Ainda que o art. 116.º, da lei do jogo, apenas se refira à destruição dos bens e utensílios sem que faça qualquer referência à declaração de perda, esta declaração de perda está implícita e também terá que ser proferida pelo juiz.

j) Se, nos termos do art. 268.º, n.º 1, al. e), do CPP, a declaração de perda dos bens apreendidos a favor do Estado terá que ser proferida pelo juiz de instrução no caso de arquivamento do inquérito, não se compreenderia que, havendo destruição — que necessariamente implica também a perda dos bens — esta pudesse ocorrer sem que aquele juízo de avaliação fosse realizado.

l) O mandado de destruição não deve ser automático, em atenção às exigências constitucionais de restrição de direitos fundamentais, exigindo-se uma ponderação concreta da proporcionalidade da imposição da providência sancionatória de destruição dos bens, pelo que o juiz deverá expressamente averiguar do preenchimento dos pressupostos gerais, nomeadamente da sua perigosidade em atenção às circunstâncias do caso concreto (perigosidade subjetiva), pese embora o legislador tenha entendido que o pressuposto da perigosidade objetiva dos bens se encontrava abstratamente preenchido.

m) O mandado de destruição do material e utensílios de jogo, previsto no art. 116.º, da lei do jogo, que contém implicitamente uma declaração de perda dos bens a favor do Estado, deve ser proferido por juiz em qualquer fase processual.


III


Com base no exposto, o Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça decide manter o acórdão recorrido e fixar a seguinte jurisprudência:

Em caso de arquivamento do inquérito, cabe ao juiz de instrução, nos termos do art. 116.º, da lei do jogo (Decreto-Lei n.º 422/89, de 02.12, alterado pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19.01, pela Lei n.º 28/2004, de 16.07, pelo Decreto-Lei n.º 40/2005, de 17.02, pela Lei n.º 64-A/2008, de 31.12, e pelo Decreto-Lei n.º 114/2011, de 30.11), declarar perdido a favor do Estado e mandar destruir o material e utensílios de jogo.

Cumpra-se, oportunamente, o disposto no art. 444.º, n.º 1, do CPP.

Não são devidas custas de harmonia com o disposto no art. 522.º, n.º 1 ex vi art. 448.º, ambos do CPP.

            Supremo Tribunal de Justiça, 23 de junho de 2016

Helena Moniz (relatora)
Nuno Gomes da Silva
Francisco Caetano
Manuel Augusto de Matos
Pereira Madeira
Santos Carvalho
Armindo Monteiro
Santos Cabral
Oliveira Mendes
Souto de Moura
Pires da Graça
Raúl Borges
Isabel Pais Martins
Manuel Braz
Isabel São Marcos
Henriques Gaspar (Presidente)

--------------------
[1] Figueiredo Dias, Direito Penal Português (As consequências jurídicas do crime), Lisboa: Ed. Notícias/Æquitas, 1993, § 979 (p. 616); já no sentido da natureza preventiva deste instituto, acórdão do STJ n.º 6/95, DR, I série-A, 28.12.1995, p. 8207 e ss.
[2] Da proibição do confisco à perda alargada, Lisboa: INCM/PGR, 2012, p. 69.
[3] Conde Correia, ob. cit., p. 69-70.
[4] Conde Correia, ob. cit. p. 72.
[5] E assim Conde Correia entende que, pelo menos, ter-se-á que verificar a tentativa do crime, sendo irrelevantes meras cogitações ou atos preparatórios, quando não punidos autonomamente (oc. cit., p. 70, nota 112).
[6] Figueiredo Dias, ob. cit., § 985 (p. 619).
[7] Figueiredo Dias, § 999 (p. 628).
[8] Idem.
[9] Também assim, Figueiredo Dias, ob. cit., § 996 (p. 627).
[10] “A lei não prevê a incriminação do “jogo ilícito”, mas, diversamente, a “exploração e a prática ilícitas” do jogo. O que significa que, no quadro legal vigente, em bom rigor não existem jogos de fortuna ou azar ilícitos, antes é ilícita a exploração e a prática dos jogos de fortuna ou azar, em desrespeito às condições regulamentares, fundamentalmente, quando realizadas fora dos locais autorizados” — Conde Fernandes, anotação ao art. 108.º/ nm. 13, Comentário das Leis Penais Extravagantes, Lisboa: UCP, vol. 2, 2011, p. 363.
[11] Mais uma vez se reafirma que não se trata da punição do jogo ilícito, mas da prática ilícita do jogo fora dos locais autorizados (Conde Fernandes, oc. cit., art. 110.º, nm. 3, p. 376).
[12] Assim, Conde Fernandes, oc. cit., art. 111.º, nm. 3, p. 377.
[13] Também o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem considerado que se legitima a figura da perda de bens relacionados com o crime sempre que a medida esteja prevista na lei com vista à satisfação de um interesse da comunidade em geral, e desde que seja proporcional — cf. sobre isto, Conde Correia, ob. cit., p. 54 e ss.
[14] Conde Correia, ob. cit, p. 154; também assim, Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal, vol. II, Lisboa: Verbo, 5.ª ed., 2011, p. 289; Damião da Cunha, Perda de bens a favor do Estado, Lisboa: CEJ, 2002, p. 26; Maria João Antunes, Direito Processual Penal, Coimbra: Almedina, 2016, p. 116. Também no sentido de que a apreensão constitui um meio de segurança dos bens, cf. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 294/2008.
[15] São validadas as apreensões efetuadas pelos órgãos de polícia criminal, de acordo com o disposto no art. 178.º, n.ºs 4 e 5, do CPP.
[16] Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Lisboa: UCP, 4.ª ed., 2011, art. 185.º/ nm. 7 (p. 519). Todavia, a apreensão efetuada pelo órgão de polícia criminal deve ser validada pela autoridade judiciária — art. 178.º, n.º 5, do CPP —, sendo esta decisão passível de impugnação perante o juiz de instrução (art. 178.º, n.º 6, do CPP). Sobre isto, e com uma análise crítica relativamente à posição de Paulo Pinto de Albuquerque, cf. Fátima Mata-Mouros, Juiz das liberdades (desconstrução de um mito do processo penal), Coimbra: Almedina, 2011, p. 409 e ss.
[17] E assim na atual lei da caça se determina que “A condenação por qualquer crime ou contra-ordenação previstos nesta lei pode implicar ainda a interdição do direito de caçar e a perda dos instrumentos e produtos da infracção a favor do Estado.” (art. 35.º, n.º 1, da Lei n.º 173/99, de 21.09, e atualizações posteriores; e no n.º 3: “A perda dos instrumentos da infracção envolve a perda das armas e dos veículos que serviram à prática daquela.”, sendo certo que não se trata de uma decisão automática, mas a necessitar de ponderação dado que a prática do crime pode implicar aquela perda).
[18] Também no sentido de que a norma que prevê o perdimento automático, de certo tipo de veículos fora das condições legais, constitui uma norma inconstitucional por falta de ponderação, em concreto, da adequação e proporcionalidade da medida, cf. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 176/2000, de 22.03.2000.
[19] Também no sentido de a ordem de destruição ter de ser judicial, cf. Conde Fernandes, ob. cit. supra, art. 116.º, nm. 3 (p. 386): “O material e utensílios de jogo quando sejam cometidos os crimes dos arts. 108.º a 115.º serão destruídos pela autoridade apreensora. O prévio “mandado do tribunal” trata-se de uma competência judicial, logo reservada ao juiz (artigo 268.º, n.º 1, al. e), e 374.º, n.º 3, al. c), ambos do Código de Processo Penal).” É, no entanto, necessário que se prove que aqueles materiais e utensílios estavam associados à prática do jogo pois se assim não for deverão ser restituídos, nos termos do art. 186.º, do CPP (idem).
[20] Será o caso da droga apreendida que, por força do disposto no art. 62.º, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, uma vez apreendida é, regra geral, destruída (pode ser cedida para fins didáticos, de formação ou de investigação criminal — cf. n.º 7 do mesmo dispositivo); porém, trata-se de um bem em si mesmo ilícito, o que não acontece quanto às máquinas de jogo ­ — um particular pode fazer uma coleção de máquinas de jogo, sem que as utilize para a prática do jogo fora dos locais autorizados, por exemplo. No caso de outros bens relacionados com o crime de tráfico de estupefacientes é necessária uma declaração de perda, de acordo com o disposto nos arts. 35.º e ss, do diploma citado.
[21] Conde Correia, ob. cit, p. 57 e jurisprudência do TEDH aí referida. Também no sentido de serem asseguradas as necessárias vias de recurso e de impugnação deste tipo de decisões, e ainda exigindo uma fundamentação da decisão, cf. diretiva 2014/42/UE, de 03.04.2014 (relativa ao congelamento e perda de instrumentos e produtos do crime), em especial, art. 8.º.
[22] Idem.
[23] Cf. Conde Correia, ob. cit., p. 125 e ss, e bib. aí referida.
[24] Conde Correia, ob. cit., p. 127.