Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1092/10.0TBLSD-G.P1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: JOÃO BERNARDO
Descritores: PRECLUSÃO
AMPLIAÇÃO DO RECURSO
REVISTA AMPLIADA
CONSUMIDOR
Data do Acordão: 05/29/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA PELO RECLAMANTE DD E CONCEDIDA EM PARTE AO RECLAMANTE CC
Área Temática:
DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 15.
- Calvão da Silva, A responsabilidade do Produtor, 58.
- Carlos Ferreira de Almeida, Direito ao Consumo, 33.
- Miguel Pestana de Vasconcelos, em Cadernos de Direito Privado, n.º33, 3 e seguintes.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 8.º, N.º3.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 266.º, N.º1, 680.º, 684.ºS 1 E 2, 700.º, N.º3, 722.º, N.º3, SEGUNDA PARTE, 729.º, 732.º-A, N.º3.
DECRETO-LEI N.º 24/2014, DE 14.2: - ARTIGO 2.º, N.º1.
Legislação Comunitária:
DIRETIVA N.º 2011/83/EU, DO PARLAMENTO E DO CONSELHO, DE 25.10.2011.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
- EM 20.3.2014, REVISTA AMPLIADA, NO PROCESSO N.º 92/05.6TYVNG-M.P1.S1.
*
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR N.º2/2010, PUBLICADO NO DIÁRIO DA REPÚBLICA I SÉRIE DE 22.2.2010.
Sumário :
1. Tendo o relator do recurso de apelação decidido que este é tempestivo, sem que a parte reclamasse ou interpusesse recurso, a decisão não pode já ser impugnada em recurso de revista do acórdão que veio a ser proferido.

2. Enquanto a interposição dos recursos tem como pressuposto o decaimento relativamente ao ou aos pedidos, a ampliação daqueles situa-se no domínio dos fundamentos.

3. Decaindo a parte relativamente a um ou mais pedidos, não pode insurgir-se contra o decidido, em sede de ampliação recursória.

4. Não atingindo os documentos invocados o patamar da prova vinculada, não podem fundamentar pretensão de alteração factual em recurso de revista.

5. Os acórdãos proferidos pelo pleno das secções cíveis em revista ampliada não vinculam o Supremo Tribunal de Justiça, mas não se justifica que se encare posição conducente a decisão em sentido diferente se não for de presumir que o pleno, a propor obrigatoriamente nos termos do artigo 732.º-A, n.º3 do Código de Processo Civil (agora n.º3 do artigo 686.ºdo NCPC), venha a alterar o entendimento do anterior.

6. “Mutatis mutandis” esta não justificação é extensiva aos casos em que há apenas divergência nítida quanto aos fundamentos.

7. Para efeitos do Acórdão proferido em revista ampliada em 20.3.2014, no processo n.º 92/05.6TYVNG-M.P1.S1, deve ser considerado consumidor o promitente-comprador que, na fração prometida comprar, tem um estabelecimento de venda ao público de artigos para o lar, que explora através duma sua sociedade com sede na mesma fração.  

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1 . Por apenso aos autos principais nos quais foi declarada a insolvência de AA Sociedade de Construções de … LDA, veio a Sr.ª Administradora de Insolvência juntar ao processo a lista dos créditos tidos por reconhecidos e não reconhecidos, ao abrigo do disposto no art.129.º do CIRE.

Relativamente aos reconhecidos vieram, entre outros, apresentar impugnações o BB S.A. (folhas 50 e seguintes), CC, (folhas 64 e seguintes), DD (folhas 104 e seguintes) e EE (folhas 193 e seguintes).                                                                                                       

Seguida a normal tramitação, teve lugar audiência de julgamento, no culminar da qual foi proferida sentença que:

A) Julgou improcedente e não verificado o crédito do impugnante EE.

B) Julgou parcialmente procedente e verificado o crédito do impugnante e DD no valor de € 70.081,87, classificado como crédito comum.

C) Julgou parcialmente procedente a impugnação do credor BB S.A. e parcialmente procedente a impugnação de CC e esposa FF, julgando verificado o crédito dos mesmos no valor de € 89.844,05 ou o valor do imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número ... de …, inscrito na matriz sob o artigo ... Fracção C, se superior a esse valor (art.104º, nº5 do CIRE), classificando esse crédito como garantido com direito de retenção sobre tal imóvel, nos termos do artigo 755º, alínea f) do Código Civil.

D) Homologou a lista dos credores reconhecidos e julgou verificados os créditos que constam da lista de fls.19 a 23 que não foram impugnados.

 Mais determinou que, após o trânsito da decisão, fosse aberta conclusão para graduação de créditos, a qual se não mostrou possível realizar à data por falta de elementos essenciais.

2 . Recorreram DD e o Banco BB S.A. e, subordinadamente, CC.

No que toca ao impugnante DD, veio este nas contra-alegações ao recurso do BB S.A., ampliar o âmbito do recurso que antes havia interposto.

Recebido o processo na Relação, foi proferido despacho pelo relator que, além do mais, considerou improcedente a alegação de extemporaneidade do recurso do BB, S.A. suscitada pelos recorrentes DD e CC.

3 . Depois, o Tribunal da Relação do Porto decidiu nos seguintes termos:

“1º

 a) Julga-se improcedente o recurso principal interposto pelo apelante DD;

b) Não se conhece da ampliação do recurso formulada pelo mesmo apelante DD;

c) Julga-se parcialmente procedente o recurso interposto pelo apelante Banco BB S.A.;

d) Julga-se improcedente o recurso subordinado interposto pelo apelante CC.

2.º

Face ao acabado de expor em 1º e mantendo no mais o antes decidido, altera-se do seguinte modo a sentença recorrida:

a) Julga-se improcedente e não verificado o crédito do credor impugnante DD;  

b) Julga-se parcialmente procedente a impugnação do credor BB SA e parcialmente procedente a impugnação de CC e esposa e julga-se verificado o crédito dos mesmos no valor de 89.844,05 € (oitenta e nove mil oitocentos e quarenta e quatro euros e cinco cêntimos) ou o valor do imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número ... de ..., inscrito na matriz sob o artigo ... Fracção C se superior a esse valor (art.º 104 nº 5 CIRE) e classificar este crédito como crédito comum.”

4 .  Pedem revista os referidos:

CC e

DD.

5 . A mesma foi admitida como revista excecional, mas a formação a que alude o artigo 721.º-A, n.º3 do Código de Processo Civil decidiu não se verificarem os pressupostos deste tipo de revista, determinando, no entanto, que os autos fossem sujeitos a distribuição como revista normal.

6 . Os recorrentes apresentaram uma só alegação, com as seguintes conclusões:

 1- O recurso do recorrente BB é extemporâneo, por não cumprir o disposto no artigo 685-B do C. P. Civil, não podendo por isso beneficiar do prazo de 10 dias para reapreciação da prova gravada que não identificou de forma precisa e separada em relação a nenhuma das decisões que impugnou;

2 - O artigo 684-A designadamente pela leitura do n.º 2 não permite a interpretação restritiva que lhe foi dada pelo acórdão recorrido para não apreciação da ampliação do âmbito do recurso.

3 -A prova documental, quer pelas transferências e pagamentos, além do contrato promessa, quer pela declaração divida autenticada, a respeito da divida do insolvente não permite a alteração à matéria de facto operada pelo tribunal da relação.

4 - No contrato promessa de compra e venda não deixam de revestir cumprimento do contrato ou pagamento de preço as entregas feitas a título de sinal.

5 - No caso de existir tradição da coisa para o promitente-comprador, que já cumpriu, totalmente, a sua contra-prestação, a recusa do cumprimento do contrato-promessa, na hipótese de insolvência do promitente vendedor, por parte do administrador de insolvência, já se não afigura possível, independentemente de o contrato-promessa ter ou não eficácia real (AC. STJ de 20/10/2011).

6 - A recusa de cumprimento dos contratos a que se refere o artigo 102 n.º 1 do CIRE não exige declaração expressa, nem forma especial, aplicando-se-lhe os princípios dos artigos 217 e 219 do C. Civil. A inclusão pelo Administrador da Insolvência dos créditos dos promitentes-compradores no elenco dos créditos reconhecidos, sem o subordinar a qualquer condição, correspondente à declaração de recusa de cumprimento dos invocados contratos promessa, equivalente a incumprimento definitivo pela insolvente.

7 - Não são apenas as fracções autónomas destinadas a habitação que podem ser objecto de aquisição por consumidor final.

8 - O reclamante CC cumpriu integralmente o contrato na parte que lhe diz respeito ao antecipar o pagamento do preço ainda que a título de sinal por força de presunção legal, goza de direito de retenção sobre a fracção objecto do contrato promessa.

9 - Violou o acórdão recorrido entre outros por erro de interpretação o disposto nos artigos 684-A, 685-B, 685° n.º 7, 691, n.º 5 do C. P. Civil e 144°, n.º 1 in fine do C. P. Civil, 102 n.º 1 do CIRE e 755° n.º 1 al f) do C. Civil e 376 ° e 458° do C. Civil.

10 - Deve ser julgado procedente o recurso revogando-se a decisão recorrida e substituindo-se a mesma por outra que julgue extemporâneo e improcedente o recurso para a Relação do BB, mantendo o decidido na primeira instância quer quanto ao crédito do credor DD quer quanto ao crédito e ao direito de retenção do credor CC e esposa.

11 - Atribuem ao recurso o valor de 100.000,00 atento ao facto de em relação ao credor DD estar em causa apenas o crédito de 70.081,87 €, deferido em primeira instancia e em relação ao credor CC estar apenas em causa o direito de retenção.

Requerimento nos termos do n.º 2 do artigo 732º A do C. P. Civil

Aos recorrentes parece importante para que se uniformize, defina e clarifique jurisprudência o julgamento ampliado do presente recurso, quanto ao recurso na parte atinente ao credor CC, até para melhor interpretação do acórdão do STJ de 14/06/2011 em confronto com a conclusão VII do acórdão do STJ de 20/10/2011 e acórdão de 22/02/2011.

Pois, do que lemos das instâncias inferiores o acórdão do STJ de 14/6/2011 tem vindo a ser interpretado num sentido muito mais amplo do que o seu texto permite. Estas razões fundamentam na modesta opinião dos recorrentes o julgamento alargado do recurso, que requerem com o único móbil de aperfeiçoamento da justiça em abstrato, sem prejuízo de entendimento em contrário pelo Sr. Conselheiro Relator e/ou Adjuntos.

Contra – alegou o BB.

Sustentou não ser admissível o recurso, dado o disposto no n.º1 do artigo 14.º do CIRE, questão que foi conhecida pelo relator no sentido da improcedência.

No mais, rebateu, ponto por ponto, a alegação recursiva, defendendo a manutenção do decidido.

7 . Por despacho ainda do relator, de folhas 1517 e seguintes, foi o reclamante DD convidado a esclarecer a sua pretensão recursória, nos seguintes termos:

“Como se vê do elenco factual, o recorrente DD pretendia, no recurso de apelação, ainda que em argumentação subsidiária, que se apreciasse, em “ampliação do recurso”, o que designou por crédito comum de 65.133,00 €, conforme reclamado, além dos 150.000,00 do contrato promessa objecto do recurso interposto a 30/07/2012.”

A pretensão, assim traçada, alcança os € 215.133,00 inicialmente reclamados.

A Relação não conheceu dessa “ampliação do recurso”: (ponto 1.º, b)) da decisão que tomou.

Os agora recorrentes insistem neste ponto na conclusão 2.ª das alegações para este Supremo Tribunal.

Em primeira linha está, pois, na interpretação legítima do relator, a questão da bondade da decisão da Relação que não conheceu de tal “ampliação”. E como esta envolve a totalidade do crédito reclamado, de € 215.133,00, nunca se poderia o valor do recurso descer aos pretendidos € 100.000,00. Havendo sempre e ainda que contar com o valor do direito de retenção almejado pelo outro recorrente.

No entanto, na parte final das conclusões das alegações da revista, os recorrentes rematam as conclusões com a pretensão de que se revogue a decisão recorrida e se substitua “a mesma por outra que julgue extemporâneo e improcedente o recurso para a Relação do BB, mantendo o decidido na primeira instancia quer quanto ao crédito do credor DD quer quanto ao crédito e ao direito de retenção do credor CC e esposa.”

Ou seja – tendo em conta que, na 1.ª instância, se reconheceu apenas o crédito de € 70.081,87 no respeitante ao reclamante DD – fica, perante este último texto, a ideia de que o que está em causa, relativamente a este reclamante, é apenas este montante.

Se assim é, cai por inutilidade a questão da bondade do conhecimento ou não conhecimento, por parte da Relação, da “ampliação do recurso”. A menos que se pretendesse chegar aos mencionados € 70.081,87, (e apenas a estes) na parte relativa à ampliação, o que não está conforme com os montantes a que esta se reporta.

Se o recorrente DD pretende, efetivamente, como vem afirmando, apenas que se reconheçam aqueles € 70.081,87, deixando cair a questão da denegação de conhecimento da “ampliação do recurso”, então existe fundamento para baixar o valor da revista, não para os pretendidos € 100.000,00, mas para tal valor, acrescido, vista a unicidade, do valor do direito de retenção reconhecido ao outro recorrente e denegado pela Relação.

Mas se mantiver a pretensão de que se revogue a decisão no segmento que não conheceu da pretendida “ampliação do recurso”, deve ser mantido o que foi decidido pelo relator.

Do que vem sendo exposto, resulta que existe obscuridade quanto aos contornos do recurso que temos para apreciar.

Assim, determina-se a notificação dos recorrentes para, em dez dias, esclarecerem tais contornos…”

 8 . Esclareceu precisando que a sua pretensão se cifra na manutenção do reconhecimento do seu crédito de € 70.081,87 que teve lugar na sentença de 1.ª instância, nele incluindo o crédito reclamado fora do âmbito do contrato-promessa que invocou, de € 65.133,00.

9 . Por despacho de folhas 1596, o Ex.mo Presidente deste Tribunal indeferiu a pretensão de requerimento ampliado de revista, por então estar pendente a prolação de Acórdão com essa natureza noutro processo, versando questão idêntica.

10 . As conclusões das alegações, tendo em conta o esclarecimento referido em 8, levantam as questões consistentes em saber se:

O recurso que o BB interpôs da 1.ª para a 2.ª instância não devia ter sido admitido por extemporaneidade;

Devia ter sido conhecida a ampliação do recurso levada a cabo pelos ora recorrentes;

Face à prova documental produzida, não devia ter sido alterada a matéria factual;

No caso de insolvência do promitente-vendedor, não pode o administrador recusar o cumprimento do contrato-promessa, se tiver havido tradição da coisa e cumprimento integral do promitente-comprador, mesmo que o contrato não tenha eficácia real.

A recusa de cumprimento do contrato a que se refere o n.º1 do artigo 102.º do CIRE não exige declaração expressa, nem forma especial;

O promitente-comprador goza do direito de retenção sobre a fração objeto do contrato-promessa.

11 . 1 - Na 1.ª instância foi considerado provado e não provado o seguinte:

Da impugnação do credor BB SA e do reclamante CC:

Factos Provados:

1) Por contrato de promessa de compra e venda de 30/04/2008 junto aos autos a fls. 68 e 69 cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, a insolvente prometeu vender ao reclamante CC, livre de ónus ou encargos, pelo preço de 80.000,00 € (oitenta mil euros) a fracção autónoma de prédio urbano, a constituir em regime de propriedade horizontal, no loteamento da T... (lote 8) sito no lugar de T..., freguesia de ..., do concelho de …, designada pela letra C.

2) Tal prédio encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Lousada sob o número ... de ..., inscrito na matriz sob o artigo ... com a propriedade horizontal registada em Ap … 2009/06/22 e a fracção C objecto da promessa de compra e venda é sita no R/C direito, tendo por referência a fachada Sul do edifício, destinada a comercio, indústria hoteleira e serviços.

3) Por conta do preço o reclamante entregou à requerida as seguintes prestações:

a) 15.000,00 € pelo cheque n°5962665493;

b) 40.000,00 € por transferência bancária para a insolvente efectuada em 29/01/2009;

c) 20.000,00 € por transferência bancária para a insolvente de 30/01/2009;

d) 5.000,00 € por transferência bancária para a insolvente efectuada em 28/04/2009.

4) Desde Fevereiro de 2009 a reclamante entrou na posse da referida fracção, cujas chaves recebeu da sociedade insolvente.

5) Na referida fracção encontra-se instalado e aberto ao público desde Janeiro de 2010 um estabelecimento de venda de artigos para o lar, de origem marroquina, que o reclamante explora através da sua sociedade unipessoal GG, Lda, com sede na referida fracção.

6) Entre Outubro de 2009 e Janeiro de 2010 o reclamante procedeu a obras de adaptação da fracção gastando o montante de 9844,05 € conforme facturas n.º 104655,108185, 9/2009, 17/2009 e 100006.

7) Desde Abril de 2009 vem insistindo com o sócio gerente da sociedade insolvente para outorgar a escritura, porém este foi sempre adiando.

8) O Banco Reclamante financiou a construção do prédio urbano onde se insere a fracção “C”, sendo detentor de hipoteca sobre a referida fracção autónoma.

Da impugnação de DD:

Factos Provados:

1) O reclamante DD em 07/08/2009 efectuou uma transferência para a conta bancária da insolvente com o n°… no valor de 70.081,87 € a solicitação de empréstimo à insolvente.

2) A insolvente entregou ao credor as chaves da fracção designada pela letra B, do prédio urbano, constituído em regime de propriedade horizontal, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número … de ..., L….

3) Na fracção autónoma designada pela letra B, do prédio urbano, constituído em regime de propriedade horizontal, descrito na Conservatória do Registo Predial de L… sob o número ... de ..., L…, encontra-se instalado e aberto ao público um estabelecimento comercial de cabeleireiro, a quem o reclamante DD deu de arrendamento a referida fracção por contrato em data não concretamente apurada.

Factos Não Provados:

1) Por contrato de promessa de compra e venda de 08/07/2008 a insolvente prometeu vender ao reclamante, livre de ónus ou encargos, pelo preço de 75.000,00 € (setenta e zinco mil euros) a fracção autónoma designada pela letra B, do prédio urbano, a constituído em regime de propriedade horizontal, descrito na Conservatória do Registo Predial de L… sob o número ... de ..., L….

2) Como sinal ou adiantamento do preço e integral pagamento o reclamante pagou à insolvente a quantia de 75.000,00 €, conforme referido no contrato.

3) Nos termos da cláusula 5ª do referido contrato a insolvente entregou no acto as chaves da referida fracção, assumindo a partir daí o requerente, os custos inerentes à utilização da referida fracção.

4) Em resultado de acerto de contas entre ambos, fruto de adiantamentos que o reclamante fez à falida por conta de outras transacções, a insolvente em 17/09/2009, era devedora ao reclamante da importância de 150.000,00€.

Da impugnação de EE:

Factos Provados:

1) A fracção designada pela letra D, destinada a comércio, que faz parte integrante do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal sito na Rua …, da freguesia de …, concelho de L…, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n°... e descrito na matriz predial urbana sob o art°...” foi cedida temporariamente e gratuitamente à C....

2) O impugnante EE desde data não concretamente apurada passou a ocupar também a fracção

Factos Não Provados:

1) O Reclamante e a insolvente em 05/03/2009 celebraram o contrato que consta a fls.198 e 199 epigrafado “contrato promessa de compra e venda” que tem por objecto uma fracção autónoma designada pela letra D, destinada a comércio, que faz parte integrante do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal sito na Rua …, da freguesia de …, concelho de L…, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n°... e descrito na matriz predial urbana sob o art°....

2) A promitente vendedora e Insolvente dos autos, recebeu naquela data do Reclamante, a título de sinal, a totalidade da quantia referida de 25.000,00 €.

3) O Reclamante passou a fruir, ocupar a fracção em causa sem qualquer restrição desde a data da celebração do referido contrato tendo posteriormente cedido temporariamente e gratuitamente o espaço à C....

11 . 2 - A Relação alterou o ponto 1 da impugnação relativa ao J... C... M... suprimindo a parte que se deixou em itálico: “a solicitação de empréstimo da insolvente”.

12 . A presente ação deu entrada em juízo no dia 23.10.2010.

A decisão recorrida foi proferida em 13.12.2012.

Assim, não há que aplicar o regime recursório do NCPC, valendo antes o introduzido pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24.8. (neste sentido Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil,15).

São, pois, do Código de Processo Civil, na redação de tal normativo, os preceitos que se vão referir sem menção de inserção.

13 .  A tempestividade do recurso interposto pelo BB, da 1.ª para a 2.ª instância, foi decidida pelo relator da Relação, em despacho singular que está a folhas 1305.

Não concordando a parte, poderia ter reclamado nos termos do n.º3 do artigo 700.º

Não o tendo feito, das duas uma:

Ou interpôs recurso de tal decisão;

Ou não interpôs.

Se interpôs haveria que ter em conta a jurisprudência fixada (ainda que perante a lei anterior) pelo Acórdão Uniformizador n.º2/2010, publicado no Diário da República I Série de 22.2.2010 e considerar-se tal interposição com efeitos de requerimento para a conferência.

Se não interpôs, transitou em julgado tal decisão e não pode já ser atacada no recurso interposto do acórdão que veio a ser proferido.

No presente caso, não foi requerida a conferência nem interposto recurso do despacho que vimos referindo, pelo que há que considerar a decisão como definitiva, não sendo sindicável por este Supremo Tribunal.

14 . Nos termos do artigo 680.º, os recursos só podem ser interpostos por quem tenha ficado vencido ou, já nos termos do n.º2 do preceito, pelas pessoas direta e efetivamente prejudicadas pela decisão.

Está, pois, vedado a quem venceu.

Na hipótese de terem lugar vários pedidos, o princípio é o mesmo: relativamente ao ou aos pedidos em que foi vencedora, a parte não pode recorrer.

Compreende-se bem este regime. Os processos visam a justa composição de litígios (cfr-se, exemplificativamente, o n.º1 do artigo 266.º) e não decidir da razão de cada uma das partes em todos os pontos sobre que recai a sua argumentação.

Por isso, mesmo que aduza vários fundamentos, se com base num, o Tribunal lhe dá razão, não lha dando com base noutro ou noutros, não pode, por quaisquer razões, nomeadamente, de afirmação pessoal, pretender que Tribunal Superior se venha a pronunciar sobre estes.

Mas pode dar-se o caso de um ou mais fundamentos que não foram considerados pertinentes na primitiva decisão poderem vir a ter interesse na perspetiva da composição do litígio. É que, recorrendo, como pode, a parte vencida, o tribunal superior pode dar-lhe razão relativamente ao ou aos fundamentos que o inferior julgara em sentido antagónico e, então, surgir para a primitiva parte vencedora, utilidade na apreciação dos demais fundamentos. Naufragando aquele que é posto em causa do recurso, pode obter ganho de causa com base noutro ou noutros.

Por isso, em conformidade como o que doutrina e jurisprudência já vinham entendendo, o Decreto-Lei n.º 39/95, de 15.2, trouxe a lume o artigo 684.º - A, cujos n.ºs 1 e 2 referem:

No caso de pluralidade de fundamentos da acção ou da defesa, o tribunal de recurso conhecerá do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respectiva alegação, prevenindo a necessidade da apreciação.

 Pode ainda o recorrido, na respectiva alegação e a título subsidiário, arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas.

Ao contrário do recurso, esta figura pressupõe que a parte que dela lança mão tenha ficado vencedora.

Se ficou vencida deve recorrer.

Se venceu, não o pode fazer, mas pode socorrer-se da ampliação do recurso interposto pela contraparte, em ordem a ser conhecido fundamento que naufragou na decisão recorrida.

Dum lado está o decaimento relativamente ao pedido, do outro o vencimento, mas com decaimento relativo a algum fundamento. 

15 . A folhas 104 e seguintes, veio o DD ”impugnar a lista de credores reconhecidos com fundamento na indevida exclusão do seu crédito…”

Tendo sintetizado a sua pretensão nos seguintes termos (artigo 15.º):

“Totalizam assim os créditos do requerente sobre a insolvente o montante de 215.133,00 €, sendo 150.000 € a título de devolução do sinal e indemnização pelo incumprimento do contrato-promessa e 65.133,00 € a título de dívida comum.”

Na sentença de 1.ª instância, a Sr.ª Juíza considerou o seguinte:

“Na esteira do mencionado, este credor não logrou provar que celebrou o contrato promessa que invoca e que a quantia transferida para a insolvente fê-lo a título de sinal e princípio de pagamento do contrato promessa, mas tão só logrou provar que, em 07.08.2009, efectuou uma transferência para a conta bancária da insolvente… no valor de 70.081,87 a solicitação de empréstimo à insolvente.

O Tribunal por não estar vinculado à qualificação jurídica dos factos feita pelas partes, pode reconhecer um crédito com base em factos susceptíveis de serem subsumidos a contratos distintos dos invocados.”

Seguidamente decidiu ter tido lugar um mútuo nulo por falta de forma, devendo o insolvente restituir ao reclamante aquele montante.

Consequentemente, julgou parcialmente procedente e verificado o crédito deste impugnante, no valor de € 70.081,87 que classificou como crédito comum.

Mais decidiu:

“Julgar parcialmente procedente a impugnação do credor BB SA e parcialmente procedente a impugnação de CC e esposa e julgar verificado o crédito de CC e FF no valor de 89.844,05 € (oitenta e nove mil oitocentos e quarenta e quatro euros e cinco cêntimos) ou o valor do imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Lousada sob o número ... de ..., inscrito na matriz sob o artigo ... Fracção C se superior a esse valor (artº 104 nº 5 CIRE) e classificar este crédito como garantido com direito de retenção nos termos do artº 755 al. f) do CC sobre imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Lousada sobre o número ... de ..., inscrito na matriz sob o artigo ... Fracção C.”

Apelou também o BB e, nas contra-alegações, este mesmo reclamante veio referir que, caso se verifique o vício invocado pelo BB nas suas alegações de recurso, o recorrido DD amplia o âmbito do recurso, para que se aprecie o crédito comum de 65.133,00 €, conforme reclamado, além dos 150.000,00 do contrato promessa objecto do recurso interposto a 30.7.2012.   

O Tribunal da Relação, no seguimento da alteração factual aludida em 11.2 não considerou ter existido o contrato de mútuo aludido na sentença de 1.ª instância e consequentemente revogou o reconhecimento de tal crédito.

De acordo com o constante da reclamação de folhas 104 e seguintes, mormente com o constante dos seus pontos 12.º e 13.º, o crédito de € 63.000,00 terá resultado da confissão da ora insolvente em acerto de contas. Confessou o débito de 150.000,00 mas incluídos também € 87.000,00 de “distrate da fracção B do prédio 00... de ..., L… supra referido”, ou seja do prédio a respeito do qual invoca o contrato-promessa.

Aqueles € 63.000,00 são assim referidos apenas como confessados extrajudicialmente.

A Sr.ª Juíza da 1.ª instância, depois de julgar naufragada a argumentação baseada no contrato-promessa, considerou ter havido um mútuo nulo de € 70.081,87, reconhecendo o crédito do reclamante nesse valor.

Das duas uma:

Ou neste montante estavam englobados os € 63.000,00;

Ou não estavam.

Se estavam e o reclamante não se conformava com isso, tinha que incluir a sua pretensão em recurso, pois tratava-se, não do afastamento de qualquer fundamento, mas do julgamento do pedido em quantia inferior à pretendida.

Se não estavam, do mesmo modo tinha que interpor recurso porquanto haveria – sempre considerando a perspetiva do ora recorrente – que os acrescentar ao quantitativo reconhecido.

Não se tratou, em qualquer das hipóteses, de decaimento em qualquer fundamento que permita, nos termos do já citado artigo 684.º - A, a ampliação do pedido.

Deste modo, a Relação, ao dela não conhecer, procedeu corretamente.

16 . Como vimos em 11.2, a Relação suprimiu da matéria factual a expressão “a solicitação de empréstimo da insolvente”.

O recorrente pretende que não podia ter levada a cabo tal supressão, face ao conteúdo dos documentos relativos a “transferências e pagamentos, além do contrato-promessa, quer pela declaração de dívida autenticada” (conclusão 3.ª).

O “contrato-promessa” está a folhas 110 e longamente, quer na 1.ª instância, quer na segunda, se discorreu sobre o que não encerra, ou seja qualquer vontade de vir a comprar ou a vender. Do mesmo modo, a “Declaração de dívida” de folhas 114 não alude a empréstimo solicitado. O que ali está é que “… o segundo outorgante fez entregas à primeira, por conta de contratos segundo os quais a primeira lhe transmitiria ou entregaria em pagamento as fracções autónomas ou o produto da sua venda, que a primeira não pode cumprir integralmente, por falta de liquidez para pagamento dos distrates.”

Nem se vislumbram quaisquer documentos relativos a transferências que conduzam ao falado mútuo.

Inexiste, portanto, prova vinculada, que permita, nos termos do artigo 722.º, n.º3, segunda parte, a este Supremo Tribunal repor a parte suprimida pela Relação.

Não havendo prova vinculada, não pode a decisão factual sequer ser objeto de recurso, nos termos de tal artigo, conjugado com o artigo 729.º.

17. O ponto seguinte da enumeração que fizemos em 10 diz respeito à invocada obrigatoriedade de o administrador cumprir o contrato-promessa, se tiver havido tradição da coisa e cumprimento integral do promitente-comprador, mesmo que o contrato não tenha eficácia legal.

Relativamente ao DD, mantido o afastamento do contrato-promessa que nos chega, a questão está prejudicada.

Quanto ao CC, estamos fora dos limites traçados pela reclamação que apresentou (folhas 92 e seguintes). Ali afirma que:

“A insolvente não cumpriu o contrato-promessa;

É, assim, o reclamante credor da falida no montante de 80.000,00 a título de adiantamento do preço ou sinal para a compra da referida fração autónoma.

Não havendo cumprimento do contrato promessa tem direito a que lhe seja entregue o sinal em dobro ou seja 160.000,00 nos termos do artigo 442.º do Código Civil.”

Concluindo:

“Termos em que deve ser reconhecido e graduado privilegiadamente sobre a fracção autónoma designada pela letra C…, o crédito do reclamante sobre a insolvente.”

Tudo em sentido antagónico ao da ideia de pretensão de cumprimento do contrato-promessa.

18 . Resta a questão de o crédito reconhecido a este reclamante gozar ou não do direito de retenção sobre a fracção objecto do contrato-promessa.

Já transitou em julgado o Acórdão de 20.3.2014, proferido em Plenário das Secções Cíveis no qual, por maioria, se uniformizou jurisprudência nos seguintes termos:

No âmbito da graduação de créditos em insolvência o consumidor promitente-comprador em contrato, ainda que com eficácia meramente obrigacional com traditio, devidamente sinalizado, que não obteve o cumprimento do negócio por parte do administrador da insolvência, goza do direito de retenção nos termos do estatuído no artigo 755.º, n.º1 alínea f) do Código Civil. 

Os três subscritores do presente acórdão votaram ali vencidos, porque discordaram da inserção do consumidor. Ou seja, no seu modo de ver, o direito de retenção teria lugar mesmo que o promitente-comprador não fosse consumidor.

Os Acórdãos proferidos em revista ampliada, nos termos do artigo 732.º -A, não vinculam o Supremo Tribunal de Justiça. Mas dispõe o n.º3 deste artigo (agora n.º3 do artigo 686.º do NCPC) que:

O relator, ou qualquer dos adjuntos, propõe obrigatoriamente o julgamento ampliado da revista quando verifique a possibilidade de vencimento de solução jurídica que esteja em oposição com jurisprudência uniformizada, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.

Não poderíamos nós, pois, levar por diante o entendimento constante dos nossos votos de vencidos, proferindo um acórdão apenas por nós subscrito, se ele conduzisse a solução antagónica do pleito neste ponto. Teríamos antes de propor ao Presidente a prolação de acórdão com intervenção do pleno das secções cíveis.

Por isso, só em casos em que é legítimo pensar que se operou evolução no entendimento do pleno se justifica o afastamento da posição por este subscrita.  

Mesmo no caso de a solução não diferir, tendo lugar só divergência nítida no capítulo da fundamentação (cessando a obrigatoriedade de proposta ao Presidente), entendemos dever seguir-se o mesmo raciocínio. É o que resulta, a nosso ver, do princípio que está na base da prolação dos Acórdãos em revista ampliada e até do princípio que subjaz ao artigo 8.º n.º3 do Código Civil.

Daqui emerge que, para que goze do direito de retenção que pretende ver reconhecido no presente recurso, o recorrente CC terá de ser incluído no conceito de consumidor.

19 . O conceito de consumidor não é unívoco.

Em sentido lato consumidor será aquele que “adquire, possui ou utiliza um bem ou um serviço, quer para uso pessoal ou privado, quer para uso profissional” (Calvão da Silva, A responsabilidade do Produtor, 58).

Em sentido estrito, não abrangerá a utilização para necessidades profissionais.

Dentro deste sentido estrito, ainda cremos poder distinguir aqueles casos em que a aquisição, posse ou utilização se insere na própria atividade profissional da pessoa, daqueles em que tais atos, ainda que visem satisfação de necessidades profissionais, não constituem elemento integrante daquela (v.g. a compra dum livro por um alfarrabista para o revender e a compra dum livro de direito para desempenho das suas funções por parte dum profissional do foro) (cfr-se, a este propósito, Carlos Ferreira de Almeida, Direito ao Consumo, 33).

A Lei n.º 24/96 define no artigo 2.º, n.º1, consumidor como “todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios.”

Já o Decreto-Lei n.º24/2014, de 14.2 define consumidor, pare efeitos deste normativo, como “a pessoa singular que atue com fins que não se integrem no âmbito da sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional”.

Este Decreto-Lei transpôs a Diretiva n.º 2011/83/EU do Parlamento e do Conselho, de 25.10.2011, que, no artigo 2.º, define, para efeitos dela mesma:

“Consumidor: qualquer pessoa singular que, nos contratos abrangidos pela presente directiva, actue com fins que não se incluam no âmbito da sua actividade comercial, industrial, artesanal ou profissional;

Profissional: qualquer pessoa singular ou coletiva, pública ou privada, que, nos contratos abrangidos pela presente directiva, actue, incluindo através de outra pessoa que actue em seu nome ou por sua conta, no âmbito da sua actividade comercial, industrial, artesanal ou profissional.”

É manifesto que todos estes textos legais conferem ao conceito de consumidor o sentido estrito.

Mas fica alguma dúvida sobre a opção pela distinção que fizemos dentro do conceito estrito, parecendo até pela definição de “profissional” constante da diretiva – que não passou para o texto de origem interna, mas que será de atender em obediência ao princípio da interpretação conforme – que a exclusão se situa só nos casos em que a aquisição, posse, ou uso faz parte da própria atividade profissional.

A inclusão do consumidor no texto uniformizante apoiou-se, como da fundamentação consta, no que defende Miguel Pestana de Vasconcelos, em Cadernos de Direito Privado, n.º33, 3 e seguintes.

Este autor dedica ali a extensa nota de pé de página n.º 25 à noção de consumidor, sustentando que é ponderada e equilibrada, devendo “orientar o intérprete na concretização do consumidor para este efeito”, a definição resultante dos artigos 10.º, n.º1 e 11.º, n.ºs 1 e 2 do anteprojeto do Código do Consumidor.

É, então, “consumidor a pessoa singular que actue para a prossecução de fins alheios ao âmbito da sua actividade profissional, através do estabelecimento de relações jurídicas com quem, pessoa singular ou colectiva, se apresenta como profissional.”

Podendo estender-se o conceito às pessoas coletivas, se provarem que não dispõem nem deveriam dispor de competência específica para a transação em causa e desde que a solução se mostre de acordo com a equidade e às pessoas singulares que atuem na prossecução de fins que pertençam ao âmbito da sua atividade profissional, se provarem o que acaba de ser referido relativamente às pessoas coletivas.

O próprio texto fundamentante do Acórdão Uniformizador fornece na nota n.º10 elementos que permitem vislumbrar o que se quis incluir e excluir quando se inseriu o conceito na parte da uniformização.

Ali se refere que:

“…Não sofre dúvida que o promitente-comprador é in casu um consumidor no sentido de ser um utilizador final com o significado comum do termo, que utiliza os andares para seu uso próprio e não com escopo de revenda.”

Deste texto, conjugado com o que vimos referindo em abstrato, cremos poder concluir que do conceito de “consumidor” inserto no texto da uniformização só está excluído aquele que adquire o bem no exercício da sua atividade profissional de comerciante de imóveis.

20 . Sendo assim, não releva no sentido da exclusão que na fração prometida comprar pelo reclamante CC se encontre instalado e aberto ao público e aberto ao público, desde Janeiro de 2010, um estabelecimento de venda de artigos para o lar, que ele explora através da sua sociedade, que tem sede na referida fração.

Havendo, então, que seguir a orientação favorável ao direito de retenção constante da mesma uniformização.

21 . Face ao exposto:

Nega-se a revista interposta pelo reclamante DD;

Concede-se parcialmente a interposta pelo reclamante CC, declarando-se que lhe assiste o direito de retenção sobre a fração que prometeu comprar, devendo o seu crédito ser graduado em conformidade com o agora decidido.

Custas da revista do reclamante DD por ele.

Custas da outra, na proporção de ¼ pelo reclamante e ¾ pelo BB, S.A.

Lisboa, 29.5.2014

João Bernardo (Relator)

Oliveira Vasconcelos

Serra Baptista