Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
327/14.4TTLRA.C1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: ACÇÃO DE RECONHECIMENTO EXISTÊNCIA CONTRATO TRABALHO
CONSTITUCIONALIDADE
PRAZO PROCESSUAL
Data do Acordão: 05/06/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO.
DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS - TRIBUNAIS.
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / ACTOS PROCESSUAIS ( ATOS PROCESSUAIS ) - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
DIREITO PROCESSUAL LABORAL - ACÇÃO DE RECONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DE CONTRATO DE TRABALHO ( AÇÃO DE RECONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DE CONTRATO DE TRABALHO ).
Doutrina:
- GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, “Constituição da República Portuguesa” Anotada, Artigos 1.º a 107.º, vol. I, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 790.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 9.º, 298.º, N.º2.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 138.º, N.ºS 1 E 2, 139.º, N.ºS 1, 3, 4, 5, 259.º, N.º1, 608.º, N.º2, 663.º, N.º2, 679.º.
CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO (CPT): - ARTIGOS 1.º, N.º 2, ALÍNEA A), 26.º, N.º 1, ALÍNEA I), N.º6, 186.º-L, N.ºS1 E 2, 186.º-M, 186.º-K, N.º 1.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 1.º, 2.º, 20.º, N.º 4, IN FINE, 26.º, N.º 1, 47.º, N.º 1, 61.º, 219.º, N.º2.
ESTATUTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO (LEI N.º 47/86, DE 15 DE OUTUBRO, ALTERADA PELAS LEIS N.OS 2/90, DE 20 DE JANEIRO, 23/92, DE 20 DE AGOSTO, 10/94, DE 5 DE MAIO, 33-A/96, DE 26 DE AGOSTO, 60/98, DE 27 DE AGOSTO, 42/2005, DE 29 DE AGOSTO, 67/2007, DE 31 DE DEZEMBRO, 52/2008, DE 28 DE AGOSTO, 37/2009, DE 20 DE JULHO, 55-A/2010, DE 31 DE DEZEMBRO E 9/2011, DE 12 DE ABRIL): - ARTIGO 2.º, N.ºS 1 E 2.
LEI N.º 107/2009, DE 14 DE SETEMBRO: - ARTIGO 15.º-A, N.º3.
*
TRABALHOS PREPARATÓRIOS RESPEITANTES À LEI N.º 63/2013, DE 27 DE AGOSTO, QUE INCIDIRAM SOBRE O PROJECTO DE LEI N.º 142/XII, WWW.PARLAMENTO.PT/ACTIVIDADEPARLAMENTAR/PAGINAS/DETALHEINICIATIVA ; VOTAÇÃO FINAL GLOBAL, DIÁRIO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA (DAR), I SÉRIE, N.º 115/XII/2, DE 2013-07-25, P. 62; DECLARAÇÃO DE VOTO DOS DEPUTADOS DO PSD, DAR, I SÉRIE, N.º 115/XII/2, DE 2013-07-25, PP. 69-70; DECRETO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA N.º 175/XII, DAR, II SÉRIE-A, N.º 183/XII/2, DE 2013-08-02, PP. 124-127.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
-N.º 94/2015, DE 3 DE FEVEREIRO DE 2015, PROCESSO N.º 822/2014, EM WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT
Sumário :
1.  As normas dos artigos 26.º, n.º 1, alínea i), e 186.º-K, n.º 1, ambos do Código de Processo do Trabalho, que atribuem natureza urgente à acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho e fixam o prazo de 20 dias para o Ministério Público a intentar, não ofendem os princípios constitucionais do Estado de direito democrático, na vertente do princípio da segurança jurídica ou da protecção da confiança, da liberdade de escolha do género de trabalho e da igualdade, tal como não infringem o princípio do respeito da dignidade da pessoa humana, o direito ao desenvolvimento da personalidade e o direito à iniciativa privada e cooperativa.

2.  O prazo estipulado no n.º 1 do artigo 186.º-K do Código de Processo do Trabalho tem natureza processual e está sujeito ao regime dos artigos 138.º e seguintes do Código de Processo Civil.

3.  Contando-se o prazo de 20 dias para apresentação da petição inicial a partir da recepção da participação da ACT, o que ocorreu em 21 de Abril de 2014, e tendo o Ministério Público praticado esse acto em 15 de Maio de 2014, portanto, dentro do prazo máximo suplementar para a prática de acto processual, previsto no n.º 5 do artigo 139.º do Código de Processo Civil, tem ainda o direito de praticar aquele acto, devendo o processo seguir a normal e subsequente tramitação.
Decisão Texto Integral:


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                                    I

             1. Em 15 de Maio de 2014, no Tribunal do Trabalho de Leiria, 1.º Juízo, e ao abrigo do preceituado nos artigos 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, e 186.º-K a 186.º-R do Código de Processo de Trabalho, aditados pela Lei n.º 63/2013, de 27 de Agosto, o MINISTÉRIO PÚBLICO instaurou acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, fundamentada em participação da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), recebida nos Serviços do Ministério Público, em 21 de Abril de 2014, data em que a instância se iniciou (artigo 26.º, n.º 6, do Código de Processo do Trabalho), contra AA – ..., C. R. L., pedindo que fosse «reconhecida e declarada a existência de um contrato de trabalho entre a Ré e a trabalhadora BB, fixando-se a data do seu início desde, pelo menos, 1/10/1994».

A ré contestou, por excepção, invocando a caducidade do direito de acção, a caducidade da participação da ACT, a inaplicabilidade da acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho — erro na forma do processo — e a falta de legitimidade ou de interesse em agir, e também por impugnação, tendo concluído que acção devia «ser julgada totalmente improcedente, sendo a R. absolvida do pedido».

O Ministério Público respondeu às excepções deduzidas, sustentando (i) que «o prazo previsto no artigo 15.º-A, n.º 3, da Lei n.º 107/2009, sempre deve ser tido como um prazo simplesmente aceleratório, tal como a jurisprudência tem entendido para o prazo de instrução do processo de contra-ordenação previsto no artigo 24.º do mesmo diploma legal, pelo que o seu eventual incumprimento não tem qualquer efeito cominatório associado», (ii) que o prazo de 20 dias para a instauração da acção, previsto no n.º 1 do artigo 186.º-K do Código de Processo do Trabalho, «só se inicia a partir da recepção da participação da ACT, pelo Ministério Público, mesmo que após a devolução para correcção de alguma irregularidade, pois só após esta segunda recepção é que o Procurador da República de cada um dos juízos ao qual a participação vier a ser distribuída dispõe de uma participação individualizada, que o habilita a apresentar a petição inicial», (iii) que, situando-se esta nova acção, «no âmbito dos direitos indisponíveis, a não apresentação da petição inicial no prazo legalmente estabelecido (o que apenas por mera hipótese se admite) poderia, em último caso, determinar a suspensão da instância, à semelhança do que acontece nos processos especiais por acidente de trabalho, que se movem neste âmbito e já não uma absolvição da instância, como pretende a Ré», (iv) que «foram integralmente cumpridos os prazos legalmente estipulados, bem como todos os procedimentos legalmente previstos» e (v) «[f]oi utilizada a forma processual legalmente prevista, e o interesse em agir decorre da preservação do interesse público e dos direitos constitucionalmente consagrados, de forma a combater a economia informal e de promover o trabalho digno, interesses esses que, legal e estatutariamente, compete ao Ministério Público prosseguir e defender», pelo que as excepções invocadas deviam ser julgadas totalmente improcedentes, prosseguindo a acção os seus termos legais.

Seguidamente, foi proferido o despacho saneador que se passa a transcrever:

                    «Da caducidade do direito de o Ministério Público interpor a ação especial de reconhecimento de contrato de trabalho prevista nos arts. 186.º-K a 186.º-R do CPT:
                 Cabe apreciar a exceção e caducidade suscitada pela requerida:
                  Conforme resulta dos autos a tramitação dos mesmos sofreu as seguintes vicissitudes:
                   – [E]m 16.04.2014, a ACT remeteu a participação referida no art 15.º-A n.º 3 da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, ao MºPº do Tribunal do Trabalho de Leiria, a qual aí deu entrada a 21.04.2014.
                    – [E]m 23.04.2014, o Digno Magistrado do MºPº remeteu a participação recebida nesses serviços novamente para a ACT por se considerar incompetente territorialmente quanto aos factos relativos a trabalhadores residentes fora da área de jurisdição do Tribunal do Trabalho de Leiria;
                  – [N]o seguimento do douto despacho, a ACT efetuou nova participação ao Tribunal de Leiria, em 29.04.2014, tendo em conta a trabalhadora BB, a qual foi enviada à distribuição em 30-04-2014 (cfr. fls. 1 dos autos);
                      – [C]onforme fls. 25 e ss. dos autos, o MºPº apenas deu entrada da p.i. relativa à presente ação em 15 de Maio de 2014, isto é, 25 dias após a entrada da 1.ª e competente participação.
                 Refere o art 186.º-K do CPT: “Após a receção da participação prevista no n.º 3 do art 15.º‑A da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, o Ministério Público dispõe de 20 dias para intentar […] ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho.”
                      Ora, sendo nosso entendimento que a participação a que se refere este preceito legal sempre terá que ser a que 1.º deu entrada nos serviços do MºPº, uma vez que é a partir daí que este toma efetivo conhecimento da situação relatada pela ACT, caducou o direito de propor a ação, não existindo qualquer margem de discricionariedade temporal que possa ser concedida ao MºPº neste caso de processo especial e de natureza urgente.
                   Pelo exposto, declaro procedente a exceção de caducidade do direito de intentar a ação pelo que absolvo a requerida do pedido — art 579.º com referência ao art 576.º n.º 3 do CPC e 328.º, 329.º, 331.º n.º 1 e 333.º n.º 1 do Código Civil.
                      Sem custas atendendo à isenção de que o MºPº beneficia.
                      Valor da ação: € 30.000,01.»

2. Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso de apelação, em que formulou as conclusões que se passam a transcrever:

                «1.ª   O prazo de 20 dias para apresentação da petição inicial conta-se a partir da distribuição efectiva da participação ao juízo respectivo, porque só a partir de então, se pode considerar a entrada da participação em juízo.
                    2.ª Tendo a petição inicial sido apresentada em 15 de Maio de 2014, foi respeitado o prazo de 20 dias, estipulado por lei, uma vez que o expediente foi recebido da ACT devidamente rectificado em 29/4/2014, data em que deu entrada em juízo, após distribuição.
                  3.ª Foram, assim, respeitados todos os prazos, quer por parte dos serviços da ACT, quer da entrada da petição inicial, neste tribunal.
                    4.ª Sem prescindir, o prazo previsto no artigo 15.º-A, n.º 3 da Lei n.º 107/2009, sempre deve ser tido como um prazo simplesmente aceleratório, tal como a jurisprudência tem entendido para o prazo de instrução do processo de contra-ordenação previsto no artigo 24.º do mesmo diploma legal, pelo que o seu eventual incumprimento, não tem qualquer efeito cominatório associado.
                    5.ª O prazo de 20 dias para instauração da acção, previsto no artigo 186.º-K, n.º 1, só se inicia a partir da recepção da participação da ACT pelo Ministério Público, mesmo que após a devolução para correcção de alguma irregularidade, pois só após esta segunda recepção é que o magistrado do Ministério Público junto do respectivo juízo dispõe de uma participação individualizada que o habilita a apresentar a petição inicial.
                  6.ª Por outro lado, entendemos que, recebida a participação da ACT, o Ministério Público não tem necessariamente de a remeter, desde logo, para distribuição como acção de reconhecimento de contrato de trabalho, mediante a apresentação daquela na secção central, para registo imediato e distribuição enquanto tal.
                 7.ª O entendimento de que, em tais circunstâncias, o Ministério Público teria, sempre, de instaurar acção de reconhecimento de contrato de trabalho, com imediata apresentação da participação para registo e distribuição, mesmo após verificar a existência de irregularidades legais, seria, desde logo, incompatível com a autonomia do Ministério Público, constitucionalmente garantida.
                  8.ª A prevista necessidade de enviar previamente a participação ao Ministério Público só pode ser entendida no sentido de ser concedida a possibilidade de este exercer o controlo próprio de uma magistratura, designadamente, actuar em obediência ao princípio da legalidade.
                    9.ª A actuação do Ministério Público prende-se, neste tipo de acção, com a defesa do interesse público, que se traduz na exigência imposta pela Constituição e pela Lei de que as relações de trabalho subordinado sejam como tal reconhecidas e tratadas.
               10.ª  Esta nova acção especial, que visa a defesa de um interesse público, para garantia dos direitos constitucionais dos trabalhadores e cumprimento das normas legais que disciplinam as relações laborais, não está no âmbito dos direitos de que as partes possam livremente dispor, nem mesmo por parte do trabalhador visado com a sua instauração.
               11.ª  Assim, situando-se este tipo de acção no âmbito dos direitos indisponíveis, a não apresentação da petição inicial no prazo legalmente estabelecido apenas poderia, em último caso, determinar a suspensão da instância, à semelhança do que acontece nos processos especiais por acidente de trabalho.
               12.ª  Nesta conformidade, decidiu mal o tribunal a quo, violando o disposto nos artigos 26.º, n.º 6, e 186.º-K a 186.º-O do Código de Processo do Trabalho, e 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14/09, por força da Lei n.º 63/2013, de 27/08.
                13.ª  A decisão deve ser revogada e substituída por outra que determine a subsequente tramitação da acção, com designação de data para julgamento.»

Em contra-alegações, a ré defendeu a confirmação do julgado, tendo, para tanto, explicitado a fundamentação seguinte:

            «1.   Tudo ponderado, a decisão sob recurso mostra-se conforme à lei e ao Direito, não merecendo qualquer censura.
                  2. Nos termos do n.º l do artigo 186.º-K do CPT, o Ministério Público dispõe de 20 dias para intentar acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, após a recepção da participação prevista no n.º 3 do artigo 15.º-A da Lei 107/2009, de 14 de [Setembro] — Regime Processual Aplicável às Contra-Ordenações Laborais e de Segurança Social — sendo este prazo, claramente, de caducidade, nos termos do artigo 298.º, Código Civil, pelo que, uma vez ultrapassado, o Ministério Público não pode mais intentar a acção em causa.
                   3. In casu, conforme resulta dos autos, a ACT remeteu uma primeira participação que deu entrada nos serviços do Ministério Público de Leiria — área de residência do docente em causa nos presentes autos — no dia 21 de Abril de 2014; sobre tal participação, que foi recebida nos serviços do Ministério Público de Leiria, recaiu o despacho do Digníssimo Procurador do Ministério Público a fls. (?) determinando-se aí a devolução integral à ACT; em cumprimento de tal despacho, a ACT remeteu nova participação, agora individualizada, a qual deu entrada nos serviços do Ministério Público de Leiria a 29 de Abril de 2014.
                  4. Independentemente das alegadas “irregularidades formais” apontadas pelo Ministério Público à primeira participação, a verdade é que os “factos” foram efectivamente participados ao Ministério Público da área da residência — do docente aqui em causa — no dia 21 de Abril de 2014, tendo o Ministério Público deles tomado efectivo conhecimento.
                  5. O problema reside, pois, em determinar qual das duas participações se mostra válida, pois que o prazo mostrar-se-ia cumprido se se contasse a partir da data recepção da segunda participação.
                  6. A primeira participação reúne todas as condições formais, pelo que não tinha o Ministério Público fundamento legal para, face [aos] argumentos aduzidos, a devolver, resultando da leitura da participação em crise (fls. 262 e ss.) — e também por comparação com a segunda participação (fls. 2 ss.) — que o Ministério Público dispunha já de todas as informações necessárias para avaliar do mérito da participação  e, eventualmente, apresentar a petição em juízo, caso entendesse, com base em tais elementos, existirem efectivamente indícios da existência de contrato de trabalho, não tendo, pois, necessidade de devolver o expediente à ACT.
                     7. O Ministério Público, além de não ter fundamento legal, tampouco tinha, de uma perspectiva prático-normativa, necessidade de devolver o expediente, todo o expediente, à ACT.
                   8. O Ministério Público de Leiria refugiou-se em argumentos puramente formais para devolver, in totum, a participação inicial.
                     9. O Ministério Público não só poderia como deveria ter remetido a primeira participação para distribuição e registo, tanto mais que a Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, não estabelece expressamente, as exigências formais reclamadas pelo Ministério Público no seu despacho, tendo, tais exigências sido discricionariamente determinadas pelo Digníssimo Magistrado do Ministério Público.
                   10. A primeira participação cumpriu as exigências previstas no artigo 15.º da Lei n.º l07/2009, pois que, embora por referência aos documentos que a instruem, integra todos os elementos aí estabelecidos.
                  11. Acresce a tudo isto a circunstância de a aqui R. ser totalmente estranha às vicissitudes que antecederam a apresentação em juízo da petição inicial, que só às duas entidades públicas envolvidas são imputáveis, pelo que não pode obviamente a R. ser prejudicada por eventuais incumprimentos dessas entidades.
                  12. Deve, pois, ter-se como válida e eficaz a primeira participação da ACT.
                  13. Não pode oferecer dúvidas que o termo a quo do referido prazo corresponde à data de recepção da participação nos serviços do Ministério Público territorialmente competentes, independentemente da data da distribuição e registo como acção, pois que, não só é isso que resulta da própria dimensão literal da norma em causa, como também da respectiva teleologia.
                  14. O legislador quis que o processo em causa andasse celeremente, em abono de todos os interesses envolvidos, quer das partes da relação contratual (alegados trabalhador e empregador), quer do próprio Estado, tendo, por isso, conferido natureza urgente ao processo e fixado prazos curtos às autoridades intervenientes (ACT e Ministério Público).
                  15. Neste quadro, mal se compreenderia, pois, que o Ministério Público tivesse, independentemente dos motivos subjacentes, a possibilidade de ver tal prazo “suspenso”, bastando-lhe, para tal, não remeter, durante o tempo que entendesse conveniente, o processo para distribuição e registo.
                   16. O prazo de 20 dias é prazo adequado e suficiente para que o Ministério Público possa exercer o controlo da legalidade e do mérito da participação, tanto mais que a R. só tem 10 dias de prazo para contestar — o que coloca em crise o princípio da igualdade de armas (artigo 20.º, n.º 4, CRP).
                  17. Não pode prevalecer o argumento da suspensão do prazo com base na alegada indisponibilidade dos direitos em causa, porquanto, por um lado, tal suspensão não está expressamente prevista na lei, e, por outro lado, os direitos em causa são disponíveis.
                  18. Em causa está, na presente acção, a mera qualificação de um vínculo contratual, por iniciativa de entidades oficiais assente no interesse público de protecção e salvaguarda dos interesses dos trabalhadores, entendidos como elo mais fraco da relação contratual, não podendo, contudo, confundir-se este interesse público com a natureza do direito em causa.
                  19. O interesse público que justifica a intervenção estadual não pode sobrepor-se à vontade declarada e executada pelas partes da relação contratual — que é, diga-se, o primeiro elemento a ter em conta nessa tarefa de qualificação do vínculo contratual.
                  20. O Estado não pode impor às partes um regime contratual que elas, declarada e inequivocamente, não desejam, nem executam, pelo que, não estão aqui em crise direitos indisponíveis.
                   21. Qualquer interpretação quanto à natureza do direito e ao sentido e ao âmbito da intervenção do Ministério Público prevista no artigo 186.º-K, n.º 1, do CPT (e os demais comandos legais reguladores desta acção especial) contrária ao sentido atrás apontado, afigura-se, em nossa opinião, inconstitucional por violação do direito ao desenvolvimento da personalidade — artigo 26.º, n.º l, CRP —, “na dimensão de liberdade indispensável à autoconformação da identidade, da integridade e conduta do indivíduo (...) [que] pressupõe a exigência de proibição de ingerências dos poderes públicos” [As palavras citadas são de J.J. Gomes Canotilho, Vital Moreira, CRP – Constituição da República Portuguesa Anotada, artigos 1.º a 107.º, Volume 1, 4.ª Edição, Coimbra, 2007, p. 465] — e o direito à iniciativa privada e cooperativa — artigo 61.º, CRP — dos quais decorre o princípio da autonomia da vontade privada e o inerente princípio da liberdade contratual.
                  22. Não estando em causa, neste tipo de acção, direitos indisponíveis, a não apresentação da petição inicial no prazo legalmente estabelecido não determinaria, por forma alguma, a suspensão da instância, como acontece nos processos especiais por acidente de trabalho.
                  23. O Ministério Público compara o que é insusceptível de comparação, pois a dinâmica e os fins próprios dos processos especiais por acidente de trabalho, nomeadamente quanto à intervenção do Ministério Público, não permitem tal analogia.
                  24. Bem andou o Tribunal Recorrido quando decidiu, in casu, pela caducidade do direito de acção do Ministério Público, não tendo a decisão ora em crise violado qualquer norma legal, particularmente os invocados artigos 26.º, n.º 6, e 186.º-K a 186.º-O do Código de Processo do Trabalho, e 15.º-A da Lei 107/2009, de 14 de Setembro, que se mostram respeitados.
                  25. A decisão recorrida não merece, pois, censura, dado que o Tribunal a quo julgou correctamente a questão colocada nos presentes autos, tendo extraído conclusão jurídica absolutamente conforme à Lei e ao Direito, não violando, por forma alguma, as normas indicadas pelo Recorrente.»

Apreciando o recurso de apelação, o Tribunal da Relação de Coimbra julgou procedente a apelação, revogou o despacho recorrido e determinou que o processo prosseguisse a normal e subsequente tramitação, sendo contra esta deliberação que a ré se insurge, mediante recurso de revista, em que formulou as conclusões seguintes:

                 «1.   Pede-se, in casu, revista ao Acórdão proferido pela 6.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra, em 13 de Novembro de 2014, a fls. (?) dos autos, porque se entende ser ilegal e até inconstitucional.
                  2. Tal Acórdão, com efeito, aplicou normas que se entendem ser materialmente inconstitucionais: os artigos 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de [Setembro], 26.º n.º 1 al. i) e 6, e 186.º-K a 186.º-R do Código de Processo do Trabalho.
                  3. Este novo regime legal (artigos 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de [Setembro], 26.º n.º 1 al. i) e 6, e 186.º-K a 186.º-R do CPT), instituído pela Lei 63/2013, veio permitir a duas entidades do Estado, ACT e Ministério Público, intrometerem-se no âmbito de uma relação de trabalho privada, que pode ou não ser de trabalho subordinado, com o objectivo de obter uma decisão judicial que reconheça tal relação como de trabalho subordinado, visando sujeitá-la, assim, à aplicação da Legislação Laboral.
                  4. E tal intromissão pode ter lugar — como, aliás, tem acontecido em variadíssimos casos desde a entrada em vigor destes mecanismos — mesmo contra a vontade real e declarada das partes contraentes — não só nas declarações vertidas no(s) contrato(s) escritos formalizado(s), como também contra a vontade processualmente manifestada, seja no próprio processo inspectivo, pelos supostos trabalhadores e empregadores —, seja no processo judicial e, também — como tem acontecido — à revelia do suposto trabalhador, que só toma conhecimento da situação judicial em que se encontra, quando notificado nos termos e para efeitos do artigo 186.º-L, n.º 4, CPT.
                 5. Esta nova legislação permite tal intrusão estatal em situações em que inexiste qualquer conflito de interesses, sem que exista divergência alguma, entre os contraentes, quanto à natureza do vínculo, sem que exista sequer conduta dissimulada, dando azo a que uma relação contratual legalmente constituída, no quadro da autonomia da vontade privada das partes e da liberdade contratual, e estável, se transforme, por iniciativa do Estado, numa relação aparentemente ilegal e judicialmente controversa; onde não há conflito passa a existir uma efectiva querela judicial, ficcionando-se (abusivamente) um conflito de interesses.
                    6. Tem-se, aliás, pervertido a finalidade da ARECT (e nisso o Acórdão em crise é sintomático): a acção de reconhecimento do contrato de trabalho, para ter alguma valia constitucional, destinar-se-ia, unicamente, à qualificação judicial da natureza laboral de um determinado vínculo e a intenção do Ministério Público ao desencadear esta acção seria, somente, a obtenção de um reconhecimento judicial do vínculo laboral e a fixação da data do seu início, nada mais; a acção não se destinaria, como alguns no seio de Ministério Público já defenderam, ao mero esclarecimento da natureza do vínculo (se contrato de trabalho ou contrato de prestação de serviço); não é esse o fim visado: o Ministério Público ou se convence que a participação integra factos que merecem tal qualificação e pede o reconhecimento do vínculo ou, na dúvida, não deverá solicitar o reconhecimento; a acção não se destinaria meramente a esclarecer, destinar-se-ia a reconhecer.
                    7. Interesses abstractos do Estado (interesses tributários do Estado, direitos dos Trabalhadores em geral, cumprimento da Legislação de saúde e higiene no trabalho, etc.) não estão, não podem estar, imediatamente em causa nesta acção, porquanto este[s] interesse[s] nem se sabe ainda se verdadeiramente existem e, para salvaguarda destes interesses, há outro tipo de procedimentos administrativos e judiciais.
                  8. Este conjunto de interesses abstractos nunca poderia, evidentemente, sobrepor-se à vontade declarada e executada pelas partes da relação contratual e, até, processualmente manifestada: o Estado não pode — mais a mais no âmbito de legislação meramente adjectiva e processual — pretender impor às partes um regime contratual que elas, declarada e inequivocamente, não desejam, nem executam.
                 9. Interpretar o sentido e [o] âmbito da intervenção do Ministério Público, prevista no artigo 186.º-K, n.º 1, do CPT (e os demais comandos legais reguladores desta acção especial) em sentido contrário (como o faz o Tribunal da Relação de Coimbra), afigura-‑se, em nossa opinião, inconstitucional por violação do princípio do respeito da dignidade da pessoa humana (artigo 1.º CRP), do direito ao desenvolvimento da personalidade — artigos 26.º, n.º 1, CRP — “na dimensão de liberdade indispensável à autoconformação da identidade, da integridade e conduta do indivíduo (...) [que] pressupõe a exigência de proibição de ingerências dos poderes públicos” [As palavras citadas são de J.J. Gomes Canotilho, Vital Moreira, CRP – Constituição da República Portuguesa Anotada, artigos 1.º a 107.º, Volume 1, 4.ª Edição, Coimbra, 2007, p. 465] — e o direito à iniciativa privada e cooperativa — artigo 61.º, CRP — dos quais decorre o princípio da autonomia da vontade privada e o inerente princípio da liberdade contratual (artigo 405.º Código Civil).
                   10. Os comandos integrados pela Lei n.º 63/2013, de 27 de Agosto, são de natureza meramente processual ou adjectiva, sendo que não se produziu qualquer modificação no quadro do regime substantivo aplicável à questão da qualificação da natureza de uma relação de trabalho (se subordinada ou se autónoma), nomeadamente não foi, até à data efectuada, paralelamente, qualquer mudança no Código do Trabalho, nem no Código Civil e não se conhece qualquer alteração de paradigma, a este propósito, no seio da Jurisprudência ou da Doutrina.
                  11. Sendo que o elemento central na determinação da qualificação da natureza do vínculo sempre tem sido a vontade das partes, quer a declarada, quer a executada, isto é, a vontade das partes em instituírem e desenvolverem uma relação de subordinação ou uma relação autónoma e só em situações de crise contratual, nomeadamente quando há divergência real entre as partes, se tem colocado entre nós o problema da qualificação da natureza do vínculo de trabalho.
                   12. Assim sendo, como se disse na douta sentença proferida no âmbito do processo n.º 2203/14.1TTLSB, Lisboa — Instância Central — l.ª Secção do Trabalho — J5 (processo com objecto similar ao dos presentes autos e nos quais a aqui recorrente prefigura também como Ré), que acompanhamos quase na íntegra e onde se declarou a inconstitucionalidade dos artigos 26.º, n.º 1, alínea i), e 6, 186.º-K a 186.º-R do Código de Processo de Trabalho, que por consequência não se aplicaram, a questão está em saber se o Estado, através de uma entidade administrativa (ACT) e através do Ministério Público, pode intervir e intrometer-se numa relação jurídica estabelecida entre duas pessoas, relação jurídica de natureza absolutamente privada e relativamente à qual as partes não suscitaram qualquer conflito de interesses nem estão em qualquer litígio, intervenção e intromissão essa em que lhes impõe forçadamente um litígio judicial que não existe (ficcionando um conflito de interesses, simulando [uma] incerteza judicial) e em que as sujeita a uma qualificação judicial do contrato que tal relação jurídica consubstancia, o que esta legislação (os comandos aprovados pela Lei 63/2013, de 27 de Agosto) permite e tem sido seguido, quer pela ACT, quer pelo Ministério Público — a que se sucederam outras decisões, no mesmo Tribunal, de idêntico sentido (e também no mesmo sentido a sentença do Tribunal do Trabalho do Porto J1, processo n.º 771/14.7TTPRT).
                  13. Ao permitir tal solução, a legislação em causa viola também o princípio do Estado de Direito Democrático (artigo 2.º, CRP), a sua vertente do princípio da segurança jurídica e do princípio da confiança, o princípio da Liberdade de Escolha do Género do Trabalho (artigo 47/1, CRP), e o princípio da Igualdade (Artigo 13.º da CRP), além dos direitos constitucionais já atrás mencionados.
                  14. Entender-se, como o Tribunal da Relação de Coimbra entende, que o prazo é meramente ordenador face ao suposto interesse público que, nesta acção, se sobreporia, a qualquer interesse privado do concreto trabalhador, trata-se de uma interpretação inaceitável porque anula, no quadro das relações laborais, toda a autonomia privada e, assim, ataca o núcleo essencial da dignidade da pessoa (artigo 1.º, CRP).
                   15. Os preceitos introduzidos na Lei n.º 107/2009, de 14 de [Setembro] e no Código de Processo do Trabalho pela Lei n.º 63/2013, de 27 de Agosto, acima mencionados, são, assim, materialmente inconstitucionais, devendo ser recusada a sua aplicação, com a consequente extinção da presente instância (excepção dilatória atípica ou inominada de conhecimento oficioso) e demais efeitos legais.
                         Sem prescindir,
                   16. Errou o Douto Tribunal da Relação de Coimbra quando decidiu, no aresto em crise, que o prazo de 20 dias deve ser entendido como sendo meramente indicativo e de carácter aceleratório, violando o disposto nos artigos 9.º, CC, 12.º, CT e 186.º-K, n.º 1, CPT.
                  17. Entende a R., ora Recorrente, que os argumentos aduzidos e as conclusões jurídicas extraídas pelo Tribunal a quo, na decisão sob recurso, mostram-se totalmente desconformes à lei e ao Direito.
                   18. A interpretação dada pelo Tribunal recorrido, com todo o respeito, que é muito, é absolutamente inaceitável, por atacar frontalmente o núcleo essencial da dignidade humana (liberdade e autonomia) e, por isso, é inconstitucional e imprópria numa ordem jurídica de Direito (artigo 1.º CRP).
                 19. O prazo previsto no artigo 186.º-K, 1, CPT é, claramente, de caducidade, nos termos do artigo 298.º, Código Civil.           
                  20. Esta é a solução que, desde logo, se impõe à luz do cânone interpretativo do artigo 9.º, CC, pois a interpretação dada pelo Tribunal da Relação de Coimbra não encontra na letra da lei o mínimo de correspondência verbal.
                   21. Tendo presente que toda a acção tem que ter por base um direito substantivo concreto, é o artigo 12.º, n.º 2, do Código do Trabalho que constituirá a norma substantiva materialmente fundamentante do accionamento judicial via ARECT — isto para, eventualmente, lhe restar alguma valia constitucional.
                  22. A intervenção do Ministério Público, detentor, em abstracto, da legitimidade activa para intentar esta acção especial, justificar-se-ia por razões de interesse público, as quais, por sua vez reportam primeira e fundamentalmente à necessidade de protecção dos direitos de um concreto trabalhador — que se entende estar numa posição desigual face ao empregador devido à subordinação económica que inere à relação de trabalho — e, secundária e assessoriamente, à salvaguarda dos interesses do Estado — a nível tributário, quer quanto à Segurança Social, quer em matéria de impostos.
                  23. Além da legalmente conferida legitimidade processual, na realidade, o Ministério Público deverá ter, em concreto, interesse em agir, tendo, por isso, do ponto de vista processual, o ónus de alegar e demonstrar os factos constitutivos desse concreto interesse em agir, o qual há-de ser determinado, em concreto, perante um estado de incerteza objectiva, séria e grave resultante da constatação de indícios de existência de contrato de trabalho subordinado sob a aparência de uma prestação de trabalho autónoma — isto é, uma situação de fraude à lei laboral, de trabalho subordinado dissimulado.
                  24. Sendo que, por sua vez, a gravidade da dúvida há-de ser aferida pelo prejuízo ou desvantagem que a situação de incerteza possa acarretar para o concreto dador de trabalho ou, secundariamente, para o próprio Estado (cfr. o já aludido artigo 12.º, n.º 2, do CT).
                   25. É, pois, o interesse privado de um concreto trabalhador que está, fundamentalmente, em causa na ARECT.
                   26. Também a interpretação sistemática dos artigos 186.º-K a 186.º-R, CPT leva à mesma conclusão: o que está em causa é, primeiramente, o interesse de um concreto trabalhador e não [o] interesse abstracto do Estado em perseguir os “falsos recibos verdes” — que, in casu, nem existem.
                  27. Dali se extrai ser a actuação do Ministério Público meramente acessória e instrumental, visando somente garantir a efectivação do direito que se pretende fazer valer na acção — o direito ao reconhecimento do vínculo laboral, com a intenção de não expor pessoal e directamente o putativo trabalhador perante a Empresa, suposta entidade empregadora.
                  28. Não se vislumbra regulada qualquer outra intervenção do Ministério Público na dinâmica da ARECT, além da apresentação da petição inicial, nem tampouco se observa qualquer outra referência expressa à própria presença do Ministério Público em actos processuais subsequentes à apresentação da petição inicial.
                  29. Quando o legislador se refere às partes, [reporta-se] inequivocamente ao putativo empregador e ao alegado trabalhador, sendo paradigmática tal referência a propósito da audiência de partes: se o empregador e o trabalhador estiverem presentes ou representados, o juiz realiza a audiência de partes, procurando conciliá-los (artigo 186.º-‑O, n.º 1, CPT); ou ainda, exemplarmente (no mesmo artigo), a regulação legal da intervenção dos mandatários.
                  30. O interesse público subjacente à acção refere-se, decisivamente, à protecção e salvaguarda dos interesses privados de um concreto trabalhador e não de um qualquer valor abstracto de combate ao trabalho precário ou dissimulado.
                  31. Estando em causa a protecção e salvaguarda de interesses privados de um concreto trabalhador, o prazo só pode ter-se como de caducidade.
                  32. Mesmo a tese do interesse público, que justificaria a natureza meramente ordenadora do prazo (adoptada pelo Tribunal da Relação de Coimbra), não poderia a mesma prevalecer.
                   33. Os prazos fixados para intentar acções são por via de regra prazos de caducidade, e nada na lei aponta para que esta ARECT seja uma excepção.
                  34. Muitas são as situações em que, estando em causa o interesse público e estando o Ministério Público por essa via legitimado a accionar privados, os prazos fixados para o Ministério Público intentar a respectiva acção são inequivocamente reconhecidos como prazos de caducidade (ex. vários tipos de acções da nulidade de decisões administrativas ou acções de anulabilidade de normas estatutárias, etc.), não podendo o suposto interesse [sic].
                  35. A natureza urgente do processo (ARECT) justifica também a natureza preclusiva do prazo para intentar a acção; aliás, por força dessa natureza, todos os prazos, nesta acção, devem ter-se por preclusivos e extintivos dos direitos subjacentes.
                   36. Por todas as razões apresentadas, ao ter decidido como decidiu, o Tribunal da Relação de Coimbra violou frontalmente o disposto nos artigos 9.º, CC, 186.º-K, CPT e no 12.º, n.º 2, CT, sendo, por isso, a decisão em causa ilegal.
                  37. Deve, assim, ser revogada e substituída por outra que considere o prazo em crise como de caducidade, com todas as consequências daí decorrentes.
                   38. Sendo o prazo de caducidade, como entendemos que é, importa, ainda, considerar as circunstâncias concretas que determinaram o incumprimento do prazo.
                 39. In casu, conforme resulta dos autos, a ACT remeteu uma primeira participação que deu entrada nos serviços do Ministério Público de Leiria — área de residência da docente em causa nos presentes autos —, no dia 21 de Abril de 2014, tal participação foi rejeitada por supostas irregularidades formais.
                  40. Independentemente das alegadas “irregularidades formais” apontadas pelo Ministério Público à primeira participação, a verdade é que os “factos” foram efectivamente participados ao Ministério Público da área da residência — do docente aqui em causa — no dia 21 de Abril de 2014, tendo o Ministério Público deles tomado efectivo conhecimento.
                  41. A primeira participação reunia todas as condições formais, pelo que não tinha o Ministério Público fundamento legal para, face [aos] argumentos invocados, a devolver (teria sim fundamento para a “rejeitar” apenas perante a falta de mérito por inexistência de indícios).
                  42. Não tinha o Ministério Público qualquer razão válida para tomar tão radical posição (rejeição da participação), devendo por isso ter-se como válida e eficaz a primeira participação formulada pela ACT.
                   43. O termo a quo do referido prazo corresponde à data de recepção da participação nos serviços do Ministério Público territorialmente competentes, independentemente da data da distribuição e registo como acção, pois que, não só é isso que resulta da própria dimensão literal da norma em causa, como também da respectiva teleologia.
                 44. Tal prazo não admite qualquer suspensão, nomeadamente, porque a lei não a prevê e porque os direitos em causa são disponíveis.
                 45. O Tribunal de primeira instância andou bem quando decidiu, in casu, pela caducidade do direito de acção do Ministério Público, não tendo violado qualquer norma legal, particularmente os artigos 26.º, n.º 6, e 186.º-K a 186.º-O do Código de Processo do Trabalho, e 15.º-A da Lei 107/2009, de 14 de Setembro, que se mostram respeitados.
                  46. Decisão essa, cujo sentido, deve agora manter-se: o prazo é de caducidade e não tendo sido cumprido deve ter-se por extinto o direito subjacente.
                  47. Andou, por isso, muito mal o Douto Tribunal da Relação de Coimbra: o Acórdão recorrido, além das inconstitucionalidades supra identificadas, merece, pois, total censura, na medida em que julgou incorrectamente a questão colocada nos presentes autos, tendo extraído conclusão jurídica absolutamente desconforme à Lei e ao Direito, com violação dos artigos 9.º CC, 12.º, n.º 2, CT e 186.º-K a 186.º-R CPT, particularmente o n.º 1, artigo 186.º-K.»

Termina propugnando «que deverá ser declarada a inconstitucionalidade dos artigos 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de [Setembro], e dos [artigos] 26.º, n.os 1, al. i), e 6, e 186.º-K a 186.º-R do Código de Processo do Trabalho, com todas as consequências legais» ou, se assim não se entender, seja o recurso julgado totalmente procedente, «revogando-se o Acórdão recorrido que deverá ser substituído por outro que considere de caducidade o prazo em crise, intempestiva a apresentação da petição inicial e extinto o direito subjacente, com as demais consequências legais».

O Ministério Público, na atinente contra-alegação, suscitou a questão prévia da inadmissibilidade do recurso de revista interposto e, para o caso desse recurso ser admitido, sustentou a confirmação do julgado no acórdão recorrido.

Em sede de exame preliminar do processo, após notificação da ré/recorrente para se pronunciar sobre a questão prévia da inadmissibilidade do recurso, o relator, por despacho de 4 de Março de 2015, julgou improcedente aquela questão prévia, decisão singular que, notificada às partes, não foi objecto de impugnação.

3. As questões suscitadas no recurso de revista em apreciação são as que se passam a explicitar, segundo a ordem lógica que entre as mesmas intercede:

        Se as normas constantes dos artigos 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, 26.º, n.º 1, alínea i), e n.º 6, e 186.º-K a 186.º-R do Código de Processo do Trabalho são materialmente inconstitucionais (conclusões 1.ª, na parte atinente, 2.ª a 15.ª e 18.ª da alegação do recurso de revista);
                Se o prazo estatuído no n.º 1 do artigo 186.º-K do Código de Processo do Trabalho está sujeito ao regime da caducidade (conclusões 1.ª, na parte atinente, 16.ª, 17.ª, 19.ª a 37.ª e 47.ª da alegação do recurso de revista);
                Em caso afirmativo, se a presente acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho não foi proposta em tempo (conclusões 38.ª a 46.ª e 47.ª, na parte atinente, da alegação do recurso de revista).

Preparada a deliberação, cumpre julgar o objecto do recurso interposto.

                                              II

1. Para além da factualidade contida no ponto 1. do relatório que antecede, nenhuma outra importa discriminar com vista ao exame das questões suscitadas.
2. Em primeira linha, a ré/recorrente sustenta que o aresto recorrido aplicou normas materialmente inconstitucionais, invocando, concretamente, as acolhidas nos artigos 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, 26.º, n.º 1 alínea i), e n.º 6, e 186.º-K a 186.º-R do Código de Processo do Trabalho, e que deve «ser recusada a sua aplicação, com a consequente extinção da presente instância (excepção dilatória atípica ou inominada de conhecimento oficioso) e demais efeitos legais».

O certo é, porém, que o acórdão recorrido não faz qualquer alusão às normas estabelecidas nos artigos 26.º, n.º 6, e 186.º-P a 186.º-R do Código de Processo do Trabalho e, por outro lado, embora tenha efectuado a transcrição das normas contidas nos artigos 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, e 186.º-K a 186.º-O do Código de Processo do Trabalho, apenas aplicou o n.º 1 do artigo 186.º-K do Código de Processo do Trabalho na resolução do caso concreto, tendo aditado, a final, uma referência à natureza urgente da acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho que deve ser entendida como atinente ao disposto na alínea i) do n.º 1 do artigo 26.º do Código de Processo do Trabalho.

Assim sendo, este Supremo Tribunal restringirá os seus poderes de cognição às normas efectivamente aplicadas na deliberação recorrida, em concreto, às normas dos artigos 26.º, n.º 1, alínea i), e 186.º-K, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, não se conhecendo da inconstitucionalidade reportada às restantes normas invocadas.

Delimitadas as normas a que se podem referir os pretendidos fundamentos de inconstitucionalidade, importa avaliar se elas são materialmente inconstitucionais, por ofensa aos princípios e direitos consagrados nos artigos 1.º, 2.º, 26.º, n.º 1, 47.º, n.º 1, e 61.º da Constituição da República Portuguesa.

Com efeito, na conclusão 9.ª da alegação do recurso de revista, a recorrente defende que «[i]nterpretar o sentido e o âmbito da intervenção do Ministério Público, prevista no artigo 186.º-K, n.º 1, do CPT […] em sentido contrário (como o faz o Tribunal da Relação de Coimbra), afigura-se, em nossa opinião, inconstitucional por violação do princípio do respeito da dignidade da pessoa humana (artigo 1.º CRP), do direito ao desenvolvimento da personalidade — artigos 26.º, n.º 1, CRP — “na dimensão de liberdade indispensável à autoconformação da identidade, da integridade e conduta do indivíduo (...) [que] pressupõe a exigência de proibição de ingerências dos poderes públicos” — e o direito à iniciativa privada e cooperativa — artigo 61.º, CRP — dos quais decorre o princípio da autonomia da vontade privada e o inerente princípio da liberdade contratual (artigo 405.º Código Civil)»; por sua vez, na conclusão 13.ª da alegação do recurso de revista, a recorrente acrescenta que «a legislação em causa viola também o princípio do Estado de Direito Democrático (artigo 2.º, CRP), a sua vertente do princípio da segurança jurídica e do princípio da confiança, o princípio da Liberdade de Escolha do Género do Trabalho (artigo 47/1, CRP), e o princípio da Igualdade (Artigo 13.º da CRP)».

O Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 94/2015, de 3 de Fevereiro de 2015, Processo n.º 822/2014, apreciou as questões de constitucionalidade em causa, com referência aos princípios constitucionais (i) do Estado de direito democrático, na vertente do princípio da segurança jurídica ou da protecção da confiança, (ii) da liberdade de escolha do género de trabalho e (iii) da igualdade, tendo deliberado, naquele plano de consideração, «não julgar inconstitucionais as normas dos artigos 26.º, n.º 1, al. i), e n.º 6, e 186.º-K a 186.º-R do Código de Processo do Trabalho».

A este propósito, o mencionado acórdão acolheu a fundamentação seguinte:

      «a) Da violação do princípio do Estado de direito democrático, na vertente do princípio da segurança jurídica ou da proteção da confiança
                      A decisão recorrida entendeu que o regime legal da “ação de reconhecimento de existência de contrato de trabalho” implica uma violação grave ao princípio do Estado de Direito democrático consagrado no artigo 2.º da Constituição, na sua vertente do princípio da segurança e do princípio da confiança, entendido o primeiro “no sentido de que o indivíduo tem o direito de poder confiar que aos seus atos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçadas em normas jurídicas vigentes e válidas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos no ordenamento jurídico” e o segundo, no sentido de que a “previsibilidade das soluções visa a proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica de tal forma que as alterações na lei hão de ter em conta direitos adquiridos, expectativas criadas, situações jurídicas estabilizadas que justifiquem o sacrifício da aplicação imediata da nova lei”.
                      […]
                     Ora, um dos princípios que surge como projeção irrecusável do Estado de Direito, consagrado no artigo 2.º da Constituição, é justamente o princípio da segurança jurídica ou da proteção da confiança.
                      […]
                     No caso dos autos está em causa a aplicação de um regime adjetivo previsto no Código de Processo do Trabalho, introduzido pela Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto, a relações laborais já existentes e qualificadas pelos respetivos contraentes como contratos de prestação de serviços (ou como outros tipos de contrato, que não o contrato de trabalho).
                     A questão que se coloca é, pois, a de saber se tal circunstância pode justificar a existência de uma expectativa jurídica que, à luz do princípio da proteção da confiança, torne inconstitucional a aplicação das normas em causa a relações jurídicas já celebradas e entendidas pelos contraentes como contratos de prestação de serviços.
                     Tendo em atenção a jurisprudência do Tribunal Constitucional, a tutela jurídico-constitucional da “confiança” pressupõe que se mostrem reunidos quatro diferentes requisitos: “(…) é necessário, em primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados ‘expectativas’ de continuidade; depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade do ‘comportamento’ estadual; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa” (cfr., Acórdão n.º 128/2009, cujo entendimento teve seguimento, entre muitos outros, nos acórdãos n.os 188/2009, 3/2010 e 401/2013, todos acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
                     No caso concreto, e no que respeita ao primeiro dos aludidos requisitos, não se poderá afirmar que o Estado tenha tido comportamentos donde se possa inferir a criação, nos privados, de “expectativas” de continuidade de um determinado regime legal. Com efeito, como se viu, tem havido sempre a preocupação por parte do Estado, no âmbito do direito do trabalho, de desincentivar as situações jurídico-laborais que, sendo equiparáveis a verdadeiros contratos de trabalho, desprotegessem em maior medida o trabalhador, bem como de combater as situações em que, por detrás de uma outra roupagem contratual, se constituem verdadeiras relações de trabalho subordinado. Assim, dificilmente se poderá sustentar que existissem fundadas expectativas privadas no sentido de que não pudessem ser escrutinadas pelo Estado situações em que se levantassem dúvidas quanto à existência de um verdadeiro contrato de trabalho.
                     Acresce ainda, e no que respeita agora ao segundo dos aludidos requisitos, que não se pode também dizer que as expectativas dos visados com as normas em causa, a existirem, sejam legítimas, justificadas e fundadas em boas razões.
                      Com efeito, nas situações em que as referidas normas são convocáveis, não se poderá afirmar, contrariamente ao que parece resultar da fundamentação da decisão recorrida, que as partes tenham, ao abrigo dos princípios da liberdade contratual e da autonomia privada, feito uma livre escolha do tipo contratual em que querem que a sua relação jurídica se desenvolva, tendo a expectativa de que, sem serem elas próprias a quererem-no ou a solicitá-lo em razão de um concreto conflito sobre tal relação, a qualificação dessa relação jurídica se mantenha inalterada.
                      Em primeiro lugar, importa antes de mais, salientar que no âmbito do direito do trabalho o princípio da autonomia privada não tem a mesma amplitude que no direito civil.          
                      […]
                    É neste contexto que tem de ser entendido o regime jurídico cuja aplicação foi recusada pela decisão recorrida, o qual visa prevenir as situações de utilização abusiva da figura do contrato de prestação de serviços em relações de trabalho subordinado ou da utilização dos chamados “falsos recibos verdes”, enquanto práticas de fuga ao regime laboral.
                     Ora, como é manifesto, neste tipo de situações, desde logo, não se poderá falar na existência de expectativas legítimas, justificadas e fundadas em boas razões por parte dos destinatários das normas em causa. Tendo estes recorrido a uma prática de utilização abusiva ou fraudulenta de mecanismos que visavam impedir a aplicação do regime laboral, é manifesto [que] as expectativas que porventura tenham sido geradas com a celebração do contrato não serão legítimas.
                     Não estando preenchidos estes requisitos essenciais à intervenção da tutela jurídico-constitucional da confiança, não é possível, com esse fundamento, julgar inconstitucional as normas sub judicio.
                      Daí que seja forçoso concluir que não se mostra violado, pelo regime jurídico cuja aplicação foi recusada, o princípio da confiança, enquanto emanação da ideia de Estado de direito democrático.
                      b) Da violação do princípio da “liberdade de escolha do género de trabalho”
                    Segundo a decisão recorrida, podendo a “ação de reconhecimento de existência de contrato de trabalho” conduzir à modificação da relação jurídica em causa, torna-se possível atribuir a uma pessoa, que preste uma qualquer atividade a outrem, a qualidade jurídica de trabalhador, com sujeição às inerentes obrigações, quando essa pessoa não quer estar sujeita a nenhuma relação de subordinação jurídica ou quando está vinculada a uma relação jurídica de um específico tipo contratual que não lhe permite ter uma ou outra relação jurídica de natureza laboral.
                      […]
                     O n.º 1 do artigo 47.º da Constituição, que a decisão recorrida entende ter sido violado, garante a todos “o direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo interesse coletivo ou inerentes à sua própria capacidade”.
                     A liberdade de escolha de profissão, consagrada nesta norma, para além da faculdade de escolher livremente a profissão desejada, abrange, na sua dimensão positiva, vários níveis de realização, incluindo a obtenção das habilitações académicas e técnicas para o exercício da profissão, o ingresso na profissão e o exercício da profissão, sendo de entender que o exercício livre da profissão está igualmente inserido no âmbito normativo de proteção do artigo 47.º, nº 1.
                      […]
                     Conforme decorre da respetiva fundamentação, é esta a dimensão do direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho que a decisão recorrida entende ter sido violada pelo regime da “ação de reconhecimento de existência de contrato de trabalho”.
                     No entanto, é manifesto que tal regime legal não coloca em causa este direito. Com efeito, o que se pretende com o mesmo não é impor a quem presta determinada atividade remunerada que o faça, contra a sua vontade, em regime de contrato de trabalho, mesmo que o pretenda fazer em regime de trabalho independente.
                     Conforme se viu, o que se pretende é combater a utilização indevida do contrato de prestação de serviço nas situações em que, apesar de determinada relação ser formalmente titulada pelas partes como contrato de prestação de serviço, corresponda, substancialmente, a uma situação de trabalho subordinado, à qual deveria, por isso, ser aplicado o regime laboral. Nas situações problematizadas na decisão recorrida (os casos em que uma pessoa não quer estar sujeita a nenhuma relação de subordinação jurídica ou em que está vinculada a uma relação jurídica de um específico tipo contratual que não lhe permite ter uma ou outra relação jurídica de natureza laboral), não se verifica um caso de utilização indevida do contrato de prestação de serviço, visto que, nenhuma das partes (e, concretamente, quem presta a outrem determinada atividade remunerada) pretende que a relação jurídica em causa esteja sujeita ao regime laboral.
                     Nestas situações, o referido regime contém suficientes garantias de esta vontade do trabalhador poder ser expressa nos autos e levada em conta, de modo a que tal situação não seja tratada como sendo um caso de trabalho subordinado.
                      […]
                     Independentemente das eventuais deficiências técnicas deste regime apontadas pela decisão recorrida (matéria sobre a qual não compete ao Tribunal Constitucional pronunciar-se), a verdade é que o mesmo garante a intervenção nos autos, quer do trabalhador, quer da entidade empregadora, sendo facultada ao trabalhador, a oportunidade processual de tomar posição quanto às circunstâncias concretas em que desenvolve a sua atividade, podendo, além do mais, invocar que se pretendeu vincular num regime que não o do contrato de trabalho (designadamente, por não querer estar sujeito a nenhuma relação de subordinação jurídica ou por estar vinculado a uma relação jurídica de um específico tipo contratual que não lhe permite ter outra relação jurídica de natureza laboral).
                     Face ao exposto, não se nos afigura que o regime da “ação de reconhecimento de existência de contrato de trabalho” viole a liberdade de escolha de profissão, consagrada no artigo 47.º, n.º 1, da Constituição, concretamente na dimensão em que consagra o direito de escolher o regime de trabalho.
                      c) Da violação do princípio da igualdade
                     Segundo a decisão recorrida, o legislador prevê para a “ação de reconhecimento de existência de contrato de trabalho” uma regulamentação completamente distinta e muito mais favorável do que a regulamentação que se encontra fixada para a ação declarativa comum, cujo objeto e pedido (pelo menos, o principal) é exatamente o mesmo, isto é, o reconhecimento da existência de um contrato de trabalho.
                      […]
                     Conclui, por isso, a decisão recorrida que se mostra violado o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição, na dimensão da proibição do arbítrio.
                     A proibição do arbítrio constitui um limite externo da liberdade de conformação ou de decisão dos poderes públicos, servindo o princípio da igualdade como princípio negativo de controlo. No entanto, importa realçar que a vinculação jurídico-material do legislador ao princípio da igualdade não elimina a liberdade de conformação legislativa, pois a ele pertence, dentro dos limites constitucionais, definir ou qualificar as situações de facto ou as relações da vida que hão de funcionar como elementos de referência a tratar igual ou desigualmente. Significa isto que só existirá infração ao princípio da igualdade quando os limites externos da discricionariedade legislativa sejam violados, isto é, quando a medida legislativa adotada não tenha adequado suporte material.
                      […]
                      Como vimos, a “ação de reconhecimento de existência de contrato de trabalho” tem subjacente um procedimento prévio (previsto no artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro), em que, tendo sido verificada a existência de indícios de uma situação de prestação de atividade, aparentemente autónoma, em condições análogas às de um contrato de trabalho, e na falta de regularização da situação pela entidade empregadora, a ACT remete participação dos factos para os serviços do Ministério Público para fins de instauração de ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho.
                      Ou seja, esta ação tem na sua base uma verificação prévia por parte de uma entidade pública (a ACT), a quem foram atribuídas competências para o efeito, da existência de indícios de uma situação de qualificação fraudulenta (e legalmente proibida) de um determinado contrato como tendo uma natureza diferente de um contrato de trabalho, com o objetivo da subtração da relação em causa ao regime laboral, causando-se com isso prejuízo ao trabalhador e ao Estado.
                      Por outro lado, a intervenção do Estado neste âmbito tem, como vimos, subjacentes diversas razões de interesse público, que levam a que o Estado proceda a um escrutínio (e mesmo à punição) das situações em que se pretenda, de modo fraudulento, impedir a aplicação do regime laboral a uma relação jurídica que, substancialmente, tem as características de um contrato de trabalho.
                      Estas razões fazem com a que a situação não seja idêntica aos casos em que, pura e simplesmente, surja um litígio entre determinadas pessoas sobre a qualificação de determinada relação jurídica (que, inclusive, poderá até já ter cessado), como contrato de trabalho.
                     Por outro lado, nas situações em que se esteja perante circunstâncias idênticas às que motivaram a aprovação do regime da ação para o reconhecimento de existência de contrato de trabalho, o trabalhador que pretenda discutir a qualificação da sua situação não está impedido de, em vez que propor uma ação de processo comum, participar a situação à Autoridade para as Condições de Trabalho que, na sequência dessa queixa, caso verifique que a situação se enquadra nos pressupostos previstos no artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, dará seguimento à mesma no sentido de ser proposta a competente ação.
                     Em suma, dificilmente se poderá falar numa situação de tratamento desigual de trabalhadores, mas ainda que assim fosse, tal diferença de tratamento (refletida nos diferentes mecanismos processuais colocados à disposição de cada um) não se poderia considerar desrazoável, arbitrária ou destituída de fundamento, de modo a que se pudesse considerar violadora do parâmetro constitucional da igualdade.
                    Conclui-se, assim, que as normas cuja aplicação foi recusada não violam também o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição.»

Reapreciada a questão, sufraga-se inteiramente a fundamentação transcrita, que tem perfeito cabimento no caso em apreciação, termos em que se conclui que as normas dos artigos 26.º, n.º 1, alínea i), e 186.º-K, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho não ofendem os invocados princípios constitucionais do Estado de direito democrático, na vertente do princípio da segurança jurídica ou da protecção da confiança, da liberdade de escolha do género de trabalho e da igualdade.

Mas será que as normas dos artigos 26.º, n.º 1 alínea i), e 186.º-K, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho ofendem os princípios e direitos proclamados nos artigos 1.º, 26.º, n.º 1, e 61.º da Constituição da República Portuguesa?

O artigo 1.º da Constituição reconhece, solenemente, que «Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária».

Ora, não se vislumbra que a atribuição de natureza urgente à acção em causa e a fixação do prazo de 20 dias, a contar da recepção da participação da ACT, para o Ministério Público a instaurar ofenda o princípio do respeito da dignidade da pessoa humana, consagrado no artigo 1.º da Constituição.

E o mesmo se deve afirmar em relação à propugnada violação do direito ao desenvolvimento da personalidade, acolhido no n.º 1 do artigo 26.º da Constituição, de acordo com o qual «[a] todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação», direito que não colhe a mínima pertinência no caso, ainda que «na dimensão de liberdade indispensável à autoconformação da identidade, da integridade e conduta do indivíduo [que] pressupõe a exigência de proibição de ingerências dos poderes públicos», dimensão que, neste conspecto, a ré/recorrente entende ter sido violada.

Resta considerar o preceituado no artigo 61.º da Constituição, com o título «Iniciativa privada, cooperativa e autogestionária», segundo o qual «[a] iniciativa económica privada exerce-se livremente nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral» (n.º 1), «[a] todos é reconhecido o direito à livre constituição de cooperativas, desde que observados os princípios cooperativos» (n.º 2), «[as] cooperativas desenvolvem livremente as suas actividades no quadro da lei e podem agrupar-se em uniões, federações e confederações e em outras formas de organização legalmente previstas» (n.º 3), «[a] lei estabelece as especificidades organizativas das cooperativas com participação pública» (n.º 4) e «[é] reconhecido o direito de autogestão, nos termos da lei» (n.º 5).

Na perspectiva da recorrente, estará em causa o direito à iniciativa privada e cooperativa, «dos quais decorre o princípio da autonomia da vontade privada e o inerente princípio da liberdade contratual (artigo 405.º Código Civil)».

No dizer de GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA (Constituição da República Portuguesa Anotada, Artigos 1.º a 107.º, vol. I, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 790), «[a] liberdade de iniciativa privada tem um duplo sentido. Consiste, por um lado, na liberdade de iniciar uma actividade económica (liberdade de criação de empresa, liberdade de investimento, liberdade de estabelecimento) e, por outro lado, na liberdade de organização, gestão e actividade de empresa (liberdade de empresa, liberdade do empresário, liberdade empresarial). No primeiro sentido, trata-se de um direito pessoal (a exercer individual ou colectivamente); no segundo sentido é um direito institucional (um direito da empresa em si mesma). Ambas estas vertentes do direito de iniciativa económica privada podem ser objecto de limites ou restrições mais ou menos extensos. Com efeito, esse direito só pode exercer-se “nos quadros definidos pela Constituição e pela lei” (n.º 1, in fine) o que deixa uma ampla margem para a delimitação e configuração legislativa, em função da “constituição económica” (Parte II da CRP). Todavia, sendo a regra a liberdade de iniciativa (“exerce-se livremente”, diz o n.º 1), as limitações ou restrições terão de ser justificadas à luz do princípio da proporcionalidade e sempre com respeito de um “núcleo essencial” que a lei não pode aniquilar (art. 18.º), de acordo, aliás, com a “garantia institucional” de um sector económico privado (cfr. art. 82.º-3 e respectiva anotação).»

Ora, é manifesto que a atribuição de natureza urgente à acção em causa e a fixação do prazo de 20 dias, a contar da recepção da participação da ACT, para o Ministério Público a propor não aniquila o direito à iniciativa privada e cooperativa, sendo que, doutro passo, as limitações ou restrições daí resultantes justificam-se à luz do princípio da proporcionalidade, na medida em que, através da indicada acção, se pretende combater as situações de utilização do contrato de prestação de serviço em caso de relação jurídica que, substancialmente, tem as características de um contrato de trabalho, com o objetivo da respectiva subtração ao regime laboral, causando-se, por esta via, prejuízo ao trabalhador e ao Estado.

Assim, a intervenção do Estado neste âmbito não se configura desrazoável, arbitrária ou destituída de fundamento, nem é violadora do direito à iniciativa privada e cooperativa, «dos quais decorre o princípio da autonomia da vontade privada e o inerente princípio da liberdade contratual».

Termos em que improcedem as conclusões 1.ª, na parte atinente, 2.ª a 15.ª e 18.ª da alegação do recurso de revista.

3. O tribunal de 1.ª instância julgou procedente a excepção peremptória da caducidade do direito de acção com vista ao reconhecimento da existência de contrato de trabalho e absolveu a ré do pedido; diversamente, o tribunal da Relação deliberou que o prazo de 20 dias estatuído no n.º 1 do artigo 186.º-K do Código de Processo do Trabalho configurava um prazo ordenador, indicativo ou de carácter aceleratório, donde, mesmo que se entendesse que o Ministério Público não tinha observado esse prazo, tal não determinava «a caducidade do direito/dever de acção».

Neste particular, o acórdão recorrido teceu as considerações seguintes:

                   «[…] facilmente se conclui que o prazo a que se refere o art. 186.º-K do CPT nunca poderá ser caracterizado como um prazo de caducidade, mas sim como um mero prazo aceleratório.
                      Há casos em que o legislador apenas refere ou indica um prazo para determinado procedimento, sem estabelecer qualquer consequência para a respectiva inobservância.
                 São os chamados prazos meramente ordenadores, indicativos ou disciplinares, como é o caso do prazo estabelecido nesse art. 186.º-K.
                    Nestes termos, e mesmo que se entendesse (discussão que aparece como inútil) que o MP não observou o prazo de 20 dias fixado em tal disposição, sendo que o mesmo se deveria contar da primitiva participação, tal não determina a caducidade do direito/dever de acção, o que mal se compreenderia, atentas a natureza e finalidades deste tipo de acção especial, como descrevemos, e que facilmente se frustrariam pelo decurso de um prazo tão curto de propositura da mesma acção.
                      Como tal, esse prazo de 20 dias deve ser entendido como sendo meramente indicativo e de carácter aceleratório, visando acelerar o processo, até dada a natureza urgente do mesmo — art. 26.º, n.º 1, al. i) (introduzida pela Lei 63/2013).»

A ré/recorrente discorda, pugnando que o Tribunal da Relação de Coimbra violou o disposto nos artigos 9.º do Código Civil, 12.º, n.º 2, do Código do Trabalho e 186.º-K, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, ao decidir que o aludido prazo de 20 dias deve ser entendido como meramente indicativo e de carácter aceleratório.

Especificamente, a ré/recorrente assevera que «[o] prazo previsto no artigo 186.º-K, 1, CPT é, claramente, de caducidade, nos termos do artigo 298.º, Código Civil», o que se imporá «à luz do cânone interpretativo do artigo 9.º, CC, pois a interpretação dada pelo Tribunal da Relação de Coimbra não encontra na letra da lei o mínimo de correspondência verbal», e que a natureza urgente da acção em causa «justifica também a natureza preclusiva do prazo para intentar a acção».
A solução do problema submetido à apreciação deste Supremo Tribunal passa pela interpretação do contido no n.º 1 do artigo 186.º-K do Código de Processo do Trabalho, segundo o qual «[a]pós a receção da participação prevista no n.º 3 do artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, o Ministério Público dispõe de 20 dias para intentar ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho».

A lei não explicita qual a natureza do assinalado prazo de 20 dias.

E, por seu turno, os trabalhos preparatórios respeitantes à Lei n.º 63/2013, de 27 de Agosto, que incidiram sobre o Projecto de Lei n.º 142/XII — Lei contra a precariedade (Iniciativa legislativa de cidadãos) — e o atinente texto de substituição, apresentado pela Comissão de Segurança Social e Trabalho, relativo ao Projecto de Lei 142/XII, não fornecem qualquer subsídio sobre a natureza do questionado prazo [cf. nova apreciação na Comissão de Segurança Social e Trabalho, na generalidade, www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa; votação final global, Diário da Assembleia da República (DAR), I série, n.º 115/XII/2, de 2013-07-25, p. 62; declaração de voto dos deputados do PSD, DAR, I série, n.º 115/XII/2, de 2013-07-25, pp. 69-70; Decreto  da Assembleia da República n.º 175/XII, DAR, II série-A, n.º 183/XII/2, de 2013-08-02, pp. 124-127].

O n.º 2 do artigo 298.º do Código Civil estabelece, no entanto, que, quando um direito, por força da lei, deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, convindo sublinhar que em caso de dúvida sobre a natureza do prazo estipulado a mesma há-de resolver-se, necessária e fundamentalmente, por via do recurso aos princípios gerais da interpretação das leis.

Em matéria de interpretação das leis, o artigo 9.º do Código Civil consagra os princípios a que deve obedecer o intérprete ao empreender essa tarefa, começando por estatuir que «[a] interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada» (n.º 1); o enunciado linguístico da lei é, assim, o ponto de partida de toda a interpretação, mas exerce também a função de um limite, já que não pode «ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (n.º 2); além disso, «[n]a fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados» (n.º 3).

A disposição em causa adoptou a epígrafe «Início do processo» e prevê que «o Ministério Público dispõe de 20 dias para intentar ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho», sendo que o teor literal da epígrafe outorgada, o emprego da palavra «dispõe» e a expressão «intentar ação» apontam no sentido de que se trata de um prazo que determina o período de tempo dentro do qual o Ministério Público pode exercer o direito concreto de acção, isto é, de um prazo para a propositura da acção especial aí discriminada.

Porém, nesta tarefa de descobrir, de entre os sentidos possíveis da lei, aquele que é prevalecente, o elemento interpretativo sistemático, na específica dimensão que compreende a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do diploma em que se integra a norma interpretada (contexto da lei), não corrobora o sentido interpretativo que se deixou explicitado.

Na verdade, tal como dimana do n.º 6 do artigo 26.º do Código de Processo do Trabalho, na redacção dada pelo artigo 3.º da Lei n.º 63/2013, de 27 de Agosto, na acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, a instância inicia-se com a recepção da participação elaborada pela ACT; por outro lado, o n.º 1 do artigo 186.º-L do Código de Processo do Trabalho estatui que, «[n]a petição inicial, o Ministério Público expõe sucintamente a pretensão e os respectivos fundamentos, devendo juntar todos os elementos de prova recolhidos até ao momento».
Por conseguinte, neste tipo de acção o início da instância não depende da apresentação da petição inicial por parte do Ministério Público, regime que diverge do contido no n.º 1 do artigo 259.º do Código de Processo Civil, segundo o qual «[a] instância inicia-se pela proposição da ação e esta considera-se proposta, intentada ou pendente logo que seja recebida na secretaria a respectiva petição inicial».

Nesta conformidade, na justa medida em que a proposição da acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho não emerge do recebimento da respectiva petição inicial, antes da recepção da participação prevista no n.º 3 do artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, pelas considerações de índole sistemática acima explicitadas e sendo de presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, o prazo de 20 dias para intentar aquela acção, previsto no n.º 1 do artigo 186.º-K do Código de Processo do Trabalho, não se pode qualificar como um prazo para propositura da acção sujeito ao regime da caducidade.

Tratar-se-á de um prazo ordenador, indicativo ou de carácter aceleratório?

Visto o problema à luz do teor literal acolhido no n.º 1 do artigo 186.º-K do Código de Processo do Trabalho e das considerações sistemáticas acima enunciadas, há-de reconhecer-se que não colhe o entendimento de que o prazo para intentar a acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho possa ser qualificado como um prazo ordenador, indicativo ou de carácter aceleratório, não só porque se trata de um prazo respeitante a um processo judicial já iniciado, mas também porque estabelece o período de tempo que a lei concede para a prática de um acto processual, no caso, a apresentação da petição inicial, num processo judicial pendente.

Tudo para concluir que o prazo legal assinalado deve ser qualificado como um prazo processual submetido ao regime estatuído nos artigos 138.º e seguintes do Código de Processo Civil, aplicável, subsidiariamente, nos processos de natureza laboral, por força do artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho.
Efectivamente, o prazo questionado pressupõe que já existe um determinado processo e visa marcar o período de tempo dentro do qual o Ministério Público há-de praticar um determinado acto processual: a apresentação da petição inicial.

Consoante o preceituado no artigo 138.º do actual Código de Processo Civil, diploma legal a que pertencem os preceitos adiante citados, sem menção da origem, o prazo processual é contínuo, «suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se tratar de actos a praticar em processos que a lei considere urgentes» (n.º 1), e quando o prazo para a prática do acto processual terminar em dia em que os tribunais estiverem encerrados, «transfere-se o seu termo para o 1.º dia útil seguinte» (n.º 2).

Por seu lado, o artigo 139.º consagra que o prazo é dilatório ou peremptório (n.º 1) e que o decurso do prazo peremptório «extingue o direito de praticar o acto» (n.º 3), acto que pode ser praticado fora do prazo, em caso de justo impedimento, nos termos expressamente regulados no artigo 140.º (n.º 4) e, independentemente de justo impedimento, «dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa» (n.º 5).

Assim, atenta a caracterização legal enunciada, o prazo aludido no n.º 1 do artigo 186.º-K do Código de Processo do Trabalho trata-se de um prazo peremptório, cujo decurso extingue o direito do Ministério Público de apresentar a petição inicial.

A este propósito, importa salientar que o n.º 2 do artigo 186.º-L do Código de Processo do Trabalho dispõe que o empregador é citado para contestar no prazo de 10 dias, sendo que o subsequente artigo 186.º-M estatui que, «[s]e o empregador não contestar, o juiz profere, no prazo de 10 dias, decisão condenatória, a não ser que ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias ou que o pedido seja manifestamente improcedente», o que significa que o prazo concedido para contestar se configura, também, como um prazo peremptório.
Como é sabido, o direito de agir em juízo deve ser efectivado através de um processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, in fine, da Constituição), o que pressupõe o direito à igualdade de posições no processo, daí que se compreenda a igual natureza peremptória conferida aos prazos para deduzir a petição inicial e para a contestação.

E não se diga que a qualificação do assinalado prazo de 20 dias como um prazo processual peremptório pode conduzir à frustração das finalidades deste tipo de acção, pelo decurso de um prazo tão curto para apresentação da petição inicial.

Efectivamente, a instauração da acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho tem por base uma participação elaborada pela Autoridade para as Condições do Trabalho, gerada pelo procedimento contido no artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, que é remetida aos serviços do Ministério Público da área da residência do trabalhador, «acompanhada de todos os elementos de prova recolhidos, para fins de instauração de acção».

Deste modo, recebida a sobredita participação, o Ministério Público dispõe de todas as informações necessárias para avaliar da existência de indícios de uma situação de prestação de actividade aparentemente autónoma em condições análogas ao contrato de trabalho e para apresentar a correspondente petição inicial em juízo, desde que entenda haver elementos suficientes para o efeito.

Tal valoração desenvolve-se no quadro da autonomia do Ministério Público, constitucionalmente garantida (artigo 219.º, n.º 2, da Constituição) e reafirmada no respectivo Estatuto (Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro, alterada pelas Leis n.os 2/90, de 20 de Janeiro, 23/92, de 20 de Agosto, 10/94, de 5 de Maio, 33-A/96, de 26 de Agosto, 60/98, de 27 de Agosto, 42/2005, de 29 de Agosto, 67/2007, de 31 de Dezembro, 52/2008, de 28 de Agosto, 37/2009, de 20 de Julho, 55-A/2010, de 31 de Dezembro e 9/2011, de 12 de Abril), que estabelece, no artigo 2.º, que o Ministério Público «goza de autonomia em relação aos demais órgãos do poder central, regional e local» (n.º 1) e caracteriza a mencionada autonomia pela sua vinculação a critérios de legalidade e objectividade e pela exclusiva sujeição dos magistrados do Ministério Público às directivas, ordens e instruções previstas na lei (n.º 2).

No caso dos autos, em 16 de Abril de 2014, a ACT remeteu a participação mencionada no n.º 3 do artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, aos serviços do Ministério Público no Tribunal do Trabalho de Leiria, onde deu entrada em 21 de Abril seguinte, e, em 23 de Abril de 2014, o Ministério Público devolveu-a à ACT por se considerar incompetente territorialmente quanto aos factos relativos a trabalhadores residentes fora da área de jurisdição do Tribunal do Trabalho de Leiria, sendo que, na sequência daquela devolução, a ACT remeteu nova participação, em 29 de Abril de 2014, reportada à trabalhadora BB, a qual foi enviada à distribuição em 30 de Abril de 2014.

Mais resulta dos autos que a petição inicial respeitante à presente acção foi apresentada em juízo, pelo Ministério Público, em 15 de Maio de 2014.

Ora, o prazo de 20 dias estipulado no n.º 1 do artigo 186.º-K do Código de Processo do Trabalho iniciou-se em 21 de Abril de 2014, data em que a participação da ACT foi recebida nos serviços do Ministério Público do Tribunal do Trabalho de Leiria, e correu seguidamente, independentemente de qualquer outra formalidade, terminando em 12 de Maio de 2014, já que o último dia do prazo coincidiu com um domingo (11 de Maio de 2014), daí que a petição inicial foi apresentada no terceiro dia útil subsequente ao termo do prazo, isto nos termos dos combinados artigos 138.º, n.os 1 e 2, e 139.º, n.os 1, 3 e 5 do Código de Processo Civil, complexo normativo que se projecta, subsidiariamente, nos processos de natureza laboral, em conformidade com o disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 1.º do Código de Processo do Trabalho.

Assim, o Ministério Público apresentou a petição inicial em causa dentro do prazo máximo suplementar para a prática de acto processual, fixado no n.º 5 do artigo 139.º citado, pelo que ainda tinha o direito de praticar aquele acto, devendo o processo seguir a normal e subsequente tramitação.

Improcedem, pois, as conclusões 1.ª, na parte atinente, 16.ª, 17.ª, 19.ª a 37.ª e 47.ª, na parte atinente, da alegação do recurso de revista.

4. A ré/recorrente invoca, também, que estando o prazo acolhido no n.º 1 do artigo 186.º-K do Código de Processo do Trabalho sujeito ao regime da caducidade,  se verifica o incumprimento daquele prazo, na medida em que «a ACT remeteu uma primeira participação que deu entrada nos serviços do Ministério Público de Leiria — área de residência da docente em causa nos presentes autos —, no dia 21 de Abril de 2014, tal participação foi rejeitada por supostas irregularidades formais», e que, apesar «das alegadas “irregularidades formais” apontadas pelo Ministério Público à primeira participação, a verdade é que os “factos” foram efectivamente participados ao Ministério Público da área da residência — do docente aqui em causa — no dia 21 de Abril de 2014, tendo o Ministério Público deles tomado efectivo conhecimento», aditando que «[t]al prazo não admite qualquer suspensão, nomeadamente, porque a lei não a prevê e porque os direitos em causa são disponíveis», termos em que, sendo de caducidade o prazo para intentar a presente acção «e não tendo sido cumprido, deve ter-se por extinto o direito subjacente».

Tendo sido afastada a aplicação do regime da caducidade ao prazo previsto no n.º 1 do artigo 186.º-K do Código de Processo do Trabalho, é manifesto que fica prejudicado o conhecimento da questão explicitada nas conclusões 38.ª a 46.ª e 47.ª, na parte atinente, da alegação do recurso de revista.

De facto, o n.º 2 do artigo 608.º do Código de Processo Civil, aplicável aos acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do disposto nos conjugados artigos 663.º, n.º 2, e 679.º do mesmo Código, estabelece que o tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
                                             III

Pelo exposto, delibera-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido, embora com diferente fundamentação, mantendo-se, em conformidade, a revogação do despacho saneador proferido no tribunal de 1.ª instância e a determinação de que se deve operar «a normal e subsequente tramitação dos autos».

Custas, nas instâncias e no recurso de revista, a cargo da ré/recorrente.

Anexa-se o sumário do acórdão.

                                Lisboa, 6 de Maio de 2015


Pinto Hespanhol (Relator)

Fernandes da Silva

Gonçalves Rocha