Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
40/13.0TBBBR.C1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: CONTRATO PROMESSA
INTERPRETAÇÃO
DEVERES LATERAIS OU ACESSÓRIOS
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
RESOLUÇÃO
Data do Acordão: 01/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / CONTRATO-PROMESSA / CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / IMPOSSIBILIDADE DO CUMPRIMENTO / PERDA DE INTERESSE NA PRESTAÇÃO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 406.º, 410.º, N.º1, 432.º, 762.º, 798.º, 801.º, 808.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 615.º, N.º, AL. C).
Sumário :
1. Como questão logicamente prévia à qualificação de uma situação de incumprimento de obrigações contratuais, impõe-se a interpretação das declarações negociais das partes, de modo a determinar quais foram exactamente as obrigações contratualmente assumidas pelos litigantes no contrato celebrado.

2. Apurado, per determinação da vontade das partes, que certo contrato promessa, tendo embora como objecto imediato a alienação de um prédio rústico indiviso, comportou a assunção de um dever lateral ou acessório, por parte do promitente vendedor, de providenciar pelo respectivo loteamento, constitui incumprimento definitivo de tal obrigação a circunstância de a parte, que já recebeu a totalidade do preço, ter deixado, ao longo de vários anos, de providenciar pelo loteamento, legitimando a resolução do negócio pela contraparte, com base na violação das regras da boa fé contratual e na inexigibilidade de manutenção do contrato.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:




1. AA, instaurou contra BB – Construção Civil Ldª acção de condenação, sob a forma de processo ordinário, pedindo que:

a) Seja declarada a resolução do contrato-promessa de compra e venda por incumprimento definitivo da ré.

Para o caso de assim não se entender:

b) Seja declarado resolvido o contrato-promessa de compra e venda em lide, por impossibilidade fáctica da prestação, por facto imputável à ré;

c) Em consequência da resolução do contrato, nos termos referidos em a) ou em b) a restituição de todas as quantias entregues pelo autor a título de sinal, em dobro, ou seja a quantia de € 399.498,00 acrescido de juros de mora à taxa legal em vigor a contar da citação até efectivo e integral pagamento;

Ou caso assim não se entenda:

d) A ver declarado anulado o contrato-promessa de compra e venda em lide, por erro na declaração provocado por dolo da ré;

e) Em consequência da anulabilidade do contrato, a restituição ao autor da quantia de € 199.749,00 acrescido de juros de mora à taxa legal em vigor a contar da citação até efectivo e integral pagamento;

f) E ainda a ré a indemnizar o autor no montante de € 99.587,09 relativo a indemnização por danos sofridos, acrescido de juros de mora à taxa legal em vigor a contar da citação até efectivo e integral pagamento, bem como custas, procuradoria condigna e mais legal.

Para tanto, alegou:

A ré é proprietária do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial do Bombarral sob o nº 604.


Fez saber à ré do seu interesse em investir em imobiliário numa quantia situada entre os € 100.000,00 e € 120.000,00, ao que o sócio gerente da ré referiu ter apresentado um projeto de loteamento para o referido prédio, que o mesmo já se encontrava aprovado e que o alvará de loteamento estaria para breve, propondo então ao autor a aquisição de ¼ do prédio loteado pelo preço de € 199.749,00, garantindo-lhe que o lucro do negócio ascenderia ao dobro do investimento.

Foi acordada a realização de um contrato-promessa e que o autor pagaria, a título de sinal, a quantia de € 99.749,00, o qual foi pago, em 2 de Dezembro de 2002, mediante cheque no valor de € 49.749,00 em nome pessoal do gerente da ré e os restantes € 50.000,00 em nome da ré.

Em 24.12.2002, o sócio gerente da ré deslocou-se a casa do autor que assinou o contrato-promessa que aquele levava, não o tendo lido, dado acreditar que o mesmo correspondia ao que havia sido acordado.

Posteriormente, a pedido do sócio gerente da ré, efectuou dois reforços do sinal, um dos quais em Junho de 2003, no valor de € 50.000,00, e outro em Agosto seguinte no mesmo valor.

No final do mês de Agosto de 2003, verificou que a ré efectivamente se encontrava a fazer limpezas no terreno e havia colocado um contentor/stand de vendas no local. No entanto, até à presente data, mais nada foi feito e o sócio gerente da ré desde Julho/ Agosto de 2012 deixou de atender telefonemas, vindo as cartas enviadas para o mesmo devolvidas.

Perante tal postura, o autor instaurou notificação judicial avulsa, notificando a ré para a realização da escritura no dia 27.11.2012, tendo sido decidido por acordo que a mesma se realizaria no dia 27.12.2012.

No dia aprazado, todavia, a ré pretendia proceder à venda de ¼ indiviso do prédio em questão e não do que havia sido acordado que correspondia a ¼ do prédio loteado, recusando-se, por isso, o autor a realizar a escritura.

Após estes factos, consultou o processo de loteamento tendo concluído que o projecto inicial havia sido reprovado em 21.06.2004 e só em 06.03.2007 a ré apresentou novo projecto, que foi aprovado em 09.09.2008, sendo as obras de urbanização aprovadas em 16.03.2009, após o que a ré poderia e deveria ter requerido o alvará de loteamento até ao dia 26.03.2012, o que não fez, acarretando, por isso a caducidade do mesmo.

A ré contestou, impugnando as circunstâncias em que foi feito o contrato-promessa, data respectiva e que o mesmo tivesse por objecto mediato um prédio loteado.


Mais alegou que para a concretização do negócio entre as partes não era elemento essencial que a operação de loteamento tivesse uma data certa de aprovação, uma vez que esta dependia da Câmara Municipal do Bombarral.

Que sempre foi informando o autor das dificuldades sentidas ao longo do processo, como o atesta o facto de o autor ter aguardado cerca de 10 anos para marcar a escritura de compra e venda.

A final, foi proferida sentença a julgar a acção improcedente.


2. Inconformado apelou o A., impugnando, desde logo, a decisão proferida acerca da matéria de facto. Tal impugnação foi tida por improcedente, o que ditou a estabilização do seguinte quadro factual:

1 - A ré é uma sociedade comercial que se dedica à compra e venda de propriedades e construção civil.

2 - Encontra-se descrito a favor da ré na Conservatória do Registo Predial do Bombarral, freguesia de Carvalhal sob o número 604, um prédio rústico com a denominação de CC ou DD, situado no limite do Sobral do Parelhão, com a área total de 26400 m2, composto por vinha, macieiras, oliveiras e cultura arvense.

3 - O prédio referido em 2 foi adquirido pela ré por escritura pública outorgada no dia 15 de Abril de 1999, pelo preço de onze milhões de escudos.

4 - Em data não concretamente apurada do ano de 2002, o autor, na qualidade de segundo outorgante e a ré, na qualidade de primeira outorgante assinaram um documento sob a epígrafe “Contrato Promessa de Compra e Venda” subordinado, entre as mais, às seguintes cláusulas:

SEGUNDA

Pelo presente contrato promessa a primeira contratante promete vender ao segundo contratante e este promete comprar-lhe um quarto indiviso do referido prédio (o prédio descrito em 2), pelo preço de € 199.519,16 Euros.

TERCEIRA

Nesta data, como sinal e princípio de pagamento, o segundo contratante entrega à primeira contratante a quantia de 99.759,58 Euros.

QUARTA

O restante preço será pago no acto da celebração da escritura de compra e venda respectiva.

QUINTA

A escritura de compra e venda respectiva será celebrada no prazo de seis meses a contar desta data.

SEXTA

O prédio rústico identificado na cláusula primeira já tem projecto aprovado na Câmara Municipal de Bombarral, para construção de quarenta e quatro fogos para moradias unifamiliares e um lote para instalação de um bar, court de ténis e piscina.

SÉTIMA

É intenção da primeira contratante e do segundo contratante, juntamente com mais um ou dois interessados vir a constituir uma sociedade comercial por quotas, com o objectivo de proceder à urbanização e venda dos lotes ou moradias referidas na cláusula sexta.

OITAVA

Se se concretizar a constituição de uma sociedade comercial por quotas, a sociedade ora promitente vendedora, ficará com uma quota do valor nominal equivalente a vinte e cinco por cento do capital social da sociedade, correspondente a ¼ indiviso do prédio.

NONA

Igualmente o segundo contratante ao ceder a sua posição a essa Sociedade Comercial ficará, também com vinte e cinco por cento do capital social.

5 - O autor por conta do preço referido na cláusula segunda do acordo mencionado em 4 entregou as seguintes quantias:

- € 49.749,00, no dia 02.12.2002 através de cheque com o número 364…, emitido à ordem do sócio gerente da ré EE;

- € 50.000,00, no dia 02.12.2002 através de cheque com o número 884…, emitido à ordem da ré;

- € 50.000,00, no dia 04.06.2003 mediante transferência bancária para conta titulada pela ré;

- € 50.000,00, no dia 19.08.2003 mediante transferência bancária para conta titulada pelo sócio gerente da ré EE.

6 - Previamente ao acordo referido em 4, em Novembro de 2002, o autor havia contactado com a ré com vista ao investimento de capital em imobiliário, numa quantia mínima de € 100.000,00.

7 - Perante o facto referido em 6, a ré referiu ter apresentado um projecto na Câmara Municipal do Bombarral para proceder ao loteamento do prédio referido em 2, para construção de 45 lotes, sendo 44 deles destinados à construção de 44 moradias unifamiliares e 1 deles destinado à construção de um bar com court de ténis e piscina, mais tendo referido que o projecto de arquitectura para operação de loteamento havia sido aprovado em 27.12.2001, e que iria brevemente apresentar os projectos das obras de infra-estruturas.

8 - Nas circunstâncias referidas em 6 e 7, o sócio gerente da ré informou o autor que a taxa de rentabilidade dos investimentos daquela natureza poderia ascender ao dobro do capital investido, atentas as boas condições de mercado na altura.

10 - Entre o autor e o sócio gerente da ré existia uma relação de confiança e amizade.

11 - Em data não concretamente apurada, a ré procedeu à limpeza do prédio descrito em 2.

12 - Desde a data da assinatura do acordo referido em 4, até à presente data, não foram realizadas no prédio descrito em 2 quaisquer obras de urbanização, tendo a ré colocado no prédio um contentor/stand no mesmo para promover a venda dos lotes.

13 - Quando questionada pelo autor sobre a ausência de obras de urbanização, a ré explicou ao autor que tal circunstância se devia ao atraso na emissão do alvará de loteamento.

14 - O prédio referido em 2 encontra-se classificado no Plano Director Municipal do Cadaval desde 21.01.1997 como espaço urbanizável.

15 - O projecto de arquitectura para operação de loteamento do prédio referido em 2 foi aprovado pela Câmara Municipal do Bombarral em 27.12.2001, condicionado ao cumprimento de recomendações técnicas.

16 - Os projectos de especialidades foram apresentados pela ré em 21.01.2003, tendo sido apontadas várias irregularidades, nomeadamente no tocante ao projecto de águas e esgotos domésticos e pluviais, telecomunicações e gás.

17 - Em 21.06.2004 foram indeferidas pela Câmara Municipal do Bombarral as obras de urbanização referentes à operação de loteamento do prédio referido em 2, porquanto a ré, no prazo concedido pelo executivo camarário não juntou qualquer elemento que colmatasse as irregularidades apontadas.

18- Em 06.03.2007 a ré apresentou novo processo de loteamento, tendo sido promovida uma reunião com a técnica da autora do projecto no sentido de serem colmatadas insuficiências processuais.

19 - Após o deferimento de um requerimento de prorrogação de prazo concedido para cumprimento do mencionado em 18, em 11.09.2007, a ré juntou novos elementos ao processo em causa, no sentido de dar satisfação ao solicitado nas informações técnicas.

20 - Na persistência das desconformidades foi novamente notificada a ré no sentido de estar presente numa reunião que se realizou no dia 23.10.2007, na qual foi acordada a entrega de novos elementos que vieram a ser apresentados, após nova prorrogação de prazo, em 22.02.2008.

21 - Presente o processo à reunião da Câmara para decisão sobre os materiais propostos nos passeios, foram apresentados novos elementos em 14.04.2008, 16.04.2008, 01.07.2008 e 25.07.2008.

22 - O projecto de arquitectura, desenho urbano da operação de loteamento foi deferido no dia 09.09.2008, com a condição de ser renegociado o protocolo celebrado com a ré e terceiro detentor do loteamento adjacente, dada a necessidade de instalar a fossa séptica prevista no citado protocolo e que deveria ser substituída pela construção de um parque infantil, um campo de ténis e um campo de futebol de 7.

23 - Após a análise de alguns projectos das obras de urbanização, que deram entrada conjuntamente com elementos instrutórios da operação de loteamento, foram solicitados novos elementos que foram remetidos ao processo em 18.11.2008, 21.11.2008 e 19.02.2009.

24 - As obras de urbanização de operação de loteamento foram aprovadas em 16.03.2009, tendo sido deliberado fixar em 12 meses o prazo da sua execução e em € 530.312,44 o montante destinado a assegurar a boa e regular execução das mesmas.

25 - O prazo para a ré requerer o alvará de loteamento findou em 26.03.2012, sem que a ré tenha requerido a sua emissão.

26 - O sócio gerente da ré emigrou para o Brasil no Verão de 2012 devido à crise no sector da construção civil.

27 - O autor enviou à ré cartas registadas com aviso de recepção em 12.07.2012, 26.07.2012, as quais vieram devolvidas, respectivamente com a menção de “mudou-se” e “não atendeu”.

28 - O autor, em 16 de Outubro de 2012, requereu a notificação judicial avulsa da ré, solicitando a comparência para outorga da escritura pública de compra e venda no dia 27 de Novembro de 2012.

29 - No dia 26 de Novembro de 2012 foi acordado entre o autor e a ré adiar a realização da escritura referida em 28 para o dia 27 de Dezembro de 2012.

30 - No dia 27 de Dezembro de 2012, estando presentes o autor e a ré, devidamente representada para o efeito, foi lavrado instrumento notarial, no qual entre o mais consta:

É desejo da primeira outorgante quer fique a constar, o que foi por mim Notária certificado que os documentos entregues pela vendedora eram os necessários e legalmente exigíveis à celebração da escritura e que dos mesmos não constavam ónus, encargos, responsabilidades e ou nulidades que impedissem a sua realização, em conformidade com a certidão permanente com o código de acesso (…) que exibiu, sendo sua vontade a realização da mesma.

É desejo do segundo outorgante que fique consignado que não realiza a escritura uma vez que a feitura desta não vai de encontro ao previamente outorgado entre os outorgantes.

31 - Em 23.11.2012, mediante despacho do Presidente da Câmara Municipal do Bombarral, a ré foi informada de que não havia oposição à constituição da compropriedade do prédio rústico referido em 2, por transacção para dois proprietários.

32 - Na data em que foi assinado o acordo referido em 4, havia interessados na aquisição dos lotes a serem implantados no prédio mencionado em 2.

33 - O autor despendeu a quantia de € 499,63 referente a despesas de advogada e solicitadora de execução, com a notificação judicial avulsa referida no facto 28.

34 - O autor despendeu a quantia de € 123,00 por referência ao facto referido em 30.

35 - O autor com certidões e cópias referentes ao processo camarário que juntou a estes autos despendeu a quantia de € 70,54.

36 - Em consequência dos presentes autos, o autor irá despender quantia não apurada em honorários com a constituição de advogada.



3. Passando a apreciar as questões jurídicas suscitadas, considerou a Relação no acórdão recorrido:

No caso vertente, e outrossim como concluiu a julgadora, os factos apurados não permitem concluir que o representante da ré induziu o autor em erro; e, muito menos, dolosamente.

Na verdade, não se provou que a ré tivesse prometido vender ao autor um prédio já total e cabalmente loteado e pronto a construir e que este em tal tenha acreditado piamente.

Nem a prova consentiu tal conclusão, nem os restantes factos provados a permitem.

Na verdade, se assim fosse, por que razão as partes anuíram num contrato promessa e não logo no contrato definitivo?

Do que dimana dos factos apurados é que o prédio tinha viabilidade construtiva, que o processo atinente já estava em curso – existindo já projeto de arquitetura aprovado – e que a ré estava a tentar concluí-lo, existindo forte convicção das partes de que tal conclusão iria concretizar-se dentro de alguns meses.

Ademais, não tendo tal concretização sobrevindo dentro dos seis meses seguintes, como expectado, pois que este foi o período consensualizado para a outorga do contrato definitivo, nem por isso o autor se insurgiu contra tal atraso.

O que demonstra que o próprio demandante estava cônscio das dificuldades que poderiam sobrevir para a urbanização do terreno, e, assim, condescendeu em conceder muito mais tempo à ré para consecutir este desiderato.

Enfim, há que concluir que o autor sabia e estava cônscio do que tinha prometido comprar: não um prédio loteado e pronto a construir, mas antes um terreno, ainda rústico, como ficou a constar no contrato, mas para o qual se vislumbrava no futuro um loteamento e emissão de alvará.

Quanto ao mais.

Em função do estatuído no artº 410°, nº 1 do CC, o qual preceitua que ao contrato-promessa «são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, exceptuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se (lhe) devam considerar extensivas», ao mesmo são aplicáveis as regras gerais dos negócios jurídicos e das obrigações que não contrariem as normas que especificamente lhe são consagradas, tais como as que regem quanto à figura da resolução.

O direito de resolução dum contrato, enquanto meio de extinção do vínculo contratual, quando não convencionado pelas partes, depende da verificação de um fundamento legal, correspondendo, nessa medida, ao exercício de um direito potestativo vinculado - artigo 432º CC.

Assim, a parte que invoca o direito à resolução fica obrigada a alegar e a demonstrar o fundamento que justifica a destruição do vínculo contratual.

Destarte, é hoje pacífico, máxime depois das alterações introduzidas pelo DL 379/86 de 11 de Novembro, que tal como acontece relativamente aos negócios jurídicos em geral, também a aplicação das sanções previstas no artigo 442º do CC pressupõe o incumprimento definitivo do contrato promessa.


Este incumprimento definitivo pode advir de uma impossibilidade de cumprimento (objetivo/naturalística ou subjetiva porque imputável a título de culpa ao devedor) – artº 801º do CC.

Ou advir da transformação da simples mora em incumprimento definitivo, o que pode ocorrer por três vias: a) convencer o credor da sua perda de interesse na prestação  ex vi da demora no cumprimento; b) demonstrar que a prestação não foi efetivada no prazo razoável que, admonitoriamente, fixou ao devedor – artº 808º do CC; c) provar que o devedor se recusou absoluta, perentória e definitivamente a cumprir.

Importando ainda reter que a simples emergência ou verificação dos fundamentos resolutivos do contrato não opera automaticamente no sentido de atribuir imediatamente jus ao direito à resolução.

Pois que esta: «além de pressupor o incumprimento definitivo de uma prestação contratual, exige a gravidade da violação, não sendo esta apreciada em função da culpa do devedor mas das consequências desse incumprimento para o credor. Não é, portanto, qualquer incumprimento, ainda que definitivo, que viabiliza a resolução» - Ac do STJ de 18.12.2012, p. 5608/05.5TBVNG.P1.S1.

Assim, e desde logo no que concerne à impossibilidade de cumprimento, importa ter presente que a lei não se contenta apenas com uma mera dificuldade em se efetivar a prestação, exigindo uma efetiva, real e total não consecução da prestação.

No que tange à perda do interesse convém não descurar que ela não pode ser relevada apenas pela convicção ou perspetiva do credor, tendo antes de ser apreciada objetivamente, ie., em função da análise do homem médio, do homo prudens, sopesando-se v.g., a duração da mora e as suas consequências nocivas, o comportamento do devedor e o propósito do credor – nº2 do artº 808 – cfr. Acs. do STJ de 27.05.2010, p. 6882/03.7TVLSB.L1.S1, de 14.04.2011, p. 4074/05.0TBVFR.P1.S1.  e de 13.09.2012, p. 4339/07.6TVLSB.L1.S2, todos in dgsi.pt.

Pois que: «Não basta que o credor afirme, mesmo convictamente, que a prestação já não lhe interessa para se considere que perdeu o interesse na prestação: há que ver, em face das circunstâncias, concretas e objectivas, se a perda de interesse corresponde à realidade das coisas» - Ac. do STJ de 05.05.2005, p. 05B724.

No atinente ao cumprimento em prazo razoável, urge interiorizar que este prazo tem de ser fixado mediante uma interpelação admonitória.

Ou seja, o accipiens deve notificar o solvens concedendo-lhe um prazo razoável - ie. adequado, porque ponderado à luz  da natureza, circunstancialismo e à  função do contrato, aos usos correntes e  aos ditames da boa fé -, porém final e preclusivo, para o cumprimento.

Na verdade a interpelação admonitória a que se refere a segunda parte do n.º 1 do artigo 808º, contém e implica (i) a intimação para cumprimento, (ii) a fixação de um termo peremptório para esse cumprimento e (iii) a admonição ou a cominação de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro daquele prazo– cfr. Ac. do STJ de 22.11.2012, p. 98/11.6TVPRT.P1.S1.


De tal modo se exige rigor e gravidade nos factos consubstanciadores do direito resolutivo, máxime por reporte a este último fundamento, que há quem entenda que mesmo: «Havendo prazo marcado para o cumprimento da obrigação, a sua não observância pelo devedor não dá, em geral, lugar ao não cumprimento definitivo da obrigação, mas a uma situação de simples mora, a não ser que se esteja perante um dos chamados «negócios fixos absolutos», em que o termo é essencial.» - Ac. do STJ de 10.02.2005, p. 04B4358.

Na verdade, o prazo fixado para a execução de um contrato – incluindo, no contrato promessa, o prazo para a celebração do contrato prometido –, pode ter a natureza de prazo perentório, fixo, absoluto, essencial, “fatal”, ou de prazo relativo.

O prazo assume aquela natureza quando o cumprimento de determinada obrigação deve ter lugar dentro dele pois que se se verificar depois de decorrido, o negócio não tem já interesse para o credor.

Havendo quem entenda que a essencialidade do prazo tanto pode ser considerada do ponto de vista objetivo, como considerada subjetivamente. Neste caso «a vontade das partes pode ser … no sentido de ver no termo fixado o prazo-limite (termo subjectivo absoluto), para o adimplemento, findo o qual há incumprimento definitivo, fundamento imediato da resolução» - Calvão da Silva in Sinal e Contrato Promessa, 11ª Ed. ps 138 e 139.

Se tal não se verificar o prazo apenas pode ser taxado de relativo.

O decurso do prazo fixo ou absoluto, acarreta, ipso facto, um incumprimento definitivo do devedor que concede ao credor jus à resolução do contrato

O decorrer de um prazo relativo coloca o devedor simplesmente em mora, devendo o credor, para poder titular o direito à resolução, converter esta em incumprimento definitivo nos termos previstos no artº 808º do CC.

A determinação da natureza do prazo depende da natureza do negócio ou da interpretação da vontade das partes.

In casu.

Desde logo e corroborando o entendimento da julgadora, verifica-se que o prazo de seis meses anuído para a celebração da escritura definitiva não assume o jaez de perentório, absoluto ou «fatal».

Tudo visto e ponderado, considerando o já mencionado, conclui-se que ele foi fixado pelas partes como meramente referencial, no pressuposto, pelos vistos otimista, de que o loteamento se concretizaria em tal lapso temporal.

E tanto assim foi que, ultrapassado ele, o autor não sentiu o seu direito intoleravelmente ofendido, antes deixando passar o tempo – largos anos – certamente na perspetiva e esperança de que o alvará seria obtido ainda a tempo de poder concretizar, útil e proficuamente, o negócio.

Por outro lado, e versus o defendido pelo recorrente, os factos apurados não demonstram uma impossibilidade, objetiva e naturalística, de cumprimento.


Efetivamente, deles retira-se que o loteamento ainda é possível.

Ou, noutra nuance menos impressiva, que é o qb., não está demonstrado que ele não seja, legal e naturalisticamente, concretizável.

O que se verifica é que ele não foi obtido, porque, numa fase inicial, existiam deficiências nos projetos de infraestruturas apresentados pela ré, e porque, depois, ultrapassadas que foram tais deficiências em 2009, porque ela não requereu a emissão do alvará de loteamento, deixando findar o respetivo prazo.

Todavia, perante a regularização das eventuais futuras exigências legais e administrativas, vg. referentes às infraestruturas, certo é que, com ulteriores diligencias, a emissão e obtenção de tal alvará poderá, em termos de normalidade, ser concretizada.

Certo é que a ré, perante os termos do contrato, constituiu-se em mora.

Resta apurar se esta mora foi convertida em incumprimento definitivo, único que, como se viu, atribui jus à resolução.

E a resposta é negativa.

Primus porque o autor não provou factos, como lhe competia, que clamassem a conclusão de que perdeu o interesse na prestação ex vi da demora no cumprimento.

É que, como se viu, tal perda de interesse tem de ser apreciada objetivamente, vg. em função das consequências nocivas que a mora tenha causado ao impetrante, e perante as quais tenha de concluir-se, razoável e sensatamente, que é inexigível a manutenção do contrato.

Secundus, porque o autor não confrontou a ré com prazo final e preclusivo, não operando, para o efeito, a interpelação admonitória para o cumprimento, após a qual se tinha de concluir pelo seu incumprimento definitivo.

Antes pelo contrário, do acervo factual provado decorre que o autor, no largo lapso temporal que medeou entre 2002 e 2012, sempre teve interesse no contrato definitivo, tendo, inclusive, intimado a ré para fazer a escritura em 27.11.2012.

E tendo sido acordado adiar esta para um mês depois, em 27.12.2012, foi o próprio autor que se recusou a celebrá-la com o argumento de que: «a feitura desta não vai de encontro ao previamente outorgado entre os outorgantes.».

Ora independentemente de assistir, ou não, razão ao autor nesta alegação, certo é que, para o efeito que ora nos ocupa – resolução do contrato promessa – não se pode concluir ter existido incumprimento definitivo da ré.

Tertius, porque outrossim como dimana dos factos apurados – ponto 30 – a ré não se recusou a cumprir o contrato; antes pelo contrário tendo manifestado a sua intenção e disponibilidade para, em 27.12.2012, realizar a escritura.


Temos assim que os factos apurados não permitem concluir ter existido incumprimento definitivo para o efeito de declarar resolvido o contrato promessa com os fundamentos jurídicos estritos invocados pelo recorrente.

Aliás, o pedido principal do recorrente, mesmo que os factos por ele invocados se provassem e emergissem os fundamentos jurídicos por ele chamados à colação, não poderia proceder.

Na verdade, a devolução do sinal em dobro apenas pode emergir, por definição, quando exista sinal.

 Ora visto o contrato em dilucidação verifica-se que mais do que quantia parcelar entregue a título de sinal, o autor/recorrente promitente comprador, pagou a totalidade do preço.

Em todo o caso urge ter presente que para além destes requisitos específicos necessários à concessão do direito à resolução do contrato, há que não olvidar o primordial princípio ínsito na ordem jurídica atinente ao dever de as partes atuarem com diligencia, lealdade, colaboração e boa fé, e cumprindo pontualmente, isto é ponto por ponto, no tempo e lugar anuídos

Efetivamente: «o credor não pode, em principio, resolver o negócio em consequência da mora do credor. O que pode é exigir o cumprimento da obrigação e a indemnização pelos danos sofridos.» - P. Lima e A. Varela, CCivil Anotado, 3ª ed. p. 71.

Em abono e conformidade com o disposto, vg. nos artºs artºs 406º, 762º e 798º do CC.

Tudo com vista à tutela do valor confiança que os contraentes depositam no cumprimento das prestações recíprocas, a qual é fulcral para o liminar estabelecimento e no ulterior normal fluir de negócios jurídicos necessários ao profícuo desenvolvimento do tráfego jurídico-económico.

Destarte, a violação dos aludidos deveres acessórios de conduta - a apreciar em função dos deveres co-envolvidos e do grau e intensidade dos atos perpetrados e que objetivamente revelem censura -, que sejam conducentes à inexecução do contrato no prazo acordado, pode clamar, de per se, a conclusão sobre a vontade de não cumprir em tempo razoável e oportuno, com a consequente atribuição do direito à resolução.

Pois que não é «justo que o credor – por mais tolerante que tenha sido na expectativa do cumprimento – esteja atido à vontade lassa do devedor» - Acs. do STJ de 12.01.2010, p. 218/06.2TVPRT.S1, de 19.05.2010, p. 850/05.1TBLLE.E1.S1, e de 22.06.2010, p. 6134/05.8TBSTS.P1.S1, in dgsi.pt.

Ora no caso vertente a violação destes deveres por banda da ré é meridianamente evidente.

Na verdade, tendo ela prometido vender ao autor um terreno que, na economia do consensualizado a breve trecho – considerando o prazo de seis meses que foi fixado para a celebração da escritura -, estaria loteado, tal não se verificou ao longo de vários e longos anos.

Efetivamente, desde 2002 e até 2009, a ré não pode ou não quis cumprir as exigências legais, administrativas e regulamentares necessárias e exigíveis para os projetos que foi apresentando.

O que demonstra impreparação, incúria e, acima de tudo e no que para o caso releva, desinteresse e desprezo pelos compromissos que tinha assumido com o autor no contrato que com ele firmou.


Finalmente, the last but not the least, releve-se o anglicismo, ou seja, por último mas não menos importante, terminada a saga da apresentação dos projetos e aprovado o loteamento, já em 2009, a ré, nos três longos anos que se seguiram, não requereu a emissão do alvará respetivo, deixando caducar a aprovação em 26.03.2012.

É assim evidente uma atuação negligente e omissiva da demanda que não se compadece nem com os termos do contrato, nem com uma exigível atuação colaborante, leal e de boa fé.

Na verdade, há que irrelevar a pretensão da ré em querer celebrar o contrato em 27.12.2012, pois que, tanto quanto se alcança do provado, o que venderia seria ainda um terreno rústico e não loteado, como se vinculou.

Destarte, não se vislumbra legal e equitativo que o autor continuasse, dilatória e, quiçá, indefinidamente, suspenso na celebração do contrato, muito menos por objeto diverso do ajustado, por dependência de uma exigível atuação da ré que já demonstrou não estar disposta a efetivar.

Em conclusão, a pretensão do autor tem de proceder, não porque se tenha provado - por inverificação lógico-formal dos requisitos legais invocados -, a sua perda do interesse.

Mas antes pela constatação da atuação dos réus com violação ou postergação dos deveres de diligencia, lealdade, colaboração e boa fé, fulcrais e magnos requisitos genéricos, os quais que devem pairar sobre e tutelar qualquer relação jurídica.

E proceder pela indemnização dos prejuízos sofridos, os quais se consubstanciam na quantia já paga de 199.749,00 euros e nas despesas apuradas nos pontos 33, 34 e 35 no montante de 693,17 euros.

Tudo no valor global de 200.442,17 euros.

Quantum este acrescido dos juros de mora, à taxa legal, desde a citação, tal como impetrado.

Termos em que se acorda conceder parcial provimento ao recurso, revogar a sentença e condenar a ré a pagar ao autor a quantia de 200.442,17 euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral cumprimento.


4. Inconformada, interpôs a R. presente revista, que encerra com as seguintes conclusões:

1ª - O douto acórdão recorrido condenou a ré a pagar uma indemnização que não foi pedida, uma vez que os pedidos principais formulados na acção foram de resolução do contrato-promessa ou da sua anulação e nenhum destes pedidos obteve acolhimento na decisão da primeira instância;

2ª - No douto acórdão recorrido, não sendo feita qualquer censura à decisão da primeira instância sobre os mesmos pedidos, é claramente decidido não haver fundamento, nem para a resolução do contrato-promessa, nem para a sua anulação; todavia,

3ª - Os pedidos acessórios – de restituição do sinal em dobro, da restituição da quantia entregue ou da indemnização por alegados danos – foram formulados, apenas, como desenvolvimento ou consequência dos pedidos principais, pelo que não tinham autonomia;

4ª – Assim, não estando verificados os pressupostos para a procedência dos pedidos principais – resolução ou anulação do contrato-promessa – não poderia haver condenação em qualquer dos pedidos acessórios, que eram mera consequência dos pedidos principais;

5ª – Além disso, a douta decisão recorrida, revogando a decisão da primeira instância, não indica claramente as razões de direito dessa revogação, saltando logo para a condenação numa indemnização por danos, que não tinha existência autónoma sem a procedência prévia de um dos pedidos principais;

6ª - Ainda que se considerasse que o pedido acessório do A., de indemnização por danos, teria existência autónoma, e sendo esse pedido de € 99.587,09, acrescido de juros, a condenação a esse título não poderia ser na quantia de € 200.442,17, mais juros;

7ª - Em resumo, a condenação ocorreu em objecto diverso do pedido, na medida em que não existia pedido de indemnização por danos que pudesse ser julgado procedente sem acolhimento de qualquer um dos pedidos principais e, para além disso, no tocante ao quantum, a condenação vai claramente para além do pedido, o que não é legalmente admissível (artº 609º do CPC.);

8ª - A condenação em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso do pedido conduz à nulidade da sentença, nos termos da alínea e), do nº 1 do artº 615º do Código de Processo Civil;

9ª - O Autor alegava ter existido incumprimento do contrato-promessa pelo facto de a ré o ter induzido em erro, ou até ter actuado com dolo, prometendo vender um “prédio loteado” e não uma parte indivisa de um prédio rústico, mas a douta decisão recorrida sufragou totalmente a tese do Tribunal da Comarca de Leiria, no tocante à aplicação do direito aos factos, pelo que não se compreende que, sem a mais leve censura à decisão da primeira instância em termos de direito, tenha levado a decisão a um resultado totalmente diferente, condenando a ré por alegado incumprimento do contrato-promessa, tanto mais que a própria decisão recorrida, designadamente nos seus pontos 5.2.2.1; 5.2.2.2.; 5.2.3.1; e 5.2.3.2, reconhece não existirem motivos para a resolução do contrato promessa;

10ª - No tocante ao prazo previsto no contrato, foi considerado que “o prazo de seis meses anuído para a celebração da escritura definitiva não assume o jaez de perentório, absoluto ou «fatal e “que ele foi fixado pelas partes como meramente referencial” e que “os factos apurados não demonstram uma impossibilidade, objectiva e naturalística de cumprimento. Efectivamente, deles retira-se que o loteamento ainda é possível.”

11ª - Ora, se o Tribunal a quo chegou a estas conclusões, em tudo coincidentes com as da primeira instância, é difícil compreender como, no ponto 5.2.4, em contradição com tudo o até ali decidido, se passa a defender que existem motivos para a resolução do contrato-promessa, ao abrigo do disposto nos artigos 406º, 762º e 798º do Código Civil que contêm princípios gerais relativos ao cumprimento dos contratos, que no caso vertente não foram violados;

12ª – Da matéria de facto provada não é possível extrair a conclusão de que o contrato não foi cumprido pela ré, de forma grave que justifique a sua resolução ou que o contrato tenha sido incumprido por parte da ré, de forma culposa;

13ª – E tal matéria de facto também não permite concluir terem existido prejuízos para o autor com qualquer eventual incumprimento, tanto mais que também se conclui na douta decisão recorrida que “os factos apurados não demonstram uma impossibilidade, objectiva e naturalística de cumprimento. Efectivamente, deles retira-se que o loteamento ainda é possível.” ;

14ª - Que existiram desvios na execução do contrato-promessa relativamente ao prazo inicialmente acordado é evidente, uma vez que o prazo de seis meses inicialmente acordado entre as partes se mostrou manifestamente insuficiente para a conclusão e aprovação de todos os projectos, mas a cronologia expressa na matéria de facto provada mostra que a ré nunca descansou na tentativa de ultrapassar todas as dificuldades que, ao longo de anos, as entidades administrativas foram colocando à aprovação dos projectos de obras de urbanização do loteamento, culminando com a aprovação dos mesmos em 16 de Março de 2009 (ponto 24 dos factos assentes), o que afasta a sua culpa;

15ª - Encontra-se também assente que esta delonga de anos na aprovação dos projectos não constitui motivo para o autor considerar o contrato incumprido, uma vez que na douta decisão recorrida se considerou, e bem, que, “ultrapassado ele (o prazo), o autor não sentiu o seu direito intoleravelmente ofendido, antes deixando passar o tempo – largos anos – certamente na perspectiva e esperança de que o alvará seria obtido ainda a tempo de poder concretizar, útil e proficuamente, o negócio.”;

16ª – Com base na matéria de facto assente, concluiu-se que, não obstante a ultrapassagem do prazo inicial de seis meses, por razões não imputáveis à ré (cfr. pontos 15 a 24 dos factos provados), em finais de 2012 ainda o autor/recorrido se mostrava interessado na conclusão do negócio, tendo, para tanto, notificado a ré para comparecer em cartório notarial a fim de outorgar a escritura de compra e venda; e

17ª - Esta escritura apenas não se celebrou porque, no dia e hora designados, estando presentes autor e ré e estando o negócio em condições de ser reduzido a escritura pública, o autor/recorrido se recusou a outorgar, fazendo-o por razões absolutamente infundadas, uma vez que foi considerado que “não se provou que a ré tivesse prometido vender ao autor um prédio já total e cabalmente loteado e pronto a construir e que este em tal tenha acreditado piamente.”);

18ª - Em conclusão, se o Tribunal a quo considera que não houve incumprimento culposo do contrato-promessa por parte da ré/recorrente; e se está provado que o negócio apenas não se concretizou por recusa do autor/recorrido em outorgar a escritura (com falsos pretextos), não se pode atribuir à ré responsabilidade pela não consumação do negócio, existindo contradição na douta decisão recorrida entre os fundamentos e a decisão e errada aplicação do direito aos factos, no ponto 5.2.4 da douta decisão recorrida, o que constitui vício de violação da lei e acarreta a nulidade da decisão (artº 615º, nº1, al.c) do CPC);

19ª – Igual vício de violação da lei e nulidade da decisão recorrida existe na contradição entre os próprios fundamentos da decisão, uma vez que, no ponto 5.2.4 da douta decisão recorrida (a fls. 23 do acórdão), se conclui que é irrelevante a pretensão da ré em querer celebrar o contrato em 27.12.2012, pois que, “tanto quanto se alcança do provado, o que venderia seria ainda um terreno rústico e não loteado, como se vinculou”, quando, no ponto 5.1.1 da mesma decisão, se afirma que não se provou que o objecto do negócio fosse um prédio já loteado, mas antes uma parte de um prédio rústico;

20ª - Não tendo a douta decisão recorrida alterado a decisão da primeira instância no tocante à matéria de facto, e fazendo parte dessa matéria de facto a prova de que o objecto do contrato promessa foi um terreno rústico e não um prédio já loteado, surge como contraditória com os fundamentos a afirmação de que “há que irrelevar a pretensão da ré em querer celebrar o contrato em 27.12.2012, pois que, tanto quanto se alcança do provado, o que venderia seria ainda um terreno rústico e não loteado, como se vinculou”;

21ª - Ou seja, na apreciação da matéria de facto (ponto 5.1.1) a douta decisão recorrida conclui que a ré não se vinculou à venda de um prédio já loteado mas, no ponto 5.2.4, contraditoriamente, conclui que a ré se vinculou à venda de um prédio já loteado;

22ª - A haver incumprimento do contrato promessa, tal incumprimento seria unicamente imputável ao autor e não à Ré, uma vez que esta nunca se furtou à concretização do negócio prometido, através da respectiva escritura pública de compra e venda, pretendendo, mesmo actualmente, celebrar tal escritura;

23ª – Também a afirmação, constante da douta decisão recorrida, de que “terminada a saga da apresentação dos projetos e aprovado o loteamento, já em 2009, a ré, nos três longos anos que se seguiram, não requereu a emissão do alvará respectivo, deixando caducar a aprovação em 26.03.2012”, não encontra também qualquer sustentação na matéria de facto provada e está em contradição com a afirmação da douta decisão recorrida de que “os factos apurados não demonstram uma impossibilidade, objectiva e naturalística de cumprimento. Efectivamente, deles retira-se que o loteamento ainda é possível.”;

24ª - Existe, assim, manifesta contradição entre os fundamentos da decisão recorrida, uma vez que não se pode defender, numa parte do acórdão recorrido, que o objecto do contrato promessa era uma parte de um prédio rústico e não um terreno loteado e, noutra passagem, vir defender que, afinal, o objecto do negócio seria um terreno loteado e não uma parte de um prédio rústico, fazendo assentar nesse facto a justificação para o facto de o autor ter recusado, em 27.12.2012, celebrar o contrato definitivo;

25ª - E não se pode, também, defender que a autorização de loteamento caducou em 26.03.2012 por não ter sido requerida a emissão do respectivo alvará e, noutro passo, aceitar-se que o loteamento ainda é possível.

26ª - Estas contradições nos próprios fundamentos da decisão, constituem contradição entre os fundamentos e a decisão, o que constitui vício de violação da lei e acarreta a nulidade da decisão (artº 615º, nº1, al.c) do CPC).

Termos em que, com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, se requer a revogação da douta decisão recorrida, com a consequente manutenção da decisão do Tribunal de Primeira Instancia.


O recorrido contra alegou, pugnando pela confirmação do acórdão.


5. Começa a recorrente por suscitar, na sua alegação, a existência do vício de excesso de pronúncia, decorrente de alegadamente a Relação a ter condenado numa pretensão indemnizatória que o A. não teria deduzido – já que a indemnização outorgada não decorreria da pretendida resolução do contrato promessa, objecto do pedido principal.

Tal nulidade da sentença não se verifica, já que:

- em primeiro lugar, o montante da condenação ( equivalendo no essencial à restituição dos valores entregues a título de pagamento do preço pelo promitente comprador) estão claramente situados dentro do pedido global deduzido, que envolvia a restituição em dobro de tal quantia – pelo que obviamente se não se condenou o R. em quantia superior à peticionada;

- em segundo lugar, interpretado adequadamente o acórdão recorrido, verifica-se que a procedência de tal pedido indemnizatório radicou ainda na resolução lícita do contrato promessa, suportada, na óptica do acórdão recorrido, pela violação de um dever lateral ou acessório, imposto ao promitente vendedor pelo princípio da boa fé: ou seja, no entendimento do acórdão recorrido, embora tal resolução se não pudesse fundamentar directamente na existência de um prazo essencial para a celebração do negócio definitivo, na perda do interesse objectivo na prestação ou na realização de interpelação admonitória, ela podia e devia alicerçar-se na referida violação do dever acessório de providenciar pelo loteamento do terreno, objecto do contrato promessa, incumprido ao longo de vários e longos anos.

E, assim sendo, radicando a indemnização outorgada ainda na resolução lícita do negócio e compreendendo-se a indemnização outorgada no valor peticionado, é manifesto que não traduz excesso de pronúncia a circunstância de a Relação ter seguido uma via jurídica não inteiramente coincidente com a subjacente à pretensão, traduzida, como se viu em, perante a factualidade provada, ter feito apelo à existência – e reiterada violação - de um dever lateral ou acessório do promitente vendedor, cujo incumprimento reiterado legitimaria o exercício do direito de resolução do negócio pela contraparte: na verdade, e como é inequívoco, o juiz não está vinculado pela fundamentação jurídica apresentada pelas partes, podendo qualificar juridicamente, com plena autonomia, quer a factualidade integradora da causa de pedir, quer as próprias pretensões materiais deduzidas, segundo o seu próprio entendimento e interpretação dos preceitos legais.

Do mesmo modo, é absolutamente evidente que não ocorre, no caso dos autos, a falta de fundamentação imputada  ao acórdão recorrido, mostrando-se claramente expressada a ratio juris da solução dada ao litígio, ao fundamentar-se o direito de resolução do contrato na violação pela contraparte dos magnos princípios de actuação diligente, leal, colaborante e de boa fé, imposta pelas normas gerais vigentes em sede de cumprimento contratual: o atraso anómalo no cumprimento do dever lateral ou acessório de providenciar pelo loteamento do prédio prometido vender, ao longo de vários anos, que se considerou ínsito no contrato promessa , devidamente interpretado, surge, deste modo, na estrutura lógico argumentativa da Relação como causa ou base jurídica do acto resolutivo e do consequente direito de indemnização outorgado ao A.

Esta motivação da decisão de direito acerca da relação litigiosa traduz, deste modo, cumprimento adequado do dever de fundamentação das decisões judiciais, não se verificando a nulidade de sentença invocada pela recorrente.


6. Invoca, de seguida, a recorrente os vícios de contradição entre os fundamentos e entre estes e a decisão contida no acórdão recorrido: na realidade, embora o acórdão recorrido tivesse mantido intocada a matéria de facto apurada em 1ª instância, considerando nomeadamente que o objecto da promessa não era a alienação de um prédio loteado e que, apesar das enormes demoras, relativamente à data inicialmente acordada, o loteamento ainda seria eventualmente possível, teria acabado por considerar – em termos inconsequentes e contraditórios - o contrato promessa licitamente resolvido, com base em incumprimento definitivo das obrigações assumidas pelo promitente vendedor.

Para plena compreensão desta matéria, fulcral para o destino da acção, importa distinguir dois planos, naturalmente interligados:

- o primeiro deles traduz-se na adequada interpretação do clausulado no contrato promessa: qual era o objecto material deste negócio? Reportava-se a um prédio rústico indiviso ou a um prédio loteado? Quais eram exactamente as obrigações assumidas pelas partes no contrato promessa? Nomeadamente, poderá considerar-se que o promitente vendedor se limitou estritamente a alienar um quarto indiviso do prédio rústico? Ou, bem pelo contrário, na funcionalidade do contrato e na intenção das partes o promitente vendedor teria assumido a obrigação de providenciar pelo loteamento desse terreno, de modo a conferir-lhe uma mais próxima e efectiva potencialidade edificativa?

- o segundo plano, consequencial à questão da interpretação do negócio , reporta-se à verificação de uma situação de incumprimento definitivo das obrigações assumidas pelas partes – só podendo obviamente qualificar-se tal incumprimento após, por interpretação da vontade negocial, se ter concluído claramente acerca de quais eram as obrigações efectivamente assumidas pelos contraentes.

Ora, na situação dos autos, considera-se que o acórdão da Relação ( cfr. fls 249) interpretou manifestamente o contrato promessa em termos de se ter o promitente vendedor vinculado a uma obrigação de providenciar, em tempo útil, pelo loteamento do prédio rústico: como se afirma nesse aresto, o promitente vendedor prometeu vender ao A. um terreno que, na economia do consensualizado, a breve trecho, considerando o prazo inicial de 6 meses acordado, estaria loteado, tal não se verificou ao longo de vários e longos anos, sendo certo que obteve logo o pagamento total do valor acordado para a transacção.


Tal interpretação das declarações negociais, assente na determinação, por presunções judiciais (que a Relação pode extrair da factualidade provada, num caso em que procedeu à reapreciação das provas), da vontade real dos contraentes, não é naturalmente sindicável no âmbito de um recurso de revista, circunscrito à dirimição de questões de direito; por outro lado, tal interpretação da vontade real dos contraentes, feita pela Relação, é perfeitamente compatível com os termos do documento escrito que corporiza o contrato promessa e com a factualidade provada, de que decorre a relevância para o interesse dos contraentes do êxito dos procedimentos de loteamento a cargo da R. ( cfr. cls. 6ª/9ª e pontos 7, 8 e 13 da matéria de facto), pelo que nenhuma censura merece, na óptica da teoria da impressão do destinatário, tal entendimento da Relação.

Note-se que esta questão da determinação, por interpretação da declaração negocial e do seu contexto, das obrigações incidentes sobre as partes não se confunde com a da identificação do objecto do contrato promessa: o que resulta da decisão contida no acórdão recorrido é que efectivamente o objecto da promessa reportava-se ainda a uma fracção de um prédio rústico indiviso (e não a um prédio loteado); porém, nesse negócio – e segundo a intenção das partes – o promitente vendedor assumiu perante o promitente comprador um dever lateral ou acessório de providenciar pelo loteamento de tal prédio rústico, que não logrou cumprir adequadamente.


Ora, perante tal determinação da funcionalidade do contrato promessa e da vontade das partes a ele subjacente, é evidente que – nas concretas circunstâncias retratadas na matéria de facto – se impõe a conclusão de que ocorreu um incumprimento definitivo por parte do promitente vendedor, legitimador do exercício do direito de resolução: é que, assente que o promitente vendedor – que há muito embolsou a totalidade do preçonão logrou, ao longo dos anos, cumprir a obrigação lateral de providenciar pelo loteamento do imóvel, impõe-se naturalmente a conclusão segundo a qual o promitente comprador deverá poder receber de volta, desde logo, o valor do preço estipulado, correspondente ao seu investimento no negócio imobiliário praticamente frustrado- e isto quer se considere, como conclui o acórdão recorrido, que tal incumprimento traduz violação gravosa dos deveres laterais impostos pela boa fé contratual, legitimadora do acto resolutivo, quer se considerasse que a anormal demora, ao longo de vários anos, na realização do loteamento, a cargo da R., tornava inexigível a manutenção do contrato, implicando uma perda fundada do interesse objectivo na prestação por parte do promitente comprador.


7. Nestes termos e pelos fundamentos apontados nega-se provimento à revista, confirmando inteiramente o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.


Lisboa, 12 de Janeiro de 2017


Lopes do Rego (Relator)

Távora Victor

Silva Gonçalves