Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6465/19.0T8MTS-B.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: MÁRIO BELO MORGADO
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
DOCUMENTO
Data do Acordão: 03/08/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário :

Um documento que foi incorporado no processo em momento anterior ao da prolação da decisão final, cuja revisão é requerida, é insuscetível de fundamentar um recurso de revisão, com fundamento no disposto no art. 696.º, alínea c), do CPC.

Decisão Texto Integral:


Revista n.º 6465/19.0T8MTS.S1

MBM/JG/RP

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça

I.

1.1. Ré/recorrente: Biojam, S.A.

1.2. Autor/recorrido: AA.

X X X

2. Por Acórdão de 17.01.2022, o Tribunal da Relação do Porto (TRP) confirmou parcialmente a sentença proferida na ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento instaurada pelo A. contra a R.

Para além disso, negou provimento à apelação interposta pela R. do despacho de 15.03.2021, posterior à prolação (em 01.12.2020) da sentença, com os seguintes fundamentos:

«A Ré veio requerer a junção aos autos do recibo de vencimento por despedimento do Autor emitida pela ..., há muito dissolvida, o que só logrou agora obter, conforme declaração emitida pela Liquidatária da mesma sociedade.

Juntou a mesma declaração e o documento.

Notificado o Autor veio opor-se à junção do mesmo documento.

Em suma, referindo que tal junção ser extemporânea, em nenhuma vez, ao longo do processo, foi feita referência a tal documento ou sequer referida a concessão de prazo para o juntar. O recurso não é o lugar para a produção de prova, nem para a alegação de factos novos e que a questão da quantificação e do recebimento, ou não, pelo Autor dos créditos emergentes da cessação da relação laboral com a ... nunca foi colocada nos autos, nunca tendo tido o Autor a oportunidade processual de sobre ela se pronunciar.

Em 15.03.2021, a Mm.ª Juiz a quo foi proferido o seguinte despacho de não admissão do documento:

“A ré, por requerimento de 02/02/2021, veio requerer a junção aos autos de documento para prova do alegado nos arts. 35º, 36º e 56º das alegações de recurso, alegando que devido às condicionantes decorrentes da situação de pandemia e ao facto de se tratar de documento com mais de 5 anos, só agora o logrou obter e que, tendo tal documento indubitável relevo para a descoberta da verdade, o mesmo é passível de junção aos autos a título oficioso.

O autor, opôs-se por entender que a junção do documento é extemporânea, por ser posterior às alegações do recurso interposto pela ré, que a ré ao longo do processo nunca fez referência à existência de tal documento, que o recurso não é o momento adequado para a instrução e que a questão do recebimento pelo autor dos créditos emergentes da cessação da relação laboral com a ... nunca foi colocada nos autos, não podendo, por isso, o tribunal dela conhecer oficiosamente.

Resulta das disposições conjugadas dos arts. 651º, nº 1 e 425º do Código de Processo Civil que as partes podem juntar com as alegações de recurso documentos cuja apresentação não tenha sido possível até esse momento, o que significa que, após a apresentação das alegações as partes não podem já juntar aos autos quaisquer documentos, ainda que os mesmos sejam posteriores, que a eles só tenham acedido posteriormente ou que deles só tenham conhecimento posteriormente.

De facto, tal como se pode ler no sumário do Ac. RP de 10/7/2019, acessível em dgsi.pt, citado pelo autor, “I - O art. 651º, nº 1, do CPC, limita àquele momento processual a possibilidade de junção de documento em sede de recurso, pelo que, independentemente da superveniência do documento em relação à apresentação das alegações e da relevância do mesmo, não é admissível a junção de documento após as alegações de recurso”.

Tal limitação temporal ocorre mesmo nas situações previstas pela parte final do citado art. 651º, nº 1 do Código de Processo Civil, ou seja, nas situações em que a junção do documento se tornou necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.

Ora, como se refere no Ac. da RP de .../.../2018, acessível em dgsi.pt “II - O documento torna-se necessário só por virtude desse julgamento (e não desde a formulação do pedido ou da dedução da defesa) quando a decisão se tenha baseado em meio probatório inesperadamente junto por iniciativa do tribunal ou em preceito jurídico com cuja aplicação as partes justificadamente não tivessem contado”, o que, manifestamente não sucedeu no caso dos autos.

Acresce que, apesar de o autor alegar que a sua antiguidade devia ser reportada ao início do seu vínculo contratual com a ..., ao longo do processo a ré nunca invocou que tal vínculo tivesse cessado ou que tivesse pago ao autor qualquer quantia devida pela cessação de tal contrato, pelo que, não se vislumbra qualquer fundamento para que o tribunal pudesse promover oficiosamente a junção aos autos de tal documento, o que, de todo o modo, nunca poderia legitimar a junção de documentos após as alegações de recurso.

Decide-se, pois, não admitir nos autos o documento cuja junção foi requerida pele ré através do requerimento de 02/02/2021.

Custas do incidente pela ré, com 1 UC de taxa de justiça.

Notifique.”

(…)

Concluiu, em suma, a este propósito o Autor que o acesso ao mesmo documento apenas ocorreu em ........2021, em momento posterior ao da apresentação do recurso, mas ainda em plena fase de alegações e resposta às mesmas.

(…)

“Dispõe o art. 651º, nº 1, do CPC/2013 que “1. As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações a que se refere o art. 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª instância.” Do referido preceito decorre que a junção de documentos em sede de recurso apenas é possível com as alegações, e não já em momento posterior”.

No caso em apreço, não obstante a alegada superveniência do documento relativamente à apresentação das alegações de recurso pela Apelante, não pudemos deixar de atender ao citado artigo 651º, nº 1, nos termos do qual, a apresentação de documentos é limitada àquele momento processual.

Subscrevendo-se este entendimento, improcede este recurso da Apelante, devendo o mencionado documento, oportunamente, ser desentranhado e devolvido à parte.»

3. Posteriormente ao trânsito em julgado do Acórdão do TRP, invocando o disposto no art. 696.º, alínea c), do Código de Processo Civil, a R. interpôs recurso de extraordinário de revisão do mesmo, recurso que foi liminarmente indeferido pela Senhora Desembargadora Relatora, por despacho de ........2022

4. Inconformada, a R. interpôs recurso de revista.1

5. O A. não contra-alegou.

6. Neste Supremo Tribunal, o Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negada a revista, em parecer a que apenas respondeu a recorrente, em linha com o antes sustentado nos autos.

7. A única questão a decidir consiste em saber se merece censura o despacho referido em supra nº 3.

E decidindo.

II.

8. É manifesta a improcedência do recurso de revista, pois – por natureza, e como é linear – um documento incorporado nos autos em momento anterior ao da prolação da decisão final cuja revisão é requerida (in casu, o Acórdão do TRP de 17.01.2022), como ocorre no caso vertente, é sempre insuscetível de fundamentar um recurso de revisão, com fundamento no disposto no art. 696.º, alínea c), do CPC.

Com efeito: já na posse de todos os elementos disponíveis e relevantes, a Relação entendeu que a junção de determinado documento não era admissível; e, inconformada com a decisão e visando apenas revertê-la, a recorrente lançou mão deste instrumento processual como se de um recurso ordinário se tratasse, sem adiantar qualquer elemento novo, que não constasse já do processo aquando da decisão do recurso de apelação.

Vale por dizer que a recorrente apenas pretendia a reponderação (“renovação”) de uma questão já apreciada e julgada e não o reexame do julgado, com base em vício/anomalia processual taxativo e de gravidade qualificada, como é próprio dos “recursos de reparação”.2

III.

9. Em face do exposto, confirmando o despacho recorrido, acorda-se em negar a revista.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 08 de março de 2023

Mário Belo Morgado (Relator)

Júlio Manuel Vieira Gomes

Ramalho Pinto

____________________________________________

1. O recurso foi admitido na sequência de reclamação da recorrente, ao abrigo do artigo 643.º do CPC, considerando que, sendo o tribunal competente para conhecer do recurso de revisão o Tribunal da Relação do Porto, “a Exma. Juiz Desembargadora a quem o processo foi distribuído funcionou como juiz de primeira instância, e não como relatora de recurso de apelação, pelo que do despacho singular de indeferimento liminar do requerimento de revisão cabe recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça e não reclamação para a Conferência no Tribunal da Relação do Porto”.↩︎

2. Cfr. Lebre de Freitas, Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, CPC Anotado, 3ª edição, p. 302.↩︎