Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6735/20.4T8VNG.P1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: MANUEL CAPELO
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
PRÉMIO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
TERCEIRO
LESADO
SEGURADORA
CONSTITUCIONALIDADE
DESPACHO DE ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 10/27/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. Na Lei do Contrato de Seguro - DL 72/2008 de 16 de abril – prescrevem no prazo de 5 anos os direitos emergentes do contrato de seguro envolvendo a seguradora e o segurado com exceção do direito ao prémio que prescreve no prazo de 2 anos – art. 121 nº1 e 2 desse diploma.

II. Nos seguros de responsabilidade civil, cobrindo o segurador o risco de constituição, no património do segurado, de uma obrigação de indemnizar terceiros - art. 137 da LCS - os direitos do lesado (que não é o segurado) contra o segurador prescrevem nos termos da regulados no Código Civil - art. 145 da LCS

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



Relatório

SAVE E SECUTIRY - COMÉRCIO DE EQUIPAMENTOS DE EQUIPAMENTOS DE SEGURANÇA, LDA instaurou ação declarativa, com forma de processo comum, contra SEGURADORES UNIDAS, SA. pedindo a condenação desta no pagamento de € 137.770,48, acrescidos de juros, desde a data da participação do sinistro, até efetivo e integral pagamento.

Alegou que por ter ocorrido um assalto nas instalações da autora e da sociedade J..., Lda., e estando o risco de furto coberto por contratos de seguro celebrados com a ré ao abrigo daqueles contratos a ré é responsável pelo valor dos bens levados, acrescido do valor necessário à substituição dos bens e ainda da margem de lucro que a autora obteria com a sua comercialização.

A ré contestou, invocando a ilegitimidade substantiva parcial da autora e a prescrição e impugnou os factos alegados.

Como fundamento da exceção de prescrição, alegou que o prazo prescricional aplicável é de cinco anos, tendo já decorrido à data da citação da ré.

Na resposta à exceção de prescrição, a autora alegou que o prazo prescricional aplicável é de vinte anos ou, caso assim não se entenda, de dez anos.

Foi proferido despacho saneador, no qual foi julgada procedente a exceção de prescrição, absolvendo-se a ré do pedido formulado pela autora.

A autora recorreu e o Tribunal da Relação julgou a apelação improcedente, e, em consequência confirmou o despacho saneador recorrido.

Inconformado com esta decisão dela interpôs o presente recurso de revista a autora concluindo que:

“ 1. O douto Acórdão proferido, ora recorrido, e salvo o devido respeito, deve ser revogado in totum, por manifesta desconformidade legal;

2. Com a devida vénia, o Acórdão proferido pelo Tribunal a quo, bem ainda a Sentença que lhe precedeu, fizeram uma incorrecta aplicação do direito aos factos sub juditio, o que levou a negar liminar e erradamente, provimento ao pedido da Autora, ora Recorrente;

3. Não podendo pois a Autora, ora Recorrente, conformar-se com tais decisões, motivo pelo qual apresenta o presente Recurso;

Vejamos,

4. A Autora intentou acção declarativa comum, com base em responsabilidade contratual, contra a Ré Seguradora, peticionando o pagamento de uma indemnização em virtude de danos sofridos (pessoalmente e por cessão de créditos, conforme melhor aludido na Petição Inicial e nos documentos a ela juntos) na decorrência de furto ocorrido  nas suas instalações em 14/12/2014 – cfr. Petição Inicial, de 15/10/2020, com a referência Citius n.º ...;

5. Tendo por base a existência de dois contratos de seguro, a saber: seguro Multirrisco Estabelecimento”, titulado pela apólice ...98; e Seguro Multirrisco Industrial, titulado pela apólice ...72 – cfr. Contestação, de 09/01/2021, com a referência Citius n.º ...; 6. Foi ainda alegado que, perante os factos consubstanciadores de ilícitos criminais, foi apresentada queixa-crime, no próprio dia 14/12/2014, que correu termos sob o n.º de processo 961/14...., processo esse que foi arquivado com base na impossibilidade de “apurar a identidade do autor ou dos autores dos factos, faltando, deste modo, um elemento indispensável para a dedução de acusação” – cfr. pág. 23 do Doc. 2 junto à Petição Inicial, de 15/10/2020, com a referência Citius n.º ...;

7. A Ré apresentou Contestação, pugnando sumariamente pela improcedência da acção e arguindo a excepção da prescrição;

8. A Autora foi notificada para exercer o contraditório, o que fez – cfr. Requerimento de 10/03/2021, com a referência Citius n.º ...;

9. No dia seguinte, oficiosamente o Insigne Tribunal a quo solicitou ao processo-crime algumas informações, a saber: “Solicite ao processo nº961/14...., da ... Secção do DIAP ... o envio de cópia das notificações (e respectivos registos) do despacho de arquivamento do inquérito aos ofendidos.” - cfr. despacho datado de 11/03/2021, com a referência Citius ...;

10. E depois de prestada a informação solicitada, o Tribunal de Vila Nova de Gaia proferiu sentença, mediante a qual julgou verificada a excepção da prescrição, e consequentemente ordena a nulidade de todos o processo e determina a absolvição da Ré da instância;

11. Decisão da qual se recorreu, apelando, para o Tribunal da Relação do Porto;

12. Não obstante, entendeu também a Instância Recursiva veio a negar provimento às pretensões da Autora, mantendo a decisão de 1.ª Instância;

13. Decisão com a qual a Recorrente não se conforma, daí que apresente o presente Recurso de Revista, nos termos, do 672.º do CPC, entendendo-se pois que se trata de uma questão de relevante pertinência jurídica, e que uma nova decisão contribuiria indubitavelmente para a melhor aplicação do direito; bem ainda por ser uma temática de relevância social e, sem prescindir, também por aquela decisão do Tribunal da Relação estar em clara contraposição com outras decisões proferidas, mormente contrariando a decisão proferida no âmbito do Processo 152/16.8T8LSB.P1, proferido pela mesma Relação, na data de 14/03/2017, que aqui serve de Acórdão Fundamento e que se junta sob Doc. 1;

14. Pelo que, o presente Recurso de Revista deve ser admitido para todos e devidos efeitos legais.

15. Sendo assim objecto do presente recurso dirimir a seguinte questão: qual o prazo de prescrição da obrigação decorrente da Responsabilidade Civil Contratual num Contrato de Seguro?

16. Acessoriamente, mas igualmente pertinente, responder também à questão: o prazo de prescrição da obrigação decorrente da Responsabilidade Civil Contratual num Contrato de Seguro, não pode aproveitar o prazo da Responsabilidade Civil Extracontratual, quendo este lhe seja mais favorável?

Atentemos,

17. Discorre da douta sentença proferida que “a responsabilidade que a A. aqui pretende efectivar junto da R. decorre de contratos de seguro, é aplicável o prazo de prescrição a que alude o art. 121º nº2 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (DL 72/2008 de 16-4), de acordo com o qual os direitos emergentes do contrato de seguro (exceptuando o direito do segurador ao prémio) “prescrevem no prazo de cinco anos a contar da data em que o titular teve conhecimento do direito, sem prejuízo da prescrição ordinária a contar do facto que lhe deu causa”.”

18. Acrescentando que: “Não se olvida que a A. pretende serem aplicáveis as disposições do Código Civil relativas à responsabilidade contratual, por força do art. 145º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (DL 72/2008 de 16-4), que prevê que “aos direitos do lesado contra o segurador aplicam-se os prazos de prescrição regulados no Código Civil”. Porém, sem razão. Com efeito, esta norma, pela sua posição sistemática, aplica-se apenas aos seguros de responsabilidade civil que, de acordo com o art. 137º, do mesmo diploma, cobrem o risco de constituição, no património do segurado, de uma obrigação de indemnizar terceiros, o que não é, claramente, o caso dos seguros dos autos.”

19. Declarando, consequentemente a prescrição, por entender que o prazo iniciou a contagem logo após a perfeição da notificação do despacho de arquivamento no âmbito do processo-crime, presumida ao 5.º dia útil seguinte, ou seja, 02/03/2015, pelo que o prazo havia terminado a 02/03/2020, ora se a Autora apresentou a acção a juízo em 15/10/2020, o seu direito já estava ferido de prescrição;

20. Concluindo assim pela “procedência da excepção de prescrição invocada pela R., vai esta absolvida do pedido contra a mesma formulado pela A..”

21. Por sua vez, o Tribunal da Relação do Porto, verificados os fundamentos do Recurso, considerou que: o “artigo 145.º aplica-se, pois, apenas, ao seguro de responsabilidade civil, não podendo ser aplicada ao seguro de coisas”; e que “não colhe a interpretação que a referida norma (o artigo 121.º) apenas se aplica aos direitos do segurador”; e ainda que “não há fundamento para aplicação analógica da norma daquele artigo 145.º à prescrição do direito do segurado”, porque “não existe qualquer lacuna”;

22. Acrescentando ainda que: “a aplicação do prazo prescricional de cinco anos (…) não ofende os princípios constitucionais da igualdade e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva”;

23. Posição com a qual a Autora não pode concordar;

Observemos,

24. Os artigos 121.º e 137.º do RJCS não são aplicáveis ao caso concreto, como seguidamente exporemos;

25. Como bem se fez referência na sentença, quanto a esta matéria, temos de atentar à introdução sistemática do regime jurídico;

26. E desde logo, conseguimos apurar que o RJCS encontra-se dividido em três partes (Títulos), a saber: I – Regime Comum; II – Seguro de Danos; e III – Seguro de Pessoas;

27. Por sua vez, o artigo 121.º insere-se no I Título, Capítulo XI Disposições complementares;

28. O que por si só indica a aplicação residual, suplectiva,, ou seja, que serve de mero complemento;

29. Além disso, se atentarmos aos artigos que compõe o Capítulo XI – 119.º a 122.º - vemos que os mesmos são todos eles direccionados para a perspectiva do segurador, vejamos: “O segurador deve guardar segredo”, o que se estende aos seus colaboradores ou auxiliares; “O segurador só está obrigado a enviar as comunicações”, que devem revestir forma escrita; os litígios podem ser dirimidos de forma escrita, etc…

30. Ou seja, são artigos que regulamentam e complementam a actividade do segurador, em protecção dos lesados e/ou tomadores;

31. E o artigo 121.º não é excepção, vejamos diz o n.º 1 que “O direito do segurador ao prémio prescreve no prazo de dois anos a contar da data do seu vencimento” e continua o n.º 2 dizendo que: “Os restantes direitos emergentes do contrato de seguro prescrevem no prazo de cinco anos a contar da data em que o titular teve conhecimento do direito, sem prejuízo da prescrição ordinária a contar do facto que lhe deu causa.”

32. O 121.º dispõe pois para o segurador e não para o Lesado e/ou segurado, o que se retira da sua inclusão e integração sistemática, conforme acima exposto;

33. Pelo que, o Tribunal a quo não poderia ter seguido essa linha de fundamentação;

34. Nem por outro lado, poderia ter-se apoiado no artigo 137.º do mesmo diploma, pois que este insere-se na Parte Especial (Capítulo II), Regime Comum (Subsecção I) de Seguro de Responsabilidade Civil (Secção I), os quais se inserem no Titulo II – Seguro de Danos;

35. Ora, se a noção de Seguro de Responsabilidade Civil é, nos termos daquele 137.º aquele em que “o segurador cobre o risco de constituição, no património do segurado, de uma obrigação de indemnizar terceiros”

36. Ora, esta noção de Responsabilidade Civil para os termos e efeitos do artigo 137.º diverge pois do conceito habitual e geral, com que é perspectivado no Código Civil;

37. Assim, também nos parece óbvio que também não se aplica aos Autos, porque aqui está apenas em causa uma relação bilateral (Tomador que é simultaneamente Lesado e Segurador) e não tripartida (Tomador, Lesado e Segurador), sendo que nestes últimos a obrigação de primitiva de indemnizar nasce no património do Tomador;

38. São, pois, situações diversas, o que nos leva também a fazer a distinção entre responsabilidade civil e seguro de responsabilidade civil;

39. No entanto, não temos dúvidas que os seguros em causa nos Autos são seguros de danos, mas dentro destes temos de destrinçar seguros de patrimónios e seguros de coisas, sendo o caso concreto um latente exemplo de seguros de coisas;

40. E portanto, dúvidas não restam que se lhe há de aplicar o disposto no Parte Geral (Capítulo I) do Título II (Seguros de Danos), composta pelos artigos 123.º a 136.º do RJCS;

41. Sendo que, dessas disposições não decorre qualquer disposição relativa a prescrição;

42. E assim sendo teríamos, ao abrigo das normas de aplicação, integração e interpretação de leis (artigos 9.º e 10.º do CC): I - recorrer à aplicação extensiva do artigo 145.º (que compõe o Capítulo II – parte especial) do RJCS que ordena a remissão para o Código Civil; II - aplicar o artigo 4.º evocando a aplicação do direito subsidiário, no caso as disposições da lei Civil; ou III - fazer uma integração por analogia, atenta a lacuna, cuja solução seria também ela recorrer ao direito substantivo civil;

43. E em todas as soluções iriamos cair no âmbito da responsabilidade civil contratual, cujo prazo de prescrição é o ordinário - 20 anos – cfr. artigo 309.º do CC;

44. E assim sendo o direito da Autora não se encontra prescrito, o que aqui se reclama seja reconhecido para todos e devidos efeitos legais;

45. Aliás, julgamos que para dirimir a questão bastará apurar a fonte da obrigação, atentemos: “nos casos em que ao lesado seja licito demandar directamente o segurador, a prescrição aplicável será a que estiver associada à fonte da obrigação de que é credor – neste sentido, Dr. José Vasques, Lei Anotada, 2009, pg. 413”;”

46. Assim se tendo decidido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, no âmbito do Processo 152/16.8T8LSB.P1, com data de 14-3-2017, neste Recurso Acórdão Fundamento, foi sumariado o seguinte: “V – O prazo curto de prescrição do artº 498º nº1 CCiv, por razões sistemáticas e da diferente natureza dos institutos, não é aplicável à responsabilidade civil contratual, para a qual rege o prazo geral de prescrição do artº 309º CCiv.” Negrito e sublinhado nosso.

47. Além do mais, defender-se o contrário e ordenar a aplicação de um prazo 5 (cinco) anos seria ofender os princípios básicos e constitucionais da igualdade e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva – cfr. artigos 13.º e 20.º da CRP – porquanto estaríamos a restringir a responsabilidade contratual a esse prazo (em face do prazo ordinário), mas simultaneamente permitindo a aplicação de prazo mais extenso na responsabilidade civil extracontratual, em face do disposto no artigo 498.º n.º 3, ou seja, logo que ao ilícito criminal coubesse prazo mais longo;

48. Algo que, salvo devido respeito, subverte os princípios básicos da responsabilidade civil;

49. E que ocorreria no caso concreto porquanto se atendermos ao processo-crime, o furto qualificado, tem como moldura máxima 8 (oito) anos, assim o crime apenas prescreveria ao fim de 10 (dez) anos – cfr. artigo 118.º n.º 1 alínea b) do Código Penal;

50. Tanto que, no despacho de arquivamento consta como data de prescrição 14/12/2024 - cfr. pág. 23 do Doc. 2 junto à petição Inicial;

51. Pelo que, a sentença a quo ofende direitos fundamentais, na medida em que também contraria um despacho de arquivamento, por falta de apuramento dos responsáveis pelos factos em inquérito, transitado em Julgado, em que se consigna como prazo prescricional 14/12/2024;

52. Pelo que, quanto mais não seja, improcedendo o exposto em 1.ª linha (aplicação do prazo ordinário, com base na responsabilidade contratual ou no facto de haver decisão anterior transitada em julgado com consignação da data prescrição (aqui se equiparando a sentença transitada em julgado)), deve ser esse o prazo prescricional do direito da Autora - 10 anos - conforme consta de decisão judicial transitada em julgado, para todos e devidos efeitos legais: Sem prescindir,

Por cautela do patrocínio, Acrescerá ainda:

53. Será razoável admitir que, num caso como o dos Autos, o prazo de prescrição da responsabilidade extracontratual suplante o prazo de da contratual e o lesado não possa aproveitar aquele prazo?

54. Logicamente que não, e tal significaria uma negação de Acesso à Justiça e aos Tribunais, violando ainda ao principio da igualdade e da legalidade, sendo pois inconstitucional uma interpretação no sentido de que havendo um prazo de prescrição mais favorável, concretamente aplicável, tal não beneficiasse o credor da obrigação desse prazo;

55. Até porque, a responsabilidade contratual é, via de regra, menos exigente e rigorosa para os interesses do Credor, comparativamente à extracontratual, seja no ónus da prova, no prazo prescricional; na extensão da responsabilidade, etc…;

56. Aliás, na doutrina e alguma jurisprudência, há muito que se levantam vozes no sentido de aplicação do 498.º do CC à responsabilidade Civil Contratual – vide, por exemplo, Prof. Pessoa Jorge; Acórdão deste Supremo, datado de 18/02/1972; Pedro de Albuquerque; António Silva Henriques Gaspar, Américo Marcelino e Margarida Lima Rego, entre outros;

57. Não faz assim qualquer sentido pois que, a responsabilidade contratual, que é, à partida, a mais protegida e tutelada em relação à extracontratual, depois quede no que à prescrição diz respeito;

58. Sendo que, no caso dos Autos, tal se revelaria de tremenda INJUSTIÇA, como se acaba de expor!!!

59. Violando, sem mais, os princípios da legalidade, igualdade, acesso à justiça, certeza e seguranças jurídicas, proporcionalidade, adequação, entre outros – cfr. artigos 13.º e 20.º CRP, 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, entre demais;

60. Sendo pois inconstitucional outra interpretação que não aquela que assim se expôs e reclama!!!

Soma-se ainda que:

61. O Tribunal a quo não podia ter considerado, como considerou, provado o facto da alínea G) dos factos assentes da sentença, que fixa que “Tal inquérito veio a ser arquivado, por despacho proferido em 7/1/2015, notificado por carta de 24/2/2015 (documentos juntos aos autos em 22/3/2021).”

62. E isto porque não há prova documental suficiente nos Autos para o feito;

Vejamos,

63. Dos documentos instados pelo Tribunal de Vila Nova de Gaia ao DIAP, do mesmo Tribunal, e por este juntos não decorre que a notificação do arquivamento do processo-crime tenha sido efectivamente realizada e muito menos recebida;

64. É certo que foi junta uma notificação, com data Certificação Citius de 24/02/2015, dirigida à J..., Lda. (cedente);

65. Mas dela não decorre que qualquer n.º de registo, nem nenhum aviso de recepção, nem nenhuma certificação de depósito, nem comprovativo do seu envio postal;

66. Pelo que, não fica provado que de facto a notificação seguiu e foi entregue ao seu destinatário, que aliás não é parte nos Autos;

67. E portanto, não se poderia ter concluído nem fixado como assente que “Tal inquérito veio a ser arquivado, por despacho proferido em 7/1/2015, notificado por carta de 24/2/2015 (documentos juntos aos autos em 22/3/2021).” – Cfr. Facto G) dos Factos Assentes;

68. Para isso, teríamos de prova documental de suporte, que, como se vê, não existe;

69. Acresce que, à data dos factos disponha o 113.º do Código de Processo Penal (CPP), na versão em vigor, conferida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, que as notificações dos despachos de arquivamento, sempre que o inquérito não correr contra pessoa determinada, eram efectuadas por via postal simples, dispondo-se no 113.º n.º 5 que “Ressalva-se do disposto nos n.os 3 e 4 as notificações por via postal simples a que alude a alínea d) do n.º 4 do artigo 277.º, que são expedidas sem prova de depósito, devendo o funcionário lavrar uma cota no processo com a indicação da data de expedição e considerando-se a notificação efetuada no 5.º dia útil posterior à data de expedição.”

70. Ou seja, ainda que a notificação postal fosse simples, sem prova de depósito, facto é que teria de haver uma cota com indicação da data de expedição;

71. Que não consta dos Autos;

72. E portanto, desconhece-se se a notificação efectuada foi de facto sequer enviada ou não e em que data o foi, porquanto não dispomos da referida cota; 73. Pelo que, tal facto não pode dar-se como assente, o que se requer, devendo ser qualificado como controvertido, para todos e devidos efeitos, que a empresa J..., Lda. tenha recebido a notificação ou a tenha recebido na data presumida pela sentença;

74. Além disso, como se vê a notificação foi efectuada a pessoa diversa da Autora, não se apurando em lado algum que a Autora tenha sido notificada do despacho de arquivamento

75. Pelo que, assim não poderia o Tribunal a quo se ter apoiado nessa notificação efectuada a terceiros para proferir sentença desfavorável à Autora, servindo-se dessa notificação;

76. Imponha-se antes o contrário, em face da falta de notificação, o que gera nulidade processual, restava afirmar-se a tempestividade do pedido do Autora, sem causa extintiva motivada pelo decurso do tempo;

77. Aliás, da própria Certidão junta pela Autora aos Autos, cfr. Doc. 2 junto com a Petição Inicial, decorre do Aditamento de 30/12/2014, o seguinte: “no dia trinta (30) do mês de Dezembro do corrente ano, pelas 13h00, deslocou-se a este Posto Policial o Sr. AA informar que na Rua ..., ... – ... se encontram duas empresas e que ambas foram alvo de furtos ao contrário do que consta do Auto de Denúncia, que só refere a J..., Lda. A outra empresa sediado no armazém é a «Save Security Comércio de Equipamentos de Segurança, Lda», com o NIF ... e está assegurada na seguradora Tranquilidade com o número de apólice ...98 cuja cópia da folha do seguro segue em anexo a este Aditamentos” Cfr. página 19 da certidão junta à Petição Inicial sob Doc. 2;

78. Do exposto, transcorre assim que do processo-crime indubitavelmente figuravam duas lesadas: a J..., Lda. e a Autora, desconhecendo-se porque motivo apenas a 1.ª foi notificada;

79. Pelo que, e nos termos do artigo 277.º do CPP, a Autora também teria de ser notificada e não o foi;

80. A falta de notificação não pode, pois, impor-se para efeitos de consagração da prescrição nem de início de contagem do seu prazo;

81. Além do mais, e salvo devido e merecido respeito pelo raciocínio efetuado, não pode considerar-se que “despacho que foi notificado por carta de 24/2/2015 e que se presume recebida em 2/3/2015” e que “em tal data começou a correr o prazo prescricional de 5 anos, que terminou em 2/3/2020.”;

82. É porque, além de todas as demais razões já invocadas, mesmo que se considere a notificação remetida em 24/02/2015 e se presuma a notificação em 02/03/2015, não podemos concordar com que o prazo prescricional se inicie de imediato; 83. Isto porque, assistia aos desfavorecidos com a decisão de arquivamento, o direito de sindicar a decisão,  fosse através da abertura de instrução fosse através da Intervenção Hierárquica – cfr. artigos 287.º e 278.º do CPP, respetivamente;

84. E, para isso, tinham 20 dias a contar da notificação da acusação ou do arquivamento ou 20 dias a contar da data em que a abertura de instrução já não puder ser requerida;

85. Ou seja, ainda que se considere a data de 02/03/2015 (posição que não aderimos com base nos fundamentos acima melhor expostos), poderia até 23/03/2015 (1.º dia útil seguinte, atento terminar o prazo a 22/03/2015) ser apresentada Abertura de Instrução e até 21/04/2015 para promover a Intervenção Hierárquica, considerando as férias judiciais da Páscoa ocorridas nesse ano entre 29/03/2015 a 26/04/2015;

86. Assim, poderia até 24/04/2015 ter sido impugnada a decisão de arquivamento, considerando os 3 dias de multa; 87. Não tendo sido atacado o despacho de arquivamento, o mesmo transitou em julgado no dia seguinte 25/04/2015, e será esta a data que deve prevalecer para efeitos de contagem do prazo para data a partir da qual o direito pôde de facto começar a ser exercido – artigo 306.º do CC – de forma autónoma do processo penal – cfr. artigos 71.º e 72 do CPP;

88. Nesse sentido Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, no processo 41/13.8T2SVV-A.P1, com data de 01-12-2014;

89. Pelo prazo atendido nos Autos de 5 anos, o prazo de prescrição terminaria assim em 25/04/2020;

90. Quanto a esta questão, demitiu-se o Acórdão em Recurso de decidir, porquanto entendeu que a falta de notificação, para ser arguida em recurso, teria já de ter sido arguida em 1.ª Instância;

91. Posição com a qual, manifestamente não concordamos, uma vez que a data de início da contagem da prescrição só foi levantada em sede de sentença e nunca antes;  92. Anteriormente, a Autora só tinha sido ouvida quanto ao prazo propriamente dito, entenda-se quanto à duração do prazo, e, portanto, não poderia o Tribunal a quo de se ter abstido de conhecer este ponto do referido recurso, demitindo-se, pois, da responsabilidade que lhe assistia;

93. Pelo que, também por esta via se impõe a revogação do Acórdão em apreço;

Em conclusão,

94. Inexiste pois assim qualquer verificação de prescrição;

95. Termos em que, deve ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal de Instância Inferior, nos termos supra, e substituída por uma outra que julgue improcedente a exceção de verificação da prescrição e ordene o prosseguimento dos Autos para os seus ulteriores termos;

96. Dando-se pois como procedente o presente Recurso;

97. Atento que é apodítico é que a sentença recorrida violou, entre outros, os seguintes preceitos legais: 13.º e 20.º da CRP; 9.º, 10.º, 306.º, 309.º, 327.º, 443.º e 498.º do CC; 607.º, 635.º e 639.º do CPC; 4.º, 119.º e ss, 121.º, 123.º e ss, 137.º, 140.º e 145.º do RJCS; 118.º e 204.º do CP e 71.º, 72.º, 113.º, 277.º, 278.º e 287.º do CPP; 1.º, 2.º, 7.º e 8.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos; 6.º da convenção Europeia dos Direitos do Homem; e 20.º e 47.º e ss da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, pelo que, deve ser reformulada, o que se requer.


Nas contra-alegações a recorrida conclui que:

A construção da tese da autora assenta na ideia errada de que os contratos de seguro invocados no petitório configuram contratos a favor de terceiro.

Para que se esteja perante um contrato a favor de terceiro, mostra-se necessária a existência de um terceiro e a aquisição por este de um direito próprio a um benefício.

O que não é claramente o caso dos autos porque como seguros de danos o regime jurídico do contrato de seguro que lhe é pertinente mostra-se regulada, não só pelo “Regime Comum” do DL 72/2008, de 16/04, mas também pelo que preceituado nos artigos 123.º a 136.º do mesmo diploma legal.

Deste modo, o regime da prescrição dos direitos do segurado emergentes do contrato de seguro é aquele que vem previsto no Regime Comum do DL 72/2008, de 16/04, mais concretamente no n.º 2 do seu artigo 121.

E de acordo com tal preceito legal, com exceção do direito ao prémio, os restantes direitos emergentes do contrato de seguro prescrevem no prazo de cinco anos a contar da data em que o titular teve conhecimento do direito, sem prejuízo da prescrição ordinária a contar do facto que lhe deu causa.

De acordo com o n.º 2 do artigo 121, esta norma aplica-se aos seguros em geral e rege as relações entre segurador e segurado, não se limitando apenas aos direitos do segurador.

De resto, se assim não fosse, o legislador, pronunciando-se sobre a prescrição dos direitos do segurador, não teria deixado de se pronunciar acerca da prescrição dos direitos do segurado, fazendo-o necessariamente no regime comum do seguro, o que não fez.

Não se aplica ao caso dos autos a norma prevista no artigo 145.º do DL 72/2008 de 16/04, especificamente delineado para o contrato seguro de responsabilidade civil, ou seja, o paradigmático caso de contrato a favor de terceiro.

Não há, pois, qualquer fundamento para aplicação analógica da norma daquele artigo 145.º à prescrição do direito do segurado contra a própria seguradora, emergente de um contrato de seguro de danos, quando a lei prevê expressamente a prescrição do direito do segurado no citado artigo 121.º n.º 2.

Não existe qualquer lacuna na Lei a carecer de preenchimento, por analogia.

Por outro lado, a aplicação do prazo prescricional de cinco anos previsto no artigo 121 n.º 2 do RJCS não ofende os princípios constitucionais da igualdade e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, consagrados nos artigos 13.º e 20.º da CRP.

Regulando as normas dos artigos 121 e 145 do DL 72/2008 situações diametralmente diferentes, a saber, a responsabilidade civil contratual e a responsabilidade civil extracontratual, não se mostra possível qualquer ofensa ao princípio da igualdade.

Com efeito, disciplinando o artigo 145 sobre a responsabilidade civil extracontratual e os direitos do lesado, não é de estranhar que o legislador tenha associado o regime jurídico da prescrição do contrato de seguro, ao regime da prescrição dos direitos de terceiro que não interveio na celebração do contrato. Tal, porém, não se verifica nas situações reguladas pelo sobredito artigo 121 porquanto, este se limita a preceituar a prescrição do direito do segurado contra a seguradora.

Em segundo lugar, a decisão recorrida e a legislação por ela aplicada também não ofendem o princípio do acesso ao direito, nem a tutela jurisdicional efetiva do direito do segurado, tal como entende a recorrente.

Com efeito, o prazo de prescrição aqui aplicável não se mostra arbitrariamente curto, nem desadequados, dificultando irrazoavelmente a ação judicial por parte da recorrente, a qual, aliás, sempre poderia ter lançado mão de uma Notificação Judicial Avulsa e interrompido o prazo de prescrição em curso, o que não fez.

Note-se que o prazo de prescrição de cinco anos, estabelecido em sede de responsabilidade contratual emergente de um contrato de seguro, não pode ser considerado arbitrariamente curto ou arbitrariamente desadequado, se tivermos em conta que o prazo prescricional da responsabilidade civil extracontratual é de apenas três anos.

De resto, tal como se lê no preâmbulo do DL 72/2008, de 16/04, “…Ainda na parte geral, prevê-se o dever de sigilo do segurador, impondo-se-lhe segredo quanto a certas informações que obtenha no âmbito da celebração ou da execução do contrato de seguro, e estatui-se um regime específico de prescrição. Prevêem-se igualmente prazos especiais de prescrição de dois anos (direito ao prémio) e de cinco anos (restantes direitos emergentes do contrato), sem prejuízo da prescrição ordinária.”

Assim, dúvidas não se suscitam de o estabelecimento de um prazo especial de prescrição, no que tange o contrato de seguro dos autos, se tratou de uma deliberada vontade do legislador. E como assim, o prazo de prescrição a aplicar ao caso em decisão é o de cinco anos estabelecido no n.º 2 do artigo 121 do DL. 72/2008, de 16/04.

Já no que tange à contagem do aludido prazo ao concreto dos presentes autos, cumpre igualmente salientar que decorre dos elementos que constam do processo, nomeadamente da petição inicial, que a autora alegou que o processo-crime foi arquivado, não tendo alegado qualquer falta de notificação do despacho de arquivamento. Demonstrou nos autos ter conhecimento do despacho de arquivamento do processo-crime, sendo que, mesmo quando da resposta à exceção de prescrição, a autora nada disse acerca da falta de notificação do despacho de arquivamento do inquérito, tendo-se limitado a defender a aplicabilidade dos prazos de vinte ou de dez anos.

Ora, como conclui a decisão recorrida, a recorrente não pode, em sede de recurso, alegar a falta da notificação do despacho de arquivamento, quando não o fez oportunamente. E por tanto, não pode deixar de se considerar como assente, tal como resultou provado, que a autora foi notificada do despacho de arquivamento do processo-crime no dia 02.03.15, devendo ser mantido o entendimento da decisão recorrida no sentido de o prazo prescricional se ter iniciado em 02.03.15.

Tão pouco é sustentável a ideia que a autora apresenta nas suas alegações, de acordo com a qual o prazo de prescrição apenas poderia começar a correr após se terem esgotado todas as possibilidades de reação ao despacho de arquivamento do inquérito.

Com efeito, mesmo a acolher-se um tal entendimento – o que não se aceita por não estarmos perante um caso de responsabilidade civil extracontratual, mas apenas perante um direito emergente de um contrato de seguro de danos – o aludido prazo prescricional iniciar-se-ia após se terem esgotado os prazos para requerer a abertura de instrução ou para deduzir a reclamação hierárquica do despacho de arquivamento, ou seja, no dia 25.04.2015, segundo a própria alegação da autora.

Mesmo considerando aquela data de 25.04.15, que não se aceita, como a data de início do prazo prescricional, em 20.10.20, quando a ré foi citada, e mesmo em 15.10.20, quando a ação foi instaurada, já haviam decorrido cinco anos.

Por todas as razões expostas, conclui-se que o direito da autora se encontra prescrito, pelo que, ainda assim, sempre seria de manter a decisão recorrida.


A revista foi admitida pela Formação a que alude o art. 672 nº3 do CPC como excecional.

Colhidos os vistos, cumpre agora decidir.

… ..

Fundamentação

Estão considerados como provados os seguintes factos.

 “ A) A autora celebrou com a ré, em 28.01.13, um contrato intitulado de “seguro multirrisco estabelecimento”, titulado pela apólice n.º ...98.

B) A sociedade J..., Lda. celebrou com a ré, em 07.04.14, um contrato intitulado de “seguro multirrisco industrial”, titulado pela apólice n.º ...72.

C) Tais contratos cobriam, entre outros, os danos causados no local de risco sito na Rua ..., ..., ..., por roubo, furto, inundação, incêndio ou vandalismo.

D) A autora e a J..., Lda. comunicaram à ré a ocorrência de um furto, por arrombamento, que teria ocorrido nas instalações seguradas, entre as 19 horas do dia 12.12.14 e as 00.30 horas do 14.12.14, reclamando da ré um total de € 55.108,19, relativo ao valor dos bens furtados.

E) A autora e a J..., Lda., tiveram conhecimento daquela ocorrência em 14.12.14.

F) A referida ocorrência foi participada, em 14.12.14, para efeitos de procedimento criminal, ao Ministério Público, tendo dado origem ao processo de inquérito n.º 961/14...., que correu na ... Secção do DIAP ..., conforme certidão junta com a petição inicial.

G) Tal inquérito veio a ser arquivado, por despacho proferido em 07.01.15, notificado por carta de 24.02.15. (documentos juntos aos autos em 22.03.21).

H) A autora é portadora do documento intitulado “contrato de cessão de créditos”, datado de 01.09.15, do qual consta que a J..., Lda., declarou ceder à autora, e esta declarou aceitar, o crédito sobre a ré, emergente do contrato de seguro, relativo àquela ocorrência - documento 1 da petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

I) A petição inicial, nos presentes autos, deu entrada em Juízo em 15.10.20 – ref. ...59 do sistema informático CITIUS.

J) A ré foi citada, nos presentes autos, em 21.10.20 – aviso de receção que consta do sistema informático CITIUS com data de 03.11.20.

… …

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões dos Recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido nos arts. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.

Na presente revista, de acordo com as conclusões formuladas pretende apreciar-se a impugnação da matéria de facto, a omissão de pronúncia como nulidade da sentença nos termos do art. 615 nº1 al. d) do CPC e, quanto ao mérito, a prescrição do direito da autora e regime normativo  aplicável.

… …

Embora apareçam expostas sem autonomia, sem indicação expressa que as enuncie, sem qualquer menção ao quadro legal que as sustente e apenas no fim das alegações/conclusões, a recorrente impugna a matéria de facto protestando que não poderia dar-se como provado o facto G dos assentes com o seguinte teor: “Tal inquérito veio a ser arquivado, por despacho proferido em 7/1/2015, notificado por carta de 24/2/2015 (documentos juntos aos autos em 22/3/2021).” – cfr. facto G) dos Factos Assentes. Repete neste particular a recorrente o que antes havia alegado já nas conclusões de apelação, como se os poderes de cognição deste Supremo Tribunal de Justiça em sede de matéria de facto fossem os mesmos que os estabelecidos para a Relação. Mas não são.

Analisando a questão, o Supremo Tribunal de Justiça, no que respeita às decisões da Relação sobre a matéria de facto, não as pode alterar, sendo estas, em regra, irrecorríveis. A este propósito, estatui o art. 662º n.º 4 do Código de Processo Civil que “das decisões da Relação previstas nos n.ºs 1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça” estabelecendo, por seu turno, o art.º 674º n.º 3 do Código Processo Civil “o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”. De igual, prescreve o art.º 682º n.º 2 do Código Processo Civil que a “decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excecional previsto no n.º 3 do artigo 674º”, razão para que o Supremo Tribunal de Justiça não possa sindicar o modo como a Relação decide sobre a impugnação da decisão de facto, quando ancorada em meios de prova, sujeitos à livre apreciação, acentuando-se que o Supremo Tribunal de Justiça apenas pode intervir nos casos em que seja invocado, e reconhecido, erro de direito.

Numa dimensão formal e processual, o protesto vazado no recurso de revista referente à matéria de facto pode dirigir-se ao cumprimento/incumprimento dos ónus estabelecidos no art. 640 do CPC (violação ou errada aplicação da lei de processo) ou, numa dimensão substantiva, destinar-se à obtenção de uma alteração decorrente de normativo que reclamasse, imperativamente, determinada espécie de prova para a demonstração ou que fixasse a força probatória a determinado meio de prova.

No caso em decisão o facto provado que se pretende ver alterado na sua valoração (em verdade excluído) foi julgado com base em elementos probatórios de livre apreciação e nem sequer a recorrente indica as razões pelas quais esse facto deveria ser considerado não provado. Todas as considerações que tece reportam a um raciocínio pretende convencer que não se poderia concluir pela notificação que esse facto diz ter sido realizada, todavia, tendo ficado provado e de uma forma que não pode este STJ sindicar, que “Tal inquérito veio a ser arquivado, por despacho proferido em 7/1/2015, notificado por carta de 24/2/2015”, improcedem nesta parte, quanto à matéria de facto fixada, as conclusões de recurso.

Uma outra questão que a recorrente suscita, mas sem que o afirme expressamente ou o inscreva num normativo legal é, eventualmente e se bem o entendemos,  a que se refere à nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia.

De facto a recorrente sustenta que até à sentença, nem na contestação nem na resposta às exceções se tinha levantado a questão de saber quando se iniciou a contagem do prazo da prescrição e que esta questão poderia e deveria ter sido apreciada na decisão recorrida pedindo a “revogação da sentença e Acórdão em apreço, este por se ter obstado a conhecer da matéria arguida, de forma infundada, como se vê”. Pretende a recorrente significar que quanto a esta questão a decisão recorrida não se pronunciou, porquanto entendeu que a falta de notificação, para ser arguida em recurso, teria já de ter sido arguida em 1ª Instância e, não o tendo sido tal matéria não fazendo parte do objeto da decisão recorrida não poderia fazer parte do objeto do recurso.

Tentando esclarecer este segmento das conclusões, a recorrente que não pôs em causa nos autos, a não ser nas alegações de apelação, que não tinha sido notificada do despacho de arquivamento, vem nesse momento de recurso alegar que o não foi e suscitar toda a matéria que antes não havia articulado. Diz então que, quando foi notificada pelo tribunal em primeira instância em 2-3-2021 para “nos termos do art. 6º do Código de Processo Civil, (…) em 10 dias, pronunciar-se, querendo, acerca das exceções suscitadas na contestação.”, esta notificação só podia ser entendida para se pronunciar sobre o prazo da prescrição e não sobre a contagem do prazo dessa mesma prescrição. Deste modo, acaba por aceitar que embora antes não se tenha pronunciado sobre as questões referentes ao início da contagem do prazo, mas argumentando que, por o ter feito nas conclusões de recurso de apelação a Relação deveria ter conhecido, “em primeira mão”, digamos assim, dessa questão, por lhe ter sido suscitada nesse momento.

Manifestamente não tem razão a recorrente.

E não tem razão porque carece de total fundamento legal que ao ter sido notificada /convidada para se pronunciar sobre as exceções deduzidas pela ré, no que diz respeito à prescrição, apenas tenha sido solicitada a fazê-lo quanto ao prazo da prescrição, mas já não quanto ao início da contagem do prazo. Temos por óbvio que a notificação alertando a autora para se pronunciar querendo  sobre a matéria das exceções, entre elas a prescrição, envolvia, sem se exigir mais informação, o convite a que a autora tivesse o cuidado e a diligência de se pronunciar, querendo, sobre todos os aspetos das exceções, sendo da sua inteira e exclusiva responsabilidade não o ter feito, total ou parcialmente.

Deste modo o despacho saneador ajuizou a exceção de prescrição com os elementos de facto que dispunha e nas questões e domínios que tinham sido suscitados, assistindo inteira razão à decisão recorrida quando observa que “ na petição inicial, a autora alegou que o processo-crime foi arquivado, não tendo alegado qualquer falta de notificação do despacho de arquivamento.

A autora demonstrou, pois, ter conhecimento do despacho de arquivamento do processo-crime.

Mesmo na resposta à exceção de prescrição, a autora nada disse acerca da falta de notificação do despacho de arquivamento do inquérito, tendo-se limitado a defender a aplicabilidade dos prazos de vinte ou de dez anos.

Não pode, pois, agora, em sede de recurso, vir a autora alegar a falta da notificação do despacho de arquivamento.

Por isso, tem de se considerar como assente que a autora foi notificada do despacho de arquivamento do processo-crime em 02.03.15, pelo que, tendo se se manter o entendimento do despacho saneador recorrido, o prazo prescricional iniciou-se em 02.03.15.”.

Como decorre do exposto, o não conhecimento por parte do Tribunal da Relação da de qualquer questão relacionada com a falta de notificação por não apreciação do que tenha sido apenas alegado nas conclusões de recurso não inscreve a previsão de qualquer nulidade de omissão de pronúncia nos termos do art. 615 nº1 al. d) do CPC porque a essa questão não podia ser conhecida. Os recursos apenas visam a reapreciação das decisões objeto dos mesmos e, concomitantemente, a reapreciação das questões que, tendo sido oportunamente suscitadas, ali foram objeto de apreciação, que não a apreciação de questões novas – a menos que se trate de questões que sejam de conhecimento oficioso -  vd. ac. STJ de 08-01-2019 no proc. 26688/15.0T8LSB.L1.S2 - 1.ª Secção in dgsi.pt. Por isso, e quanto à questão suscitada pelo recorrente, não sendo de conhecimento oficioso, não podia a o Tribunal da Relação dela conhecer e por isso não existiu omissão de pronúncia.

… …

Quanto à matéria da prescrição, numa leitura tradicional - vd. Manuel Teoria Geral do Direito Civil, 4ª ed., Coimbra, 2005, págs. 373-374 de Andrade in , Teoria Geral, II, pág. 445, e Mota Pinto - a prescrição é o instituto por via do qual os direitos subjetivos se extinguem quando não exercitados durante certo tempo fixado na lei, variável conforme os casos. Traduz-se na extinção de um direito que desse modo deixa de existir na esfera jurídica do seu titular, e que tem como seu principal e específico fundamento a negligência do titular do direito em concretizá-lo, negligência que faz presumir a sua vontade de renunciar ao mesmo, ou pelo menos, o desvitaliza de tutela jurídica. Pretende estimular e advertir o titular do direito para que o faça valer em tempo útil estabelecendo-se garantindo-se deste modo os valores de certeza e segurança das relações jurídicas pela respetiva consolidação operada em prazos razoáveis. Segundo o disposto no artigo 298.º, n.º 1, do Código Civil, estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição.

Cremos, no entanto, que a prescrição não extingue propriamente o direito prescrito e limita-se a conferir ao seu beneficiário o poder jurídico de se recusar a cumprir – neste sentido, Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 8ª ed., 2015, Almedina, Coimbra, págs. 337, e Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, 5ª ed., UCP, Lisboa, 2010, pág. 693.  Isto é evidente quando o nº2 do art. 304 do CCivil atribui efeito solutório ao cumprimento da obrigação prescrita, ainda que tenha sido feito na ignorância da prescrição e também no caso de contitularidade do direito subjetivo onde na solidária , a inércia de um dos cocredores não pode extinguir o crédito de todos.

Seja como seja, a prescrição confere ao devedor o poder de se recusar a cumprir. 

Nos termos do art. 309 do CCivil o prazo de prescrição ordinário é de 20 anos sendo um prazo único e geral, aplicável por exclusão, isto é, aplicável quando a lei não estabeleça um outro, independentemente da boa ou má-fé do devedor - Ao contrário do Código de de Seabra que exigia como requisito cumulativo o decurso do prazo de 20 anos e a ignorância da obrigação.  E não obstante possa afirmar-se como o faz Menezes Cordeiro que o prazo de 20 anos é irrealista por ser demasiado longo - quando comparado com os prazos ordinários estabelecidos em Itália onde é de 10 anos ou na Alemanha, onde após a reforma do BGB de 2001/2002 tal prazo é de 3 anos – como esse mesmo autor refere, a estatuição e apelo ao prazo geral faz-se para explicitar a inaplicabilidade de outros prazos mais curtos, ou seja, por exclusão. Isto é, há uma indicação implícita na técnica legislativa no sentido de a interpretação ter de ter presente e ser conduzida pelo cuidado de temperar este prazo longo com prazos especiais mais reduzidos, num registo de fixação sucessivo, procurando para lá da regra a eventual exceção e ou sub-exceção que a lei  estabeleça – exemplo disso mesmo é o prazo especial de 5 anos do art. 310  que surge no CCivil como primeira exceção do prazo ordinário.

Antes da Reforma da LCS - DL n.º 72/2008, de 16 de abril - era no âmbito da alínea g) do artigo 310.º do Código Civil, a par de outras prestações típicas, que se inseriam os prémios de seguros. Hoje, a LCS veio estabelecer uma disposição especial relativa ao prazo de prescrição dos prémios de seguro, estabelecendo o prazo de dois anos para o efeito (121.º, n. º1 da LCS). - vd. Tânia Rodrigues, A prescrição nos seguros de responsabilidade civil de base reclamação” trabalho orientado por  Margarida Lima Rego - e definindo no nº2 o prazo de prescrição de cinco anos, para os restantes direitos emergentes do contrato de seguro, contados da data em que o titular teve conhecimento do direito, sem prejuízo da prescrição ordinária a contar do facto que lhe deu causa (n.º 2). Esta mesma orientação é a de Romano Martinez - Lei do Contrato de Seguro Anotada, 2ª edição, pág. 25 – que em comentário ao nº 1 do art. 2º do Dec. Lei nº 72/2008 (LCS), depois de salientar que foi intuito do legislador assegurar que o novo regime do contrato de seguro passe, com celeridade, a regular todas as relações jurídicas de seguro, escreve que “prescreve-se, primeiro, que o novo regime se aplica, na totalidade, aos contratos de seguro celebrados a partir de 1 de Janeiro de 2009 e, seguidamente, que a nova lei também se aplica às situações jurídicas constituídas em momento anterior que perdurem nessa data, todavia neste caso, a nova lei não se aplica à formação do contrato, mas tão só ao seu conteúdo, ou seja, a questões relacionadas com a execução do vínculo.

(…) Em qualquer caso, pode dizer-se que, aos contratos novos, se aplica imediatamente e na íntegra a lei nova, e que aos contratos antigos a lei nova tem aplicação diferida e parcial, verificando-se, por isso, em parte, a sobrevivência da lei antiga.”. Esta mesma orientação que encontramos no STJ designadamente no ac. de 30-5-2019 no proc. 2081/16.6T8FAR.E1.S1 in dgsi.pt onde se  acolhe que o regime da prescrição referente aos contratos de seguro passou a reger-se por esse diploma, não sendo questão a de saber se o regime é aplicável a todos os contratos de seguro, mas sim e apenas desde quando lhe é aplicável. Por esta razão conclui que “O regime referido nomeadamente o prazo prescricional estabelecido no art. 121º da LCS, não pode aplicar-se a contratos a respeito dos quais se ignore se ainda estavam em vigor quando teve lugar o início de vigência do mesmo regime.”.

Nessa mesma sintonia, como se tem entendido de forma que temos por pacifica, o contrato de seguro encontra-se hoje regulado pelo D.L. n.º 72/2008, de 16/4, o qual no seu artigo 121º estabelece o prazo de prescrição de dois anos do direito do segurador ao prémio (n.º 1) e, como antes informámos, o de cinco anos, quanto aos restantes direitos emergentes do contrato de seguro, a contar da data em que o titular teve conhecimento do direito, sem prejuízo da prescrição ordinária a contar do facto que lhe deu causa (n.º 2)

Este prazo de cinco anos aplica-se, conforme resulta da própria letra da lei, a todos os direitos emergentes do contrato de seguro, quer digam respeito ao segurador quer ao segurado, como se pode apurar do próprio preâmbulo do diploma, onde se indica expressamente que, por via do mesmo é estatuído, na parte geral, um regime específico de prescrição, prevendo-se prazos especiais de prescrição de dois anos no que tange o direito ao prémio de seguro e de cinco anos relativamente aos restantes direitos emergentes do contrato, sem prejuízo da prescrição ordinária. Daqui decorre para nós, com clareza, que o n.º 2 do art.º 121 impõe o prazo de prescrição de cinco anos a contar do conhecimento do direito, operando o prazo de prescrição de vinte anos apenas na ausência de tal conhecimento ou, se este só vier a ocorrer após o decurso de 15 anos sobre a data do facto, ocorrendo a prescrição impreterivelmente ao fim de 20 anos.

A recorrente protesta que o art. 121 da LCS não tem aplicação ao caso dos autos, defendendo a aplicação do prazo da prescrição ordinária de vinte anos, previsto no artigo 309.º do CC ou, pelo menos, o prazo de prescrição de dez anos previsto no artigo 118.º, al. b) do CP, por força do disposto no artigo 498.º, n.º 3 do CC, por o facto participado à ré constituir o crime de furto qualificado previsto no artigo 204 nº 1 do CP.

A construção da recorrente tem como suporte a ideia de o art. 121 do LCS,  que estabelece um regime específico de prescrição em matéria de seguro, só ter aplicação ao segurador e não ao segurado. No entender da recorrente, a circunstância de o art. 119 e 122, pertencentes ao mesmo capítulo do art. 121, serem direcionados e perspetivados para a posição do Segurador e não do Lesado ou Tomador de Seguro imporia o afastamento desse âmbito dos direitos dos segurados.

Sobre este argumento, observamos que o capítulo a que alude a recorrente, o XI, reportando às disposições complementares - sendo que o art.119 regula o dever se siligo; o 120 as comunicações e o art. 122 a arbitragem - não permite minimamente essa leitura sistémica que exclua do seu âmbito os segurados e que enuncie que tais disposições se apliquem apenas às seguradoras. Se é verdade que a regulação do sigilo sobre informação que o segurado tenha prestado diz respeito à seguradora, porque é ela a recetora da informação (que o segurado forneça) tendo o informador a liberdade de a comunicar a quem quiser porque lhe pertence,  não cremos que o referente às comunicações se restrinja ao segurador uma vez que também o segurado e ou o tomador do seguro podem ter de realizar comunicações (v.g. em caso de denúncia ou de resolução do contrato) o que cabe no nº1 do art. 120, sendo o nº2 uma especialidade essa sim referente à seguradora. Ainda no domínio da arbitragem, não pode entender-se que este preceito (o 122) diga respeito apenas à seguradora pela óbvia razão de a arbitragem se traduzir num confronto de partes - Veja-se que salvo acordo em contrário, a solução dada pelos peritos (perícia arbitral) é vinculativa. A arbitragem na resolução de litígios segue o regime geral (Lei n.º 31/86, de 29 de agosto), podendo, da decisão arbitral, não haver recurso para os tribunais judiciais caso tenha havido renúncia das partes.

A indicação expressa no preâmbulo do diploma de se ter pretendido criar um “regime específico” para a prescrição afasta em nosso aviso, liminarmente, a ideia de o legislador ter pretendido fazer da LCS em matéria tão vital e importante como a prescrição um regime avulso e restrito para as seguradoras, deixando à leitura interpretativa da lei ordinária e geral a prescrição que envolvesse os segurados, ou seja, uma das partes do contrato de seguro celebrado e regido normativamente por essa LCS. Regulando de forma unitária o contrato de seguro, que na sua matriz contratual direta envolve um segurador e um segurado, não tem sustentação interpretativa defender-se que em matéria de prescrição dos direitos que envolvam esses contraentes o regime de um estaria nessa lei especial e o de outro na lei ordinária civil. Se tal desejasse, impor-se-ia ao legislador que deixasse expressa essa exclusão ou que limitasse a previsão sobre a prescrição ao nº1 do art. 121,  referente ao prémio de seguro, que tinha prazo de previsão de 5 anos nos termos do art. 310 nº1 al. g) do CCivil e, com a LCS, passou a ter o prazo de 2 anos.

Não pode também invocar-se em abono da restrição argumentada que seja essa a posição que defende Pedro Romano Martinez na Lei de Contrato de Seguro Anotada de Pedro Romano Martinez - 4.ª Edição, de Pedro Romano Martinez, Leonor Cunha Torres, Arnaldo da Costa Oliveira, Maria Eduarda Ribeiro, José Pereira Morgado, José Vasques e José Alves de Brito, página 429 . O que este autor aí escreve é “que a prescrição dos 5 anos, prevista pelo artigo 121.º, está pensada para os outros direitos da seguradora contra o segurado (…) o n.º 1 do 121.º prevê a prescrição dos “direitos do segurador” no que diz respeito ao prémio, e o n.º 2 concerne aos “restantes direitos” reproduzindo por claros os termos da lei e não lhe acrescentando a expressão que a recorrente tem por óbvia, “ ou seja, a outros direitos do segurador”.

É exatamente por a letra da lei ser essa que o entendimento a fazer do art. 121 só possa ser, e nunca vimos defendido na doutrina e na jurisprudência o contrário,  o de “os restantes direitos” e o prazo de cinco anos se aplicar, a todos os direitos emergentes do contrato de seguro, quer digam respeito quer ao segurador quer ao segurado. A lei não distinguiu, se pretendesse fazê-lo, tê-lo-ia feito e a economia interpretativa do próprio preceito não permite o contrário.

É precisamente Pedro Romano Martinez quem sublinha, a propósito da forma como está sistematiza a LCS, “ que, de acordo com a função codificadora pretendida, o diploma contém regras gerais comuns a todos os contratos de seguro - inclusive aplicáveis a contratos semelhantes ao seguro stricto sensu, celebrados por seguradores -, regras comuns a todos os seguros de danos, regras comuns a todos os seguros de pessoas e, finalmente, regras específicas dos subtipos de seguros. Estas regras específicas – comparando com o regime vigente - diminuem significativamente de extensão, devido às disposições comuns.” - in Modificações na Legislação sobre Contrato de Seguro p.12 – repetindo que “no art. 121.º da LCS estatui-se um regime específico de prescrição, não totalmente coincidente com o constante do Código Civil. Prevêem-se prazos especiais de prescrição de dois anos (direito ao prémio) e de cinco anos (restantes direitos emergentes do contrato), sem prejuízo da prescrição ordinária (vinte anos).”  - op. cit. p. 24.

Estendendo ainda esta análise ao regime da prescrição que é contemplado na LCS o art. 145 da LCS ordena aplicar “Aos direitos do lesado contra o segurador (…) os prazos de prescrição regulados no Código Civil.”.

Esta norma, pela sua posição sistemática, tem aplicação, apenas, aos seguros de responsabilidade civil que, de acordo com o art. 137, do diploma, cobrem os risco de constituição, no património do segurado, de uma obrigação de indemnizar terceiros, sendo estes terceiros os lesados referidos na redação da norma e não outros.

Ora, nos seguros discutidos nos autos “a autora celebrou com a ré, em 28.01.13, um contrato intitulado de “seguro multirrisco estabelecimento”, titulado pela apólice n.º ...98.

A sociedade J..., Lda. celebrou com a ré, em 07.04.14, um contrato intitulado de “seguro multirrisco industrial”, titulado pela apólice n.º ...72.

Tais contratos cobriam, entre outros, os danos causados no local de risco sito na Rua ..., ..., ..., por roubo, furto, inundação, incêndio ou vandalismo.”

No quadro factual que serve a presente decisão, é a responsabilidade pelas obrigações contratuais assumidas pela ré que se pretende efetivar e não quaisquer outras, designadamente as referentes à responsabilidade civil extracontratual, não havendo identidade de conceito entre segurado e lesado e sendo pacífico e aceite pela própria recorrente que o art. 145 da LCS e o art. 498 do CCivil não se aplicam (pelo menos diretamente) ao caso onde apenas se discute a responsabilidade contratual. E é por a interpretação realizada dos arts. 121/145/137 da LCS conduzir à conclusão de  lesado e segurado serem em termos técnico-legislativos realidades diversas é que sustentamos, como as instâncias o fizeram, que aos direitos do segurado se aplica o prazo de prescrição do art. 121 não existindo razão alguma para procurar disciplina fora da LCS e para indexar o prazo de prescrição ao ordinário previsto no art. 309 do CCivil.

Por o presente caso reportar a um seguro de danos e das disposições dos arts. 123 a 136 do RJCS não constar uma norma expressa de prescrição, não vemos que isso convoque, como a recorrente protesta, a necessidade de recorrer ao CCivil para resolver o prazo de prescrição a aplicar. A circunstância de o art. 121 estar antes dos 123 a 136 não obsta a que os direitos emergentes do contrato de seguro (de danos/coisas) envolvendo a seguradora e o segurado prescrevam no prazo de cinco anos a contar da data em que o titular teve conhecimento do direito, sem prejuízo da prescrição ordinária a contar do facto que lhe deu causa. Trata-se de matéria que, repetimos, em termos de regime específico a LCS estabeleceu, independentemente do lugar sistemático em que tenha colocado o preceito. Interessa sim que a matéria de prescrição ficou regulada nessa lei e dessa forma geral e unitária (para seguradora e segurados) razão para que, se fosse de aplicar uma prescrição diferente a algum caso, a lei tê-lo-ia previsto e não o fez porque, de facto, com a estatuição do art. 121 não é necessário. A regra (geral) da prescrição no âmbito da LCS é a do art. 121 e a exceção que essa lei contempla é a do art. 145 que não se aplica ao caso presente como antes deixámos exposto. Em resumo simples, situada na responsabilidade contratual, a relação discutida nos autos entre a seguradora e o segurado, tem a sua disciplina em matéria de prescrição contida no art 121 da LCS.

O que se deixou mencionado como forma de definição dos termos e conceitos de segurado e lesado importa igualmente para retirar apoio a existir contradição entre o acórdão recorrido e aquele que se insinuou como fundamento.

Em verdade no acórdão do TRP de 14-3-2017 no proc. 152/16.8T8LSB.P1, a própria descrição da situação desmente qualquer semelhança com o caso agora em decisão sem que possam ser retiradas dessa decisão expressões avulsas que pretensamente subsidiem a posição defendida pela recorrente. Ali, nesses autos, discutia-se a situação de uma locadora que tendo demandado o locatário e tendo a seguradora deste último intervindo como parte acessória para obter ressarcimento pelos prejuízos sofridos pela deflagração de um incêndio no arrendado, obteve condenação da locatária. Porém, por não ter obtido ressarcimento por inexistir património e, entretanto, como sociedade, a locatária ter sido liquidada, veio o locador a propor ação contra a seguradora que invocou a prescrição.

Por este enunciado observa-se que não se está perante uma relação entre segurador e segurado, mas numa outra, bem diferente, em que a locadora aparece como lesada e terceiro relativamente ao seguro contratado entre a locatária (segurada) entretanto liquidada e a seguradora. É isso o que acórdão insinuado como fundamento adverte quando escreve “A matéria dos autos põe em causa a Autora e lesada, por via de responsabilidade civil extra contratual, e o seguro de responsabilidade civil, cobrindo o risco de responsabilidade do tomador do seguro e autor da lesão. Nesta decorrência de enunciado esse acórdão, em sintonia com o que deixámos dito, conclui “Prescreve esta lei em vigor, que não é aplicável ao caso dos autos, mas cuja interpretação se reveste de utilidade exegética, que “aos direitos do lesado contra o segurador se aplicam os prazos de prescrição regulados no Código Civil” - artº 145º LCS, o que significa, em suma, que, nos casos em que ao lesado seja lícito demandar diretamente o segurador, a prescrição aplicável será a que estiver associada à fonte da obrigação de que é credor”. E não sofre contestação para nós que aos direitos do lesado se aplica a regra do art. 145 da LCS.

E em verdadeira revelação acrescenta esse acórdão que “ Esta matéria da prescrição do direito da Autora não pode ser analisada à luz da Lei do Contrato de Seguro (DL nº72/2008 de 16/4, entrado em vigor em 1/1/2009), posto que o novo regime jurídico do contrato de seguro apenas se passou a aplicar aos contratos novos ou aos contratos que subsistissem em 1/1/2009 – cf. artº 2º nº1 da Lei Preambular.

Prescreve esta lei em vigor, que não é aplicável ao caso dos autos, mas cuja interpretação se reveste de utilidade exegética, que “aos direitos do lesado contra o segurador se aplicam os prazos de prescrição regulados no Código Civil” – artº 145º LCS, o que significa, em suma, que, nos casos em que ao lesado seja lícito demandar diretamente o segurador, a prescrição aplicável será a que estiver associada à fonte da obrigação de que é credor”. Sem equívocos, o acórdão tido por fundamento afirma que não se pode aplicar ao caso que estuda (se não aplicá-la-ia) a LCS por temporalmente não ser a vigente á data a considerar e, mais importante para o que nos cabe conhecer, porque é a qualidade de lesado e não de segurado que conforma a prescrição aplicável por referência à fonte da obrigação de que o lesado é credor.

Acolhido o entendimento de a regulação da prescrição, em matéria de seguros e em questões que envolvendo os direitos do segurado e o segurador, se encontra expressamente prevista no art. 121 da LCS, dúvidas não assistem a que o prazo a aplicar ao caso dos autos é o aí referido de 5 e não de 20 anos.

Por último, em anotação necessária, resulta em nosso modo de ver incoerente que aceitando - quer as instâncias quer a recorrente quer o recorrido - ser a responsabilidade discutida nos autos a contratual, resultante do contrato de seguro celebrado, se pretenda em última análise que, a não ser a disciplina do art. 309 do CCivil (a prescrição ordinária de 20 anos) aplicável, o seja a referente à responsabilidade civil extracontratual com o argumento de:  “mesmo que se entendesse aplicável o prazo de 5 (cinco) anos, não pode descurar-se que se estivéssemos no campo da responsabilidade civil extracontratual, estando em causa um crime de furto qualificado, como decorre da decisão de arquivamento e sendo tal crime punido pelo artigo 204.º n.º 2 alínea e) do Código Penal (CP) com uma pena de prisão até 8 (oito) anos, logo o prazo de prescrição aplicável ao caso concreto seria de 10 (dez) anos, ao abrigo do disposto do artigo 118.º n.º 1 alínea b) do CP – cfr. artigos artigo 145.º RJCS e 498.º n.º 3 do CC.”

A primeira advertência é a de não podermos colocar a possibilidade hipotética do se estivéssemos no campo da responsabilidade civil extracontratual porque liminarmente o não estamos. Estamos no âmbito da responsabilidade civil contratual a que se aplicam normas diferentes. Depois, nem mesmo a predicação de uma ideia de justiça que se sustente na circunstância de, sendo o crime que terá sido a causa dos danos sofridos pelo segurado punido com pena de prisão até 8 (oito) anos, teria como prazo de prescrição do procedimento criminal 10 (dez) anos, pode valer para que se reconfigure o prazo de prescrição dos direitos da segurada/recorrente para esses 10 anos. Uma vez mais tornamos presente que a responsabilidade em discussão é a contratual e esta está prevista no art. 121 da LCS sendo de todo alheio à contagem desse prazo aquilo que não o seria se estivéssemos na presença da responsabilidade civil extracontratual onde o lesado como terceiro poderia invocar essa prescrição do procedimento criminal por aplicação do art. 498 nº3 do CCivil por remissão do art. 145 da LCS.

Com esta advertência podemos então concluir que a circunstância do despacho de arquivamento do processo-crime constar que a data-limite de prescrição e 14/12/2024, não significa, por não poder significar, que a recorrente tenha esse prazo para fazer valer os seus direitos contra a seguradora, apenas que tem esse prazo para diligenciar no sentido de o processo crime ser reaberto com novos elementos a fim de perseguir os autores da infração, num registo de responsabilidade criminal, por força do art. 498 nº3 do CCivil citado, extensível á responsabilidade civil extracontratual ou por facto ilícito. Sem necessidade de mais explicação não há caso julgado formado por essa decisão de arquivamento do processo-crime quanto ao que importa definir e decidir nestes autos que se movem no domínio da responsabilidade contratual entre seguradora e segurado e só.

Por último, diremos que a aplicação do prazo prescricional de cinco anos previsto no artigo 121.º, n.º 2 da LCS não ofende os princípios constitucionais da igualdade e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, consagrados nos artigos 13.º e 20.º da CRP. E não ofende o princípio da igualdade porque as normas dos artigos 121.º e 145.º regulam situações diferentes na sua natureza, a primeira os direitos do segurado no domínio da responsabilidade contratual e, a segunda, os direitos do terceiro lesado, no domínio da responsabilidade civil extracontratual, havendo justificação para o legislador tenha distinguido a regulação de cada uma dessas diferentes naturezas da responsabilidade e justificando-se, na aceitação dessa diferença, que o direito do terceiro lesado sobre o segurador prescreva no mesmo prazo do seu direito sobre o responsável civil, aplicando-se então as regras do artigo 498 do CC.

A recorrente discorre que “a responsabilidade civil é única e una, pode é subdividir-se em responsabilidade civil contratual ou extracontratual; e portanto, a responsabilidade civil contratual, quando beneficie o titular do direito, pode aproveitar dos prazos apostos nos artigos 483.º do CC, embora este seja tipicamente perfilhado para a responsabilidade civil extracontratual” acrescentando não haver diferença de tomo entre as duas formas de responsabilidade civil convocando o ac. do STJ de 18/02/1972 em abono de a todos os casos de indemnização fundada na responsabilidade civil se aplicar o princípio geral  o do  no nº 1 do mencionado art. 498.º, o qual alude à prescrição ordinária do art. 309.E conclui que caberia “assim, no artigo 3(4)98.º do CC também a responsabilidade civil contratual”.

Julgamos, com salvaguarda de todo o respeito pelo entendimento expresso, que o raciocínio enferma de alguma contradição e inconsistência. Não é questão que a alusão ao prazo de prescrição ordinário do art. 309 do CCivil está presente no art. 498 nº 3, mas não o está para fixar o prazo de 20 anos como o de prescrição para os casos de responsabilidade civil contratual ou extracontratual. O preceito declara que nos casos de responsabilidade civil da Secção IV – Subsecção I – Responsabilidade Civil por Factos Ilícitos – do Livro II - Título I,  o prazo de prescrição é de 3 anos (e não de 20) e que esse prazo de 3 anos começa a contar a partir da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso.

Quer isto significar que a previsão do art. 498 nº1 do CCivil refere-se ao lesado - o terceiro ou um terceiro, digamos assim por referência ao contrato de seguro celebrado e, por outro lado, os 20 anos da prescrição aí mencionados constituem apenas o prazo limite em que pode durar o desconhecimento por parte do lesado do seu direito. Se o lesado não tiver conhecimento do seu direito este prescreve ao fim de 20 anos. Porém, se tiver conhecimento desse direito, mesmo sem saber quem é o responsável ou a totalidade dos danos, o prazo que dispõe é o de 3 anos a contar da data desse conhecimento e até perfazer os 20 anos. Como se vê, não se trata de afirmar que à responsabilidade civil contratual e extracontratual se aplica o prazo de prescrição de 20 (vinte anos). Acresce ainda que a expressão do ac. do STJ que a recorrente cita, situado em 1972, não contempla, nem poderia contemplar, o regulado na LCS que entrou em vigor em 1 de janeiro de 2009.

A recorrente insiste em que o artigo 498 é aplicável à responsabilidade obrigacional, remetendo para Pedro de Albuquerque - in “A Aplicação do prazo prescricional  do nº1 do art. 498 nº1 do Código Ciil à Responsabilidade civil contratual (1989)  49 dezembro ROA pp. 813-832. Mas consultando este artigo duas notas elucidativas introdutórias balizam o contexto do mesmo e que são:

- o objetivo de  comprovar a aplicabilidade do art. 498 nº1 à responsabilidade civil contratual;

 - o reconhecimento de que essa posição é largamente contrariada pela doutrina e pela jurisprudência.

E largamente contrariada porque se trata nesse trabalho (ao contrário do que a recorrente apresenta) de defender a aplicação de prazos mais curtos, de 3 anos, (os da responsabilidade civil extracontratual) à responsabilidade civil contratual - Vd. Vaz Serra Prescrição do direito de indemnização in BMJ nº 87 p. 47 e ss.

Nestes termos, quando Pedro Albuquerque escreve como é citado pela recorrente, embora de forma truncada “que  assenta num equívoco a afirmação segundo a qual não faria sentido a coexistência em caso de mora ou incumprimento por parte do devedor , de dois prazos de prescrição distintos, um para a prestação especifica, e outro  muito mais curto para a indemnização mero sucedâneo da prestação, reclamando por isso ambas as situações tratamento igual” o que esse autor está a declarar é que “nenhum obstáculo lógico impede a sujeição da obrigação de indemnização a um prazo de prescrição muito mais curto que o estabelecido para as obrigações emergentes de um contrato de negócio jurídico”.

Contrariamente ao sustentado pela recorrente o entendimento de Pedro Albuquerque dirige-se no sentido do encurtamento do prazo de prescrição à responsabilidade civil contratual e não no seu alargamento. E o próprio Prof. Vaz Serra  na análise do problema escreve com clareza que “ «Poderia pensar-se em decla­rar extensiva à responsabilidade contratual a prescrição de curto prazo quando, por não haver fixação legal ou convencional da indemnização, nem serem as outras circunstâncias facilmente deter­mináveis, se correriam, com a prova testemunhal produzida a longa distância, riscos análogos aos que conduzem a estabelecer essa prescrição para a responsabilidade extracontratual. Mas daí resultariam com frequência dúvidas acerca da prescrição a apli­car. De modo que: ou se amplia à responsabilidade contratual a prescrição de curto prazo, ou se não faz essa ampliação. Destas duas soluções parece preferível a segunda. Embora o lesado por facto ilícito extracontratual, que pode ser muito mais grave que o não-cumprimento de uma obrigação, fique sujeito à prescrição de curto prazo, o mesmo não parece deva acontecer com o lesado pelo não-cumprimento de obrigações. Não só a lei estabelece vários prazos curtos de prescrição de obrigações negociais (...) como seria chocante que a obrigação de indemnização prescrevesse em prazos mais curtos que as demais obrigações contratuais. O mesmo se daria com a obrigação de indemnização resultante do não-cumprimento de qualquer outra obrigação preexistente” - op. cit. pg. 48.

Também a pretensão de a recorrente convocar a lição de Margarida Lima Rego sai frustrada. É verdade que esta autora defende o entendimento de que o artigo 498.º CC é também aplicável à responsabilidade civil obrigacional, mas fá-lo por decalque da posição de Pedro Albuquerque e no sentido de essa posição significar um encurtamento dos prazos e não um alargamento - vd. Contrato de Seguros e Terceiros  pg. 680 nota 1873. Além disso, insere esta análise no tratamento dos casos de ação direta que define e identifica como aqueles em que a lei reconhece ao terceiro lesado um direito de ação direta contra o segurador  - op. cit. pg. 656 - e não aqueles em que o seguro de responsabilidade civil é um contrato a favor de terceiro ou em que o tomador-segurado é o único titular de um direito de exoneração da sua dívida para com um terceiro lesado. “Se a pretensão do terceiro tem a sua fonte  na natureza obrigatória do seguro , no direito objetivo e não nas estipulações das partes tratar-se-á nestes casos de uma ação direta e não de um contrato a favor de terceiro” - op. cit. pag.679  

São situações que a própria autora esclarece não haver base legal no nosso sistema jurídico para serem generalizadas não serem generalizadas e que identifica apenas em dois casos como tendo consagração legal e mesmo assim um dele de carácter controvertido: O seguro obrigatório de responsabilidade civil por acidentes de viação onde a ação direta resulta do art. 64 nº1 do DL 291/2007 e nos acidentes de trabalho (o controverso) com abrigo no art. 16 nº3 da Apólice Uniforme do Contrato de seguro de Acidentes de Trabalho para Trabalhadores Por Conta de Outrem.

É com este enquadramento que esta autora refere que o art. 146 nº1 da LCS veio estabelecer a possibilidade da ação direta do lesado quando estatui que “1 - O lesado tem o direito de exigir o pagamento da indemnização diretamente ao segurador.” Acrescentando que o direito de ação direta está sujeito ao prazo prescricional de três anos e sendo nesta sequência que replica o entendimento de Pedro Albuquerque sem embargo de confrontada com a LCS deixar expresso que “ o disposto no art. 145 doa LCS deverá ser interpretado por forma a compatibilizá-lo com o disposto no art. 121 nº2 da LCS” . op. cit. pg. 680 nota 1875. Deve sublinhar-se, para maior esclarecimento de ser o entendimento desta autora restritivo em matéria de prescrição, que a mesma explica que nos casos de ação direta a prescrição obedece às regras do art., 498 nº1 do CCivil  (3 anos) mas que “se todavia para além da ação direta se determinar que as partes , no contrato, quiseram constituir na esfera do tomador-segurado e do terceiro lesado um direito , não somente de exoneração do primeiro mas ao efetivo ressarcimento doi segundo , o prazo prescricional poderá ser de cinco anos” - op .e loc. cit -  aquele que estabelece o art.121 da LCS.

Como se pode resumir, a entrada em vigor da LCS trouxe um regime específico em matéria de prescrição e no que se refere ao exercício dos direitos entre o segurador e o segurado que é o fixado no art. 121 desse diploma. Para os casos em que o exercício dos direitos diz respeito a um lesado/terceiro  contra o segurador os prazos de prescrição são os regulados no Código Civil (art. 145 da LCS). E se se quiser tornar presente a problemática de ser admissível a aplicação à responsabilidade civil contratual o regime do art. 498 nº e ter assim um regime unitário, é forçoso que pensemos que ao defender essa posição estamos a defender o encurtamento dos prazos e não o seu alargamento como deixámos sobejamente explicado.

Porém, a disciplina normativa diferenciada em matéria de prescrição para a responsabilidade civil contratual e para extracontratual, que expusemos e defendemos, não ofende minimamente o princípio do acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva porque esta tutela não exclui o estabelecimento de prazos de caducidade e de prescrição, intimando antes o legislador a fixá-los de acordo com a natureza das obrigações desde que não se afigurem  arbitrariamente curtos ou arbitrariamente desadequados, de forma a dificultarem sem fundamento ou razão a ação que vise exercer o direito - cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP Anotada, Vol. I, 4ª edição, pág. 409. E em conformidade com a decisão recorrida, “ um prazo de prescrição de cinco anos, estabelecido em sede de responsabilidade contratual, não pode ser considerado arbitrariamente curto ou arbitrariamente desadequado, se tivermos em conta que o prazo prescricional da responsabilidade civil extracontratual é de apenas três anos (artigo 498.º, n,º 1 do CC)” se bem que com possibilidade adaptativa de, se o facto ilícito constituir um crime, o prazo da prescrição acompanhar o do procedimento criminal, se superior aos 3 (três) anos regra. 

Decidida a questão da fixação do prazo da prescrição no caso concreto confirma-se que o prazo de prescrição teve o seu início em 02.03.15, data notificação à autora do despacho do Ministério Público que determinou o arquivamento do inquérito referente à queixa-crime apesentada pelos factos participados à ré, conforme decorre da prova (factos provados F e G). E se só depois de decorrer o prazo (de 20 dias) para requerer a abertura de instrução ou suscitar a intervenção hierárquica - art. 287 e 278 do CPP – não sendo acionada nenhuma dessas faculdades, só então cessa a interrupção do prazo prescricional, só nesse momento fica estabilizado e com definitividade o despacho de arquivamento do ponto de vista processual. No acolhimento destas considerações e na sua aplicação ao caso dos autos, verifica-se  o prazo prescricional se iniciou em 25.04.15, pelo que, tendo a ré sido citada em 20.10.20 ( e sido instaurada a ação em 15.10.20) nesse momento da citação já estava decorrido o prazo de cinco anos que era no caso o da prescrição.

Improcedem assim na totalidade as conclusões de recurso e deve negar-se provimento á revista.

… …

 Síntese conclusiva

Na Lei do Contrato de Seguro - DL 72/2008 de 16 de abril – prescrevem no prazo de 5 anos os direitos emergentes do contrato de seguro envolvendo a seguradora e o segurado com exceção do direito ao prémio que prescreve no prazo de 2 anos – art. 121 nº1 e 2 desse diploma.

- Nos seguros de responsabilidade civil, cobrindo o segurador o risco de constituição, no património do segurado, de uma obrigação de indemnizar terceiros - art. 137 da LCS - os direitos do lesado (que não é o segurado) contra o segurador prescrevem nos termos da regulados no Código Civil - art. 145 da LCS

… …

 Decisão

Pelo exposto acordam os juízes que compõem estre tribunal em julgar totalmente improcedente a revista e, em consequência, confirmar a decisão recorrida,

Custas pela recorrente.


Lisboa, 27 de outubro de 2022


Relator: Cons. Manuel Capelo

1º adjunto: Sr. Juiz Conselheiro Tibério Nunes da Silva

2º adjunto: Sr. Juiz Conselheiro Nuno Ataíde das Neves