Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
237/13.2TCGMR.G1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: DANO BIOLÓGICO
DANOS PATRIMONIAIS
PERDA DA CAPACIDADE DE GANHO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
JUROS DE MORA
JUROS LEGAIS
CONTAGEM DE JUROS
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
SEGURADORA
DANOS FUTUROS
ACIDENTE DE VIAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
Data do Acordão: 04/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO.
DIREITO DOS SEGUROS / CONTRATO DE SEGURO / SEGURO OBRIGATÓRIO DE RESPONSABILIDADE CIVIL AUTOMÓVEL / REGULARIZAÇÃO DOS SINISTROS / AVALIAÇÃO E VALORIZAÇÃO DOS DANOS CORPORAIS / PROPOSTA DE INDEMNIZAÇÃO / JUROS DEVIDOS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 566.º, N.º3, 805.º, N.º3.
D.L. N.º 291/2007, DE 21-08: - ARTIGO 39.º, N.º3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 09/09/2010, PROC. N.º 2572/07.OTBTVD.L1, WWW.DGSI.PT ;
-DE 07/10/2010, PROC. N.º 370/04.1TBVGS.C1, WWW.DGSI.PT ;
-DE 20/10/2011, PROC. N.º 428/07.5TBFAF.G1.S1, DE 10/10/2012, PROC. N.º 632/2001.G1.S1, DE 7/5/2014, PROC. N.º 436/11.1TBRGR.L1.S1, DE 19/02/2015, PROC. N.º 99/12.7TCGMR.G1.S1, E DE 4/6/2015, PROC. N.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1, TODOS CONSULTÁVEIS EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 26/01/2012, PROC. N.º 220/2001-7.S1, WWW.DGSI.PT ;
-DE 07/05/2014, PROC. N.º 1070/11.TBVCT.G1.S1, WWW.DGSI.PT ;
-DE 28/01/2016, PROC. N. º 7793/09.8T2SNT.L1.S1, WWW.DGSI.PT .
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AUJ N.º 4/2002.
Sumário :
I - Não tem direito a indemnização por alegada perda de remuneração durante o período de incapacidade para o trabalho a vítima de acidente de viação que, à data deste, era licenciada em Marketing e estava desempregada, quando se ignora se, no referido período, a mesma se dispunha a procurar emprego, bem como se a mencionada incapacidade lhe determinou, directa e necessariamente, a impossibilidade de o procurar por não ser possível estabelecer qualquer nexo causal entre a incapacidade e as eventuais oportunidades de emprego que, na altura, estivessem disponíveis.

II - A afectação da integridade físico-psíquica (que tem vindo a ser denominada “dano biológico”) pode ter como consequência danos de natureza patrimonial e danos de natureza não patrimonial, compreendendo os primeiros a redução da capacidade de obtenção de proventos no exercício de actividade profissional ou de outras actividades económicas (perda da capacidade geral de ganho).

III - Tendo ficado provado que a recorrente: (i) à data do acidente tinha 22 anos de idade; (ii) o seu défice funcional permanente da integridade físico-psíquica foi fixado em 8%; e (iii) possuía o grau académico de licenciada, é justa e adequada a fixação de indemnização, a título de danos patrimoniais (perda da capacidade geral de ganho), no montante de € 25 000 (e não de € 15 000 como foi fixado pela Relação).

IV - Resultando dos factos provados que a recorrente, na sequência do acidente de viação, ocorrido em 08-10-2011, que a vitimou: (i) esteve internada durante três semanas, tendo mantido o repouso após a alta hospitalar; (ii) passou a ter incontinência urinária; (iii) as suas lesões estabilizaram em 13-04-2012; (iv) o quantum doloris foi fixado em 4 numa escala de 1 a 7; (v) o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica foi fixado em 8%; (vi) as sequelas são compatíveis com o exercício da actividade habitual mas implicam esforços suplementares; (vii) o dano estético foi fixado em 3 numa escala de 1 a 7; (viii) a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer foi fixada em 1 numa escala de 1 a 7; (ix) sofreu angústia de poder vir a falecer e tornou-se uma pessoa triste, introvertida, deprimida, angustiada, sofredora, insegura, nervosa, desgostosa da vida e inibida e diminuída física e esteticamente, quando antes era uma pessoa dinâmica, expedita, diligente, trabalhadora, alegre e confiante, é justa e adequada a fixação da compensação, a título de danos não patrimoniais, no montante de € 50 000 (e não de € 18 000 como foi fixado pela Relação).

V - Tendo a empresa de seguros apresentado proposta de indemnização por danos corporais, era à recorrente, lesada, que competia alegar e provar que o conteúdo dessa proposta não correspondia aos “termos substanciais e procedimentais previstos no sistema de avaliação e valorização dos danos corporais por utilização da Tabela Indicativa para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil”, pelo que, não o tendo feito, os juros são devidos apenas à taxa legal prevista na lei aplicável ao caso (art. 39.º, n.º 3, do DL n.º 291/2007, de 21-08).

VI - Sendo a indemnização fixada em função do valor da moeda à data da decisão, os juros de mora devidos contam-se desde a data daquela, independentemente de estarem em causa danos patrimoniais ou não patrimoniais.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



1. AA intentou acção contra BB - Companhia de Seguros, SPA, pedindo indemnização pelos danos resultantes de um acidente de viação de que foi vítima, provocado pelo segurado da R., indemnização assim discriminada.

a) A quantia de €184.925,18, pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu;

b) Indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais futuros, cuja integral quantificação relega para liquidação ulterior, decorrente da necessidade actual e futura, por parte da Autora, de: acompanhamento médico periódico nas especialidades médicas de Psiquiatria, Ortopedia, Consulta da Dor, Neurologia, Urologia, Fisioterapia e Fisiatria para superar as consequências físicas e psíquicas das queixas, lesões e sequelas que descreve; realização, no mínimo, de duas sessões de Fisioterapia e Fisiatria por ano, sendo que cada sessão deverá ter a duração mínima de quatro semanas, para superar as consequências físicas e psíquicas das queixas, lesões e sequelas que descreve; vários exames médicos de diagnóstico e de aferição da consolidação das queixas, lesões e sequelas que descreve; ajuda medicamentosa regular, designadamente em analgésicos, antidepressivos e anti-inflamatórios para superar as consequências físicas e psíquicas das queixas, lesões e sequelas que descreve; várias intervenções cirúrgicas e plásticas em número indeterminado, internamentos hospitalares, despesas hospitalares, tratamentos médicos e clínicos, de ajudas técnicas, deslocações a hospitais e clínicas para tratamento e correcção das queixas, lesões e sequelas por si descritas;

c) Juros vencidos e vincendos, à taxa legal anual em vigor, sobre o montante oferecido pela R. no valor €9.000,00, contados do dia 29/04/2012 até à data da decisão judicial ou até à data que vier a ser judicialmente estabelecida; vencidos e vincendos, calculados ao dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido pela R. no valor €9.000,00 e o montante que vier a ser fixado na decisão judicial, contados a partir do dia 29/04/2012 e até à data da decisão judicial ou até à data que vier a ser judicialmente estabelecida; ou vincendos sobre as referidas indemnizações, calculados à taxa legal anual, a contar da data da citação e até integral pagamento.

A R. contestou.

Por sentença de fls. 413, a acção foi julgada parcialmente procedente, condenando-se a R. a pagar à A., para ressarcimento dos danos patrimoniais, o montante de €46.888,40, e, para indemnização dos danos não patrimoniais, €30.000,00. Condenou-se ainda a R. a pagar à A. juros de mora, à taxa legal, sobre o valor fixado para satisfação dos danos patrimoniais, a contar da data da citação, e, para ressarcimento dos danos não patrimoniais, a contar da data em que a sentença foi proferida, até efectivo pagamento.

Inconformada, recorreu a R. para o Tribunal da Relação de Guimarães. Recorreu também a A. em recurso que disse ser subordinado.

Por acórdão de fls. 546, decidiu-se negar integral provimento ao recurso interposto pela A., conceder parcialmente provimento ao recurso interposto pela R., e, consequentemente:

a) Revogou-se a sentença recorrida quanto ao montante atribuído à A. a título de indemnização por “perda de chance”, no valor de €2.660,00.

b) Alterou-se a mesma sentença, condenando-se a R. a pagar à A. a quantia de €15.000,00, a título de indemnização por danos patrimoniais futuros, e €18.000,00, a título de danos não patrimoniais, quantias estas que serão acrescidas de juros de mora, à taxa legal, contados desde o dia subsequente à data em que foi proferido o acórdão, até integral pagamento.


2. A A. recorre para o Supremo Tribunal de Justiça como revista excepcional. Nos termos do nº 672º, nº 3, do Código de Processo Civil, por acórdão da formação deste Supremo Tribunal, de fls. 707, entendeu-se que não se verifica dupla conformidade pelo que se determinou a apresentação dos autos ao relator.

No recurso, a A. formula as seguintes conclusões:

1. A Autora/Recorrente não concorda com a absolvição e a não condenação da Ré em pagar à Autora/Recorrente uma quantia a título de danos patrimoniais, a título de perda de chance, mais concretamente a título de perdas salariais durante o período de tempo em que esteve incapacitada para o trabalho de 08/10//2011 a 13/04/2012, num total de 189 dias.

2. A Autora/Recorrente, não concorda com o valor indemnizatório que lhe foi atribuído a título de danos patrimoniais, mais concretamente a título de perda de capacidade de “ganhos”/dano biológico.

3. A Autora/Recorrente, não concorda com o valor indemnizatório que lhe foi atribuído a título de danos não patrimoniais.

4. A Autora/Recorrente, não concorda com a absolvição e a não condenação da Ré em pagar à Autora/Recorrente juros de mora no dobro da taxa legal (conforme peticionado nos artigos 130º a 135º da P.I.).

5. A Autora/Recorrente não concorda com o momento a partir do qual são devidos juros de mora sobre as indemnizações que lhe foram concedidas a título de danos patrimoniais e a título de não patrimoniais.

6. Atenta à matéria de facto dada como provada e constante das n.ºs 20º, 33º e 35º dos factos considerados como provados da Douta Sentença deverá se atribuída à Autora a quantia de 6.300,00€ (1.000,00€: 30 dias x 189 dias) a título de perdas salariais mensais, durante o período de tempo em que esteve incapacitada para o trabalho de 08/10/2011 a 13/04/2012, num total de 189 dias.

7. A Autora, à data da ocorrência do acidente de viação descrito nos autos, era Licenciada em Marketing pelo Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto.

8. Estando em causa a atribuição de uma indemnização a título de danos patrimoniais, mais concretamente a título de perdas salariais durante o período de tempo em que a Autora esteve incapacitada para o exercício da generalidade das profissões – IPP geral, como incapacidade genérica para utilizar o corpo enquanto prestador de trabalho e produtor de rendimentos -, haverá que considerar essa incapacidade como incidente sobre qualquer profissão acessível ao lesado, sem nenhuma excluir.

9. Para efeito de determinação de indemnização por danos patrimoniais futuros será de atender ao salário médio acessível a um jovem dotado de formação profissional superior – Licenciatura na área do Marketing -  salário que, em termos de normalidade e previsibilidade, é de situar em quantia nunca inferior a 1.000,00 euros mensais, tendendo a subir ao longo da vida.

10. O montante mensal de 1.000,00€ (mil euros) é precisamente o adequado na situação dos autos e adequado às aptidões manifestadas pelo Autor/Recorrente, pois se aproxima notoriamente do salário mensal médio dos Portugueses.

11. A Autora, perdeu possibilidades de procurar e obter um emprego durante esse tempo, de 08/10/2011 a 13/04/2012, num total de 189 dias, perda de chance essa constitui um dano indemnizável, pelo deverá se atribuída à Autora a esse titulo a quantia de 6.300,00€ (1.000,00€: 30 dias x 189 dias), quantia essa que a Autora/Recorrente desde já peticiona da Ré/Recorrida.

12. Atendendo à matéria de facto dada como provada, mais concretamente nos itens n.ºs 20, 24, 35, 40 e 41 dos factos julgados provados e com interesse para a determinação do montante indemnizatório a atribuir à Autora/Recorrente a título de danos patrimoniais, mais concretamente a titulo de perda de capacidade de “ganhos”/dano biológico, deverá o mesmo ser fixado equitativamente em quantia nunca inferior a 60.000,00€ (Cinquenta Mil Euros).

13. Tal montante indemnizatório, deverá ter em linha de conta, os seguintes fatores:

a) A Autora, à data da ocorrência do acidente de viação descrito nos autos, era Licenciada em Marketing pelo Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto.

b) A Autora nasceu em 02-02-1989.

c) Como consequência do acidente a autora apresenta as seguintes sequelas:

Queixas: a nível funcional: Postura, deslocamentos e transferências dificuldades acrescidas em caminhar por terreno irregular bem como subir ou descer escadas.

Fenómenos dolorosos na bacia e na região cervico-dorsal.

Parestesias dos membros superiores mais à esquerda

Queixas a nível situacional:

Vida profissional ou de formação: dificuldade em estar sentada durante longos períodos de tempo. Dificuldades acrescidas em transportar cargas.

Lesões ou sequelas relacionáveis com o evento

- perineo: sequelas de fratura da bacia- fratura dos ramos públicos bilateralmente por esmagamento antero posterior

- membro inferior direito- cicatriz hipertrófica com 6 cm de comprimento e 2 cm de larfura na regiao dorsal localizada ao 4 º e 5º társico, cicatriz dorsal da base D3 com 1.2x1cm

- membro inferior esquerdo- cicatriz vertical com 21 cm de comprimento, de bordos irregulares localizada na face externa cok inicio na região trocantérica até à região mediodiafisarica. Lipodistrofia na região externa do 1/3 medio da coxa com 6.5x6 c, de dimensão, dismorfia cicatricial arredondada de 1.5 na região anterior do 1/3 medio da perna. Sem hepertrofias musculares. Mobilidades mantidas, designadamente ao nível da articulação coxo-femural e joelho.

d. Défice funcional permanente da integridade físico-psiquica fixável em 8 pontos.

e. as sequelas descritas são compatíveis com o exercício da atividade habitual mas implicam esforços suplementares

f. No cálculo do valor indemnizatório a atribuir á Autor a titulo de danos patrimoniais (perda de capacidade de “ganhos”/dano biológico) deve ter-se em conta, não exatamente a esperança média de vida ativa da vítima, mas sim a esperança média de vida, uma vez que, como é óbvio, as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma (em Portugal, no momento presente, a esperança média de vida dos homens já é de sensivelmente de 78 anos, e tem tendência para aumentar; e a das mulheres ultrapassou a barreira dos 80 anos.

g. A Autora, à data da ocorrência do acidente de viação descrito nos autos, era Licenciada em Marketing pelo Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto.

h. Autora, à data da ocorrência do acidente de viação descrito nos autos, tinha possibilidades de ganho em qualquer atividade comercial e industrial.

i. A valorização e categoria profissional que advirá para a Autora da frequência e efetiva conclusão de um curso superior na área do Marketing permite-lhe aspirar a uma remuneração mensal ilíquida entre o salario mínimo nacional e a quantia de 1.000,00€ (mil euros).

j. O salário mensal médio de 1.000,00€ (mil euros) é o vencimento adequado às aptidões manifestadas pela Autora/Recorrente.

k. Tendo em lima de conta que a Autora, à data da ocorrência do acidente de viação descrito nos autos, era Licenciada em Marketing pelo Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto, o salário mensal médio de 1.000,00€ (mil euros) é o vencimento adequado às aptidões manifestadas pela Autora/Recorrente.

14. Assim, considerando o seu previsível rendimento anual na ordem dos 14.000,00€ (Catorze Mil Euros) (1.000,00€ x 14 meses = 14.000,00€), sem tampouco ter em conta que é um rendimento atual e que, durante a longa vida ativa até aos 80 anos de idade vai aumentar seguramente para o dobro, pois que não leva em linha de conta:

•      a progressão na carreira;

•      os aumentos salariais;

•      a taxa de inflação;

•     e que os juros do capital produtor de rendimento são negativos, por inferiores à taxa de inflação,

15. recorrendo sempre, como auxiliar da equidade, à formula que o Exmo. Senhor Conselheiro Sousa Dinis, estudioso da matéria, apresentou no trabalho publicado na Colect. Jurisp. S.T.J. – Ano IX – Tomo I – pag. 5 e seguintes,

16. verifica-se que, com aquela incapacidade e com aquele rendimento anual, a Autora, terá uma perda futura de ganho, por ano na ordem dos 1.120,00€  (14.000,00€ x 8 % (IPG),

17. e que, recorrendo à fórmula já referida, como auxiliar da obtenção de um juizo de equidade, se obtém a quantia de 64.960,00€ (14.000,00€ x 8% (IPG) = 1.120,00€ x 58 anos (80-22)) para  indemnizar a Autora dessa perda futura de ganho até aos 80 anos de idade.

18. Todavia, como recebe esta quantia de uma só vez, e para que não possa dizer-se que esse facto constitui um enriquecimento indevido, no referido estudo sugere-se que se faça um primeiro ajustamento, deduzindo ¼ àquela quantia,

19. o que significa que a Autora teve, a este titulo, um prejuízo de 48.720,00€ (64.960,00€ – 25%).

20. Este critério não dispensa o recurso à equidade, sendo mesmo um valioso auxiliar, devendo o julgador sintonizá-lo com a realidade concreta, caso a caso.

21. E essa sintonização terá forçosamente de ser para um valor superior ao acima encontrado em virtude daquilo que já se disse, ou seja:

• a perda futura de ganho é calculada tomando em conta o salário atual;

• esse salário, durante uma longa vida ativa vai, pelo menos duplicar;

• pois o cálculo acima referido não considerou a progressão na carreira, os aumentos salariais e a taxa de inflação,

• e o juro do capital produtor do rendimento é, a maior parte das vezes, como agora, negativo, pois a inflação mais do que o consome, e

• deve ter-se em conta, não exatamente a esperança média de vida ativa da vítima, mas sim a esperança média de vida, uma vez que, como é óbvio, as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma (em Portugal, no momento presente, a esperança média de vida dos homens já é de sensivelmente de 80 anos para as mulheres, e tem tendência para aumentar).

22. Pelo supra exposto e com recurso à equidade – artigo 566º, nº 3, do Código Civil – deverá ser atribuída à Autora/Recorrente, a título de danos patrimoniais futuros (perda de capacidade de “ganhos”/dano biológico) uma indemnização a qual deverá ser fixada equitativamente em quantia nunca inferior à quantia de 60.000,00€ (Sessenta Mil Euros), quantia essa que a Autora/Recorrente desde já peticiona da Ré/Recorrida.

23. Atendendo à matéria de facto dada como provada, mais concretamente nos pontos n.ºs 25, 26, 27, 28, 29, 30, 32, 33, 35, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 48, 49, 50, 51, 52, 53 e 54 dos factos dados como provados e com interesse para a determinação do montante indemnizatório a atribuir à Autora/Recorrente a titulo de danos não patrimoniais, deverá o mesmo ser fixado equitativamente em quantia nunca inferior a 50.000,00€ (Cinquenta Mil Euros).

24. Tal montante indemnizatório, deverá ter em linha de conta, os seguintes fatores:

a) Como consequência direta e necessária do sinistro a Autora sofreu múltiplos ferimentos lesões traumáticas, tendo sido internada e assistida no S.U. do C. Hospitalar do Alto Ave. no dia 08-10-2011, onde foi examinada, apresentando diagnóstico de politraumatizada com múltiplas lesões e contusões traumáticas, designadamente: fractura dos ramos ilioisquiopúbicos bilateralmente, por esmagamento antero-posterior; esfacelo da coxa esquerda; esfacelo do pé direito; perda de consciência; fractura fechada da bacia; ferida da coxa esquerda; contusão do joelho esquerdo; contusão da coluna lombar; contusão da coxa esquerda, e contusão do pé direito.

b) A Autora, no C. Hospitalar do Alto Ave foi submetida a exames, tratamentos e intervenções cirúrgicas: exames complementares de diagnóstico; intervenção cirúrgica de regularização do esfacelo da coxa esquerda por cirurgia geral a qual foi suturada (mais ou menos 20 cm) intervenção cirúrgica de regularização do esfacelo do pé direito o qual foi suturado e tratamento conservador.

c) A Autora, esteve internada no serviço de ortopedia do C. Hospitalar A. Ave. durante três semanas (21 dias).

d) A Autora, após a sua alta hospitalar manteve-se em repouso no seu domicílio com transferência para a consulta externa de ortopedia.

e) A Autora, esteve acamada cerca de um mês na sua residência, tendo iniciado a deambulação quatro semanas após o acidente com apoio de duas canadianas.

f) A Autora, em consequência do acidente passou a ter incontinência urinária, encontrando-se a ser acompanhada por conta e a expensas da Ré na especialidade de Urologia no Hospital de Santa Maria no Porto.

g) A Autora, quando retomou a sua atividade e pegou em pesos, teve uma recidiva das lesões, que a impediram de trabalhar durante mais quinze dias, tendo sido assistida no Centro Hospitalar do Alto Ave onde foi submetida a drenagem da ferida tendo como sequela uma cicatriz nesse local.

h) As lesões sofridas pela Autora em consequência do acidente de viação descrito nos presentes autos estabilizaram apenas em 13-04-2012.

i) Como consequência do acidente a autora apresenta as seguintes sequelas: (relatório pericial de fls 312 aceite pelas partes):Queixas: a nível funcional: Postura, deslocamentos e transferências dificuldades acrescidas em caminhar por terreno irregular bem como subir ou descer escadas. Fenómenos dolorosos na bacia e na região cervico-dorsal. Parestesias dos membros superiores mais à esquerda. Queixas a nível situacional: Vida profissional ou de formação: dificuldade em estar sentada durante longos períodos de tempo. Dificuldades acrescidas em transportar cargas. Lesões ou sequelas relacionáveis com o evento-perineo: sequelas de fratura da bacia- fratura dos ramos públicos bilateralmente por esmagamento antero posterior- membro inferior direito- cicatriz hipertrófica com 6 cm de comprimento e 2 cm de largura na regiao dorsal localizada ao 4 º e 5º társico, cicatriz dorsal da base D3 com 1.2x1cm-membro inferior esquerdo- cicatriz vertical com 21 cm de comprimento, de bordos irregulares localizada na face externa cok inicio na região trocantérica até à região mediodiafisarica. Lipodistrofia na região externa do 1/3 medio da coxa com 6.5x6 c, de dimensão, dismorfia cicatricial arredondada de 1.5 na região anterior do 1/3 medio da perna. Sem hepertrofias musculares. Mobilidades mantidas, designadamente ao nível da articulação coxo-femural e joelho.

j) a data da consolidação medico-legal das lesões é fixável em 13.4.2012.

k) período de défice funcional temporário total fixável em 28 dias.

l) Período de défice funcional temporário parcial fixável em 161 dias.

m) Período de repercussão temporário na atividade profissional total fixável em 189 dias.

n) quantum doloris fixável em 4/7.

o) défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 8 pontos.

p) as sequelas descritas são compatíveis com o exercício da atividade habitual mas implicam esforços suplementares.

q) dano estético permanente fixável em 3/7.

r) repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer fixável em 1/7.

s) A Autora, foi ainda submetida a exames complementares de diagnostico de: Radiografia da bacia, em 16.03.2012: “(...)Regista-se sinais de fratura prévia dos ramos isquio-pubicos direito e esquerdo, com calo ósseo formado, alinhadas, notando-se também irregularidades da sínfise púbica e do ramo ilio-púbico esquerdo, provável sequela de fratura. (...) Articulações sacro-iliacas e coxo-femorais permeáveis.RM de alto campo do joelho esquerdo em 16.03.2012: “(...)Regista-se um acentuado edema subcutâneo na vertente interna, com pequenas áreas císticas no seu seio, provavelmente resultante de celulite/lipodistrofia focal (pos-traumatica? Pós flebite?) (...). Discreto derrame articular. Na vertente medial do cavado polplíteo observa-se quisto de Baker medindo 4.5 cm de maior eixo longitudinal. Nos segmentos ósseos focados não há evidencia de traços de fratura ou focos de contusão óssea, mantendo as superfícies articulares contornos regulares, sem lesões osteo-condrais.”

t) Na altura do acidente, a Autora sofreu angústia de poder a vir a falecer.

u) A Autora, antes e à data da ocorrência do acidente de viação descrito nos presentes autos, era uma pessoa saudável, dinâmica, expedita, diligente e trabalhadora, alegre, confiante, cheia de projetos para o futuro, cheia de vida, com vontade e alegria de viver, calma, amante da vida, confiante, detentora de um temperamento afável e generoso que lhe permitia bons relacionamentos com as outras pessoas.

v) A Autora, desde a data da ocorrência do acidente de viação descrito nos presentes autos tornou-se triste, introvertida, abalada psiquicamente, introvertida, deprimida, angustiada, sofredora, insegura, muito nervosa, receosa de que o seu estado de saúde piore e desgostosa da vida.

w) A Autora, sente-se afetada psiquicamente, infeliz, desgostosa da vida, inibida e diminuída fisicamente e esteticamente.

x) As cicatrizes com que ficou causam à Autora desgosto e inibição e a desfavorecem esteticamente, designadamente quando se desloca no verão à praia, quando coloca uns calções, uma saia, um fato de banho, e quando se relaciona amorosamente com o seu namorado.

25. Atendendo à matéria de facto dada como provada, mais concretamente nos pontos n.ºs 24, 35, 40 e 4125, 26, 27, 28, 29, 30, 32, 33, 35, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 48, 49, 50, 51, 52, 53 e 54, 16, 17, 31 e 33 dos factos dados como provados, deve ser a Ré condenada a pagar à aqui Autora: 

a) os juros de mora vencidos e vincendos calculados à taxa legal anual em vigor sobre o montante oferecido pela Ré no valor  €9.000,00, sendo que sobre o valor oferecido para satisfação dos danos patrimoniais (6.716,40€ (3426,36€ + 380,04€ + 2910,00€ =6716,40€) a contar da citação e sobre o valor oferecido para satisfação dos danos não patrimoniais  (2.283,60) a contar da data da prolação da douta sentença e até efetivo pagamento, e

b) os juros de mora vencidos e vincendos calculados no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido pela Ré no valor  €9.000,00 e o montante que vier a ser fixado no Douto Acórdão Final sendo que sobre o valor que vier a ser doutamente fixado para satisfação dos danos patrimoniais a contar da citação e sobre o valor que vier a ser doutamente fixado para satisfação dos danos não patrimoniais a contar da data da prolação da douta sentença a e até efetivo pagamento.

26. O montante indemnizatório proposto pela Ré à Autora nos termos da proposta razoável e por conta de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que advieram para a Autora em consequência do acidente de viação descrito nos presentes autos, atentas as lesões sofridas e as sequelas atuais de que a Autora padece, foi assim manifestamente insuficiente.

27. Atento o preceituado, entre outros, nos artigos 39º, n.º 2 e 38º, n.º 3 do Decreto-Lei 291/2007 de 21 de Agosto: “Se o montante proposto nos termos da proposta razoável for manifestamente insuficiente, são devidos juros no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial, contados a partir do dia seguinte ao final dos prazos previstos nas disposições identificadas no n.º 1 até à data da decisão judicial ou até à data que vier a ser estabelecida na decisão judicial.”

28. A Autora, tem assim o direito de exigir da Ré, conforme efetivamente o exige, o pagamento dos juros no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante que vier a ser fixado na decisão judicial, sendo que sobre o valor que vier a ser doutamente fixado para satisfação dos danos patrimoniais a contar da citação e sobre o valor que vier a ser doutamente fixado para satisfação dos danos não patrimoniais a contar da data da prolação da douta sentença a e até efetivo pagamento.

29. A Ré deverá ser condenada no pagamento de juros de mora, à taxa legal, sobre as indemnizações que lhe foram concedidas a título de danos patrimoniais e a título de não patrimoniais, contados desde a citação e até efetivo e integral pagamento.

30. Segundo o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 4/2002, de 09/05/2002, que observa expressamente não haver que distinguir, para o efeito em causa, entre danos patrimoniais e não patrimoniais, “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objeto de cálculo atualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão atualizadora, e não a partir da citação”.

31. Da interpretação da douta sentença e do douto acórdão recorrido, não resultam sinais de terem optado pela atualização dos montantes indemnizatórios fixados.

32. Apreciando a Douta Sentença e o Douto Acórdão recorrido, os mesmos não procederam à actualização dos montantes indemnizatórios fixados à Autora a titulo de danos patrimoniais e a titulo de não patrimoniais, condenando no pagamento de juros de mora apenas desde o dia subsequente á data em que foi proferido o Douto Acórdão e até integral pagamento, violando assim o disposto no nº 3 do artigo 805º e no artigo 805º do Código Civil.

33. Para infirmar esta decisão expressa, seria necessário encontrar na Douta Sentença e o Douto Acórdão recorrido indicações seguras nesse sentido, as quais não se detetam, em clara violação da jurisprudência uniforme constante do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 4/2002 de 09/05/2002.

34. Esta conclusão vale para todos os danos a que se refere a indemnização, tratados igualmente pela sentença recorrida e acórdão recorrido.

35. A circunstância de serem futuros não impede que se possam ponderar com referência ao momento da propositura da acção, ou da citação, ou à data da sentença.

36. Foram violados, entre outros, as seguintes disposições legais:

a) os artigos 483º, 496.º, n.ºs 1 e 3, 562º, 563º, 564º, nº1 n.º 2, 566.º, n.ºs1, 2 e 3; 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1 todos do Código Civil.

b) os artigos 39º, n.º 2 e 38º, n.º 3 do Decreto Lei 291/2007 de 21 de Agosto.

A R. contra-alegou, pugnando pela manutenção do acórdão recorrido.

Cumpre decidir.


3. Vem provado o seguinte:

1 - No dia 08 de Outubro 2011, cerca das 06 horas e 00 minutos, na Estrada Nacional n.º 206, ao Km 34, na freguesia de …, concelho e comarca de Guimarães, distrito de Braga, ocorreu um acidente de viação no qual foi interveniente o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de serviço particular, com o número de matrícula …-…-XM, de propriedade de CC, conduzido na altura pelo seu filho, DD, e no qual era transportada gratuitamente como ocupante/passageira a aqui Autora, AA.

2 - O XM seguia na Estrada Nacional n.º 206, no sentido de marcha Guimarães/Vila Nova de Famalicão, quando o seu condutor perdeu o domínio e controlo do veículo e seguiu sempre em frente, entrou em despiste, transpôs o eixo da via (linha longitudinal contínua), invadiu a metade esquerda da faixa de rodagem contrária e a berma esquerda da E.N. n.º 206 atento o seu sentido de marcha.

3 - O XM foi embater violentamente com toda a sua parte lateral esquerda na esquina de um muro de pedra delimitador de uma propriedade particular existente na berma esquerda da Estrada Nacional n.º 206, atento o seu sentido de marcha (Guimarães/Vila Nova de Famalicão).

4 - De seguida o XM foi projetado para dentro da faixa de rodagem da Estrada Nacional n.º 206, rodopiando à sua volta, invadiu a metade esquerda da faixa de rodagem contrária àquela que competia à sua mão de trânsito, transpondo ainda o eixo da via (linha longitudinal contínua).

5 - Imobilizou-se dentro da hemi faixa de rodagem direita atento o seu sentido de marcha (Guimarães/Vila Nova de Famalicão), ficando com a sua parte da frente virada para Guimarães e a sua traseira virada para Vila Nova de Famalicão.

6 - O XM, após o embate lateral, ficou imobilizado a 1,85 metros da sua roda da frente do lado direito em relação ao eixo da via (por referência ao ponto E) mencionado na participação policial do acidente) e a 0,55 metros de distância da sua roda da traseira do lado direito em relação ao eixo da via (por referência ao ponto F) mencionado na participação policial do acidente).

7 - O XM deixou um rasto de travagem no piso betuminoso da E.N. n.º 206 com cerca de 92 (noventa e dois) metros de extensão (por referência ao ponto D) mencionado na participação policial do acidente.

8 - A E. N. n.º 206, no dia, hora e local onde ocorreu o despiste tem uma faixa de rodagem, com 6,90 mt de largura, com dois sentidos de trânsito, cada hemi faixa com 3,45 mts de largura delimitadas entre si por uma linha longitudinal contínua marcada no pavimento e de cor branca, com marcação de vias e bermas e com iluminação pública de carácter permanente.

9 - O local onde se deu o despiste tem uma curva para a sua direita, atento o sentido de marcha seguido pelo XM com mais de 100 (cem) metros de extensão.

10 - O local é sinalizado situa-se numa localidade densamente povoada, com grande tráfego de veículos automóveis, ladeada e marginada de ambos os lados por edificações, com saídas directas para a mesma.

11 - O piso betuminoso/alcatroado da Estrada Nacional n.º 206 encontrava-se regular, em bom estado de conservação e seco em face das boas condições climatéricas que se faziam sentir na altura (tempo limpo, seco e com sol).

12 - À hora e no local onde ocorreu o acidente de viação era de noite (6h).

13 - O sinistro ficou a dever-se, única e exclusivamente, à conduta do condutor do XM.

14- Ao tempo do acidente a autora seguia no banco traseiro sem o cinto de segurança colocado.

15 - A responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo XM pelos danos causados a terceiros, bem como a pessoas transportadas (onerosa ou gratuitamente estava ao tempo do acidente transferida para a Ré por contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, válido e eficaz, titulado pela apólice nº …00.

16 - A Ré assumiu e reconheceu por escrito perante a Autora, a responsabilidade e culpa exclusivas do condutor do XM na produção do acidente de viação e reconheceu o direito da Autora em ser indemnizada por danos sofridos por causa do acidente.

17 - Em 15.5.2012 a Ré endereçou carta à autora na qual sob a epígrafe “Assunto: Proposta Indemnização Final” lhe comunicou e informou do seguinte: a) “Efectuadas todas as diligências tendentes ao apuramento das circunstâncias em que o mesmo ocorreu, concluímos que a responsabilidade pertence exclusivamente ao condutor do veículo que garantimos, pelo que caberá a esta seguradora indemnizar V. Ex.a pelos prejuízos sofridos”. “Nestes termos, de acordo com o disposto no atigo 37º, n.º1 c) do Decreto-Lei n.º 291/2007, e considerando que os referidos danos já se encontram quantificados, cumpre-nos apresentar a V.Ex.ª a respectiva proposta indemnizatória:

- IPP%: 4 pontos – 3.426,36 euros.

- Outras despesas: 380,04euros.

- Dano moral: 2.283,60 euros,

- ITA: 2.910,00 euros.

- Indemnização Final: 9.000,00 euros.

18 - A Autora, por conta e a expensas da Ré, foi acompanhada recebeu assistência médica e clínica nos serviços clínicos da Ré no Hospital da Ordem da Lapa onde foi seguida na especialidade de Ortopedia pelo Sr. Dr. EE e no H. Stª Maria, no Porto, na especialidade de Urologia.

19 - A Ré procedeu ao pagamento de todas as despesas médicas e hospitalares junto das entidades hospitalares e médicas que prestaram tratamento médico e hospitalar à Autora, designadamente ao C. H. do Alto Ave EPE, Hospital Ordem da Lapa e Hospital de Santa Maria no Porto.

20 - A Autora, à data da ocorrência do acidente de viação descrito nos autos, era Licenciada em Marketing pelo Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto.

21 - Ao tempo do acidente a Autora estava desempregada.

22 - Atualmente, a Autora é “Revistadeira” na firma “FF Recursos Humanos, Emp. de Trabalho Temporário Lda, com sede na Avenida da República, n.º ..., 1069 – Lisboa.

23 - Aufere mensalmente 675,28€ (Seiscentos e Setenta e Cinco Euros e Vinte e Oito Cêntimos), discriminado da seguinte forma:

- 455,46€ a titulo de vencimento,

- 41,62€ a titulo de subsidio de férias;

- 83,16€ a titulo de subsidio de refeição;

- 24,81€ a titulo de prémio de disponibilidade;

- 26,00€ a titulo de prémio;

- 44,23€ a titulo de turno.

24 - A Autora nasceu em 02-02-1989.

25 - Como consequência directa e necessária do sinistro a Autora sofreu múltiplos ferimentos lesões traumáticas, tendo sido internada e assistida no S.U. do C. Hospitalar do Alto Ave. no dia 08-10-2011, onde foi examinada, apresentando diagnóstico de politraumatizada com múltiplas lesões e contusões traumáticas, designadamente:

a. fractura dos ramos ilioisquiopúbicos bilateralmente, por esmagamento antero-posterior;

b. esfacelo da coxa esquerda;

c. esfacelo do pé direito;

d. perda de consciência;

e. fractura fechada da bacia;

f. ferida da coxa esquerda;

g. contusão do joelho esquerdo;

h. contusão da coluna lombar;

i. contusão da coxa esquerda, e

j. contusão do pé direito.

26 - Autora, no C. Hospitalar do Alto Ave foi submetida a exames, tratamentos e intervenções cirúrgicas:

a. exames complementares de diagnóstico;

b. intervenção cirúrgica de regularização do esfacelo da coxa esquerda por cirurgia geral a qual foi suturada (mais ou menos 20 cm)

c. intervenção cirúrgica de regularização do esfacelo do pé direito o qual foi suturado e tratamento conservador.

27 - A Autora, esteve internada no serviço de ortopedia do C. Hospitalar A. Ave, durante três semanas (21 dias).

28 - A Autora, após a sua alta hospitalar manteve-se em repouso no seu domicílio com transferência para a consulta externa de ortopedia.

29 - A Autora, esteve acamada cerca de um mês na sua residência, tendo iniciado a deambulação quatro semanas após o acidente com apoio de duas canadianas.

30 - A Autora, em consequência do acidente passou a ter incontinência urinária, encontrando-se a ser acompanhada por conta e a expensas da Ré na especialidade de Urologia no Hospital de Santa Maria no Porto.

31 - A Autora, foi seguida em ambulatório na especialidade de ortopedia pelo Dr. EE até 13-04-2012 por conta e aos cuidados dos Serviços Clínicos da Ré no Hospital Ordem da Lapa.

32 - A Autora, quando retomou a sua actividade e pegou em pesos, teve uma recidiva das lesões, que a impediram de trabalhar durante mais quinze dias, tendo sido assistida no Centro Hospitalar do Alto Ave onde foi submetida a drenagem da ferida tendo como sequela uma cicatriz nesse local.

33 - As lesões sofridas pela Autora em consequência do acidente de viação descrito nos presentes autos, estabilizaram apenas em 13-04-2012.

34 - A Autora, em 13-04-2012, foi submetida a um exame pelos Serviços Clínicos da Ré, com relatório médico elaborado pelo Sr. Dr. EE.

35-a) Como consequência do acidente a autora apresenta as seguintes sequelas:

Queixas: a nível funcional:

Postura, deslocamentos e transferências dificuldades acrescidas em caminhar por terreno irregular bem como subir ou descer escadas.

Fenómenos dolorosos na bacia e na região cervico-dorsal.

Parestesias dos membros superiores mais à esquerda

Queixas a nível situacional:

Vida profissional ou de formação: dificuldade em estar sentada durante longos períodos de tempo.

Dificuldades acrescidas em transportar cargas.

Lesões ou sequelas relacionáveis com o evento-perineo: sequelas de fratura da bacia - fratura dos ramos públicos bilateralmente por esmagamento antero posterior - membro inferior direito- cicatriz hipertrófica com 6 cm de comprimento e 2 cm de largura na região dorsal localizada ao 4 º e 5º társico, cicatriz dorsal da base D3 com 1.2x1cm - membro inferior esquerdo- cicatriz vertical com 21 cm de comprimento, de bordos irregulares localizada na face externa com início na região trocantérica até à região mediodiafisarica. Lipodistrofia na região externa do 1/3 médio da coxa com 6.5x6 c, de dimensão, dismorfia cicatricial arredondada de 1.5 na região anterior do 1/3 médio da perna. Sem hepertrofias musculares. Mobilidades mantidas, designadamente ao nível da articulação coxo-femural e joelho.

35-b) A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 13/04/2012.

36 - Período de défice funcional temporário total fixável em 28 dias.

37 - Período de défice funcional temporário parcial fixável em 161 dias.

38 - Período de repercussão temporário na atividade profissional total fixável em 189 dias.

39 - Quantum doloris fixável em 4/7.

40 - Défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 8 pontos.

41 - As sequelas descritas são compatíveis com o exercício da actividade habitual mas implicam esforços suplementares.

42 - Dano estético permanente fixável em 3/7

43 - Repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer fixável em 1/7.

44 - A Autora seguia sentada no banco traseiro/lado esquerdo, com o tronco e a cabeça estendidos sobre o seu lado direito.

45 - Com o embate no muro a Autora foi deslocada dentro do veículo para a frente.

46 - Com o que sofreu diversos embates provocados pelo banco da frente.

47 - Embates que forma a causa dos danos sofridos pela autora.

48 - A Autora, foi ainda submetida a exames complementares de diagnóstico de 1. Radiografia da bacia, em 16.03.2012: “(...)Regista-se sinais de fratura prévia dos ramos isquio-pubicos direito e esquerdo, com calo ósseo formado, alinhadas, notando-se também irregularidades da sínfise púbica e do ramo ilio-púbico esquerdo, provável sequela de fratura. (...) Articulações sacro-ilíacas e coxo-femorais permeáveis. 2. RM de alto campo do joelho esquerdo em 16.03.2012: “(...)Regista-se um acentuado edema subcutâneo na vertente interna, com pequenas áreas císticas no seu seio, provavelmente resultante de celulite/lipodistrofia focal (pós-traumática? Pós flebite?) (...). Discreto derrame articular. Na vertente medial do cavado poplíteo observa-se quisto de Baker medindo 4.5 cm de maior eixo longitudinal. Nos segmentos ósseos focados não há evidência de traços de fratura ou focos de contusão óssea, mantendo as superfícies articulares contornos regulares, sem lesões osteo-condrais.”

49 - A Autora despendeu a quantia de 380,04€ (Trezentos e Oitenta Euros e Quatro Cêntimos) em tratamentos médicos.

50 - Na altura do acidente, a Autora sofreu angústia de poder a vir a falecer.

51 - A Autora, antes e à data da ocorrência do acidente de viação descrito nos presentes autos, era uma pessoa saudável, dinâmica, expedita, diligente e trabalhadora, alegre, confiante, cheia de projectos para o futuro, cheia de vida, com vontade e alegria de viver, calma, amante da vida, confiante, detentora de um temperamento afável e generoso que lhe permitia bons relacionamentos com as outras pessoas.

52 - A Autora, desde a data da ocorrência do acidente de viação descrito nos presentes autos tornou-se triste, introvertida, abalada psiquicamente, introvertida, deprimida, angustiada, sofredora, insegura, muito nervosa, receosa de que o seu estado de saúde piore e desgostosa da vida.

53 - A Autora sente-se afectada psiquicamente, infeliz, desgostosa da vida, inibida e diminuída fisicamente e esteticamente.

54 - As cicatrizes com que ficou causam à Autora desgosto e inibição e a desfavorecem esteticamente, designadamente quando se desloca no verão à praia, quando coloca uns calções, uma saia, um fato de banho, e quando se relaciona amorosamente com o seu namorado.


4. Tendo em conta o disposto no nº 4, do art. 635º, do Código de Processo Civil, está em causa a questão do cálculo da indemnização a pagar à A., designadamente:

- Indemnização por danos patrimoniais a título de “perdas salariais durante o período de tempo em que esteve incapacitada para o trabalho de 08/10//2011 a 13/04/2012, num total de 189 dias”;

- Indemnização por perda de capacidade de ganho/“dano biológico”;

- Indemnização por danos não patrimoniais;

- Juros de mora sobre os montantes indemnizatórios devidos.


5. Antes de apreciar, em concreto, a fixação de cada uma das componentes da indemnização, há que recordar os seguintes critérios gerais a seguir (seguindo-se essencialmente, os termos do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/01/2016, proc. n º 7793/09.8T2SNT.L1.S1, www.dgsi.pt, relatado pela relatora do presente acórdão):

- “O princípio geral da obrigação de indemnizar consiste na reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (art. 562º, do Código Civil). A reconstituição natural é substituída pela indemnização em dinheiro quando se verificar alguma das situações do nº 1, do art. 566º, do CC: “sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor”. A indemnização deve abranger os danos emergentes e os lucros cessantes (art. 564º, nº 1, do CC) e o seu cálculo deve ser feito segundo a fórmula da diferença, prevista no nº 2, do art. 566º, do CC (“a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos”). Contudo, se o montante dos danos for indeterminado e, por isso mesmo, a fórmula da diferença não puder ser aplicada, “o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados” (nº 3, do art. 566º, do CC)”;

- “A compensação dos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art. 496º, nº 1, do CC), não pode – por definição – ser feita através da fórmula da diferença. Deve antes ser decidida pelo tribunal, segundo um juízo de equidade (art. 496º, nº 4, primeira parte, do CC), tendo em conta as circunstâncias previstas na parte final do art. 494º, do CC”;

- “Como tem sido considerado pelo Supremo Tribunal de Justiça (cfr., por exemplo, o acórdão de 6 de Abril de 2015, proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1, com remissão para o acórdão de 28 de Outubro de 2010, proc. nº 272/06.7TBMTR.P1.S1, e para o acórdão de 5 de Novembro de 2009, proc. nº 381/2002.S1, todos em www.dgsi.pt), “a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito»”; se é chamado a pronunciar-se sobre “o cálculo da indemnização” que “haja assentado decisivamente em juízos de equidade”, não lhe “compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar (…), mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto «sub iudicio»”;

- “A sindicância do juízo equitativo não afasta a necessidade de ponderar as exigências do princípio da igualdade, o que aponta para uma tendencial uniformização de parâmetros na fixação judicial das indemnizações, sem prejuízo da consideração das circunstâncias do caso concreto. Nos termos do acórdão deste Supremo Tribunal de 31 de Janeiro de 2012, proc. nº 875/05.7TBILH.C1.S1, www.dgsi.pt, “os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição”. Exigência plasmada também no art. 8º, nº 3, do CC: “nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.””;

- “A afectação da integridade físico-psíquica (em si mesma um dano evento, que, na senda do direito italiano, tem vindo a ser denominado “dano biológico”) pode ter como consequência danos de natureza patrimonial e danos de natureza não patrimonial. Na primeira categoria não se compreende apenas a perda de rendimentos pela incapacidade laboral para a profissão habitual, mas também as consequências da afectação, em maior ou menor grau, da capacidade para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais (neste sentido, decidiram os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Junho de 2015 (proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1), de 19 de Fevereiro de 2015 (proc. nº 99/12.7TCGMR.G1.S1), de 7 de Maio de 2014 (proc. nº 436/11.1TBRGR.L1.S1), de 10 de Outubro de 2012 (proc. nº 632/2001.G1.S1), e de 20 de Outubro de 2011 (proc. nº 428/07.5TBFAF.G1.S1), todos em www.dgsi.pt.)”.

Tendo presentes os critérios gerais que aqui sumariámos, passamos a aplicá-los ao caso dos autos.


6. Quanto à questão da indemnização por danos patrimoniais a título de “perdas salariais durante o período de tempo em que esteve incapacitada para o trabalho de 08/10//2011 a 13/04/2012, num total de 189 dias” relevam os seguintes factos provados:

20 - A Autora, à data da ocorrência do acidente de viação descrito nos autos, era Licenciada em Marketing pelo Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto.

21 - Ao tempo do acidente a Autora estava desempregada.

22 - Atualmente, a Autora é “Revistadeira” na firma “FF Recursos Humanos, Emp. de Trabalho Temporário Lda, com sede na Avenida da República, n.º …, 1069 – Lisboa.

23 - Aufere mensalmente 675,28€ (Seiscentos e Setenta e Cinco Euros e Vinte e Oito Cêntimos), discriminado da seguinte forma:

- 455,46€ a titulo de vencimento,

- 41,62€ a titulo de subsidio de férias;

- 83,16€ a titulo de subsidio de refeição;

- 24,81€ a titulo de prémio de disponibilidade;

- 26,00€ a titulo de prémio;

- 44,23€ a titulo de turno.

24 - A Autora nasceu em 02-02-1989.

A Recorrente pretende que lhe seja atribuída a quantia de 6.300,00€ (1.000,00€: 30 dias x 189 dias) a título de perdas salariais mensais, durante o período de tempo em que esteve incapacitada para o trabalho de 08/10/2011 a 13/04/2012, num total de 189 dias”, uma vez que “Para efeito de determinação de indemnização por danos patrimoniais futuros será de atender ao salário médio acessível a um jovem dotado de formação profissional superior – Licenciatura na área do Marketing - salário que, em termos de normalidade e previsibilidade, é de situar em quantia nunca inferior a 1.000,00 euros mensais, tendendo a subir ao longo da vida. Invocando que “A Autora, perdeu possibilidades de procurar e obter um emprego durante esse tempo, de 08/10/2011 a 13/04/2012, num total de 189 dias, perda de chance essa constitui um dano indemnizável”.

O acórdão recorrido recusou a pretensão da Recorrente pelas seguintes razões:

“(…) embora saibamos, pela factualidade provada, que a A., à data deste acidente era licenciada em Marketing e estava desempregada, já se ignora, de todo, se a mesma diligenciava, então, pela obtenção de um emprego e, na afirmativa, qual ou quais as diligências que já tinha encetado ou se propunha encetar para o efeito. É que se é certo que o comum dos mortais vive dos rendimentos gerados pela sua força de trabalho, o que se admite, em tese, ser também o caso da A. - até pela actividade que veio posteriormente a desenvolver - já se ignora se, no período concreto em causa, a mesma se dispunha a procurar emprego. Não porque lhe deva ser imputada qualquer inércia; mas porque, por exemplo, podia ter estabelecido outras prioridades para a sua vida, como, por exemplo, continuar a sua valorização académica.

De modo que ignorando nós estas prioridades, é prematuro configurar a violação do exercício do direito à procura de emprego como um dano efectivo.

Por outro lado, mesmo que assim não fosse e a A. se propusesse encontrar emprego, também não é líquido que a incapacidade para o trabalho por ela sofrida lhe tenha determinado, directa e necessariamente, a impossibilidade de o procurar. Recorde-se que a A. esteve incapacitada para o trabalho entre 08/10/2011 e 13/04/2012, mas só durante 28 dias com incapacidade total. Logo, sabendo nós que a procura de emprego não se restringe, nos dias de hoje, aos contactos presenciais, também por esta via seria precipitado estabelecer qualquer nexo causal entre a referida incapacidade e as eventuais oportunidades de emprego que para a A. estivessem disponíveis, na altura.

De resto, ainda aí seria necessário diferenciar também, com rigor, essas oportunidades, objectivamente consolidadas, das meras expectativas sujetivas da A.. É que só a perda daquelas oportunidades poderia ter interferência directa na esfera jurídica da A., em termos patrimonialmente relevantes. As expectativas, nunca; sob pena de alargamento discricionário do nexo de imputação objectivo, que, a nosso ver, o ordenamento jurídico não consente, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual.”

Considerando-se válida e adequada a fundamentação do acórdão recorrido, confirma-se a decisão de não aceitação da pretensão da Recorrente de obtenção de indemnização pela alegada perda de remuneração “durante o período de tempo em que esteve incapacitada para o trabalho de 08/10/2011 a 13/04/2012, num total de 189 dias”.


7. Quanto ao que a Recorrente qualificou, e as instâncias aceitaram, como reparação da perda de capacidade de ganho / “dano biológico”, segue-se a orientação deste Tribunal, supra referida (e seguindo os termos expostos no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/01/2016, cit.), de “procurar ressarcir as consequências da afectação, em maior ou menor grau, da capacidade para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais. Trata-se das consequências patrimoniais do denominado “dano biológico”, expressão que tem sido utilizada na lei, na doutrina e na jurisprudência nacionais com sentidos nem sempre coincidentes. Certo é que a lesão físico-psíquica é o dano-evento, que pode gerar danos-consequência, os quais se distinguem na tradicional dicotomia de danos patrimoniais e danos não patrimoniais (…). Com esta precisão, a indemnização pela perda da capacidade de ganho tem a seguinte justificação, nas palavras do acórdão do Supremo Tribunal de 10 de Outubro de 2012, cit.: “a compensação do dano biológico [dentro das consequências patrimoniais da lesão físico-psíquica] tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou reconversão de emprego pelo lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar; quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas.” Entende-se que o aumento da penosidade e esforço para realizar as tarefas diárias pode ser atendido no âmbito dos danos patrimoniais (e não apenas dos danos não patrimoniais), na medida em que tenha como consequência provável a redução da capacidade de obtenção de proventos, no exercício de actividade profissional ou de outras actividades económicas.”

Situamo-nos, pois, no domínio dos danos patrimoniais indetermináveis, cuja reparação deve ser fixada segundo juízos de equidade (cfr. art. 566º, nº 3, do CC).

O acórdão recorrido fixou equitativamente esta parcela da indemnização em €15.000, partindo de uma base calculada por aplicação da fórmula matemática utilizada habitualmente para o cálculo da indemnização pela perda de remuneração profissional, e utilizando o valor da remuneração que a Recorrente tinha à data da propositura da acção (€505,50), mas não à data do acidente, uma vez que se provou que nessa altura se encontrava desempregada.

A Recorrente pretende ter direito a “uma indemnização a qual deverá ser fixada equitativamente em quantia nunca inferior à quantia de 60.000,00€ (Sessenta Mil Euros)”.

Na jurisprudência deste Supremo Tribunal (acórdãos de 20 de Outubro de 2011 (proc. nº 428/07.5TBFAF.G1.S1), de 10 de Outubro de 2012 (proc. nº 632/2001.G1.S1), de 7 de Maio de 2014 (proc. nº 436/11.1TBRGR.L1.S1), de 19 de Fevereiro de 2015 (proc. nº 99/12.7TCGMR.G1.S1), e de 4 de Junho de 2015 (proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1), todos consultáveis em www.dgsi.pt), a atribuição de indemnização por perda de capacidade geral de ganho, seguindo o critério da equidade, tem variado, essencialmente, em função dos seguintes factores: (i) a idade do lesado; (ii) o seu “défice funcional permanente da integridade físico-psíquica”; (iii) as suas potencialidades de aumento de ganho em profissão ou actividade económica alternativa, aferidas, em regra, pelas suas qualificações.

Seguindo esta mesma orientação, entende-se que, no caso dos autos, são determinantes os seguintes factos provados: na data do acidente, a Recorrente tinha 22 anos de idade; o seu défice funcional permanente da integridade físico-psíquica foi fixado em 8%; e possuía o grau académico de licenciada.

Ainda que o “défice funcional permanente da integridade físico-psíquica” não seja muito elevado, certo é que a extrema juventude da Recorrente à data do acidente, o facto de a esperança média de vida para as mulheres nascidas em 1989 se situar, à data do acidente, em torno dos 80 anos, associada à qualificação académica, tudo permite concluir que os pressupostos dentro dos quais se situou o juízo equitativo do acórdão recorrido não são justos e adequados. Na verdade, deve admitir-se como provável que uma jovem com qualificação académica superior, que, à data do acidente, tinha pela sua frente cinco a seis décadas de vida, teria hipóteses significativas de evolução no plano da obtenção de ganhos materiais, hipóteses que, como se provou, foram afectadas pela incapacidade geral permanente de que ficou a padecer. Considera-se, por isso, justa e adequada a atribuição de indemnização no montante de €25.000.


8. Quanto à questão da fixação de indemnização por danos não patrimoniais, relevam os seguintes factos provados:

- A Autora esteve internada no serviço de ortopedia do C. Hospitalar A. Ave durante três semanas (21 dias).

- A Autora, após a sua alta hospitalar, manteve-se em repouso no seu domicílio com transferência para a consulta externa de ortopedia.

- A Autora esteve acamada cerca de um mês na sua residência, tendo iniciado a deambulação quatro semanas após o acidente com apoio de duas canadianas.

- A Autora, em consequência do acidente, passou a ter incontinência urinária, encontrando-se a ser acompanhada por conta e a expensas da Ré na especialidade de Urologia no Hospital de Santa Maria no Porto.

- A Autora, quando retomou a sua actividade e pegou em pesos, teve uma recidiva das lesões, que a impediram de trabalhar durante mais quinze dias, tendo sido assistida no Centro Hospitalar do Alto Ave onde foi submetida a drenagem da ferida tendo como sequela uma cicatriz nesse local.

- As lesões sofridas pela Autora, em consequência do acidente de viação descrito nos presentes autos, estabilizaram apenas em 13-04-2012.

- Quantum doloris fixável em 4/7.

- Défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 8 pontos.

- As sequelas descritas são compatíveis com o exercício da actividade habitual mas implicam esforços suplementares.

- Dano estético permanente fixável em 3/7

- Repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer fixável em 1/7.

- Na altura do acidente, a Autora sofreu angústia de poder a vir a falecer.

- A Autora, antes e à data da ocorrência do acidente de viação descrito nos presentes autos, era uma pessoa saudável, dinâmica, expedita, diligente e trabalhadora, alegre, confiante, cheia de projectos para o futuro, cheia de vida, com vontade e alegria de viver, calma, amante da vida, confiante, detentora de um temperamento afável e generoso que lhe permitia bons relacionamentos com as outras pessoas.

- A Autora, desde a data da ocorrência do acidente de viação descrito nos presentes autos tornou-se triste, introvertida, abalada psiquicamente, introvertida, deprimida, angustiada, sofredora, insegura, muito nervosa, receosa de que o seu estado de saúde piore e desgostosa da vida.

- A Autora sente-se afectada psiquicamente, infeliz, desgostosa da vida, inibida e diminuída fisicamente e esteticamente.

- As cicatrizes com que ficou causam à Autora desgosto e inibição e a desfavorecem esteticamente, designadamente quando se desloca no verão à praia, quando coloca uns calções, uma saia, um fato de banho, e quando se relaciona amorosamente com o seu namorado.


A sentença de 1ª instância fixara a indemnização por danos não patrimoniais em €30.000. O acórdão da Relação reduziu esse montante para €18.000. Pretende a Recorrente que a indemnização por danos não patrimoniais seja fixada “em quantia nunca inferior a 50.000,00€ (Cinquenta Mil Euros)”.

Procurando respeitar o princípio de igualdade a que fizemos referência supra, deve ter-se em conta a jurisprudência deste Supremo Tribunal em matéria de danos não patrimoniais decorrentes de lesões físicas. Indicam-se as seguintes decisões:

- Fixou-se em €50.000 a indemnização por danos não patrimoniais de vítima que sofreu várias fracturas e um traumatismo crânio-encefálico, com inerentes dores (de grau 5 numa escala até 7), esteve hospitalizado duas vezes, foi sujeito a intervenções cirúrgicas e a tratamento em fisioterapia, teve de se deslocar, por longo tempo, com o auxílio de canadianas, ficou, como sequelas permanentes, com cicatrizes na perna, claudicação da marcha, dificuldade em permanecer de pé, em subir e descer escadas e, bem assim, impossibilitado de correr e praticar desporto que antes praticava, passou, de alegre e comunicativo, a triste, desconcertado e ansioso (acórdão de 07/10/2010, proc. nº 370/04.1TBVGS.C1, www.dgsi.pt);

- Fixou-se em €30.000 a compensação por danos não patrimoniais do sinistrado que, em virtude do acidente, foi sujeito a internamentos hospitalares com intervenções cirúrgicas, teve de estar acamado com imobilização e dependência de terceira pessoa em casa durante cerca de 3 meses, teve enjoos e dores (estas em grau 3 numa escala de 7), esteve longo período sem poder, em absoluto, trabalhar (este dano na sua vertente não patrimonial) e que, como sequelas permanentes, ficou com uma cicatriz na região dorso lombar de 14 cm e a sofrer de lombalgias que se agravam no final do dia de trabalho (acórdão de 09/09/2010, proc. nº 2572/07.OTBTVD.L1, www.dgsi.pt);

- Manteve-se o montante compensatório de €40.000 por danos não patrimoniais de lesado cujo internamento hospitalar se prolongou por quase 3 meses, com várias intervenções cirúrgicas, que, depois, teve necessidade de ajuda permanente de terceira pessoa, tendo tido dores de grau 5 numa escala até 7 e cuja incapacidade absoluta para o trabalho (relevando aqui na sua vertente não patrimonial) se prolongou por cerca de ano e meio, tendo ficado, com a estabilização clínica, com dores e dismetria dos membros inferiores (acórdão de 26/01/2012, proc. nº 220/2001-7.S1, www.dgsi.pt);

- Fixou-se em €60.000 (a reduzir em 1/3 em virtude da culpa do lesado)

 a compensação por danos não patrimoniais de lesado que sofreu lesões graves no crânio, que demandaram cerca de um mês de internamento hospitalar em regime acamamento e tendo ficado com perdas de memória, necessidade da orientação fora do seu trajecto normal, parestesias na região malar esquerda e pé esquerdo, síndrome subjectivo pós comocional, com insónias, irritabilidade e perturbação com o barulho, sem crises epilépticas, cicatriz na região malar esquerda de 3 cm e limitação na elevação do braço esquerdo (acórdão de 07/05/2014, proc. nº 1070/11.TBVCT.G1.S1, www.dgsi.pt).

No caso dos autos, foi feita prova de danos não patrimoniais de elevado nível de gravidade pelo que, tendo também em conta que o acidente foi causado por culpa exclusiva do condutor, se considera que os pressupostos dentro dos quais se situou o juízo equitativo do acórdão recorrido não são justos e adequados, devendo a compensação por danos não patrimoniais fixar-se em €50.000.


9. Por fim, quanto à questão dos juros moratórios sobre as quantias indemnizatórias, decidiu a Relação que os mesmos “são contados desde o dia subsequente à data em que é proferida esta decisão, até integral pagamento”.

Pretende a Recorrente ter direito a: “a) os juros de mora vencidos e vincendos calculados à taxa legal anual em vigor sobre o montante oferecido pela Ré no valor €9.000,00, sendo que sobre o valor oferecido para satisfação dos danos patrimoniais (6.716,40€ (3426,36€ + 380,04€ + 2910,00€ =6716,40€) a contar da citação e sobre o valor oferecido para satisfação dos danos não patrimoniais (2.283,60) a contar da data da prolação da douta sentença e até efetivo pagamento, e b) os juros de mora vencidos e vincendos calculados no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido pela Ré no valor € 9.000,00 e o montante que vier a ser fixado no Douto Acórdão Final sendo que sobre o valor que vier a ser doutamente fixado para satisfação dos danos patrimoniais a contar da citação e sobre o valor que vier a ser doutamente fixado para satisfação dos danos não patrimoniais a contar da data da prolação da douta sentença a e até efetivo pagamento.” Fundamenta as suas exigências no regime dos arts. 39º, nº 2, e 38º, nº 2, do Decreto-Lei nº 291/2007. Com efeito, este diploma legal estabelece um regime especial de juros de mora relativamente às obrigações das seguradoras no âmbito do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel.

Mesmo que se admita que este regime especial é aplicável para além das relações entre a seguradora e o lesado, sempre o caso dos autos não seria subsumível a qualquer das normas que a Recorrente invoca, mas antes ao nº 3 do art. 39º do citado decreto-lei que prevê: “Todavia, quando a proposta da empresa de seguros tiver sido efectuada nos termos substanciais e procedimentais previstos no sistema de avaliação e valorização dos danos corporais por utilização da Tabela Indicativa para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, os juros nos termos do número anterior são devidos apenas à taxa legal prevista na lei aplicável ao caso e sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial, e, relativamente aos danos não patrimoniais, a partir da data da decisão judicial que torne líquidos os montantes devidos.”

Ficou provado que “Em 15.5.2012 a Ré endereçou carta à autora na qual sob a epígrafe “Assunto: Proposta Indemnização Final” lhe comunicou e informou do seguinte: a) “Efectuadas todas as diligências tendentes ao apuramento das circunstâncias em que o mesmo ocorreu, concluímos que a responsabilidade pertence exclusivamente ao condutor do veículo que garantimos, pelo que caberá a esta seguradora indemnizar V.Ex.a pelos prejuízos sofridos”. “Nestes termos, de acordo com o disposto no artigo 37º, n.º1 c) do Decreto-Lei n.º 291/2007, e considerando que os referidos danos já se encontram quantificados, cumpre-nos apresentar a V.Ex.ª a respectiva proposta indemnizatória: - IPP%: 4 pontos – 3.426,36 euros. - Outras despesas: 380,04euros.- Dano moral: 2.283,60 euros, - ITA: 2.910,00 euros. - Indemnização Final: 9.000,00 euros.” Tendo a R. apresentado proposta de indemnização por danos corporais e consequências deles resultantes, competia à Recorrente alegar e provar que o conteúdo dessa proposta não correspondia aos “termos substanciais e procedimentais previstos no sistema de avaliação e valorização dos danos corporais por utilização da Tabela Indicativa para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil”. Não o fez pelo que os juros “são devidos apenas à taxa legal prevista na lei aplicável ao caso”.

Quanto ao momento a partir do qual se contam os juros moratórios, deve esclarecer-se que as verbas indicadas na proposta indemnizatória não devem ser aqui consideradas:

- O montante de €3.426,36 porque foi consumido pela indemnização por perda de capacidade de ganho / “dano biológico”, globalmente atribuía neste acórdão;

- O montante de €380,04, respeitante a despesas médico-medicamentosas porque a condenação transitou em julgado em 1ª instância;

- O montante de €2.910,00 porque respeitava a perda de “chance” de remuneração pelo trabalho da lesada que não foi dada como provada;

- O montante de €2.283,60 porque foi consumido pela compensação por danos não patrimoniais, globalmente fixada neste acórdão.

Seguindo-se, pois, a regra geral do nº 3, do art. 805º, do CC, interpretado restritivamente pelo AUJ nº 4/2002, devem aplicar-se juros de mora a partir da data da liquidação da indemnização. Ora, tendo a questão sido objecto do recurso de apelação da R., o acórdão recorrido decidiu expressamente da seguinte forma:

“… Com efeito, visando os juros de mora compensar a depreciação monetária, faz sentido que, nas decisões judiciais em que o capital é actualizado à data em que as mesmas são proferidas, se não estabeleçam esses juros desde data anterior. (…)

E deve ser assim em relação a qualquer dano, seja ele de natureza patrimonial ou não patrimonial; incluindo, portanto, a indemnização devida por danos patrimoniais futuros. Na verdade, tal montante é, em regra, calculado segundo variáveis que o julgador considera adequadas ao tempo da decisão, nos termos do já citado artigo 566.º, n.º 2, do Código Civil.

E foi também isso que se passou no caso presente, como resulta da exposição que a esse respeito se deixou exarada, na qual se estabeleceu a quantia indemnizatória de 15.000,00€, em função do valor actual da moeda.

Assim, os juros de mora pela indemnização atribuída pelos danos patrimoniais futuros serão devidos desde o dia seguinte à presente decisão e não desde a data da citação.”

Na medida em que a decisão objecto de revista é o acórdão recorrido, e neste se indica expressamente que a indemnização foi fixada em função do valor da moeda à data do acórdão, os juros de mora da indemnização por danos patrimoniais, agora revista, devem contar-se desde a data daquele acórdão.

O mesmo valendo para a compensação por danos não patrimoniais, uma vez que do extracto do acórdão supra transcrito decorre que foi utilizado o mesmo critério actualizador.


10. Em conclusão, concede-se parcialmente a revista, revogando-se o acórdão recorrido e condenando-se a Recorrida a pagar à Recorrente:

- A quantia de €25.000 a título de danos patrimoniais (por perda de capacidade geral de ganho/“dano biológico”);

- A quantia de €50.000, a título de danos não patrimoniais;

- Juros de mora à taxa legal, sobre os montantes fixados, desde a data em que o acórdão recorrido foi proferido.


Custas, aqui e nas instâncias, por A. e R., na proporção do vencimento e decaimento.


Lisboa, 7 de Abril de 2016


Maria da Graça Trigo (Relatora)

Bettencourt de Faria

João Bernardo