Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
945/14.0T2SNT-G.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ROSA RIBEIRO COELHO
Descritores: RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
INDEMNIZAÇAO DE CLIENTELA
CESSAÇÃO
CONHECIMENTO PREJUDICADO
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
ALTERAÇÃO DO PEDIDO
AMPLIAÇÃO DO PEDIDO
NULIDADE PROCESSUAL
DEVER DE GESTÃO PROCESSUAL
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
Data do Acordão: 06/06/2019
Nº Único do Processo:
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: BAIXA DOS AUTOS À 1ª INSTÂNCIA, SENDO CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / GESTÃO INICIAL DO PROCESSO E DA AUDIÊNCIA PRÉVIA.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, p. 681;
- Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, p. 630 e 636;
- Miguel Teixeira de Sousa, Blog do IPPC, comentando o acórdão da Relação de Lisboa de 15-05-2014;
- Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Código de processo Civil, Os artigos da Reforma, Volume I, 2.ª edição, 2014, p. 520 e ss. ; Volume II, p. 126.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 590.º, N.º 4.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

- DE 15-05-2014, PROCESSO N.º 26903/13.4T2SNT.L1, IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

- DE 26-02-2015, PROCESSO N.º 5807/13.6TBMTS;
-DE 30-04-2015, PROCESSO N.º 5800/13.9TBMTS.PI, AMBOS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I – O convite ao aperfeiçoamento de articulados, nos termos do nº 4 do art. 590º do CPC, é um dever a que o juiz está sujeito e cujo não cumprimento leva ao cometimento de nulidade processual.

II – Está manifestamente fora do seu âmbito providenciar pela formulação de pedido que constitua uma pretensão diversa ou ampliada da deduzida pelo autor na petição inicial.

III – Estando já o contrato extinto por resolução declarada por uma das partes à outra, não pode esta vir depois pedir a resolução do mesmo por incumprimento imputado àquela.

IV – A indemnização de clientela, se for devida por verificação dos respetivos pressupostos, tem a sua génese, não numa declaração de resolução do contrato por violação contratual perpetrada pela contraparte, mas na cessação daquele por qualquer causa.

V – Julgado improcedente, por o negócio já estar extinto, o pedido de resolução do contrato formulado por um dos contraentes, há que conhecer do pedido de indemnização deduzido pelo mesmo contraente para ressarcimento dos danos causados ao seu bom nome, com fundamento no não cumprimento do contrato imputado ao outro.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DA JUSTIÇA

2ª SECÇÃO CÍVEL




I - AA, Lda., intentou, no dia 10/01/2014, acção declarativa de processo comum contra BB (DD) e CC - Sociedade Comercial Norte Americana, pedindo que:

a) Seja considerado resolvido com justa causa o contrato celebrado entre a A. e a 1ª ré por violação desta última;

b) Sejam as rés condenadas solidária ou individualmente no  pagamento do valor da justa compensação que se computa em 2.583.663,65E (dois milhões e quinhentos e oitenta e três mil, seiscentos e sessenta e três euros e sessenta e cinco cêntimos) tendo já sido compensado o valor em divida da Autora à 1ª ré no valor de 679.227,46€ (seiscentos e setenta e nove mil duzentos e vinte e sete euros e quarenta e seis cêntimos); ou

c) Se assim não se entender, subsidiariamente, sejam as rés solidária ou individualmente condenadas no pagamento de um valor justo correspondente ao montante do seu enriquecimento com a clientela angariada e pelo valor da marca DD no mercado nacional, acrescido dos danos emergentes e lucros cessantes que se vierem a apurar em sede de julgamento.



A esta acção foi atribuído o n.° 945/14.0T2SNT.


Posteriormente, em 09/06/2014,  a 1ª ré nesta ação, BB (DD), intentou contra a aí autora AA, Lda., uma acção de processo comum declarativo (n.° 11676/14.1T3SNT), pedindo:

a) O reconhecimento da “legitimidade da resolução do contrato de distribuição comercial, comunicada no dia 27 de Dezembro de 2013, com base no incumprimento definitivo e culposo da ré"[1]

b) A condenação da ré no pagamento dos danos causados à autora, decorrentes da resolução do contrato, concretamente: i) o crédito da autora no montante de 679.435,91 €; ii) os juros desse crédito, contabilizados das datas de vencimento das facturas até à data de entrada da presente acção, no montante de 30.293,94 €; iii) as despesas em que a autora incorreu na tentativa de salvaguardar a recuperação daquele crédito, no montante de 23.329,27 €; iv) as despesas previsíveis em que virá ainda a incorrer na tentativa de salvaguardar a recuperação do crédito no montante de 50.000,00 €.


Foi proferido despacho que determinou a apensação das duas duas acções.


Na contestação apresentada no processo n.° 945/14.0T2SNT, em 1/09/2015, vieram as rés invocar excepção perentória inominada impeditiva do efeito jurídico dos factos articulados pela autora, nos termos e com os fundamentos seguintes:

«(...) 24. Com a presente ação a autora requer ao Tribunal que seja “considerado resolvido com justa causa o contrato celebrado entre A. e 1ª Ré por violação desta última".

25. A presente ação deu entrada no dia 10 de janeiro de 2014.

27. Sucede contudo, que à data da interposição desta ação o contrato já tinha sido resolvido pela 1ª ré.

28. Na verdade, por carta registada com aviso de receção datada de 23 de dezembro de 2013, a 1ª ré comunicou à autora a resolução do acordo de distribuição invocando o incumprimento definitivo por culpa exclusiva da autora. — cfr. documento n.° 3.

29. A referida carta foi rececionada pela autora no dia 27 de dezembro de 2013. — cfr. documento n.° 4.

30. Ora, a resolução de um contrato, que pode efetivar-se através de mera declaração resolutória, torna-se irrevogável — determinando a cessação do vínculo — após ter sido recebida pelo destinatário, salvo acordo em contrário (que in casu não existiu) conforme o disposto nos artigos 436.°, n.° 1 e 224.°, n.° 1 do Código Civil, vide, neste sentido, entre muitos, os acórdãos do TRL, de 02.07.2013, proc. n.° 1391/11.3TBCTB.C1 e do STJ, de 15.01.2015, proc. N.° 2365/08.7TBABF.El.S1, disponíveis em www.dgsi.pt.

31. Temos pois que a autora veio requerer ao Tribunal, em janeiro de 2014, que fosse declarado resolvido o contrato de distribuição que celebrou com a 1ª. ré, o qual, como decorre da antecedente comunicação por aquela recebida, se encontrava já extinto desde dezembro de 2013.

32. O que faz com que o pedido da autora se mostre legal e formalmente inadmissível.

33. A verificação desse facto, que aliás a autora confirma no artigo 149.° da petição inicial, é pois uma causa extintiva anterior ao direito invocado pela autora.

34. Causa extintiva essa que, reitere-se, torna o pedido da autora legal e formalmente inadmissível configurando uma exceção perentória, na medida em que impede a apreciação judicial do efeito jurídico dos factos articulados pela autora, neste sentido vide ainda os acórdãos do STJ, de 11.01.2011, proc. n.° 865/07.5TVPRT.P1.S1 e acórdão do TRC, de 02.07.2013, proc. n.° 1391/11.3TBCTB.C1.

35. E, tendo a autora feito depender os demais pedidos da prévia declaração judicial de resolução do contrato celebrado com a 1ª ré por violação desta última, devem as rés ser totalmente absolvidas de todos os pedidos, nos termos do artigo 576.°, n.° 3 do NCPC (...)»


Em resposta à dita exceção perentória, a autora veio admitir que esta lhe remetera carta a comunicar a resolução do contrato e pugnar pela improcedência da excepção, argumentando que o pedido por si deduzido na petição inicial “pressupõe a falta de fundamentação da tentativa de resolução operada pela 1a Ré”.

Mas, para o caso de assim não se entender, requereu o aditamento de um pedido, a ser apreciado, antes dos já deduzidos, na petição inicial, nos seguintes termos: "Deve considerar-se sem efeito a resolução pela 1ª Ré à Autora, por falta de fundamento legal, nomeadamente por incumprimento desta última".



As rés opuseram-se, defendendo a inadmissibilidade legal desta ampliação do pedido.



Em sede de despacho saneador, foi admitido o articulado de ampliação do pedido e aditou-se aos temas da prova a correspondente matéria; e relegou-se para decisão final o conhecimento da invocada exceção perentória com fundamento na necessidade de averigação e apuramento de factos.


Apreciando recurso de apelação interposto pela ré contra esta decisão, o Tribunal da Relação de Lisboa proferiu acórdão com o segmento decisório que passamos a transcrever:

“Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e em consequência:

a) Revogam o Despacho de 4 de Maio de 2017 (acta com a refª. Citius 10…3), que admitiu o articulado de ampliação do pedido e a ampliação do pedido, o qual substituem pelo presente acórdão que decide a rejeição do referido articulado, por inadmissibilidade legal da requerida ampliação do pedido e considera prejudicado o ponto 8., dos Temas da Prova;

b) Revogam o Despacho de 4 de Maio de 2017 (acta com a refª Citius 10…3), que relegou para a sentença o conhecimento da excepção peremptória inominada invocada pelas Rés/Recorrentes, impeditiva do efeito jurídico pretendido pela Autora, o qual substituem pelo presente acórdão que decide julgar procedente a invocada excepção peremptória e, em consequência: (i) absolvem as Rés do pedido de resolução, "com justa causa, do contrato celebrado entre a Autora e a 1ª Ré, por violação desta última"; (ii) consideram prejudicado o conhecimento dos restantes pedidos formulados pela Autora contra as Rés.

(…)”



Irresignada, a autora trouxe a presente revista que a relatora julgou finda quanto à parte do acórdão que rejeitou o articulado de ampliação do pedido, não conhecendo do seu objeto nessa parte, por inadmissibilidade.



Excluídas as respeitantes à parte da revista que foi julgada finda, as conclusões formuladas pela recorrente têm o teor que passamos a transcrever:

(…) 14. A decisão recorrida considera ainda que a recorrente deveria ter a apreciação judicial da legalidade da resolução que havia sido levado a cabo pela Ia Ré (aqui 1a Recorrida), daí que não seja de aproveitar o pedido principal, e, consequentemente, encontrando-se todos os outros numa relação de prejudicialidade com aquele, nenhum deve ser conhecido. [sic]

15. A fundamentação do Tribunal a quo neste particular, parece-nos, prende-se com uma desarmonia entre a causa de pedir e o pedido formulado a final (a titulo principal) pela Recorrente, pois, defende que, face aos factos relatados deveria, na opinião daquele primeiro, ter sido pedida a apreciação judicial da legalidade da resolução e não o incumprimento contratual das Recorridas.

16. Não aceitamos a visão do Tribunal a quo, contudo, ainda que assim fosse, tal não deveria determinar o não conhecimento do pedido principal formulado pela Recorrente (ou o seu indeferimento liminar), mas, ao invés impunha-se ao Tribunal convidar a Recorrente a aperfeiçoar o seu pedido.

16. Decorre do n°2 b) e n°3 do CPC em concorrência com o principio da cooperação consagrado no art. T nos 1 e 2 do CPC, e com o dever de gestão processual que incumbe ao Tribunal, que, caso este tenha chegado à conclusão que se verifica uma dedução de pedido em desarmonia (mas não em contrariedade como sempre seria o caso) com a matéria alegada, ao invés de decidir não conhecer de tal pedido, deverá convidar a Autora (ora Recorrente) a rectificar, se assim o entender, o exacto sentido do petitório

17. Assim sendo, parece-nos que, ainda que se entenda que a Recorrente não formulou da melhor forma o seu pedido principal, sempre se imporia a anulação da decisão recorrida, devendo o Tribunal convidar a Recorrente a suprir a apontada deficiência na formulação do pedido, mais concretamente, a, nos termos do disposto no art. 590°, n° 3 do CPC, apresentarem articulado, em prazo a fixar, em que o pedido se mostre harmonizado com a causa de pedir que invocaram.

(…)

20. O presente recurso ainda versa sobre a decisão do Tribunal a quo que determinou a revogação do Despacho de 4 de Maio de 2017 (acta com a ref.a Citius 10…3), que relegou para a sentença o conhecimento da excepção peremptória inominada invocada pelas Rés/Recorrentes, impeditiva do efeito jurídico pretendido pela Autora, e que através do acórdão recorrido decidiu julgar procedente a invocada excepção peremptória e, em consequência: (i) absolveu as Rés do pedido de resolução, "com justa causa, do contrato celebrado entre a Autora e a Ia Ré, por violação desta última"; (ii) e que considerou prejudicado o conhecimento dos restantes pedidos formulados pela Autora contra as Rés.

21. A decisão recorrida defende que a excepção peremptória (inominada) invocada pelas Rés, impeditiva do efeito jurídico pretendido pela Autora, assenta na alegação de que o acordo de distribuição celebrado entre Autora e Ia Ré já estava resolvido quando a acção principal deu entrada em juízo e que tal vicissitude já se encontra assente nestes autos, e, como tal, a excepção deve ser deferida.

22. Da conclusão de que a declaração de resolução por parte da Ia Ré operou a extinção do contrato, o Tribunal a quo parte para uma outra conclusão:" a Autora deveria ter pedido era a apreciação judicial da legalidade da resolução levada a cabo pela Ia Ré previamente à propositura da acção e não ignorá-la, como ignorou, e inusitadamente, recorrer à via judicial para obter a declaração de resolução de contrato já resolvido extrajudicialmente pela contraparte.

23. A referida excepção peremptória, segundo o Tribunal a quo, importa a absolvição do pedido e, encontrando-se os demais pedidos formulados pela Autora dependentes da prévia declaração judicial de resolução do contrato celebrado com a Ia ré por violação desta última, ou seja, numa relação de prejudicialidade com este primeiro pedido, impõe-se considerar prejudicado o seu conhecimento, pela solução dada ao pedido de resolução, nos termos do disposto no artigo 608°, n.° 2, Ia parte, in fine, do CPC.

24. Com todo o respeito, não poderá ser assim, pois, segundo acima defendemos, ainda que assistisse razão ao Tribunal a quo na inadequada formulação do pedido principal da Recorrente que, ao invés de peticionar a declaração de resolução de contrato deveria ter pedido a apreciação judicial da legalidade da resolução levada a cabo pela Ia Ré, no mínimo, impunha-se ao Tribunal convidar a Recorrente a aperfeiçoar o seu petitório.

25. Mas, para além do sobredito fundamento, também entendemos que materialmente o entendimento do Tribunal a quo não é o melhor, pois muito embora não neguemos que a resolução pode fazer-se mediante declaração unilateral (art.° 436°, n.° 1, do CC), bastando a mera declaração receptícia de uma das partes à outra para produzir os seus efeitos, haverá sempre apurar se a resolução preencheu os respectivos pressupostos legais, de contrário, a mesma será ilícita.

26. In casu, os factos alegados pela Recorrente em sede de Petição Inicial e de Contestação alicerçam cabalmente a falta de fundamento da resolução remetida pela Ia Recorrida àquela, e sustentam o pedido que a mesma seja considerada sem efeito ou infundada.

27. O litigio colocado ao Tribunal pelas partes deste pleito, implica forçosamente a apreciação dos factos alegados pela Recorrente, os quais, a final, darão causa a que se decida pela fundamentação legal ou não da resolução emitida pela Ia Recorrida, ou, pelo contrário, pela falta de tal fundamentação, e, bem assim, pela necessidade ou não de indemnizar a Recorrente nos termos também por esta peticionados.

28. Assim sendo deverá revogar-se a decisão do Tribunal que conheceu da excepção peremptória inominada invocada pelas Rés/Recorrentes, impeditiva do efeito jurídico pretendido pela Autora, e que através do acórdão recorrido a decidiu julgar procedente.

29. Acresce finalmente que ainda que, se entendesse que efectivamente o pedido de resolução deduzido pela Recorrente não deve ser conhecido, nem tão pouco o pedido ampliado (aditado) de considerar sem efeito a resolução invocada pela Ia Ré, ainda assim tal omissão de conhecimento não constituí causa prejudicial do conhecimento dos restantes pedidos formulados pela Autora contra as Rés.

30. Os pedidos b) e c) estruturalmente não carecem da declaração prévia de resolução contratual por causa imputável às Recorridas, e, por conseguinte, não se encontram numa relação de prejudicialidade com o primeiro pedido (a))

31. Vemos como viável a sustentação dos pedidos b) e c) por si só, sem a necessidade de prévia declaração de resolução contratual por violação das recorridas, pelo que neste ponto a decisão recorrida também merece censura.”



As recorridas contra-alegaram, pugnando pela manutenção do acórdão e formulando as conclusões que, expurgadas da matéria atinente à ampliação do pedido, passamos a transcrever:

a) O acórdão, objeto de recurso de revista, deverá ser confirmado em pleno, visto que não merece qualquer censura, fundamentando-se na rigorosa interpretação dos normativos legais aplicáveis.

(…)

m) Quanto ao segmento da decisão sob recurso, que considerou procedente a exceção invocada pelas rés, a autora/recorrente refere que tal decisão deve ser revogada, pois, se se entender inadequada a formulação do primitivo pedido, sempre deveria o tribunal lançar mão dos poderes oficiosos de convite à correção.

n) Como vimos nas alegações, não se trata de uma “mera desarmonia” entre o pedido e a causa de pedir. Apreciar judicialmente a ilicitude da resolução do contrato pela 1ª ré implicaria, seguramente, considerar factos que seriam bastante diversos dos factos que a autora alega para fazer operar, judicialmente, a resolução e obter a condenação das rés no pagamento de compensação.

o) Tratam-se de realidades factuais distintas:

a. factos para considerar sem justa causa a resolução operada pela ré VF; ou

b. factos para enformar o pedido judicial de resolução da AA.

p) Ora, sem a existência de factos nos autos relativos à apreciação judicial da resolução do contrato pela 1ª ré, não pode o tribunal convidar a autora a vir alterar nesse sentido o seu petitório. Seria uma violação do princípio do dispositivo e dos limites ao exercício da função jurisdicional, balizada não apenas no art. 5º, nº 1, mas também no art. 611º, ambos do CPC, entre outros.        

q) Não procedendo esta argumentação da recorrente e nenhuma outra razão sendo suscitada para superar a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, quanto à exceção perentória inominada das rés, deve este Venerando Tribunal confirmar tal entendimento.

r) Impõe-se, por isso, considerar improcedente o primeiro primitivo pedido da autora, sob o exercício, pela via judicial, do direito de resolução, uma vez que o contrato já estava resolvido eficazmente antes da propositura desta ação.

s) Ademais, não sendo declarada a resolução, com justa causa, pela autora, não subsiste fundamento fáctico e jurídico que suporte os pedidos compensatórios.

t) A apreciação dos mesmos só seria plausível num cenário de apreciação prévia de resolução do contrato, o que não é possível face à improcedência do primeiro pedido da autora.

u) Não sendo apreciada a justa causa da resolução pretendida pela autora, não pode ser arbitrada indemnização pelos prejuízos sofridos ou pela angariação de clientela pois estes dependem da verificação da primeira.

v) Razão pela qual deverá ser confirmado, in totum, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa.

w) E, afinal, decidirão Vossas Excelências ainda o que mais reputem necessário, sempre em Doutíssimo Suprimento.



Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo questões sujeitas à nossa apreciação as de saber se:

- não tendo admitido a ampliação do pedido, o Tribunal da Relação de Lisboa devia, ao invés de absolver as rés do pedido, ter dirigido convite à autora no sentido de esta aperfeiçoar o pedido que formulou – conclusões 14. a 17. e 24.;

- não deve proceder a exceção perentória inominada que determinou a absolvição das rés – conclusões 18 a 23 e 25 a 28.

- o não conhecimento, quer do pedido de resolução do contrato formulado pela autora, quer do pedido aditado, não prejudica a necessidade de apreciação dos demais pedidos por ela deduzidos – restantes conclusões.



II – Os factos e elementos processuais a considerar para a decisão do presente recurso são os enunciados em sede de relatório do presente acórdão.



III - Apreciando as questões suscitadas.


Do convite de aperfeiçoamento reclamado pela autora/recorrente:

Tendo visto soçobrar, na Relação, a sua pretensão de ampliar/modificar o pedido de resolução contratual que formulou na petição incial contra as rés, a recorrente persiste na obtenção de idêntico resultado, agora pela via do convite que, a seu ver, lhe devia ter sido dirigido por aquele Tribunal no sentido de aperfeiçoar o pedido formulado, dando-lhe o conteúdo da pretendida, mas definitivamente rejeitada, ampliação.

Na sua maneira de ver as coisas, impunha-se ao juiz, nos termos do nº 3 do art. 590º, convidá-la a corrigir a deficiente formulação do pedido, harmonizando-o com a causa de pedir invocada.

É tese que, salvo o devido respeito, não tem o menor fundamento.


O art. 590º do CPC[2], sob a epígrafe “Gestão inicial do processo”, estabelece no nº 2, b) que, findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho pré-saneador destinado, além do mais, a “providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados, nos termos dos números seguintes”.

O nº 3 do preceito – de cujo regime a recorrente se quer fazer valer – dispõe: “O juiz convida as partes a suprir as irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento ou correção do vício, designadamente quando careçam de requisitos legais ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa.”

O articulado é irregular quando, como referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[3], não obedeça aos requisitos formais previstos no art. 552º, nº 1, alíneas a), b), c) e f) e quando não observe os requisitos formais gerais dos atos escritos das partes, tendo ainda essa natureza a dedução dos factos por artigos, conforme imposto pelo art. 147º, nº 2.

Já quanto às insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto rege o nº 4 do mesmo dispositivo legal, onde igualmente se impõe ao juiz o dever de convidar a parte a suprir o vício, de sorte a evitar que tais irregularidades venham a ser a causa da improcedência da pretensão formulada pelo autor ou das exceções que o réu lhe tenha oposto.

O aperfeiçoamento é, aqui, “o remédio para casos em que os factos alegados por autor ou réu (os que integram a causa de pedir e os que fundam as exceções) são insuficientes ou não se encontram suficientemente concretizados. No primeiro caso, está em causa a falta de elementos de facto necessários à completude da causa de pedir ou duma exceção, por não terem sido alegados todos os que permitem a subsunção na previsão da norma jurídica expressa ou implicitamente invocada. No segundo caso, estão em causa afirmações feitas, relativamente a alguns desses elementos de facto, de modo conclusivo (abstrato ou jurídico) ou equívoco.[4]


A propósito do nº 4 do art. 590º, escrevem Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro[5]:

“A intenção do legislador é clara: a ação ou a exceção não podem naufragar por insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada.

(...)

O juízo de manifesta improcedência continua a poder ser formulado; todavia, deve ele assentar numa estrutura narrativa suficiente e precisa apresentada pelo autor. O mesmo se diga dos fundamentos da defesa. Por exemplo, se o réu confirma os factos articulados pelo autor, limitando-se a invocar uma difflcultas praestandi - e os factos que a revelam -, a matéria alegada é insuficiente para a obtenção do efeito pretendido, mas não estamos perante uma insuficiência de alegação.

(...)

O interesse perseguido pela lei e pelo órgão jurisdicional é aqui o interesse último do processo: a justa composição do litígio (arts. 6°, n° 1, 7°, n° 1, 411°). A exposição factual imperfeita permite uma decisão correta, suportando a parte as consequências da sua incapacidade de narração. Todavia, se a justiça pública existe para que aquele fim seja alcançado, então não se deve bastar com decisões apenas formalmente corretas, quando possa ir mais além."


Na mesma linha, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa[6] afirmam: “a formulação conferida ao nº 4 do art. 590º pôs termos à discussão que vinha existindo, por referência ao art. 508º, nº 3, do CPC de 1961, acerca da natureza do despacho destinado ao aperfeiçoamento dos articulados, ficando agora (mais) claro o seu carácter vinculado, arredando a possibilidade de o juiz optar entre proferir ou não tal despacho.


Trata-se, agora, não de uma faculdade, mas de um dever a que o juiz está sujeito e cujo não cumprimento leva ao cometimento de nulidade processual.


Mas não pode naturalmente pretender-se que o despacho de aperfeiçoamento seja usado fora dos limites que a lei para ele traça, estando manifestamente fora do seu âmbito providenciar pela formulação de pedido que constitua uma pretensão diversa ou ampliada da deduzida pelo autor na petição inicial.

O aperfeiçoamento permitido pelo art. 590º é, como vimos, panaceia para irregularidades de natureza formal que afetem os articulados ou para insuficiência ou falta de concretização na alegação dos factos, realidades absolutamente distintas de pretensões que as partes hajam formulado.

O aperfeiçoamento do pedido extravasa manifestamente “o plano da matéria de facto e, portanto, o do articulado deficiente[7] sendo também evidente que nada tem a ver com irregularidade formal que afete o articulado onde a pretensão foi deduzida.

Diga-se, de qualquer modo, que se não vislumbra a existência de qualquer “desarmonia” entre os factos alegados e o pedido deduzido na petição inicial.

E, como sustenta a recorrida nas suas contra-alegações, não existe na petição inicial uma qualquer deficiência na alegação de factos atinentes à apreciação judicial da ilicitude da resolução do contrato operada pela 1ª ré, que pudesse ser objeto de aperfeiçoamento, mas antes uma absoluta omissão de alegação de tal matéria.


Assim, ainda que se entendesse, na linha do que defende alguma doutrina[8] e jurisprudência[9], que não só ao Julgador de 1ª instância, mas também ao do Tribunal da Relação se impõe o dever de gestão a que nos vimos referindo, nunca seria caso em que tivesse cabimento a prolação de despacho de aperfeiçoamento, soçobrando a tese da recorrente neste ponto.



Da exceção perentória inominada, cuja procedência levou à absolvição das rés:

Com relevante interesse para a decisão desta problemática destacam-se as seguintes passagens do acórdão recorrido:

“Na verdade, (…) o contrato celebrado entre a Autora e a 1a Ré, a que respeitam os autos, já estava resolvido em data anterior (Dez.2013) à propositura da presente acção (10/01/2014). Tratando-se de um facto já adquirido no processo, estava naturalmente vedado ao Tribunal a quo, por impossibilidade legal, conhecer e decidir o pedido principal da Autora, de resolução desse mesmo contrato e, para o que aqui releva, estava o Tribunal a quo habilitado com todos os elementos para conhecer da excepção peremptória impeditiva do efeito jurídico pretendido pela Autora.

(…)

Com efeito, uma vez comunicada a resolução do contrato e assente essa comunicação e consequente cessação do vínculo, o contrato resolvido não pode voltar a subsistir contra a vontade da parte que o resolveu, no caso a 1ª Ré, sob pena de violação, além do mais, dos princípios da consensualidade e autonomia privada.

A declaração de resolução por parte da 1a Ré operou a extinção do contrato.

No sistema jurídico português, a resolução pode fazer-se mediante declaração unilateral e não carece de recurso judicial (art.° 436°, n.° 1, do CC), embora, por via de regra, ela seja decretada judicialmente. A resolução dos contratos, nos termos gerais dos artigos 432° e segs., do CC, segue o regime da liberdade de forma, bastando a mera declaração de uma das partes à outra para produzir os seus efeitos. Trata-se de uma declaração informal, mas receptícia, pois só se torna eficaz quando chega ao poder do destinatário ou é dele conhecida (artigo 224° do CC). A partir do momento em que é recebida pela contraparte, a declaração de resolução é irrevogável (art.° 230°, n.° 1, do CC).

Pode acontecer - e acontece amiúde - que a declaração tenha sido invocada por uma das partes sem que se preencham os respectivos pressupostos legais. Nesse caso, estar-se-á perante uma resolução ilícita. No entanto, a declaração de resolução, ainda que fora dos pressupostos em que é admitida, não é inválida, pelo [sic], mesmo injustificada, produz efeitos: (i) determina a cessação do vínculo contratual; e (ii) representa o incumprimento do contrato pela parte que, injustificadamente, pelo autor da declaração.

Resolvido o contrato, resta à Autora a via indemnizatória para reparar os danos eventualmente decorrentes da falta de fundamento da resolução, caso a resolução se mostre infundada.

(…)

Não se pode resolver o que já esta resolvido!

(…)

2.6. Passando a conhecer da excepção peremptória invocada pelas Rés:

2.6.1. Para o efeito, importa atender à seguinte factualidade adquirida documentalmente e por acordo nos autos:

«- A Autora veio requerer ao Tribunal, em 10 de Janeiro de 2014, que fosse declarado "resolvido com justa causa o contrato celebrado entre a A. e a P Ré, por violação desta última";

- Por carta registada com aviso de recepção datada de 23 de Dezembro de 2013, BB (1a Ré) resolveu o contrato com a AA, Lda. (Autora);

- A mencionada carta foi recebida pela Autora em 27 de Dezembro de 2013».

2.6.2. Da referida factualidade extrai-se que em 10/01/2014, data da propositura, pela Autora, da acção principal já se encontrava extinto o contrato, por resolução operada pela 1ª Ré, desde 27.Dez.2013 (artigos 217°, 224°, n.° 1, 432° e 436°, todos do CC).

O que faz com que o pedido de resolução formulado pela Autora se mostre legal e formalmente inadmissível, como bem sustentam as Recorrentes.

A verificação desse facto (resolução operada em 27.Dez.2013) constitui uma causa extintiva anterior ao direito invocado pela Autora na acção por si intentada contra as Rés (proc. 975/14.0T2SNT), em 10/01/2014.

Causa extintiva essa que torna o pedido principal (de resolução contratual) formulado pela Autora legal e formalmente inadmissível, configurando uma exceção perentória, na medida em que impede a apreciação judicial do efeito jurídico dos factos articu [sic] A resolução extrajudicial de um contrato pode efectivar-se através de mera declaração unilateral receptícia (art. 224°, n° 1, e 436°, n° 1, do CC). E após ser recebida pelo destinatário torna-se irrevogável, salvo acordo em contrário (art. 230°, n° 1, do CC)

(…)

2.6.3. (…) diremos que o que a Autora deveria ter pedido era a apreciação judicial da legalidade da resolução levada a cabo pela la Ré previamente à propositura da acção e não ignorá-la, como ignorou, e inusitadamente, recorrer à via judicial para obter a declaração de resolução de contrato já resolvido extrajudicialmente pela contraparte.

Desta sorte, o pedido principal (de resolução do contrato celebrado com ala Ré, por incumprimento da parte desta) é legalmente inadmissível, configurando, como bem sustentam as Rés, uma excepção peremptória inominada, na justa medida em que impede o efeito jurídico dos factos articulados pela Autora (artigos 576° do CPC).

A referida excepção peremptória importa a absolvição do pedido.”


Trata-se de argumentação e decisão que, pelo seu inteiro acerto, merecem o nosso absoluto acolhimento.


Embora aceitando que a declaração resolutória de um dos contraentes dirigida ao outro, desde que recebida pelo destinatário, opera seus efeitos, pondo termo, sem mais, ao negócio, insiste a recorrente na ideia de que, ainda assim, sempre haverá que aferir a licitude dessa resolução, o que passa por saber se a mesma preencheu os pressupostos legais.

E, nesta senda, prossegue afirmando que os factos alegados na petição inicial e na contestação alicerçam a falta de fundamento desse ato resolutório.

Salvo o devido respeito, é tese que não tem fundamento.


Se, como aceita, o contrato se extinguiu mercê da declaração de resolução que a ré lhe dirigiu em Dezembro de 2013 e se, como bem sabe, a matéria atinente à falta de fundamento dessa resolução não integra a causa de pedir nem o pedido formulado na petição inicial, só mais tarde tendo a autora pedido, em requerimento de ampliação, definitivamente rejeitado pelo Tribunal da Relação, que se considerasse sem efeito, por falta de fundamento, essa mesma resolução, não tem o menor fundamento pretender que, no âmbito da causa de pedir e pedido subsistentes, se aprecie e julgue a questão, que lhes é absolutamente estranha, de saber se é ilícita, por falta de verificação dos pressupostos legais, aquela resolução.


Uma vez que o contrato já se mostra extinto por resolução declarada pela ré à autora, não pode proceder a aqui pretendida resolução do contrato por invocado incumprimento da 1ª ré, não merecendo censura o acórdão recorrido que, com esse fundamento, absolveu as rés do pedido.



Sobre o conhecimento dos demais pedidos formulados pela autora:

Sustenta a recorrente, em síntese, que o não conhecimento, quer do pedido de resolução do contrato, quer do pedido aditado, não prejudica a necessidade de apreciação dos demais pedidos que deduziu.

A este respeito consta do acórdão recorrido o seguinte:

“Estando os demais pedidos formulados pela Autora (condenação solidária ou individual das Rés no pagamento à Autora da quantia de 2.583,663,65€, correspondente ao somatório dos danos de perda de indemnização de clientela, danos patrimoniais e não patrimoniais; ou, subsidiariamente, condenação solidária das Rés, no pagamento de um valor justo correspondente ao montante do seu enriquecimento...) dependentes da prévia declaração judicial de resolução do contrato celebrado com a 1ª ré por violação desta última, ou seja, numa relação de prejudicialidade com este primeiro pedido, impõe-se considerar prejudicado o seu conhecimento, pela solução dada ao pedido de resolução, nos termos do disposto no artigo 608°, n.° 2, 1a parte, in fine, do CPC.

Divergimos, neste particular, da tese sufragada pelas Recorrentes, as quais, embora reconheçam que os demais pedidos estão numa relação de prejudicialidade com o primeiro pedido (conclusão W) alvitram a possibilidade de sobre os mesmos ser proferida por esta Relação decisão de mérito.”


Não se acompanha, salvo o devido respeito, este segmento decisório e a sua fundamentação.


Em sede de audiência prévia identificou-se do seguinte modo o objeto do litígio na presente ação:

 “- Na presente ação, importa determinar a qualifcação jurídica do cocelebrado entre a A. e a 1ª Ré e das obrigações contratuais a que se vincularam e bem assim da violação do contrato por parte da Ré e o apuramento da indemnização dos danos provocados, por essa violação, na esfera jurídica da A. e ainda a existencia do seu direito à indemnização de clientela.

- Importa apurar da Responnsabilidade Solidárias das RRs perante a A. nomeadamente por indemnização de clientela, danos emergentes e lucros cessantes que se vierem a apurar.

- Da compensação do crédito da BB com o crédito da aqui A.


E, de facto, a autora, na petição inicial alega, resumidamente:

a) - a existência de um contrato de distribuição exclusiva para o território português de produtos da marca DD, da propriedade e produção da 2ª ré e de que a 1ª ré é distribuídora na Europa;

b) - a violação, por parte da 1ª ré, desse mesmo contrato ao permitir que produtos da referida marca passassem a ser vendidos ao consumidor final em grandes superfícies, sem a intermadiação da autora e a preço inferior ao de revenda praticado pela autora;

c) - violadas as regras do acordo de distribuição, nomeadamente, a exclusividade da autora na venda dos produtos DD, tem esta direito a que seja declarada resolução do contrato existente entre si e a 1ª ré;

d) - que o contrato celebrado entre as partes, com referência aos direitos e obrigações assumidas, se configura como um contrato de concessão comercial – contrato inominado -, em que a 1ª ré assume a posição de concedente e a autora a posição de concessionária, ao qual, segundo a jurisprudência e doutrina nacionais se deve aplicar o regime legal do contrato de agência, sobretudo em matéria de cessação do contrato;

e) - nos termos dos arts. 33º e 34º do Dec. Lei nº 176/86, de 3 de Julho, na redação dada pelo Dec. Lei nº 118/93, de 13 de abril, as rés estão obrigadas a pagar à autora uma indemnização de clientela de valor não inferior a € 502.188,77€, por se verificarem, atentos os factos alegados, os requisitos exigidos no nº 1 do citado art. 33º;

f) - devido à resolução do contrato, o bom nome da autora ficará lesado no mercado português, dado deixar de distribuir os produtos DD, pelo que deverão as rés indemnizá-la em valor não inferior a € 100.000;

g) – devido à violação por parte das rés do direito de exclusividade de que a autora era titular o bom nome da autora foi gravemente lesado no mercado português; o comportamento das rés destruiu por completo o bom nome da autora, pelo que estas se constituíram na obrigação de indemnizar o autor no dito valor de € 100.000,00;[10]

h) – fez investimentos na divulgação da marca DD em expositores, publicidade e apoio a postos de venda, impostos pelo tipo de marca e por exigências das rés no valor de € 1.482.681,57, de que só estas colheram benefícios e vão continuar a colher uma vez assegurada a notoriedade pública da marca;

i) – Devem, por isso, as rés indemnizar a autora pelo valor da diferença entre aquele valor de € 1.482.681,57 e a comparticipação da 1ª ré no valor de € 168.366;

j) – Com a resolução do contrato, a autora terá de paralizar a sua atividade pois nunca lhe foi permitido exercer outra para além da venda dos produtos DD; ficará com um valor de produtos dessa marca que a 1ª ré a  impede de comercializar que ascende a € 996.520,96 e terá de suportar o leasing da pick up Nissan até final do contrato, no valor de € 1083,48;

l) - As rés devem ser solidariamente condenadas a pagar à autora, a título de indemnização, as indicadas quantias, a saber:

- o valor da quota parte com o custos de publicidade e promoção que a autora suportou na divulgação da marca no valor de € 1.314.315,75;

- indemnização de clientela no valor não inferior a € 502.188,77€;

- indemnização por ofensa ao bom nome da autora, no valor de € 100.000,00;

-  indemnização pelos produtos da marca com que a autora ficou em stock e pelo valor em dívida da Nissan Navarra - € 996.520,96 e € 1.083,48;

- tudo no valor global de € 2.914.108,78, respeitante a quantias despendidas ou devidas à autora e que esta vê perdidas com a cessação do contrato de distribuição exclusiva DD, a que acresce o valor de € 348.782,33 que representa a margem de 35% que auferiria na venda dos produtos que tem em stock;


A brevíssima resenha acabada de fazer dos 290 artigos que a petição inicial comporta evidencia não ser correta a afirmação feita no acórdão recorrido, segundo a qual os demais pedidos formulados pela autora estariam dependentes da prévia declaração judicial de resolução do contrato por violação contratual cometida pela 1ª ré, no seguimento do que se julgou prejudicado o respetivo conhecimento.

Desde logo, a indemnização de clientela, se for devida por verificação dos respetivos pressupostos, terá a sua génese, não na pretendida e já negada declaração de resolução do contrato por violação contratual perpetrada pela 1ª ré, mas na cessação daquele por qualquer causa.

É o que resulta do diposto no nº 1 do art. 33º do Decreto-Lei nº 178/86, de 3 de julho, apenas não sendo devida se a cessação do contrato tiver ocorrido por razões imputáveis ao agente ou se este, por acordo com a outra parte, houver cedido a terceiro a sua posição contratual – nº 3 do mesmo preceito.

Também a indemnização aludida em h) e i), nada tem a ver com a dita resolução, antes provindo, se for devida, do investimento na angariação de clientela da qual apenas beneficiarão, após a cessação do contrato, as rés.

No tocante à pedida indemnização pelos danos causados ao bom nome da autora, esta tanto reconduz a sua proveniência à resolução do contrato – f) -, como ao comportamento da 1ª ré violador das obrigações contratuais – g) -, pelo que, ao menos nesta última perspetiva, se tem de afirmar a sua absoluta autonomia em relação à negada declaração de resolução contratual pedida pela autora, sendo tal pretensão de apreciar nos termos gerais, enquanto invocado dano pelo não cumprimento, pela 1ª ré, das obrigações que sobre ela impenderiam.[11]

Diga-se, ainda, que mesmo no caso, não verificado, de os demais pedidos estarem dependentes da declaração de resolução do contrato por violação contratual da 1ª ré, a improcedência desta pretensão, podendo levar a que os primeiros tivessem igual sorte, não prejudicaria o seu conhecimento.

Sobre eles sempre haveria que emitir julgamento.


Assim, impõe-se a procedência da revista nesta parte, devendo os autos prosseguir os seus ulteriores termos em primeira instância para conhecimento dos pedidos formulados pela autora para além do já julgado improcedente – o de declaração de resolução do contrato por violação contratual da 1ª ré.



IV – Pelo exposto, julga-se a revista parcialmente procedente e, consequentemente, revoga-se o acórdão recorrido na parte em que julga prejudicado o conhecimento “dos restantes pedidos formulados pela Autora contra as Rés”, confirmando-se o mesmo quanto ao mais.

Determina-se que, no prosseguimento dos autos em 1ª instância, se julguem os pedidos formulados pela autora, com exceção do ora definitivamente julgado como improcedente – declaração de resolução do contrato, por violação contratual da 1ª ré.

Custas a cargo de ambas as partes, na proporção de 1/4 para a autora e ¾ para as rés.


Lisboa, 6.06.2019


Rosa Maria M. C. Ribeiro Coelho (Relatora)

Catarina Serra

Bernardo Domingos

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[1] Certidão de fls. 124 e segs.
[2] Diploma a que respeitam as normas de ora em diante referidas sem menção de diferente proveniência
[3] Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 3ª edição, pág. 630
[4] Ibidem, pág. 634
[5] Em “Primeiras Notas ao Código de processo Civil, Os artigos da Reforma”, vol. I, 2ª edição, 2014, pág. 520 e segs.
[6] Em “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, pág. 681, em anotação ao artigo 590º.
[7] Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, obra citada, pág. 636.  
[8] A título de exemplo, Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, obra citada, II volume, pág. 126, Miguel Teixeira de Sousa, Blog do IPPC, comentando o acórdão da Relação de Lisboa de 15.05.2014 adiante ciado - entrada de 19.01.2015
[9] Acórdãos da Relação de Lisboa de 15.05.2014, relator Desembargador Esaguy Martins, Processo nº 26903/13.4T2SNT.L1-2, acessível em www.dgsi.pt; da Relação do Porto de 26.02.2015 relator Desembargador Pedro Martins, processo n.° 5807/13.6TBMTS, acessível em www.dgsi.pt; e de 30.04.2015, Relator Desembargador Aristides Almeida, processo nº 5800/13.9TBMTS.PI, acessível em www.dgsi.pt
[10] – cfr. arts. 264º a 276º da petição inicial.
[11] Cfr. art. 32º, nº 1 do Decreto-Lei nº 178/86