Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
270/04.5TBOFR.C1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
DANOS PATRIMONIAIS
INCAPACIDADE PERMANENTE LABORAL
DANO BIOLÓGICO
PENSÃO DE INVALIDEZ
CUMULAÇÃO DE INDEMNIZAÇÕES
DANO NÃO PATRIMONIAL
EQUIDADE
PODERES COGNITIVOS DO STJ
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 11/11/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Sumário :
1.Não são cumuláveis na esfera patrimonial do lesado a indemnização por perda de capacidade de ganho e o recebimento da pensão de invalidez que lhe foi atribuída pela segurança social com base no mesmo facto determinante da incapacidade.

2. Neste caso, por força do estabelecido nos arts. 6º e 7º do DL 187/07, de 10 de Maio, não há pagamento da prestação em causa ( pensão de invalidez) até que o somatório das pensões a que o beneficiário teria direito, se não houvesse a responsabilidade prioritária do terceiro, atinja o valor da indemnização arbitrada por perda de capacidade de ganho; e cabendo à Segurança Social , se tiver adiantado o pagamento da pensão de invalidez – nomeadamente, no período temporal anterior a ter-se apurado judicialmente o valor da indemnização devida pela privação da capacidade de ganho do lesado – o direito de exigir o reembolso das quantias efectivamente satisfeitas ao lesado.

3. O regime previsto nestes preceitos legais apenas se aplica ao valor indemnizatório arbitrado a título de específico ressarcimento do dano decorrente da perda de capacidade de ganho, não abrangendo a indemnização fixada para compensação do dano biológico sofrido pelo lesado, enquanto factor de diminuição somático-psíquica, sem imediata repercussão no valor pecuniário dos rendimentos auferidos.

4. É adequada uma indemnização de €80.000,00, fixada como compensação dos danos não patrimoniais, decorrentes de lesões físicas gravosas, múltiplas e incapacitantes , implicando internamentos prolongados, com imobilização e dores intensas, e envolvendo uma IPG de 45% e o reconhecimento pela segurança social de uma situação de invalidez, com degradação acentuada e irremediável do padrão e qualidade de vida do lesado.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


1.AA, por si e na qualidade de legal representante da filha menor, BB, e CC intentaram contra as seguradoras C......E...... de Seguros, S.A. – a que sucedeu a L......S....., S.A., - e T............ – Companhia de Seguros, S.A., acção condenatória, na forma ordinária, pretendendo ser ressarcidas dos danos resultantes de acidente rodoviário que causou a morte a seu marido e pai, respectivamente, quando conduzia o motociclo, segurado na T............, em que seguia a 1ª A., que ficou gravemente ferida, ao colidir com veículo pesado, segurado na R. L........... Na petição inicial, formulam as AA. os pedidos de condenação das RR. no pagamento das seguintes importâncias:

1) A R. C......E...... de Seguros, S.A., a pagar às AA., a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, a quantia de € 596.341,78, acrescida de juros desde a citação, à taxa legal, assim discriminada: para a A. AA, a quantia de € 499.675, 78, para cada uma das AA. BB e CC, a quantia de € 48.333,00, e, ainda, à A. AA as importâncias que se vierem a liquidar em execução de sentença pelos danos futuros previsíveis emergentes dos tratamentos e intervenções cirúrgicas a que ainda tiver de ser submetida, medicação, consultas, despesas com os mesmos e consequências definitivas; e, ainda, os juros; à taxa legal desde a citação.
2) A R. T............ – Companhia de Seguros, S.A., na eventualidade de se vir a apurar que o DD, condutor do veículo 00-00-00 teve também culpa no acidente e na medida dessa culpa, o que invoca por mera cautela, ser condenada a pagar à A. AA, a título de indemnização pelos danos próprios, patrimoniais e não patrimoniais, por esta sofridos em consequência do acidente, a quantia de € 230.624,55, e, ainda, as importâncias que se vierem a liquidar em execução de sentença pelos danos futuros previsíveis emergentes dos tratamentos e intervenções cirúrgicas a que ainda tiver de ser submetida, medicação, consultas, despesas com os mesmos e consequências definitivas; e, ainda, os juros; à taxa legal desde a citação.

As RR contestaram, impugnando a matéria respeitante à culpa na produção do acidente e questionando os montantes indemnizatórios pretendidos pelas AA.
Foi ainda suscitada intervenção principal pelo Instituto de Segurança Social. IP, deduzindo contra ambas as RR. pedido de reembolso de prestações de segurança social pagas às AA, no montante global de €25.058,57, acrescido das vincendas na pendência da acção - sendo tal pretensão identicamente contestada pelas seguradoras.
Após saneamento do processo, teve lugar a audiência final e foi proferida sentença em que – assentando na imputação do acidente exclusivamente ao condutor do motociclo, marido da 1ª A., – se decidiu:

«1. Julgar totalmente improcedente a presente acção intentada pelas AA., AA, por si e na qualidade de legal representante da filha menor BB, e CC, contra a R., L......S..... S.A, e, consequentemente, absolver esta do pedido contra si por aquelas formulado nos autos.
2. Julgar totalmente improcedente o pedido de reembolso deduzido pelo Instituto de Segurança Social, IP contra a R.,L...... S........ S.A, e, consequentemente, absolver esta de tal pedido de reembolso contra si por aquele formulado nos autos.
3. Julgar parcialmente procedente a presente acção intentada pela A., AA contra a R. T............ – Companhia de Seguros, S.A., e, consequentemente, condenar esta pagar à mencionada A., a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, o montante global de € 83.454,72 (oitenta e três mil, quatrocentos e cinquenta e quatro euros e setenta e dois cêntimos), e ainda de importâncias a liquidar posteriormente emergentes dos tratamentos a que continua a ser submetida, montantes estes acrescido de juros, desde a citação e até integral pagamento sobre o montante de € 3.454,72, bem ainda como outras importâncias a liquidar posteriormente emergentes dos tratamentos a que continua a ser submetida, e apenas desde a presente decisão e até integral pagamento sobre o montante de € 80.000,00, juros esses à taxa legal de 4%.
4. Julgar parcialmente procedente o pedido de reembolso deduzido pelo Instituto de Segurança Social, IP contra a R., T............ – Companhia de Seguros, S.A., e, consequentemente, condenar esta a reembolsar aquele no montante de € 5.102,31, acrescido de juros moratórios à taxa legal de 4%, desde a notificação de tal R. para contestar tal pedido e até integral pagamento.
5. Condenar as AA. e a R. T............, S.A. nas custas da acção, na proporção dos respectivos decaimentos, sem prejuízo do apoio judiciário de que gozam as AA.
6. Condenar o ISS, IP e a R. T............, S.A. nas custas do pedido de reembolso deduzido nos autos na proporção dos respectivos decaimentos.»

Inconformadas, apelaram, quer as AA, quer a R T............, impugnando o decidido quanto à matéria de facto e questionando os montantes indemnizatórios arbitrados, tendo a Relação, no acórdão recorrido, após ter considerado que a sentença não enfermava de qualquer erro na apreciação da prova, proferido a seguinte decisão:

1. Em julgar totalmente improcedentes os recurso das Apelantes sobre a decisão da matéria de facto.
2. Em julgar parcialmente procedente o recurso das Apelantes AA, BB e CC, ao qual se concede parcial provimento, revogando-se em consequência a douta sentença recorrida na parte em que fixou em € 20.000,00 a indemnização por danos não patrimoniais, alterando-se esse valor para € 60.000,00;
3. Em julgar parcialmente procedente o recurso da Apelante T............, SA, ao qual se concede parcial provimento, determinando-se em consequência a dedução da quantia de € 5.102,31 (correspondente ao capital de reembolso do ISSS, IP), no montante de € 60.000,00 a pagar por esta Apelante à Apelante AA (quantia fixada a título de indemnização pelo dano patrimonial futuro correspondente à perda de capacidade de ganho).
4. Em manter no restante a douta sentença recorrida.
2. Novamente inconformadas, recorreram para este Supremo as AA e a R T............, formulando nas respectivas revistas as seguintes conclusões que, como é sabido, lhes delimitam o objecto:
I
Caso a obrigação de indemnizar recaia sobra a Ré T............
1ª - Para fixar o dano não patrimonial, o juiz deve levar em conta os sofrimentos efectivamente padecidos pelo lesado, a gravidade do ilícito e os demais elementos do
"fattispecie", de modo a achar uma soma adequada ao caso concreto, a qual, em qualquer caso, deve evitar parecer um mero simulacro de ressarcimento.
2ª - In casu, o dano que foi violado foi a integridade física da Autora AA, que viu o acidente causar-lhe danos corporais de extrema relevância, que deixaram sequelas permanentes, quer a nível psicológico, quer a nível corporal/estético.
3ª - Seguindo uma classificação doutrinal, meramente auxiliar de um raciocínio sobre os padecimentos morais, os autos patenteiam um dano já com grande relevância na vertente de "dano moral" propriamente dito, quer em base na incapacidade permanente fixada (de 45%), quer na vertente do "pretium dolo ris" (ressarcimento da dor física sofrida) e finalmente na vertente do dano existencial e psíquico (o dano da vida de relação e o dano da dificuldade de "coping", ou seja, da dificuldade em lidar com a sua actual incapacidade., bem como a dificuldade nas relações sociais, a incapacidade para o desempenho das actividades diárias, de utilidade permanente, e próprias do passadio de vida de qualquer cidadão e de qualquer estrato social).
4ª - Tais danos consubstanciam-se numa considerável lesão sofrida pela Autora na sua integridade física (as dores físicas e as lesões determinantes da referida incapacidade) e psíquica (os sofrimentos e abalos psicológicos), ... E, como tal, não podem ser computados em menos de € 120.000,00,...
5ª - ... Sem prejuízo das demais quantias iá fixadas que a Autora não põe em causa.
6ª - Ao decidir nos termos constantes do douto Acórdão, foram violados os art°s. 494°; 496° n°. 3; 562°; 564° n°s. 1 e 2 e 566°, todos do C. Civil, de que foi feita uma incorrecta interpretação e/ou aplicação.
Sem prescindir, e caso a obrigação de indemnizar recaia sobre a Ré L......l
7a - O direito à vida do falecido DD deve ser valorado em € 75.000,00;
8ª - Os danos próprios do DD pelos momentos decorridos desde o embate até à sua morte devem ser computados em € 15.000,00
9ª - O dano moral próprio de cada uma das Autoras pela perda do marido e pai deve ser computado em € 30.000,00 para cada uma.
10ª - O dano decorrente da perda de rendimentos da Autora AA em virtude do falecimento do seu marido deve - ser computado em € 194.241,60 (€ 1.156,20 x 14 meses x 18 anos :3x2),
11ª - Os danos decorrentes da perda total do motociclo devem ser computados em € 2.094,23, correspondente ao valor do motociclo deduzido do valor dos respectivos salvados.
12ª - Verbas estas a que acrescem as devidas à Autora AA em virtude dos seus danos (patrimoniais e não patrimoniais) próprios.
NESTES TERMOS, e com o douto suprimento desse Venerando Tribunal, na procedência do presente recurso, revogando o Douto Acórdão recorrido e proferindo outro nos termos das conclusões que precedem, e sem prejuízo das demais quantias fixadas e não postas em causa, Vas. Exas farão, como sempre, a habitual Justiça.
II
1- O montante devido à recorrida AA título de indemnização pelo dano patrimonial futuro correspondente à perda de capacidade de ganho foi fixado em € 60.000,00.'
2- O referido valor, ressalvando o sempre o muito e devido respeito por opinião contrária, é manifestamente exagerado, que à face da matéria de facto apurada, quer à luz dos critérios utilizados para cálculo da indemnização em causa, quer, ainda à luz do Direito aplicável.
3- Em primeira linha, não foi tomada em consideração, para o cálculo indemnizatório, a circunstância de a recorrida AA, desde 08.01.2004, auferir € 238,82 mensais a título de pensão de invalidez.
4- Na verdade, sabe-se que a recorrida foi considerada incapaz para o exercício da sua profissão, pelos respectivos serviços da Segurança Social, em consequência directa e necessária das lesões que lhe advieram com o acidente dos autos.
5- A ser assim, como é, ao montante indemnizatório em causa sempre haverá que deduzir aquilo que a recorrida recebeu e receberá, a título de pensão de invalidez, do ISS, IP, pois de outro modo estará a recorrida a ser duplamente ressarcida pelo mesmo dano.
6- Com efeito, quer o direito da recorrida a receber indemnização pela perda de capacidade de ganho, quer o direito da recorrida a receber as sobreditas prestações da Segurança Social, derivam, como se referiu, dos mesmos factos: o acidente de viação dos autos e os danos que do mesmo advieram para a recorrida.
7- Não fosse o acidente e não fossem as sequelas físicas que do mesmo sobrevieram para a recorrida, esta nada teria direito a receber e, em concreto, nada teria direito a receber da Segurança Social. Isto é, não fosse o acidente, a recorrida AA não estaria hoje a receber, como está, uma pensão de invalidez.
8- Daí, não ser cumulável o montante recebido pela recorrida da Segurança Social com o montante que, a título de perda de capacidade de ganho, terá agora direito a receber da recorrente, precisamente porque um e outro constituem pagamentos derivados do rendimento que ela recorrida auferia à data do acidente.
9- Assim se decidiu, a título exemplificativo, no Ac. deste STJ, de 08/06/2006, publicado em www.dgsi.pt, onde se conclui que:
"As pensões de sobrevivência e o subsídio de funeral pagos pelo Centro Nacional de Pensões devem ser deduzidas no "quantum indemnizatório dos danos patrimoniais, sob pena de cumulação indevida de indemnizações.''''
10- Ignorando-se os pagamentos processados pelo ISS, estar-se-á a duplicar a indemnização que a recorrida, a este título, tem direito a receber.
11 - E não se diga - ressalvando o muito e devido respeito por opinião contrária - que ao valor indemnizatório em causa apenas e só deverão ser deduzidos os montantes que a aqui recorrente foi condenada a pagar ao ISS, IP, pois a questão determinante prende-se com a circunstância de a recorrida AA não poder ser duplamente ressarcida do mesmo dano, sabendo-se, como se sabe - e não é demais repeti-lo - que não são cumuláveis na esfera jurídica dos lesados indemnizações resultantes do mesmo dano.
12- Não se tomando em linha de conta a totalidade do recebimento das pensões pagas pela Segurança Social, inevitavelmente ocorrerá dupla indemnização, independentemente do valor que a recorrente foi condenada a pagar ao ISS, IP.
13-0 cálculo da indemnização em causa deverá ter, para além do mais, como ponto de referência a diferença entre o rendimento mensal da recorrida antes do acidente - € 250,00- e o montante mensal que, a título de pensão de invalidez, recebe mensalmente do ISSS, IP - € 238, 82. Esse elemento, conjugado com os demais critérios usualmente utilizados para ressarcimento do dano em causa, e ainda com recurso a critérios de equidade, determinam que a recorrida, a este título, tenha direito a receber da recorrente quantia não superior a € 4.000,00.

Sem Prescindir,
14- Ainda que assim se não entenda - o que não se concede - sempre o montante indemnizatório em causa se afigura exagerado.
15- Tomando como referência a idade da recorrida à data do acidente - 29 anos - a circunstância de a mesma, até Maio de 2006, haver sido integralmente ressarcida dos montantes devidos a título de perdas salariais, uma esperança média de vida de 70 anos, a IPP de 45% e o vencimento mensal de € 250,00, e conjugando todos estes factores de valoração do dano com critérios de equidade, afigura-se à recorrente perfeitamente justa e equilibrada a fixação do montante indemnizatório em causa em não mais de € 30.000,00.
16- A face dos factos relevantes para a apreciação da questão relativa às sequelas que do acidente resultaram para a recorrida e que determinam a atribuição a esta de compensação por danos não patrimoniais, afigura-se à recorrente ser manifestamente excessivo o montante a tal título fixado no douto acórdão recorrido.
17- Com efeito, é na justa medida dos danos sofridos que a recorrida tem o direito a ser compensada, e a justa medida dos danos concretizados nos autos permite concluir que o montante arbitrado de € 60.000,00 é inadequado, por excessivo, para compensar esses danos.
18- Na verdade, na fixação da indemnização o tribunal deve atender aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito - cfr. art.° 496°, n° 1, do CCivil.
19- Essa indemnização, preceitua o n° 3 do mesmo dispositivo legal, deve ser fixada equitativamente pelo tribunal.
20- Porém, se os danos não patrimoniais em causa nos presentes autos merecem, indiscutivelmente, a tutela do direito, já a gravidade que os mesmos revestem não justifica o arbitramento de uma indemnização de € 60.000,00.
21- Justifica-se, isso sim, que os mesmos sejam compensados com quantia não superior a € 20.000,00* aliás no seguimento do decidido na sentença proferida em primeira instância, bem como do que vem sendo decidido pelos nossos tribunais no âmbito dos cálculos das compensações devidas a título de danos não patrimoniais ocasionados por acidente de viação.
22- Aquele valor de € 20.000,00 constitui, assim, e ressalvando o devido respeito por opinião contrária, ajusta medida da compensação a arbitrar à recorrida.
23- No douto acórdão recorrido fez-se menos acertada interpretação dos factos e menos correcta aplicação da Lei, designadamente, do disposto nos art.°s 496°, 562°, 564° e 566°, todos do CCivil.
Pelo exposto,
Deve o douto acórdão recorrido ser revogado nos termos supra descritos, assim se fazendo
JUSTIÇA.

3. As instâncias fizeram assentar a solução jurídica do pleito na seguinte matéria de facto:

1. No dia 27 de Julho de 2003, pelas 19h00, ao Km 60,960 da EN 16, em Ferreiros, no concelho de Oliveira de Frades, deu-se um embate entre o motociclo de matrícula 00-00-00 e veículo pesado de passageiros de matrícula 00-00-00
2. No dia 27 de Julho de 2003, DD faleceu.
3. DD nasceu no dia 9 de Fevereiro de 1953.
4. Faleceu no estado de casado com AA.
5. Sem deixar legado, testamento ou outra disposição de última vontade.
6. Deixou a suceder-lhe a sua esposa AA e as suas filhas, BB e CC.
7. A estrada referida em 1. dispõe de 7,10 metros de largura, tem duas hemi-faixas de rodagem, e dois sentidos de marcha, delimitados por um traço descontínuo ao eixo da via.
8. No local referido em 1., no sentido Vouzela — Oliveira de Frades, a estrada desenvolve-se numa curva para a direita com visibilidade.
9. Na data e hora, referida em 1. era de dia e estava bom tempo.
10. Na data e local referido em 1., no sentido Vouzela — Oliveira de Frades, circulava o motociclo de matrícula 00-00-00, conduzido pelo DD.
11. O veículo pesado de passageiros de matrícula 00-00-00 circulava em sentido Oliveira de Frades — Vouzela.
12. Na data e local referidos em 10., o veículo referido em 11. era conduzido por EE.
13. A AA nasceu no dia 11 de Janeiro de 1974.
14. Na data referida em 1. a responsabilidade civil por danos causados a terceiros com a circulação do veículo com a matrícula 00-00-00 encontrava-se transferida para a L.....S......, por contrato de seguro, até ao limite de € 600.000, através da apólice n.° 0000000000.
15. A estrada no local apresenta pavimento asfaltado em bom estado de conservação.
16. Desenvolve-se em sucessivas curvas e contracurvas.
17. A estrada é marginada de ambos os lados por terrenos de pinhal, eucaliptal e mato.
18. O motociclo de matrícula 00-00-00 pertencia a DD.
19. O DD circulava com o capacete de protecção colocado na cabeça.
20. A A. AA seguia transportada no motociclo de matrícula 00-00-00.
21. Com o capacete de protecção colocado na cabeça.
22. Após o embate o corpo da A. AA ficou imobilizado fora da faixa de rodagem e do lado direito da estrada, atento o sentido de marcha Vouzela - Oliveira de Frades.
23. Era um homem robusto, saudável e alegre.
24. Gozava da estima e carinho de quantos com ele conviviam.
25. Vivia com a sua esposa e suas filhas, com quem tinha uma vida harmoniosa.
26. Com o falecimento de DD, as AA. sofreram dor e angústia, vivendo, ainda, a A. AA períodos de depressão.
27. Na data referida em 1., o DD era motorista internacional de pesados, ao serviço da Transbranca Transportes, S.A.
28. No exercício da sua actividade profissional, o DD recebia mensalmente as seguintes quantias, no total de € 1.156,20: vencimento base: € 569,00; diuturnidades: € 60.00; complemento TIIR: € 123,00; fim de semana: € 150,40; n.° 7 da cláusula 74: € 253,80.
29. Com as importâncias referidas em 28. contribuía para o sustento e economia familiar.
30. A A. AA despendeu com a agência funerária que tratou do funeral e transladação do corpo do DD quantia de € 1.470,00.
31. Mercê do embate, o motociclo 00-00-00 sofreu estragos que tornam a reparação inviável.
32. O seu valor comercial ascendia a € 2.394,23.
33. E o valor dos salvados orça em € 300,00.
34. Após o embate referido em 1., a autora AA foi conduzida ao Hospital de São Teotónio, em Viseu, onde foi admitida com o diagnóstico de “Politraumatizada”.
35. Tendo-lhe sido detectadas as seguintes lesões: Luxação do ombro esquerdo (escapulo-umeral); Fractura das costelas; Derrame pleural esquerdo com contusão pulmonar esquerda; Traumatismo torácico à esquerda; Rotura traumática do arco aórtico; Fractura da bacia com diástese da sínfise púbica; Fractura a nível dos membros superiores; Feridas do mento e dos membros superiores; Traumatismo craniano (concussão); e Feridas inciso contusas em diversas partes do corpo.
36. No Hospital referido em 34. prestaram-lhe os cuidados primários, tratamentos, limpeza, desinfecção e medicação das feridas e demais lesões referidas em 35.
37. Submeteram-na a: um TAC torácico e abdominal, um TAC craneo-encefálico, uma Ecografia abdominal, um RX ao tórax, um Electrocardiograma, uma Angiografia dos troncos supra-aórticos e aorta torácica, e Análises, para classificação do grupo sanguíneo.
38. Efectuaram-lhe os seguintes tratamentos: Aplicação de soro normal e soro antitetânico, Medicação com antibióticos e analgésicos, Colocação dreno intercostal à esquerda, Imobilização das fracturas com gesso, Suturação as de feridas inciso-contusas, Redução da luxação e imobilização do ombro, Entubação orotraqueal + SNG, e Transfusões sanguíneas.
39. No dia seguinte foram detectadas a lesão vascular e rotura traumática do arco aórtico.
40. O que determinou a sua transferência após DIC e entubação orotraqueal, com sangue e soro em curso, para os Hospitais da Universidade de Coimbra, de helicóptero, onde foi internada no Serviço de Cirurgia cardio-torácica, por apresentar traumatismo torácico, com ruptura da aorta torácica, contusão pulmonar à esquerda e derrame pleural à esquerda.
41. Nesse momento apresentava: Fractura sem desvio do ramo isquio-púbico esquerdo; Diástase da sínfise púbica por rotura do anel pélvico a nível da sacro-ilíaca esquerda; Fractura com angulação dos 30 e 40 metacárpicos da mão esquerda; Traumatismo torácico com fractura de arcos costais à esquerda; Fractura do rádio esquerdo, e Luxação do ombro esquerdo.
42. Nos serviços de urgência do Hospital referido em 40. foi-lhe efectuada: Redução das fracturas do membro superior esquerdo; Imobilização com tala gessada; Redução da luxação do ombro esquerdo; e sua imobilização.
43. A autora AA apresentava um hematoma mediastínico estendendo-se por cima da aorta torácica descendente e arco aórtico e um hematoma da parede torácica com descolamento da pleura parietal.
44. A sua aorta apresentava uma ruptura de 0,5 cm após a emergência da subclávia esquerda, interceptando cerca de um terço da circunferência da aorta torácica.
45. Foi submetida a uma intervenção cirúrgica para tratamento das lesões referidas em 44.
46. Após o que entrou em fase de pós-operatório.
47. E quatro dias depois foi transferida para os Serviços de Ortopedia dos Hospitais da Universidade de Coimbra.
48. Aí foi-lhe feito tratamento ortopédico conservador.
49. A autora AA permaneceu nos serviços de ortopedia dos HUC até 07/08/2003.
50. Na data referida em 49. foi transferida para o Hospital Infante D. Pedro em Aveiro.
51. No Hospital referido em 50., foi: Tratada à diástase da sínfise púbica — tratamento conservador com tracção cruzada e às fracturas não reduzidas do 4° e 50 metacárpicos da mão esquerda; Submetida a uma intervenção cirúrgica, sendo-lhe feita
fixação com os fios de Kirstner, Tratada à luxação escapulo umeral esquerda, a que foi feita redução e tratamento conservador; e Tratada à fractura dos vários arcos costais à esquerda.
52. Em 8/08/2003 foi remetida aos Hospitais da Universidade de Coimbra, por derrame pleural, onde foi reinternada no Serviço de Cirurgia Cardiotorácica e se procedeu à “ toilette “ pleural e verificação de patch aórtico, que se apresentava íntegro.
53. Em 15/08/2003 foi reenviada para o Hospital Infante D. Pedro em Aveiro, onde se manteve em vigilância, tratamentos e medicação.
54. Em 03/10/2003, teve alta hospitalar.
55. Passou a ser acompanhada nos serviços de Medicina e Reabilitação, com indicação para manter o tratamento fisiátrico e apoio psiquiátrico.
56. Em 20/10/2003 foi reavaliada em consulta externa nos HUC, tendo então alta clínica do serviço de Cirurgia Cardiotorácica.
57. Desde então a autora passou a ser acompanhada em regime ambulatório de consultas e tratamentos externos no Hospital Infante D. Pedro em Aveiro, tendo recorrido a consultas das especialidades de ortopedia, cardiologia, neurologia e psiquiatria, com vista ao acompanhamento da evolução do seu estado, até ao presente.
58. Durante todo o período de internamento nas várias instituições hospitalares em que esteve internada, a autora foi submetida a diversos tratamentos e medicação, tendo sofrido dores.
59. Devido ao traumatismo craneano sofrido, a autora ficou física e psicologicamente afectada, com dores de cabeça, tonturas, cefaleias occipitais.
60. Tem dificuldade em manter-se de pé.
61. Ficou afectada na sua orientação e coordenação de movimentos.
62. Por vezes tem que sentar-se ou apoiar-se em algo para não cair.
63. Perde a noção do local onde se encontra e esquece-se de tudo com facilidade.
64. A autora vê as coisas desfocadas.
65. Com as lesões sofridas no tórax e na coluna a autora ficou com deslocação acentuada dos ossos daquela zona.
66. O que a impede de fazer esforços mais acentuados e de efectuar movimentos de flexão e rotação da coluna.
67. Apresenta diminuição de resistência.
68. E dificuldade em efectuar movimentos de rotação da cabeça e levantar os braços.
69. Os seus braços apresentam falta de sensibilidade.
70. Sente dificuldades a curvar-se.
71. A autora apresenta rigidez articular, sem possibilidade de recuperação total.
72. Ficou com a coluna e grelha costal deformada.
73. Tem dificuldades em efectuar os movimentos de inspiração e expiração, sentindo dores quando os faz, mesmo quando está a descansar.
74. Devido às lesões sofridas na aorta e da entubação orotraqueal a que foi submetida, a autora ficou sem poder falar até 03/10/2003.
75. E quando saiu do Hospital, em 10/10/2003, só conseguia balbuciar palavras em tom baixo.
76. Actualmente a voz falha-lhe, ficando afónica, com alterações de voz e perde a voz quando se enerva.
77. Situação que se agudiza com as mudanças de temperaturas.
78. Em consequência da fractura do braço esquerdo e da luxação do ombro esquerdo, a autora ficou com os músculos do braço e antebraço esquerdos atrofiados.
79. Ficou com os ossos do braço esquerdo consolidados em posição viciosa.
80. Apresenta calos ósseos protuberantes que lhe dificultam os movimentos e quaisquer esforços.
81. Apresenta rigidez articular ao efectuar os movimentos de flexão, rotação e extensão, do membro superior esquerdo.
82. Que denota crepitação na sua mobilização passiva, na zona de inserção dos ligamentos e articulação.
83. A autora não consegue efectuar esforços com o braço esquerdo, nem pegar em objectos pesados.
84. Tem perda de sensibilidade do braço e antebraço esquerdos.
85. Por força das lesões sofridas no ombro e braço esquerdos estes ficam frequentemente dormentes e edemaciados.
86. Devido às fracturas dos 3° e 4° metacárpicos da mão esquerda, a autora ficou com os ossos da mão esquerda consolidados em posição viciosa.
87. Com os 3° e 4° dedos da mão esquerda defeituosos.
88. Apresenta calos ósseos protuberantes, o que lhe dificulta gravemente os movimentos do pulso, mão e dedos esquerdos.
89. Com as lesões sofridas e tratamentos a que foi submetido a autora sofreu dores.
90. Por força do embate referido em 1. a autora sofreu fractura da bacia, no ramo ísquio púbico esquerdo, o que lhe causa insegurança e instabilidade dos membros inferiores.
91. A autora apresenta rigidez articular nos movimentos de articulação da anca com a bacia à esquerda.
92. Ficou com diminuição e limitação funcional de arco de amplitude de movimentos dos membros inferiores, tendo dificuldades em apoiar-se sobre estes.
93. O lhe dificulta a marcha, a corrida, a permanência em pé a subida de locais íngremes e escadarias.
94. As pernas cedem e provocam-lhe quedas.
95. A autora ficou com deformações irreversíveis nos ossos da bacia.
96. Tem dores em toda a zona da anca.
97. Que se acentuam quando se encontra sentada.
98. Em virtude das lesões sofridas na região isquio púbica e ossos da bacia, os seus membros inferiores apresentam-se frequentemente dormentes e edemaciados.
99. Com estas lesões, os tratamentos a que foi e continua a ser submetida, a autora teve dores.
100. Que ainda tem ao efectuar movimentos mais acentuados e quando muda o tempo.
101. E a impedem de fazer os esforços.
102. A autora ficou com profundas e extensas cicatrizes espalhadas pelo seu corpo, fruto das feridas que sofreu no embate e das intervenções cirúrgicas a que foi submetida.
103. Tem períodos de depressão.
104. A A. AA ficou incapacitada para o trabalho desde 27.07.2003 até 25.05.2006.
105. A A. AA, em consequência das lesões sofridas, ficou afectada de incapacidade permanente geral fixável em 45%.
106. À data do embate referido em 1., a autora era uma mulher robusta, saudável, bem constituída, trabalhadora, alegre e jovial.
107. Em consequência do embate referido em 1., a autora sofreu desgosto.
108. Na data do acidente a A. AA trabalhava em limpezas, em casas de terceiros que lhe solicitavam tais serviços à hora, auferindo em tal actividade pelo menos € 250,00 mensais.
109. Em deslocações ao Centro de Saúde, aos médicos e aos hospitais para consultas e tratamentos gastou em transportes públicos a quantia a € 42,30.
110. Em medicamentos pagos à sua conta despendeu € 42,25.
111. Na data referida em 1. o veículo referido em 11. pertencia à Câmara Municipal de Vouzela.
112. O Salomão Figueiredo conduzia-o ao serviço da Câmara Municipal de Vouzela.
113. Em 8 de Janeiro de 2004, a autora AA requereu ao Instituto de Solidariedade e Segurança Social — Centro Nacional de Pensões pensão de invalidez.
114. A Comissão de Verificação da Segurança Social considerou a A. AA incapaz para o exercício da sua profissão a partir de 08.01.2004.
115. O Instituto de Solidariedade e Segurança Social – Centro Nacional de Pensões deferiu o pagamento à A. AA de uma pensão de invalidez no valor mensal de € 238,82 com efeitos a partir de 8 de Janeiro de 2004.
116. Desde Janeiro de 2004, o Instituto de Solidariedade e Segurança Social – Centro Nacional de Pensões efectuou o pagamento da pensão referida em 115., tendo pago até Julho de 2005 a quantia de € 5.102,31.
117. A A. AA, por si e em representação das suas filhas BB e CC, requereu o pagamento de prestações por morte de DD, tendo estas sido deferidas.
118. Em consequência, o Instituto de Solidariedade e Segurança Social – Centro Nacional de Pensões efectuou o pagamento da quantia de € 19.956,26 referente ao período de Agosto de 2003 até Julho de 2005.
119. E continuará a pagar a quantia de € 298,20 mensais à A. AA e a quantia de € 99,40 mensais à BB.
120. Na data referida em 1., o DD havia transferido a responsabilidade civil por danos causados a terceiros coma circulação do veículo com a matrícula 00-00-00 para a R. Companhia de Seguros T............, S.A., por contrato de seguro, até ao limite de € 600.000,00, através da apólice Nº 03-4100890742.
121. O veículo HH circulava a uma velocidade não superior a 40 Kms/hora.
122. O veículo HH circulava dentro da hemi-faixa de rodagem direita, atento o sentido de marcha Oliveira de Frades – Vouzela.
123. O condutor do veículo HH encostou este o mais possível ao lado direito da faixa de rodagem por onde circulava quando se apercebeu da presença do ciclomotor nesta, acabando por imobilizar o HH.
124. Foi então que o ciclomotor GC embateu com a sua parte frontal na frente lateral esquerda do veículo HH.
125. No momento referido em 1., o condutor do HH circulava no exercício das suas funções de motorista e ao serviço da sua entidade patronal.
4.Na alegação que apresentaram no presente recurso, formulam as AA/ recorrentes um pedido subsidiário de impugnação para o caso de , em consequência de, no âmbito da eventual interposição de recurso pela R T............, vir a ser modificada a conclusão das instâncias de que o acidente em causa foi exclusivamente imputável ao condutor do motociclo – marido e pai das AA – sustentando que, se assim se não entender, considerando-se também responsável pelo acidente o condutor do pesado com que aquele colidiu, deveria a respectiva seguradora, a L......, ser
condenada a ressarcir as AA pelos danos conexionados com a perda do direito à vida da vítima.
Tal questão mostra-se, porém, precludida, já que a T............, no recurso que efectivamente interpôs, se limitou a questionar o valor dos danos próprios sofridos pela 1ª A, decorrentes das lesões físicas que sofreu enquanto passageira do motociclo conduzido pela vítima mortal da colisão

– estando, deste modo, definitivamente arrumada, face à matéria de facto apurada, a questão da dinâmica do acidente e da culpa na sua eclosão.

5.O recurso interposto pela R. T............ prende-se, em primeiro lugar, com a problemática do ressarcimento dos danos patrimoniais futuros, ligados à perda de capacidade de ganho da 1ª A, em consequência das sequelas das graves lesões sofridas com o sinistro, envolvendo resposta a duas questões:

- está adequadamente valorado tal dano em €60.000, tendo em conta o nível de rendimento auferido à data do acidente e as sequelas incapacitantes que dele derivaram ?– pugnando a seguradora /recorrente pela redução de tal montante indemnizatório para valor que, em nenhum caso, poderia exceder o quantitativo de €30.000;

- qual o tratamento jurídico a dar, em sede indemnizatória, à situação da A. perante a Segurança Social, em consequência de lhe ter sido atribuída uma pensão de invalidez de montante praticamente equivalente ao valor pecuniário que efectivamente auferia das actividades profissionais exercidas? - sustentando a seguradora/recorrente que , sob pena de duplicação do ressarcimento do mesmo dano ( a privação de rendimentos profissionais) , deveria deduzir-se do «quantum» indemnizatório a receber a esse título os valores auferidos através do pagamento da dita pensão de invalidez, a cargo da Segurança Social .
Começando pela abordagem desta última questão, importa salientar a linha argumentativa seguida no acórdão recorrido, onde se afirma:

Nas suas doutas alegações, a T............, SA considera não ser cumulável o montante recebido pela Autora AA da Segurança Social com o montante que, a título de perda de capacidade de ganho, terá agora direito a receber da recorrente, precisamente porque um e outro constituem pagamentos derivados do rendimento que ela recorrida auferia à data do acidente.
Conclui a Apelante, que tais quantias devem ser deduzidas no valor que terá que pagar à Autora a título de dano por perda da capacidade de ganho.
No cálculo aritmético que faz, a Apelante deduz € 238,82 (prestação da Segurança Social) ao valor da retribuição mensal (€ 250,00), para concluir que a Autora apenas deverá receber a quantia de € 4.000,00 a título de dano patrimonial traduzido na perda da capacidade de ganho.
Salvo todo o respeito devido, as contas estão claramente erradas.
Vejamos porquê.
Releva quanto a esta matéria a seguinte factualidade provada:
1. Em 8 de Janeiro de 2004, a autora AA requereu ao Instituto de Solidariedade e Segurança Social — Centro Nacional de Pensões pensão de invalidez. (facto 113)
2. A Comissão de Verificação da Segurança Social considerou a A. AA incapaz para o exercício da sua profissão a partir de 08.01.2004. (facto 114)
3. O Instituto de Solidariedade e Segurança Social – Centro Nacional de Pensões deferiu o pagamento à A. AA de uma pensão de invalidez no valor mensal de € 238,82 com efeitos a partir de 8 de Janeiro de 2004. (facto 115)
4. Desde Janeiro de 2004, o Instituto de Solidariedade e Segurança Social – Centro Nacional de Pensões efectuou o pagamento da pensão referida em 115., tendo pago até Julho de 2005 a quantia de € 5.102,31. (facto 116)
5. Na douta sentença recorrida foi julgado parcialmente procedente o pedido de reembolso deduzido pelo Instituto de Segurança Social, IP contra a R., T............ – Companhia de Seguros, S.A., e, consequentemente, condenada esta a reembolsar aquele instituto no montante de € 5.102,31, acrescido de juros moratórios.
Em suma, a Autora AA, na sequência do acidente ficou incapaz para a sua actividade profissional, o que determinou a reforma por invalidez e a respectiva pensão.
Acontece que, da referida pensão, processada pelo ISSS, IP, a Apelante T............, SA, apenas terá que reembolsar a quantia de € 5.102,31 (já paga), dado que a sub-rogação não se verifica em relação às prestações futuras, atenta a doutrina do Assento do STJ de 9.11.1977, in BMJ 271°-100.
Por outro lado, conforme se aprofundou supra, o facto de não resultar diminuição de proventos salariais, em consequência da incapacidade não significa a inexistência de danos patrimoniais, porque estes traduzem-se no agravamento da penosidade para a execução, com regularidade e normalidade, das tarefas próprias e habituais da actividade profissional, devendo ter-se ainda em conta os prejuízos que, com grande probabilidade, ocorrerão e que se prendem com dificuldades na progressão da carreira e diminuição da esperança de vida.
Ou seja: o dano biológico em causa é compatível com o facto de o lesado não ter qualquer perda salarial.
Revela-se assim claramente improcedente a tese da Apelante T............, SA, quando pretende a dedução que equaciona.
A Apelante tem, isso sim, direito a deduzir na prestação paga à Autora a título de danos patrimoniais decorrentes da perda de capacidade de ganho, a quantia que foi condenada a reembolsar o ISSS, IP.
É esse o sentido pacífico da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente no acórdão que invoca, de 8.06.2006 (1), que se transcreve parcialmente:
«A pensão de sobrevivência paga pelo CNP deve ser deduzida na quantia atribuída a título de indemnização pela quebra do rendimento familiar sob pena de cumulação indevida de ressarcimentos. Por isso o CNP fica subrogada no direito às importâncias que pagou, quer a título de pensão de sobrevivência, quer de subsídio por morte, reembolso a prestar pela seguradora (cf. v.g. os Acórdãos do STJ de 1 de Maio
de 1995 – 047034 - de 7 de Fevereiro de 1996 – 086184 - de 15 de Dezembro de 1998 - 98B827 - de 21 de Outubro de 1999 - 99B061 - e de 5 de Junho de 2004 - 04B1217).
Não é possível cumular as prestações da Segurança Social com a indemnização devida por factos ilícitos.
À quantia atribuída a título de indemnização pelos danos patrimoniais a pagar pela seguradora aos lesados serão, em consequência, subtraídas as quantias pagas pelo Centro Nacional de Pensões.»
O mesmo entendimento vem expresso no acórdão do STJ, de 23.10.2003 (2), relatado pelo Conselheiro Salvador da Costa, com a habitual profundidade, onde, depois de uma exaustiva descrição da evolução do regime legal de sub-rogação da Segurança Social, conclui que o Centro Nacional de Pensões tem direito a exigir da seguradora o que pagou a título de pensão de sobrevivência e de subsidio por morte, com a necessária implicação de esse valor ser deduzido ao montante indemnizatório atribuído aos lesados.
Ainda no mesmo sentido, veja-se o acórdão do STJ de 10.10.1996 (3)
.
Como se refere no acórdão relatado pelo Conselheiro Salvador da Costa, no desenvolvimento do regime de sub-rogação, a lei estabeleceu mecanismos tendentes a facilitar às instituições de segurança social o reembolso do valor por elas despendido a título de prestações sociais, sem distinção de natureza, à custa dos responsáveis pelo pagamento de indemnizações derivadas de factos que originaram o evento delas determinante (artigos 1º e 2º do Decreto-Lei nº. 59/89, de 22 de Fevereiro).
O disposto nos artigos 16º da Lei nº. 28/84, de 14 de Agosto, e no artigo 71º da Lei nº. 32/2002, de 30 de Dezembro, traduz-se em normativo especial de sub-rogação legal, no confronto do que prescreve o artigo 592º, nº. 1, do Código Civil, segundo o qual, o terceiro que cumpre a obrigação fica sub-rogado nos direitos do credor se tiver garantido o cumprimento ou haja outra causa do seu interesse directo na satisfação do direito de crédito.
O direito de sub-rogação das instituições de segurança social e, consequentemente, a não definitividade do encargo com o pagamento, por exemplo, das pensões de sobrevivência e do subsídio por morte, só existe no caso de concorrência, pelo mesmo facto, do direito a prestações pecuniárias dos regimes de segurança social com o de indemnização a suportar por terceiro.
Este direito de sub-rogação coloca as instituições de segurança social na titularidade do direito de crédito indemnizatório dos familiares do falecido contra o terceiro civilmente responsável pela morte do beneficiário em causa.
As instituições de segurança social assumem um papel meramente subsidiário e provisório face à obrigação de indemnização de que é sujeito passivo o autor do acto determinante da responsabilidade civil.
Não sendo cumuláveis na esfera jurídica dos lesados, indemnizações resultantes do mesmo dano (in casu perda da capacidade de ganho), de acordo com a doutrina expressa nos acórdãos do Supremo referenciados supra, há que deduzir ao valor pago à Autora AA, a título de indemnização por dano decorrente da perda da capacidade de ganho, a quantia de € 5.102,31, em que a Apelante T............, SA foi condenada a reembolsar o ISSS, IP.
Procede assim apenas parcialmente o recurso da Apelante T............, SA.

Saliente-se, todavia, que – no presente recurso - não estamos confrontados com a problemática da cumulação de uma pensão de sobrevivência ou do subsídio por morte com o recebimento da indemnização por danos patrimoniais decorrentes do decesso do beneficiário, mas antes com a possível cumulação de uma pensão de invalidez, auferida pela lesada, - beneficiária da segurança social e incapacitada pelas sequelas das gravosas lesões físicas que o acidente lhe causou – com o montante indemnizatório que visa compensar especificamente a perda de uma capacidade de ganho.

Para resolver esta questão, é naturalmente necessário começar por fazer apelo ao regime legal das pensões de invalidez – actualmente definido no DL.nº 187/07, de 10 de Maio, nos seguintes termos:

SECÇÃO II
Regime da responsabilidade civil de terceiro na protecção na invalidez

Artigo 6.o
Responsabilidade civil de terceiro

1—Existindo responsabilidade civil de terceiro pelo
facto determinante da incapacidade que fundamenta a
atribuição da pensão de invalidez, não há lugar ao pagamento
das respectivas prestações até que o somatório
das pensões a que o beneficiário teria direito, se não
houvesse tal responsabilidade, atinja o valor da indemnização
por perda de capacidade de ganho.
2—Quando não seja discriminado o valor da indemnização
por perda da capacidade de ganho, presume-se
que a mesma corresponde a dois terços do valor total
da indemnização atribuída.

Artigo 7.o
Direito ao reembolso das pensões pagas

Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, se tiver
havido pagamento de pensões, a instituição gestora tem
o direito de exigir o respectivo reembolso.

Artigo 8.o
Não pagamento da indemnização por falta de bens penhoráveis
Nos casos em que, por falta de bens penhoráveis,
o beneficiário não possa obter do responsável o valor
da indemnização devida, não há lugar à aplicação do
disposto no artigo 6.o

Artigo 9.o
Celebração de acordos
1—Nos casos em que o pedido de reembolso do
valor das pensões não tiver sido judicialmente formulado
pela instituição gestora, nenhuma transacção pode ser
celebrada com o beneficiário titular do direito à indemnização
nem pode ser-lhe efectuado qualquer pagamento
com a mesma finalidade sem que se encontre
certificado, pela mesma instituição, o pagamento de pensões
e o respectivo montante.
2—Havendo acordo, o responsável pela indemnização
deve:
a) Comunicar à instituição gestora o valor total da
indemnização devida;
b) Reter e pagar directamente à instituição gestora
o valor correspondente ao das pensões pagas, até ao
limite do montante da indemnização.
3—Em caso de incumprimento do disposto nos
números anteriores, o terceiro responsável pela indemnização
responde solidariamente com o beneficiário
pelo reembolso do valor das pensões pagas a este.
Saliente-se que este regime coincide estritamente com o que constava dos arts. 9º a 12º do DL. 329/93, em vigor à data do acidente, o que torna inútil a abordagem da interpretação das normas transitórias inseridas no diploma legal actualmente vigente.

Das normas definidoras da articulação entre a pensão de invalidez e a possível obrigação de indemnizar emergente da responsabilidade civil de terceiros pelo facto determinante da incapacidade em que se fundamente a atribuição de tal pensão decorre, pois, que:

- não é obviamente possível ao lesado cumular tal pensão – de natureza manifestamente ressarcitória da perda de remunerações laborais, radicada na incapacidade por ele sofrida – com a indemnização dos danos
patrimoniais futuros, decorrentes precisamente da privação de rendimentos laborais;
- que, neste caso, o legislador estabeleceu regime diverso da normal e típica figura da subrogação legal : em vez de caber à Segurança Social a obrigação de pagar a respectiva prestação social, sucedendo, por subrogação, nos direitos do lesado contra o lesante , não há pagamento da prestação em causa ( pensão de invalidez ) até que o somatório das pensões a que o beneficiário teria direito, se não houvesse a responsabilidade prioritária do terceiro, atinja o valor da indemnização arbitrada por perda de capacidade de ganho;

- por outro lado, e para a hipótese de a Segurança Social ter adiantado o pagamento da referida pensão de invalidez – nomeadamente, como ocorre no caso dos autos, no período temporal anterior a ter-se apurado judicialmente o valor da indemnização devida pela privação da capacidade de ganho do lesado – atribui-se-lhe o direito de exigir o respectivo reembolso.

Transpondo este regime legal para o caso sub juditio, verifica-se, desde logo, que não pode proceder a pretensão da seguradora de abater ou compensar no valor da indemnização devida o montante da pensão de invalidez auferida pela lesada : na verdade, e por força do regime legal atrás referido, o recebimento de tal quantia indemnizatória pelo lesado/beneficiário irá antes determinar a suspensão do pagamento da pensão até que se atinja o valor pecuniário da indemnização arbitrada pela perda da capacidade de ganho.
Porém, e no que se refere às prestações adiantadas pela Segurança Social na pendência da lide, antes de estar judicialmente fixada a existência e o montante da indemnização que compensa a perda da capacidade de ganho do lesado, há naturalmente que lhe conceder o direito ao reembolso contemplado no art. 7º, atrás citado : ora, tendo em conta que as instâncias já determinaram a dedução do valor de €5.102,31, correspondente às pensões de invalidez pagas até 7/2005 (fls 132), importa reconhecer, nos termos, aliás, peticionados no requerimento de intervenção principal da Segurança Social, o respectivo direito ao reembolso pelos montantes ulteriormente pagos a título de pensão de invalidez – o que importará a consequente dedução na indemnização arbitrada à lesada, a título de perda de capacidade de ganho, do valor das pensões que lhe forem pagas desde aquela data até ao exacto momento em que a seguradora
proceder ao pagamento da indemnização devida, sendo tal montante determinável mediante simples cálculo aritmético .

6.No caso ora em apreciação, as instâncias atribuíram à lesada uma indemnização por dano patrimonial futuro no montante global de €60.000, em que se mostra ponderada, não apenas a privação dos proventos salariais futuros, - em consequência do grau de incapacidade permanente geral que lhe foi fixado (45%), tendo ainda em conta que auferia o salário mensal de €250,00 e tinha 29 anos de idade à data do acidente – mas também o dano biológico por ela sofrido .

Efectivamente, o dano biológico, perspectivado como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre , é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial.

No caso dos autos, não oferece dúvida que a indemnização a arbitrar pelo dano biológico da lesada - consubstanciado em drástica limitação funcional (45% de IPG) - deverá compensá-la também de tal perda de capacidades, apesar de esta não estar imediatamente reflectida no nível de rendimento auferido, já que, como se viu, a pensão de invalidez que lhe foi concedida pela segurança social corresponde praticamente ao montante pecuniário dos salários que recebia à data do acidente.
Tal compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades exercício de uma profissão e de futura mudança ou reconversão de emprego pelo lesado, enquanto fonte actual de possíveis e eventuais acréscimos patrimoniais, frustrada irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas.

Na verdade, a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediatamente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num
mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades exercício profissional e de escolha de profissão , eliminando ou restringindo seriamente qualquer mudança ou reconversão de emprego e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição, erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuros lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais .

E, nesta perspectiva, entende-se que nenhuma censura merece o acórdão recorrido, ao outorgar à lesada uma indemnização global por danos patrimoniais de €60.000, em que estão contemplados, não apenas os rendimentos salariais perdidos como directa e imediata consequência da perda de capacidade de ganho, mas também o «dano biológico» associado a uma IPG de 45%, envolvendo drástica restrição ao futuro exercício de qualquer actividade profissional e um acréscimo substancial do esforço ou penosidade na realização pela lesada das actividades da vida corrente.

Torna-se, porém, indispensável destrinçar nessa indemnização global qual é a parcela destinada a compensar especificamente a perda da capacidade de ganho da lesado, decorrente de esta ter ficado privada do rendimento salarial mensal de €250,00 – já que se entende que será apenas à verba indemnizatória atribuída com este específico fundamento que será de aplicar o regime de não acumulação com a pensão de invalidez, decorrente do regime legal atrás citado.
Na verdade, à compensação do «dano biológico» da lesada, não directamente associado a uma particular e concreta perda salarial , mas conexionado antes com uma relevante diminuição somático-psíquica do indivíduo, com reflexo drástico no seu padrão e qualidade de vida, desde logo, pessoal – e, por isso, situado na confluência das figuras do dano patrimonial e não patrimonial - não deve ser aplicado o regime prescrito no nº1 do art. 6º do DL 187/07, não devendo, consequentemente, relevar para efeitos de privação do direito ao recebimento da pensão social de invalidez, podendo acumular-se com o recebimento desta.
Ora, na específica situação dos autos, entende-se como razoável arbitrar à lesada o montante de €30.000 a título de perda da real e efectiva capacidade de ganho à data do acidente, sendo este o valor a que irá ser aplicável o regime prescrito no referido art. 6º ; e de €30.000 a título de compensação do dano biológico sofrido com a privação de capacidades,
decorrente de uma incapacidade permanente geral de 45%, apesar de esta não ser imediatamente reflectida numa específica perda pecuniária, por o montante auferido da actividade profissional cujo exercício foi inviabilizado pelo sinistro ir ser praticamente substituído pela pensão de invalidez concedida à lesada.

7. A outra questão suscitada por ambas as partes prende-se com a avaliação do dano não patrimonial sofrido pela lesada em consequência das gravosas lesões físicas e respectivas sequelas: tendo a Relação fixado tal montante indemnizatório em €60.000, pretendem, a 1ªA/ recorrente, que lhe seja arbitrado o valor de €120.000 e a recorrente T............ que esse montante seja reduzido para apenas €20.000.

.No caso dos autos, a problemática do cômputo da indemnização compensatória dos vários danos não patrimoniais invocados pela lesada – assente decisivamente em juízos de equidade - . envolve a ponderação adequada de toda a matéria de facto atrás elencada, ao longo dos pontos 34/107 .

Mais do que discutir a substância do casuístico juízo de equidade que esteve na base da fixação pela Relação do valor indemnizatório arbitrado, em articulação incindível com a especificidade irrepetível do caso concreto, importa essencialmente verificar, num recurso de revista, se os critérios seguidos e que estão na base de tais valores indemnizatórios são passíveis de ser generalizados para todos os casos análogos – muito em particular, se os valores arbitrados se harmonizam com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência actualista, vêm sendo seguidos em situações análogas ou equiparáveis – em que estamos confrontados com gravosas incapacidades que afectam, de forma profunda, radical e irremediável, o padrão e a qualidade de vida dos lesados, ainda jovens no momento do acidente (vejam-se, por exemplo, os Acs. proferidos por este Supremo em 28/2/08 e em 25/6/09, nos ps.08B388 e 08B3234). E adere-se, por outro lado, inteiramente ao entendimento subjacente, por exemplo, ao Ac. de 23/10/08, proferido no p:08B2318, segundo o qual, em situações limite de numerosas lesões físicas, de elevada gravidade e sofrimento para o lesado, acarretando profundíssimos sofrimentos e sequelas, o valor indemnizatório arbitrado como compensação dos danos não patrimoniais não tem como limite as quantias geralmente arbitradas a título de compensação da lesão do direito à vida , podendo excedê-lo substancialmente (arbitrando-se à lesada, no
verdadeiro caso limite aí debatido, indemnização no montante de €180.000); pode ainda invocar-se o recente acórdão. de 7/10, ( P 839/07.6TBPFR.P1.S1.) em que se decidiu – também perante um verdadeiro caso-limite, pela extrema gravidade das sequelas das lesões sofridas pelo sinistrado, - que:

Não é excessiva uma indemnização de €150.000,00, calculada como compensação dos danos não patrimoniais, decorrentes de lesões físicas gravosas e absolutamente incapacitantes ,envolvendo uma IPG de 80% e a incapacidade definitiva para qualquer trabalho, com absoluta dependência de terceiros para a realização das actividades diárias e necessidades de permanente assistência clínica, envolvendo degradação plena e irremediável do padrão de vida do lesado.

Os traços fundamentais que permitem identificar o caso dos autos traduzem-se no seguinte quadro:
- acidente que envolveu lesões múltiplas, de particular extensão e gravidade, cumulando-se as sempre problemáticas lesões neurológicas, ao nível de traumatismos e contusões crâneo – encefálicas ( geradoras de perturbações ao nível cognitivo e psicológico) e vasculares (ruptura da aorta) com extensas e gravosas lesões ortopédicas , insuficientemente consolidadas e ultrapassadas;
..- afectação relevante e irremediável do futuro padrão de vida de sinistrado jovem, associada, desde logo, ao grau de incapacidade fixado (45%) - que justificou a atribuição de pensão de invalidez, - com repercussões gravosas, não apenas ao nível da actividade profissional e da capacidade de ganho no âmbito profissional, mas também ao nível da vida pessoal da lesada.
- múltiplas cicatrizes, geradoras do consequente dano estético;
- internamentos e tratamentos médico-cirúrgicos muito prolongados, com imobilização do doente e envolvendo dores e sofrimentos intensos.

Ora, perante este quadro geral, tido por relevante, entende-se que é de considerar insuficiente o montante indemnizatório de €60.000, atribuído a título de compensação global do dano não patrimonial, incluindo o abalo moral que a lesada sofrerá, futura e permanentemente, com a inevitável, irreversível e drástica degradação do seu padrão e qualidade de vida : Não atingindo felizmente a situação da lesada a gravidade-limite dos casos atrás
referenciados, e que têm justificado a atribuição de indemnizações em valores próximos aos €150.000 , considera-se que a situação da lesada excede manifestamente o nível ou patamar médio das sequelas mais correntes de lesões provenientes de acidentes rodoviários, tendo-se como valor mais adequado para tão relevante dano moral o montante de €80.000 –que permitirá realizar compensação mais efectiva das múltiplas e gravosas consequências da lesão dos bens da personalidade ofendidos .

8. Nestes termos e pelos fundamentos expostos concede-se parcial provimento a ambas as revistas, confirmando, em consequência, a decisão recorrida, mas:
- fixa-se em €80.000 o valor da indemnização devida pela T............ à A. AA, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais;
- mantendo o valor global arbitrado à mesma A. a título de ressarcimento dos danos patrimoniais futuros, incluindo o dano biológico, condena-se a R T............ a pagar-lhe a quantia correspondente aos €60.000 que lhe foram arbitrados pelas instâncias, descontada do valor das pensões de invalidez pagas pela Segurança Social até ao momento do efectivo recebimento da indemnização, a concretizar mediante simples cálculo aritmético;
- fixa-se em €30.000 o montante indemnizatório correspondente à perda da capacidade de ganho da mesma A , para os efeitos de aplicação , quanto a esta quantia, do regime constante do art. 6º do DL 187/07, de 10 de Maio.
Custas pelas recorrentes na proporção do decaimento, sem que esta condenação envolva preclusão do benefício de apoio judiciário.


Lisboa, 11 de Novembro de 2010

Lopes do Rego (Relator)
Barreto Nunes
Orlando Afonso

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(1) Proferido no Processo n.º 06A1464, acessível em http://www.dgsi.pt
(2) Proferido no Processo n.º 03B3071, acessível em http://www.dgsi.pt
(3) Proferido no Processo n.º 97B403, acessível em http://www.dgsi.pt