Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4154/15.3TBLSB.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL
VIOLAÇÃO DAS REGRAS DA BOA FÉ
INDEMNIZAÇÃO
INTERESSE CONTRATUAL NEGATIVO
TAXA DE JUSTIÇA REMANESCENTE
DISPENSA DE PAGAMENTO
Data do Acordão: 04/27/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO.
CUSTAS PROCESSUAIS - TAXA DE JUSTIÇA.
Doutrina:
- Almeida Costa, Responsabilidade Civil pela Ruptura das Negociações Preparatórias de um Contrato, 75.
- Ferreira de Almeida, «Contrato formal e pré-contrato informal», em Comemorações dos 35 anos do Cód. Civil, 360, 363.
- Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, vol. I, Parte Geral, tomo I, 339.
- Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. I, 317.
- Pais de Vasconcelos, Teoria Geral de Direito Civil, 8.ª ed., 435.
- Paulo Mota Pinto, Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, vol. II, 1345.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 227.º.
REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS (RCP): - ARTIGO 6.º, N.º 7.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 28-4-2009, DE 4-2-06, DE 3-3-2004, DE 11-1-2007, EM WWW.DGSI.PT , DE 26-1-2006, C.J./S.T.J., TOMO I, 40.
-DE 31-3-2011, DE 6-12-2010 E DE 18-12-2012, EM WWW.DGSI.PT .
-DE 10-7-2012, EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I. O processo negocial implica que cada um dos sujeitos adopte comportamentos de acordo com o dever de lealdade, cooperação e boa fé, cuja violação é susceptível de determinar a obrigação de indemnizar.

II. Viola as regras da boa fé e da lealdade processual, nos termos e para efeitos do art. 227º do CC, a parte que em processo negocial relacionado com a outorga de um contrato de trespasse e de um contrato de arrendamento e no qual já havia sido estabelecido consenso quanto ao clausulado essencial, comunica simplesmente à contraparte que já outorgou os mesmos contratos com um terceiro com quem vinha negociando paralelamente e sem disso lhe dar conhecimento.

III. Tratando-se de um processo negocial que tinha por objecto um estabelecimento de restauração e bebidas instalado em prédio, o facto de existir consenso quanto ao clausulado essencial do respectivo trespasse e do arrendamento do locado não permite concluir que se constituíra já sobre cada uma das partes a obrigação de celebrar tais contratos, uma vez que, para além de ser exigida forma escrita, a outorga de tais contratos ainda estava dependente da licença de utilização relativamente a todo o espaço físico ocupado pelo estabelecimento de restauração.

IV. Em tais circunstâncias, o direito de indemnização pela ruptura do processo negocial está delimitado pelos danos correspondentes ao interesse contratual negativo.

V. No âmbito do recurso de revista é legítimo ao Supremo Tribunal de Justiça dispensar a parte vencida do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida pela interposição desse recurso, verificados que sejam os requisitos previstos no art. 6º, nº 7, do RCP.

VI. Tal não se justifica numa acção em que, apesar de não ter sido contestada, o objecto do recurso de revista, necessariamente reconduzido a questões de direito, é integrado por questões complexas e cuja resposta jurisprudencial e doutrinal não é pacífica.

Decisão Texto Integral:

I - AA intentou acção declarativa com processo comum contra BB, Lda, e Soc. Imobiliária CC, Lda., pedindo a execução específica do contrato de trespasse efectuado com a 1ª R. nos termos acordados e do contrato de arrendamento comercial efectuado com a 2ª R., também nos termos acordados, condenando-se as RR. a reconhecerem tais contratos. Subsidiariamente, para o caso de não proceder este pedido, pede a condenação solidária das RR. no pagamento da quantia de € 50.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, e de € 2.368.509,00, a título de indemnização por lucros cessantes, com juros de mora.

Alegou que encetou negociações com as RR. com vista ao trespasse de um restaurante da 1ª R. que estava instalado num prédio propriedade da 2ª R, tendo sido alcançado um acordo financeiro. Mas as RR. omitiram que não eram possuidoras de licença de utilização para toda a área ocupada pelo restaurante, a qual estava dependente de um processo de construção e ampliação no prédio. O A. apenas se apercebeu disto mais tarde e não quis avançar enquanto não verificou esta informação junto da CML, pois precisava da licença de utilização aprovada para efeitos de obtenção de financiamento. Inicialmente o legal representante das RR. não colaborou na obtenção desta informação, tendo acabado por dar poderes para que o processo camarário pudesse ser consultado. Mas depois, sem que nada o fizesse prever, foi comunicado ao A. que as RR. haviam efectuado o negócio com terceiro. A ruptura negocial causou no A. danos morais e se o negócio tivesse sido concretizado esperaria obter um lucro de € 1.214.617,00 a 6 anos (de 2015 a 2020).

As RR., regular e pessoalmente citadas, não contestaram, pelo que os factos articulados pelo A. foram considerados confessados.

Foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando as RR. no pagamento ao A. da quantia de € 2.000,00, a título de danos morais emergentes de responsabilidade pré-contratual, com juros de mora, à taxa legal, desde o trânsito desta decisão até efectivo pagamento.

O A. interpôs recurso de apelação, mas a Relação confirmou a sentença.

O A. interpôs depois recurso de revista em que sustenta a procedência da acção tendo em conta o facto de as negociações estabelecidas com as RR. terem chegado a um ponto que despoletaram a obrigação de contratar, constituindo fundamento para a sua condenação na indemnização pelo dano contratual positivo. Pretende ainda que se determine a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do art. 6º, nº 7, do RCP.

As RR. contra-alegaram.

Cumpre decidir.


II – Factos provados:

(…)


III – Decidindo:

1. As RR., apesar de citadas, não apresentaram contestação, operando, por isso, o efeito cominatório semi-pleno, com tradução na admissão, por acordo (ou confissão ficta), dos factos que foram alegados pelo A.

Tal efeito foi activado quer na sentença, quer no acórdão da Relação que é objecto do presente recurso, que consignaram os factos que consideraram provados, a que agora se adicionaram outros factos que, conquanto não tenham sido relevados pelas instâncias, foram alegados na petição inicial, estando também admitidos por acordo.


2. Na sentença da 1ª instância foi considerada verificada a responsabilidade pré-contratual de ambas as RR. emergente da ruptura injustificada da negociação a estabelecida com o A. tendo em vista o trespasse de um estabelecimento comercial e a outorga de um contrato de arrendamento relativo ao mesmo local, com alegação da violação do princípio da boa fé.

Tal sentença apenas foi impugnada pelo A., na medida em que na delimitação do direito de indemnização apenas foi atribuído relevo ao interesse contratual negativo, reconduzido a uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 2.000,00, sendo negado o direito de indemnização com base no interesse contratual positivo.

Existem aspectos que condicionam, desde logo, a intervenção deste Supremo Tribunal de Justiça, devendo ter-se como definitivamente adquirido o preenchimento dos requisitos da responsabilidade pré-contratual que justificou a atribuição daquela indemnização, residindo a divergência apenas na amplitude dessa indemnização, em face do art. 227º do CC.

Defende o A. que, atento o estádio em que se encontrava o processo negocial, a recusa das RR. se verificou numa altura em que já se constituíra a obrigação de contratar, de modo que a indemnização deve ser determinada em função do interesse contratual positivo, ou seja, dos lucros que o A. retiraria dos contratos em curso se acaso as RR. tivessem concluído o respectivo processo negocial, pretensão à qual as RR. agora se opõem.

Tal como decidiram as instâncias, aquela pretensão não pode manifestamente proceder.


3. Do acervo factual apurado emergem os seguintes aspectos que mais relevam para o caso:

O A. e as RR., representadas por DD, iniciaram um processo negocial tendo em vista a outorga de um contrato de trespasse de um estabelecimento comercial de que era titular a 1ª R.. e um contrato de arrendamento com a 2ª R., proprietária do imóvel.

Depois de uma primeira visita ao local, em 28-4-14, houve reuniões entre as partes e troca de correspondência entre o A. e a agência de mediação imobiliária que evoluíram para a apresentação de propostas e contrapropostas para a concretização dos negócios. E efectivamente em 12-9-14 a A. recebeu a informação da mediadora imobiliária de que o sócio-gerente de ambas as RR. havia aceite a uma proposta: trespasse do estabelecimento comercial pelo valor de € 350.000,00; pagamento do valor do trespasse em 3 prestações anuais, nos montantes de € 125.000,00, € 125.000,00 e € 100.000,00; celebração de um contrato de arrendamento comercial para restauração e similares, sem prazo efectivo e pela renda mensal de € 2.750,00; período de carência no pagamento das primeiras 3 rendas mensais; em alternativa ao contrato de arrendamento sem prazo, celebração de um contrato de arrendamento com prazo certo por 15 anos, mas com o direito de opção de compra do espaço onde está instalado o restaurante, durante o referido prazo, por preço razoável, antecipadamente fixado.

No dia 24-9-14, foi marcada nova reunião para o próprio local e foi confirmada pelo A. a referida proposta financeira, tendo CC confirmado pessoalmente, em representação de ambas as RR., a aceitação da proposta.

Nessa reunião o A. solicitou a DD a documentação relativa quer ao prédio urbano onde está instalado o estabelecimento, quer ao estabelecimento comercial: caderneta predial do prédio, certidão registral do prédio, licença do estabelecimento de restaurante e licença de utilização do espaço de esplanada existente em frente ao restaurante, referindo o mesmo que originariamente o restaurante apenas ocupava parte do r/c do prédio e, só mais tarde, quando o adquiriu ao seu anterior proprietário, o expandiu para o 1° piso, através do saguão existente no prédio, o que criou no espírito do A. a dúvida sobre se a ocupação da parte do 1° piso tinha cobertura legal.

Perante as dúvidas do A., DD afirmou que havia requerido à CML projecto de licenciamento com vista à recuperação e ampliação do prédio onde o restaurante está instalado e que, no âmbito desse projecto, a sobreloja ocupada pelo restaurante já estaria licenciada para este fim.

Refere, aliás, o A. no art. 58º da petição, que “essa documentação era essencial, não apenas para confirmar a legitimidade das duas RR … como a legalidade quer do restaurante quer da utilização do espaço público em frente do mesmo, elementos essenciais para que o A. pudesse formalizar o negócio nos termos referidos e aceites por ambas as partes”, insistindo nesse envio de novo em 26-9-14 (art. 59º).

Houve nova reunião em 4-10-14 e no decurso dela ficou esclarecida a questão relativa à ocupação de parte do 1° piso, tendo o Arq. EE, da parte das RR., ficado de enviar ao A. as partes do projecto de que este necessitasse e lhe viesse a solicitar. DD forneceu ao A. as plantas do restaurante e cópia da licença de utilização para o restaurante, mas que apenas respeitava ao r/c, e cópia licença de ocupação de espaço público para esplanada.

O A. insistiu junto do Arq. EE para que lhe enviasse os projectos das especialidades e informação sobre o projecto de recuperação e ampliação do edifício, designadamente se o projecto havia sido apresentados por fases, se existia uma fase independente para o r/c e 1º andar ocupados pelo restaurante e se já existia licença de utilização para o espaço ocupado pelo restaurante.

Na sequência da aprovação do projecto de recuperação e ampliação do edifício e no âmbito do qual o restaurante era identificado como ocupando o r/c e a sobreloja, foi emitida uma licença de construção, mas só após a conclusão das obras seria emitida a respectiva licença de ocupação, sendo o r/c e sobreloja para comércio (restauração) e os restantes pisos do prédio para habitação.

DD afirmou ao A., depois de este ter verificado através do alvará de restaurante que o mesmo apenas estava licenciado no r/c, que com o novo projecto de recuperação e ampliação do edifício ficaria resolvida, no sentido de legalizada, a ocupação da sobreloja pelo restaurante.

Mas essa legalização só aconteceria uma vez terminadas todas as obras de recuperação do edifício e emitida a licença de utilização para todo o prédio, uma vez que o projecto não tinha sido aprovado por fases e, por outro lado, o restaurante, na sua constituição física actual e como as RR. o pretendiam transmitir ao A., não cumpria as normas legais vigentes para este tipo de estabelecimentos, designadamente não tinha instalações sanitárias com cacifos para os funcionários e não tinha instalação sanitária para deficientes.

A decisão de contratar por parte do A. estava apenas dependente da confirmação de que a constituição física actual do restaurante havia sido incluída no novo projecto de recuperação e ampliação do edifício onde se integrava, projecto que fora aprovado, o que o A. não pôde fazer por si, carecendo da colaboração de DD.

No dia 4-11-14 o A. recebeu um telefonema de FF, no qual esta lhe expressou o desagrado de DD pelo facto do A. não tomar a sua decisão final de contratar.

A pressão que estava a ser exercida sobre o A. para que tomasse uma decisão e o facto de CC não colaborar para que o A. pudesse obter as respostas às questões que queria ver respondidas para poder tomar uma decisão definitiva, aliado à circunstância de as RR. proporem a transmissão e arrendamento de um restaurante cuja maior área ocupada pela sobreloja não estava licenciada, criou no seu espírito dúvidas sobre as intenções daquele.

Por isso, no dia 4-11-14 o A. enviou novo e:mail a FF, no qual lhe solicitou que falasse com DD para saber se este estava mesmo interessado em colaborar com o A. para que este pudesse obter as informações de que necessitava ou se, pelo contrário, esse interesse não existia e, consequentemente, as negociações deveriam ficar por aí.

Na sequência, entre o dia 4-11-14 e 12-11-14, FF informou o A. telefonicamente de que DD continuava interessado no negócio e que iria emitir uma procuração a favor do A. para que este pudesse consultar o processo de licenciamento de recuperação e ampliação do prédio.

No dia 16-11-14 o A. recebeu e:mail da Drª GG informando que a 2ª R. já havia feito a procuração necessária à consulta do processo de licenciamento na CML, ao qual o A. respondeu nesse mesmo dia informando que no dia seguinte a iria levantar, o que concretizou, permitindo ao A. consultar o processo de licenciamento.

Mas no dia 21-11-14, sem que nada o fizesse prever, o A. recebeu uma chamada telefónica de FF informando de que DD já havia contratado a cedência do restaurante com um terceiro e dele já havia recebido determinada quantia, pelo que o negócio com o A. estava definitivamente prejudicado.

FF ou DD jamais informaram o A. de que existiam negociações com terceiros que tivessem por objecto o restaurante, a decorrer em simultâneo com as que envolveram o A. e as duas RR. e nenhuma explicação foi dada ao A. para a recusa em concretizar os contratos.

Só através da consulta do alvará do restaurante o A. teve conhecimento de que este apenas estava licenciado para o r/c, sendo que o legal representante das RR. omitiu até esse momento tal facto.

Caso o negócio se tivesse concretizado o A. tinha a expectativa, de acordo com um estudo de viabilidade económica e financeira que encomendou e foi efectuado, a 6 anos, de 2015 a 2020, obter lucros líquidos, depois de impostos, de € 1.214.617,00.

O investimento inicial com o pagamento do custo do trespasse (€ 350.000,00) seria sempre, pelo menos, recuperado com o trespasse a terceiro, uma vez que o acordo já alcançado previa um contrato de arrendamento para fins comerciais sem prazo efectivo.


4. Contra o disposto no art. 227º do CC, ocorreu, por parte das RR., violação das regras da boa fé no decurso do processo negocial, com foi decidido pelas instâncias. Para além de as RR. não terem sido totalmente claras relativamente ao facto de o licenciamento do restaurante não abarcar todo o espaço que ocupava (ainda que tal estivesse previsto na licença de construção que fora emitida tendo em vista as obras de recuperação do edifício e de cuja realização dependeria a licença de utilização), as RR. não informaram o A. de que decorriam negociações paralelas com terceiro para concretização dos mesmos contratos, apesar do envolvimento das partes no processo negocial que passou pela apresentação de propostas de aquisição do direito de trespasse e de outorga de arrendamento, as quais foram aceite pelas RR.

Trata-se de uma solução que se assemelha a um outra que foi apreciada no Ac. do STJ, de 10-7-12 (www.dgsi.pt), relatado pelo ora relator, em que estava estabelecido um acordo sobre o teor de um contrato-promessa de cessão de quotas e que também ocorreu a ruptura injustificada das negociações por uma das partes cujas consequências foram extraídas da aplicação do art. 227º do CC.

Também aqui podemos afirmar que o princípio da liberdade contratual ínsito no art. 405º do CC, cujo conteúdo tanto abarca a concretização de contratos como o preenchimento das respectivas condições, não é absoluto, devendo compaginar-se com outros princípios ou com outras regras de valor semelhante. As partes devem ter a necessária liberdade de agir no processo negocial sem excluir a possibilidade de recuo antes da sua finalização, mas devem pautar o seu comportamento pelas regras da boa fé objectivamente perspectivadas.

Em ordenamentos jurídico de raiz romanística, como o nosso, impõe-se que, sem prejuízo da defesa dos seus interesses, qualquer das partes não quebre as regras da boa fé que à contraparte igualmente se impõem. Regras que tornam ilegítimo que, depois de criadas legítimas expectativas de outorga do contrato com determinadas condições, ocorra uma ruptura injustificada sem ponderação das consequências que isso determina.

A não ser que se pretendessem sacralizar, em momento historicamente desajustado, valores de natureza puramente liberal, em que os interesses materiais de uns sujeitos pudessem ser postergados e submetidos à vontade de outros, não podemos deixar de concluir que, no caso concreto, o estádio em que já se encontrava o processo negocial não era compatível com uma mera postura de recusa de contratar e correspondente ruptura negocial injustificada, por tal violar as regras da boa fé.

Estando fora de dúvida a necessidade de se extraírem consequências de determinados comportamentos que se enquadrem no referido normativo que o legislador assumiu como marco importante no direito positivo, verificamos igualmente que o labor doutrinal e jurisprudencial nos confere um acervo de situações que permitem com mais segurança e certeza integrar situações como aquela que emerge da matéria de facto provada.

Cabe destacar o trabalho de Almeida e Costa, intitulado Responsabilidade Civil pela Ruptura das Negociações Preparatórias de um Contrato que mais não constitui que um comentário ao Ac. do STJ, de 5-2-81 sobre um caso que se traduziu na ruptura de relações negociais relacionadas com a cessão de quotas de uma sociedade, no qual se concluiu que “incorre em responsabilidade pré-contratual a qual das partes que, tendo criado à outra a convicção razoável de que lhe adquiriria as quotas de certa sociedade comercial, rompe, arbitrária e culposamente, as negociações verbais encetadas, pela recusa de outorgar, dentro do prazo acordado, na escritura pública necessária para a válida celebração do contrato”.

Também no caso concreto, ultrapassada a fase dos meros contactos preliminares, os sujeitos interessados passaram a agir no sentido da integração consensualizada dos projectos negociais, o que envolveu designadamente a troca de elementos informativos relacionados com o estabelecimento e com o espaço físico em que se encontrava instalado. Ainda que não se tenha atingido a fase de formalização do consenso obtido (pré-contrato informal, nas palavras de Ferreira de Almeida, em Contrato formal e pré-contrato informal, em Comemorações dos 35 anos do Cód. Civil, pág. 360), faltavam apenas alguns pormenores depois dos quais se poderia avançar para a conclusão do negócio ou para a sua formalização final, mediante a consignação dos direitos e obrigações de cada uma das partes.

Em tais circunstâncias, não pode deixar de se atribuir relevo à tutela da confiança de que ambas as partes eram merecedoras, de modo que tanto se mostraria ilegítima uma ruptura negocial injustificada que viesse do A., como uma atitude das RR. de ruptura negocial abrupta e injustificada (Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, vol. I, Parte Geral, tomo I, pág. 339).


5. Pretende o A. que se reconheça que na ocasião em que ocorreu a ruptura negocial já se constituíra sobre as RR. a obrigação de concluir os negócio. Refere inclusivamente que “ao outorgar a procuração ao A. (para consultar o processo camarário) evidentemente que tal facto só podia ser interpretado por este como, de resto, por qualquer pessoa normalmente diligente colocada na sua posição, como expressão de vontade do representante legal das RR. de concluir os negócios que entretanto já acordada com o A., estando-lhe a facultar os meios para que este pudesse confirmar um facto de que dependia a sua decisão final de contratar” (art. 128º da p.i.).

Independentemente dos reflexos que um tal reconhecimento poderia determinar na amplitude do direito de indemnização, importa desde já cortar cerce uma tal pretensão que, no âmbito de processos negociais relativos a dois contratos sujeitos a forma escrita e cuja validade era condicionada pelo preenchimento de outros requisitos legais, pretende precipitar na sua esfera jurídica um direito cuja constituição definitiva ainda estava dependente da opção de cada uma das RR. ao abrigo do principio da liberdade contratual.

Noutros termos, ao defender no concreto contexto negocial que já se constituíra sobre as RR. a obrigação de concluir os contratos, o A. parte do pressuposto, que a lei não legitima, de que o arbítrio da vontade pode ficar aprisionado ainda antes de a contraparte declarar a sua opção final relativamente à celebração ou à não celebração do contrato.

Será sempre problemática a defesa de uma obrigação de concluir o processo negocial em casos, como o presente, em que a sua concretização obedece a requisitos formais e em que, além disso, a formalização estava condicionada por outras exigências legais, designadamente as que respeitam à regularidade da licença de utilização do espaço.

Com efeito, quer para o arrendamento, quer para o trespasse é exigida a forma escrita (arts. 1069º e 1112º, nº 3, do CC), sendo que no que ao contrato de arrendamento importa, a sua outorga depende da existência de licença de utilização para todo o espaço, nos termos do art. 2º, al. d), e 5º, nº 1, do Dec. Lei nº 160/06, de 8-8), para além da regularização administrativa no que concerne ao funcionamento de estabelecimento de restauração e bebidas.

É certo que alguns autores admitem esta possibilidade, mas, ainda assim, reservam-na para situações claramente excepcionais em que na realidade as partes já atingiram um estádio em que existe um acordo pré-contratual completo, faltando apenas a sua formalização.

Assim o conclui Paulo Mota Pinto, em Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo», vol. II, pág. 1345, citado no acórdão recorrido, quando refere que, “em princípio, no caso de não conclusão ou de recusa de celebração do contrato, o comportamento que conduz à indemnização é apenas a criação da confiança, e não a violação de qualquer dever de contratar ou a própria ruptura”.

Uma tal possibilidade poderá congeminar-se em situações excepcionais, designadamente perante contratos consensuais ou que não dependam do cumprimento de outras exigências legais e em que, por interpretação das declarações negociais verbais ou escritas, se pode chegar à conclusão de que o processo negocial já atingiu um estado de maturidade que implica para a parte a obrigação de o concluir. Mais difícil será justificar esta mesma asserção em processos negociais que, como os que estão em causa, são rodeados de complexas formalidades ou requisitos que tornam indispensável uma opção final em que ainda se manifeste a liberdade contratual de cada uma das partes.

Não pode, aliás, ignorar-se que uma imposição generalizada de tal regra à globalidade dos processos negociais entraria em confronto com o princípio da liberdade contratual que é integrado não apenas pela liberdade de fixação do conteúdo dos contratos, nos termos fixados no art. 405º do CC, como ainda, e em primeiro lugar, pela liberdade de concluir ou de não concluir contratos.

No caso presente, em que se trata de processos negociais tendentes à outorga de um contrato de trespasse de estabelecimento comercial e de um contrato de arrendamento comercial, a afirmação peremptória da obrigatoriedade de cada uma das RR. concluir tais contratos no estádio em que se encontravam os respectivos processos negociais dificilmente se compaginaria com outras normas que regulam a recusa da outorga de certos contratos definitivos mesmo quando o respectivo processo negocial e os compromissos já se traduziram na formalização de contratos-promessa (v.g. de compra e venda, de arrendamento, de trespasse, de cedência de quotas, etc.).

Repare-se que nestas circunstâncias, malgrado a densidade dos compromissos formados entre as partes (e com ressalva dos casos previstos o nº 3 do art. 410º do CC em que se atribui ao promitente adquirente o direito de execução específica), continua a ser reconhecido a cada uma das partes o direito ao arrependimento, sendo a recusa de cumprimento do contrato prometido cominada apenas com a atribuição de um direito de indemnização que normalmente é fixado através do mecanismo do sinal ou do estabelecimento de uma cláusula penal, efeito que não é comparável com o cumprimento do contrato prometido.

Ora, sendo este o regime legal genericamente previsto para situações em que o processo negocial já atingiu a fase correspondente à solene promessa de contratar, não vemos motivos para que no caso presente se reconheça que na ocasião em que ocorreu a ruptura negocial já se constituíra na esfera das RR. uma verdadeira obrigação de celebrar os contratos negociados, a que correspondesse na esfera do A. o direito de exigir essa outorga.


6. No caso concreto, uma conclusão diversa mostrar-se-ia especialmente precipitada.

Sob a perspectiva das RR., é verdade que, como se disse, ocultaram a existência de outro interessado nos contratos e que, sem justificação alguma, recusaram prosseguir as negociações estabelecidas com o A. Porém, também é certo que ainda não estavam reunidas as condições necessárias para assumirem um compromisso formal, fosse a promessa de contratar, fosse a outorga dos contratos de trespasse e de arrendamento. Com efeito, o estabelecimento comercial estava inquinado pela irregularidade da respectiva licença de utilização que, como se apurou, não abarcava o espaço da sobreloja, apesar de fisicamente estar ocupada pelo restaurante. A existência e a apresentação de licença de utilização para todo o espaço constituía um requisito de validade dos contratos definitivos, tendo em conta os efeitos que para as RR. poderiam advir se acaso não fossem ultrapassadas, por culpa sua, as dificuldades de ordem administrativa especialmente relevantes quando se trata de estabelecimento de restauração.

Mas também sob a perspectiva do A. a situação não era mais favorável. O seu plano negocial ainda não se encontrava estabilizado e persistiam dúvidas da sua parte relativamente ao licenciamento final do estabelecimento (dúvidas que, aliás, se confirmaram quando o A. verificou a falta de alvará de utilização para todo o espaço, a exigir diligências complementares que não foram concluídas) e que só seriam definitivamente ultrapassadas com a licença de utilização do espaço que no projecto de remodelação estava previsto para o restaurante.

A observação directa de que no projecto de construção que fora licenciado esse espaço estaria afecto ao restaurante era um primeiro e importante passo no sentido da clarificação das dúvidas, mas tal só se concretizou na ocasião em que recebeu a informação de que os contratos já haviam sido outorgados com terceiro. Acresce ainda o facto de o A. pretender candidatar-se a uma linha de crédito especial destinada a investimentos na área do turismo, a qual estava dependente da resolução daqueles obstáculos ou, ao menos, da demonstração de que a regularização de todo o espaço estaria em vias de ser resolvida através das obras de remodelação do prédio que estavam em curso.

O processo negocial tinha avançado e muito provavelmente, segundo o curso normal os acontecimentos e a conduta das partes orientada pelas regras da boa fé, poderia culminar com a sua formalização. Porém, nas circunstâncias em que ocorreu o corte do processo negocial por parte das RR. nem estas nem tão pouco o A. estavam em condições de assumir já um compromisso formal. Este porque ainda efectuava averiguações em torno da regularidade do alvará do estabelecimento comercial ou das condições em que poderia vir a ser aprovado o projecto de remodelação. Pretendia ainda recorrer a uma linha especial de crédito, o que demandaria naturalmente outras diligências. As RR. porque estavam impedidas de validamente proceder à transmissão do direito ao trespasse ou à outorga do contrato de arrendamento condicionado pelos mesmos motivos que não haviam clarificado totalmente perante o A.

Sendo inequívoco, como se disse, que o processo negocial foi abrupta e injustificadamente decepado pelas RR. que paralelamente negociavam com outro interessado, o estádio em que se encontravam as negociações não permite afirmar que sobre as RR. impendesse já uma real obrigação de conclusão dos contratos.

Ora, ainda que de modo não totalmente pacífico, a ponderação, para efeitos indemnizatórios, do interesse contratual positivo apenas poderia ser exercitada em face de situações em que se tivesse um estádio que permitisse descobrir já a existência de uma verdadeira obrigação de contratar.

Falhando este pressuposto, é liminarmente afastada a possibilidade de atender a uma pretensão indemnizatória calculada a partir da ponderação do interesse contratual positivo afectado pela actuação ilegítima das RR.


7. Quer no campo jurisprudencial, quer no doutrinal predomina o entendimento de que, em face do disposto no art. 227º do CC, em situações de ruptura de processos negociais apenas são valorados os danos correspondentes ao interesse contratual negativo, excluindo os que respeitam ao dano contratual positivo, ou seja, os que corresponderiam aos lucros ou vantagens patrimoniais que seriam susceptíveis de ser alcançadas se acaso tivesse sido concluído o processo negocial.

É verdade que outras decisões ou opiniões têm surgido também a defender a aplicação das regras gerais da responsabilidade civil a todos os casos de responsabilidade pré-contratual ou a admitir especificamente a indemnização pelo dano contratual positivo nos casos em que a fase da negociação já está concluída.

Foi este o entendimento adoptado nos Acs. do STJ, 28-4-09, de 4-2-06, de 3-3-04, de 11-1-07 (www.dgsi.pt), ou no Ac. do STJ, 26-1-06, CJSTJ, tomo I, pág. 40.

Não adoptamos, contudo, esta orientação.

A latitude das situações da vida real e a fluidez dos preceitos que regulam a responsabilidade pré-contratual propiciam a defesa de soluções como a que se referiu, sob o pretexto de parecerem mais “justas” numa perspectiva do direito material. O recurso a soluções semelhantes encontradas noutras latitudes constitui também um argumento adicional que leva a pretender importá-las para uma área do direito privado em que os problemas são comuns.

Não cremos, porém, que seja esta uma boa maneira de resolver os problemas jurídicos, menos ainda quando são submetidos a instâncias judiciárias em que, acima da especulação doutrinal, das opiniões ou das objecções, importa observar as normas de direito positivo e integrar nelas a realidade emergente dos factos provados, sem sobressaltos que ponham em causa os valores da segurança e da certeza jurídica que a todos servem.

Neste campo, não podem os tribunais e, com acrescidas razões, não pode este Supremo Tribunal de Justiça desligar-se do modo como questões de contornos semelhantes têm sido resolvidas em casos paralelos. A aplicação do direito, posto que orientada por objectivos de justiça material, não dispensa a atenção aos precedentes jurisdicionais de modo a evitar que realidades semelhantes acabem por ser solucionadas de forma diametralmente oposta.

Nos casos, como o presente, em que o processo negocial foi ilegitimamente interrompido antes da sua outorga final ou, mais ainda, antes da conclusão de negócios de natureza formal, cremos excessiva uma tutela concedida ao contraente prejudicado determinada a partir da situação hipotética em que porventura teria ficado se acaso o processo negocial tivesse seguido o seu curso natural, culminando na conclusão do contrato.

Um forte argumento neste sentido pode ser extraído dos arts. 898º e 908º do CC que, relativamente ao contrato de compra e venda afectado por dolo, prescrevem apenas a indemnização pelo dano contratual negativo. Trata-se de casos paralelos que não podem deixar de ser ponderados quando se trata de extrair do art. 227º do CC o seu verdadeiro alcance para processos negociais interrompidos.

Outro argumento pode ser obtido a partir do regime do contrato-promessa, na medida em que representando um elevado comprometimento das partes, sem embargos dos casos em que é admitida a execução específica, a indemnização pelo incumprimento ou é fixada através do regime do sinal ou cláusula penal, ou obedece à regra geral que apenas pondera o interesse contratual negativo.


8. A matéria da delimitação da indemnização em casos de responsabilidade pré-contratual tem sido objecto de um significativo acervo de arestos deste Supremo Tribunal de Justiça que de uma forma que nos parece consistente vem afirmando a limitação da indemnização ao interesse contratual negativo, excluindo os danos que seriam valorados por uma visão do problema que defende a ponderação do dano contratual positivo.

É essa a solução que permite colocar o interessado na posição em que estaria se acaso não tivessem sido violadas as regras da boa fé ou o princípio da lealdade negocial, sem ir ao ponto de estabelecer a equiparação com os casos em que a actuação da contraparte redundou no incumprimento de um contrato que tenha sido outorgado, depois de percorrido todas as etapas do processo negocial.

Como o revela Ferreira de Almeida, ob. cit., pág. 363, a jurisprudência e a doutrina maioritárias vão neste sentido (“sendo a doutrina e a jurisprudência fortemente dominantes, são indemnizáveis … apenas os danos correspondentes ao Interesse contratual negativo ou da confiança”).

Assim o colhemos da jurisprudência deste Supremo através de www.dgsi.pt: Acs do STJ, de 31-3-11, de 6-12-10 e de 18-12-12.

No campo doutrinário advogam a mesma solução Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. I, pág. 317, Almeida Costa, Responsabilidade Civil pela Ruptura das Negociações Preparatórias de um Contrato, pág. 75, Pais de Vasconcelos, Teoria Geral de Direito Civil, 8ª ed., pág. 435.

Também assim, Paulo Mota Pinto, em Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo», vol. II, pág. 1345, para quem, “só em casos assumidamente excepcionais, quando se possa afirmar a existência de um verdadeiro dever de conclusão do contrato – ou, de outra perspectiva, um direito a essa conclusão - a obrigação de quem rompeu as negociações, recusando-se a prossegui-las, ou de quem se recusou a celebrar o contrato, poderá corresponder ao interesse positivo (na conclusão do contrato). Acrescenta ainda que “admitimos, porém, a existência de tais casos, muito excepcionais (mas também já reconhecidos na nossa jurisprudência) em que a indemnização se não limita ao interesse negativo, desde que a vinculação pré-contratual se tenha densificado já ao ponto de ter surgido um verdadeiro dever de conclusão do contrato, de tal modo que, “o evento que obriga à reparação” passa a ser, justamente, a não conclusão do contrato. Nesses casos poderá, pois, existir uma indemnização em dinheiro, medida pelo interesse positivo na conclusão”.

Por conseguinte, não se verificam os pressupostos para que possa ser admitida a indemnização pelos danos correspondentes ao interesse contratual positivo.


9. Suscitou ainda o A. a dispensa de pagamento de taxa de justiça na parte correspondente ao valor processual superior a € 275.000,00, alegando, para além da simplicidade do processo o modo como agiu.

Tal norma admite que seja aplicada a dispensa relativamente ao remanescente da taxa de justiça devida pelo recurso de revista, mas já não permite que nesta sede possa ser ponderada a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça correspondente quer á acção declarativa, quer ao recurso de apelação.

Por outro lado, a norma considera relevantes para a atribuição daquela dispensa designadamente a complexidade da causa (rectius, do recurso de revista) e a conduta que nessa fase processual as partes adoptaram.

Ora, quer o teor, quer a extensão das alegações de recurso revela bem a dificuldade das questões que foram suscitadas em torno da delimitação do direito de indemnização e da ponderação ou não do interesse contratual positivo, não havendo motivos para a referida dispensa que deve ser encarada com excepcionalidade e reservada para situações em que a obrigatoriedade de pagamento da taxa de justiça integral correspondente ao recurso de revista (Tabela I-B anexa ao RCP) revelasse porventura a violação do princípio da proporcionalidade.

Repare-se que para o efeito se revela indiferente a falta de contestação. Esta circunstância determinou a confissão ficta dos factos, mas este Supremo Tribunal tem o seu campo de actuação delimitado pela análise de questões de direito que, como se disse, se revelaram algo complexas.


IV – Face ao exposto, acorda-se em:

a) Julgar improcedente a revista, confirmando-se o acórdão recorrido;

b) Indeferir a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça devida pelo recurso de revista.

Custas da revista a cargo do A.

Notifique.

Lisboa, 27-4-17


Abrantes Geraldes (Relator)

Tomé Gomes

Maria da Graça Trigo