Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
000043
Nº Convencional: JSTJ00006817
Relator: MELO FRANCO
Descritores: INFRACÇÃO LABORAL
PROCESSO DE TRANSGRESSÃO
PROCESSO DE TRABALHO
TRANSGRESSÃO
INDEMNIZAÇÃO
RETRIBUIÇÃO
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ198206010000434
Data do Acordão: 06/01/1982
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: DR IS 1982-07-21, PÁG. BMJ Nº 318 ANO 1982 PÁG. 247
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO.
Decisão: PROVIDO. TIRADO ASSENTO.
Indicações Eventuais: ASSENTO DO STJ.
Área Temática: DIR TRAB - DIR PENAL LAB.
Legislação Nacional: CPT63 ARTIGO 182 N1 N2 ARTIGO 181 N1 ARTIGO 183 ARTIGO 185 N2 ARTIGO 190 N1.
CPT81 ARTIGO 187 N2.
CCIV867 ARTIGO 706.
DL 519-C1/79 DE 1979/12/29 ARTIGO 4 N1 N3 N4.
CCJ64 ARTIGO 42 N2.
DL 605/75 DE 1975/11/03 ARTIGO 12.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1974/05/08 IN BMJ N237 PAG201.
ACÓRDÃO STJ DE 1974/11/05 IN RLJ ANO108 PAG308.
ACÓRDÃO STA DE 1978/03/14 IN BTE N4/78/675.
Sumário :
O termo indemnização constante do n. 2 do artigo 182 do Codigo de Processo do Trabalho de 1963, esta empregado em sentido amplo, abrangendo as prestações pecuniarias devidas aos trabalhadores, resultantes de obrigações cujo incumprimento integrou a respectiva infracção penal laboral.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, funcionando em plenario:

Em 2 de Dezembro de 1980 o Tribunal da Relação de Lisboa proferiu um acordão segundo o qual, condenado o reu em processo de transgressão laboral, deve o juiz, nos termos do n. 2 do artigo 182 do Codigo de Processo de Trabalho então vigente, condenar tambem o mesmo infractor nas retribuições em divida - diferenças salariais, subsidios de ferias e de Natal -, por se deverem considerar integradas no conceito de indemnização a que aquela norma se refere.
Em 19 de Novembro de 1979 decidira a Relação do Porto que as importancias em divida aos trabalhadores "não estão abrangidas na categoria das indemnizações por perdas e danos" referidas no artigo 182, n. 2, do Codigo de Processo do Trabalho, não obstante o reu ser condenado pela infracção de que vinha acusado.
Entendendo que havia oposição entre estes dois arestos, transitados em julgado, susceptiveis de recurso ordinario e proferidos no dominio da mesma legislação sobre a mesma questão de direito, o Excelentissimo Procurador da republica junto da Relação de Lisboa interpos recurso para o plenario deste Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do preceituado no artigo 669 do Codigo de Processo Penal.
A secção social decidiu existir a oposição que serve de fundamento ao recurso.
O Excelentissimo Procurador-Geral-Adjunto apresentou as suas alegações, nas quais pretende demonstrar que no n. 2 do artigo 182 em causa "se buscou propositadamente uma formulação que de algum modo se desprende da ideia de reparação para reportar a indemnização do direito ao direito violado, ou seja, aos preceitos que criam obrigações cujo incumprimento constitui a propria infracção penal", sugerindo para o assunto a seguinte formula:
O artigo 182 do Codigo de Processo do Trabalho acolhe uma noção generica de indemnização, a qual engloba não so tudo aquilo que constitui indemnização em sentido tecnico rigoroso, como tambem aquilo que representa a realização da obrigação cujo incumprimento integra a respectiva infracção penal laboral.
Foram corridos os vistos de todos os Excelentissimos Conselheiros que compõem o Tribunal.
E manifesta a aposição entre os dois acordãos, proferidos no dominio da mesma legislação sobre a mesma questão de direito, havendo, assim, que julgar o conflito.
(Antes de mais deve dizer-se que o preceito em apreço e do Codigo de Processo do Trabalho de 1963, sendo deste diploma os preceitos que se mencionaram sem qualquer outra indicação.)
No n. 2 daquele artigo 182 dispõe-se:
O juiz, no caso de condenação e embora isso não lhe tenha sido requerido, arbitrara a indemnização que corresponder, nos termos dos preceitos aplicaveis, ao direito violado.
Importa, pois, determinar qual o sentido da palavra "indemnização" ali empregada, uma vez que o numero anterior do mesmo artigo tem a redacção seguinte:
O Ministerio Publico devera formular o pedido de indemnização de perdas e danos quando a ela tenham direito pessoas que lhe pertença patrocinar ou representar.
Pode parecer a primeira vista que se teve por fim fazer-se referencia a duas realidades distintas, o que não e verdade, como a historia do preceito o demonstra.
Com efeito, no projecto inicial do Codigo de Processo do Trabalho, do Professor Raul ventura, tanto no n. 1 como no n. 2 deste artigo 182 se falava em "indemnização de perdas e danos", e so por uma preocupação de estilo, na redacção final, se fala naquele n. 2, abreviadamente, em "indemnização".
O Professor Paulo Cunha, nas lições sobre Direito das Obrigações, 1943, paginas 354-355, escreve:
A verdade, porem, e que a expressão "indemnização de perdas e danos" (que não tem interesse restrito a materia da responsabilidade do devedor remisso, mas que interessa a toda a materia de responsabilidade civil, mesmo a responsabilidade civil extra-obrigacional) entrou na linguagem tecnica corrente, em termos tais, que sem se poder ja reputar incorrecção, e empregada hoje a cada passo para significar toda e qualquer indemnização devida por responsabilidade civil.
Quer dizer, podemos sem inconveniente assentar em que na pratica e a mesma coisa falar-se em indemnização so por si, falar-se em indemnização por responsabilidade civil ou falar-se em indemnização por perdas e danos.
E a proposito do artigo 706 do Codigo Civil de 1867, diploma a luz do qual foi elaborado o Codigo de Processo do Trabalho de 1963, o mesmo mestre escreve ainda (ob. cit., pagina 234):
Nesta disposição a lei fala em indemnização de perdas e danos para abranger não so aquilo que em tecnica rigorosa seria indemnização, mas tambem aquilo que em tecnica rigorosa representa a realização em equivalente patrimonial, do proprio direito que não conseguiu realização voluntaria.
E a pergunta que faz o Professor Figueiredo Dias no suplemento XVI ao Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, 1963, "Sobre a reparação de danos em processo penal":
[...] o arbitramento, na sentença condenatoria penal, de uma reparação ao ofendido (artigo 34) sera efectivamente uma decisãa em coisa civel - uma indemnização civil de perdas e danos?
Respondemos pela afirmativa, seguindo as lições dos Professores Cavaleiro de Ferreira (Curso de Processo Penal, I, paginas 137 e seguintes), Vaz Serra (Boletim do Ministerio da Justiça, 91, pagina 190), Gomes da Silva (O Dever de Prestar e o Dever de Indemnizar, paginas 109 e seguintes) e Pereira Coelho "Culpa do lesante e extensão da reparação", Revista do Direito e Estudos Sociais, VI, paginas 84 e seguintes).
E tambem esta a mais recente jurisprudencia deste Supremo Tribunal, como pode ver-se do acordão das secções reunidas de 8 de Maio de 1974, Boletim, 237, pagina 201, e do de 5 de Novembro de 1974, Revista da Legislação Juridica, 108, pagina 308.
Tese que o nosso direito parece hoje acolher, quando no artigo 12 do Decreto-Lei n. 605/75, de 3 de Novembro, se determina que nos casos de absolvição da acusação crime o juiz condene em indemnização civil, provado que seja o ilicito desta natureza, e o acordão de 21 de Fevereiro de 1980, Boletim, 294, pagina 224, expressamente reconheceu a "natureza especificamente civil" desta indemnização.
Como se sabe, o criterio civil de determinar o quantum respondeatur se estrutura fundamentalmente na base da teoria da diferença - em relação a danos materiais - segundo a qual o montante da indemnização deve corresponder, tanto quanto possivel, a diferença entre a situação real e a situação hipotetica actual do patrimonio do lesado.
Transportando este principio para o campo laboral teremos que as indemnizações que a lei manda atribuir aos trabalhadores devem precisamente respeitar as quantias a que eles tinham direito e que, não lhes tendo sido pagas, constituem a respectiva infracção penal laboral.
Tem a maior oportunidade e relevo o constante da douta alegação do Excelentissimo Procurador-Geral Adjunto no seguinte passo:
Na verdade, as infracções penais laborais quase se esgotam no plano ilicito contravencional que, podendo apresentar, e apresentando efectivamente, uma fisionomia que se não afaste das caracteristicas do ilicito penal de justiça e do ilicito administrativo, não raras vezes tem o seu nucleo e a sua genese na falta de cumprimento de obrigações, maxime, na falta de pagamento correcto e atempado de retribuições salariais e de outras prestações pecuniarias devidas aos trabalhadores por virtude da relação juridica de trabalho.
Como se escreveu no acordão da 4 secção de 30 de Outubro de 1981, recurso n. 47, em que foi relator o destes autos, a proposito de "indemnização":
Com efeito, do exame das normas da nossa legislação laboral concluiu-se que, muitas vezes, se emprega a expresssão em causa em sentido amplo para abranger as prestações pecuniarias devidas aos trabalhadores.
Na grande maioria dos casos as infracções penais laborais tem o seu fundamento na falta de cumprimento de obrigações, designadamente na falta de pagamento das retribuições legais ou de outras prestações pecuniarias devidas aos trabalhadores, como, por exemplo, subsidios de Natal e de ferias.
E, de facto, assim e.
Uma simples digressão pelas mais recentes leis laborais mostra a evidencia o que acima se expos.
Tomemos como exemplo o Decreto-Lei n. 519-C1/79, de 29 de Dezembro, regulador do regime juridico das relações colectivas do trabalho, em cujo artigo 4, n. 1, se dispõe:
Sem prejuizo das sanções especialmente previstas na lei, as entidades patronais que infringirem os preceitos dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho serão punidas.
E nos ns. 3 e 4 acrescenta-se:
3- As infracções aos preceitos relativos as retribuições serão punidas com multa, que podera ir ate ao dobro das importancias em divida.
4 - Conjuntamente com as multas, serão sempre cobradas as indemnizações que forem devidas aos trabalhadores prejudicados, as quais reverterão a favor dos referidos trabalhadores.
Ora, as indemnizações mencionadas neste n. 4 não podem deixar de ser as retribuições em divida aos trabalhadores a que se refere o numero anterior.
O proprio Codigo de Processo do Trabalho, em varios preceitos, nos leva a identica conclusão.
Assim: a) No n. 1 do artigo 181 determina-se que não tendo sido proposta acção civel "a obrigação cujo incumprimento constituiria a infracção" sera pedida no respectivo processo penal; b) No artigo 183 prescreve-se que a acusação penal interrompe a prescrição "de obrigações pecuniarias cujo incumprimento, por parte do arguido, constitua a infracção que for objecto da acusação"; c) O artigo 185, na sua actual redacção, dispõe:
"1 - Sempre que haja lugar a aplicação de multas por infracções constituidas pela falta de cumprimento de obrigações pecuniarias, o arguido satisfara essas obrigações dentro do prazo estabelecido para a multa.
E logo no n. 2 seguinte se impõe que o montante daquelas importancias em divida seja incluido na conta.
E, quanto a esta, o n. 2 do artigo 42 do Codigo das Custas Judiciais do Trabalho estabelece:

São para todos os efeitos equiparados a custas de parte as renumerações, indemnizações, percentagens, contribuições, quotizações e quaisquer outras verbas que, por força da lei, devam ser incluidas na conta.
Tambem aqui o termo "indemnização" "abrange as prestações pecuniarias devidas aos trabalhadores". d) Finalmente, no n. 1 do artigo 190 determina-se que "não sera admitido o pagamento de multas enquanto o arguido não provar a satisfação das obrigações correspondentes". Mas, acrescenta-se logo a seguir, "tratando-se de indemnizações devidas a trabalhadores, o seu pagamento so pode ser feito no processo".
A explicação da dicotomia "obrigações correspondentes" e "indemnizações devidas a trabalhadores" foi dada ja no mencionado acordão de 30 de Outubro e, por isso, dele de novo nos socorremos:
[...] e que nas transgressões laborais pode haver obrigações diferentes devidas aos trabalhadores, como, v. g., a falta de pagamento de Contribuições a Previdencia, o envio das folhas de ferias, etc. - tudo isto pode ser feito extraprocesso; mas as indemnizações aos trabalhadores (o pagamento das prestações pecuniarias que lhes são devidas), essas terão, para protecção dos proprios trabalhadores, de ser feitas no processo.
Mas o proprio artigo 182 contem em si elementos que resolvem a questão, ao prescrever que sera arbitrada a indemnização que corresponder "nos termos dos preceitos violados".
Ora, se a violação dos preceitos resultar da falta de pagamento de quaisquer prestações pecuniarias, deverão elas ser objecto da "indemnização" ao trabalhador a quem não foram oportuna e legitimamente pagas.
Por outro caminho chegamos a mesma conclusão:
O n. 1 do artigo 182 impõe ao Ministerio Publico que formule o pedido de indemnização de perdas e danos quando a ela tenham direito as pessoas que lhe pertença patrocinar ou representar. E obvio que este pedido e o relativo as quantias que se entenderam ser devidas pela violação das normas objecto da contravenção e a que se refere o acima citado n. 1 do artigo 181.
Por isso, logo a seguir o n. 2 determina que no caso de condenação, ainda que nada tenha sido pedido, o juiz arbitrara a indemnização, que tem necessariamente de ser aquela a que se refere o numero anterior.
Mas, perguntar-se-a, para que existe o n. 1 se no numero seguinte se manda arbitrar essa mesma indemnização?
A isso responde o n. 3, muito anterior do Decreto-Lei n. 605/75, e que marcou um passo em frente no nosso direito processual penal, embora no restrito sector do trabalho: o juiz conhecera da indemnização, no caso de absolvição, quando pedida.
Quer dizer: verificado apenas o ilicito civil, o juiz devera condenar no pagamento, a titulo de indemnização, das prestações pecuniarias que deviam oportunamente ter sido pagas.
Alias, que especie de indemnização se pode arbitrar a um trabalhador num processo de transgressão por violação das disposições legais sobre prestações pecuniarias (traduzam-se elas na falta de pagamento do salario legalmente devidos, de subsidios de ferias, de Natal, de diuturnidades e semelhantes) que não seja a de fazer integrar no patrimonio desse trabalhador aquilo que lhe devia ser sido pago e não foi?
A interpretação do termo "indemnização" constante do artigo 182, no sentido que lhe foi agora dado, constituia jurisprudencia unanime da extinta 3 secção do Supremo Tribunal Administrativo, como pode ver-se do acordão de 14 de Março de 1978, Boletim do Trabalho e Emprego, 2 serie, n. 4/78, tem sido uniformemente seguida na Relação de Lisboa e teve acolhimento no ja citado acordão da 4 secção deste Supremo Tribunal de 30 de Outubro do ano findo e no n. 2 do artigo 187 do actual Codigo de Processo do Trabalho, onde se determina:
O juiz, no caso de condenação, como no de absolvição, arbitrara ao lesado as quantias a que tenha direito, nos termos dos preceitos aplicaveis, ainda que isso lhe não tenha sido requerido.
Por todo o exposto, dão provimento ao recurso e formulam o seguinte assento:
O termo "indemnização" constante do n. 2 do artigo 182 do Codigo de Processo do Trabalho de 1963 esta empregado em sentido amplo, abrangendo as prestações pecuniarias devidas aos trabalhadores resultantes de obrigações cujo incumprimento integrou a respectiva infracção penal laboral.
Sem custas.

Lisboa, 1 de Junho de 1982

João Augusto Pacheco e Melo Franco - João Solano Vieira - Jose Fernando Quesada Pastor - Joaquim Augusto Roseira de Figueiredo - Orlando de Paiva de Vasconcelos Carvalho - Jose Luis Pereira - João Fernandes Lopes Neves - Manuel do Amaral Aguiar - Manuel dos Santos Carvalho - Augusto Victor Coelho - Mario de Brito - Jose dos Santos Silveira - Manuel Batista Dias da Fonseca - Pedro Augusto Lisboa de Lima Cluny - Antonio Augusto Afonso Liberal - Jacinto Fernandes Rodrigues Bastos - Abel Vieira de Campos Carvalho Junior - Manuel Arelo Ferreira Manso - Manuel dos Santos Victor - Antonio Miguel Caeiro - Avelino da Costa Ferreira - Anibal Aquilino Fritz Tiedemann Ribeiro - Antonio Furtado dos Santos - Manuel Alves Peixoto - Rui de Matos Corte-Real - Amilcar Moreira da Silva.