Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07S054
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: VIGILÂNCIA ELECTRÓNICA
RESOLUÇÃO PELO TRABALHADOR
Nº do Documento: SJ200705220000544
Data do Acordão: 05/22/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE.
Sumário : 1. Embora a formulação literal do n.º 1 do artigo 20.º do Código do Trabalho não permita restringir o âmbito da previsão daquela norma à videovigilância, a verdade é que a expressão adoptada pela lei, «meios de vigilância a distância no local de trabalho, mediante o emprego de equipamento tecnológico, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador», por considerações sistemáticas e teleológicas, remete para formas de captação à distância de imagem, som ou imagem e som que permitam identificar pessoas e detectar o que fazem, quando e durante quanto tempo, de forma tendencialmente ininterrupta, que podem afectar direitos fundamentais pessoais, tais como o direito à reserva da vida privada e o direito à imagem.
2. Não se pode qualificar o dispositivo de GPS instalado no veículo automóvel atribuído a um técnico de vendas como meio de vigilância a distância no local de trabalho, já que esse sistema não permite captar as circunstâncias, a duração e os resultados das visitas efectuadas aos seus clientes, nem identificar os respectivos intervenientes.
3. Assim, deve concluir-se que carece de justa causa a resolução do contrato de trabalho efectivada por aquele trabalhador com fundamento em alegada violação do disposto no artigo 20.º do Código do Trabalho. *
* Sumário elaborado pelo Relator
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I
1. Em 3 de Fevereiro de 2005, no Tribunal do Trabalho de Leiria, AA intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra Empresa-A, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia total de € 99.762,57, sendo € 28.918,12 a título de retribuições por isenção de horário de trabalho, € 5.584,61 atinente a diferenças salariais relativas a comissões, remuneração de férias e subsídios de férias e de Natal dos anos de 2003 e 2004 e € 65.259,84 correspondente à indemnização devida pela resolução do contrato de trabalho com justa causa, a que acrescem juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença, posteriormente rectificada, que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a ré a pagar ao autor a quantia de € 13.184,12, a título de indemnização por resolução do contrato com justa causa (€ 7.697,32) e de retribuição da isenção de horário de trabalho (€ 5.486,80), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos desde a data da citação até integral pagamento, à taxa legal, e julgou improcedentes o pedido reconvencional da ré e o pedido de condenação do autor como litigante de má fé.

2. Irresignados, a ré e o autor interpuseram recurso de apelação, a primeira, sustentando a alteração da matéria de facto, a validade do modo como remunerava a isenção de horário de trabalho e a não existência de justa causa para resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador, e, o segundo, propugnando a condenação da ré a pagar-lhe «todos os montantes que esta lhe deixou de pagar a título de isenção de horário de trabalho, ainda que constante[s] dos recibos de vencimento mensal, mas que eram retirados ao valor das comissões a que o A. tinha direito, no período de 1 de Abril de 1989 a 30 de Setembro de 2002, no que se vier a apurar em liquidação de execução de sentença».

A Relação rejeitou o recurso da ré relativamente à matéria de facto, julgou improcedente a apelação da ré e parcialmente procedente a apelação do autor, condenando a ré a pagar-lhe, a título de retribuição por isenção de horário de trabalho e até Outubro de 2002, a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença e que deverá ser calculada nos termos oportunamente expostos, ou seja, com base na remuneração correspondente a uma hora de trabalho suplementar por dia.

É contra esta decisão da Relação que a ré se insurge, mediante recurso de revista, em que defende a alteração do decidido, ao abrigo das seguintes conclusões:

1) Quando o recorrido foi admitido na recorrente deu-lhe a conhecer o esquema de remunerações, que ele era livre de aceitar ou recusar e que era o seguinte, igual, aliás, para todos os vendedores:
Remuneração fixa;
Remuneração variável: a) 1% sobre as carnes frescas; b) 2% sobre os produtos transformados;
Remuneração pela isenção de horário de trabalho — são informados que no montante das comissões que a recorrente está disposta a pagar está já incluída a remuneração pela isenção de horário de trabalho;
2) Assim sucedeu com o recorrido e desde o momento da sua contratação, sendo certo que ele nunca reclamou dessa situação até à rescisão do contrato de trabalho;
3) O mesmo sucedendo com os restantes vendedores da recorrente, que nunca apresentaram, até hoje, qualquer reclamação;
4) Ao contrário do entendimento acolhido na decisão recorrida, a recorrente não aceita que não lhe seja permitido acordar com o recorrido ou com qualquer outro vendedor, que do montante das comissões a que tenha direito seja retirada a quantia necessária e suficiente para pagamento da remuneração especial por isenção de horário de trabalho (IHT);
5) Porque o recorrido tem um prémio de produção, constituído pela dita comissão, tem interesse em vender o mais possível e a recorrente paga tal prémio porque tem interesse que aquele venda o mais possível;
6) Este tipo de acordo será por isso válido, já que não contraria nenhuma norma legal imperativa visto estar assegurada aos vendedores, mormente ao recorrido, a retribuição mínima devida por força do CCT e é vantajoso para estes porque se o valor das comissões não atingir o montante devido a título de remuneração especial por IHT esta, porque processada sob tal epígrafe, é sempre devida e a recorrente teria que a suportar, na totalidade ou na diferença;
7) Não deverá, assim, merecer provimento a pretensão do recorrido, que ele bem sabe ser ilegítima de querer receber novamente a remuneração por IHT e que já recebeu por força do acordo celebrado, enquanto trabalhou na recorrente;
8) Por outro lado, o recorrido aceitou pacificamente que o sistema de GPS fosse instalado na sua viatura, saiu das instalações da recorrente para efectuar a sua volta (deslocação aos clientes sitos na Região Centro até à Guarda), e, sem nada que o fizesse crer, aproveitou o ensejo para remeter à recorrente uma carta, comunicando a rescisão do contrato de trabalho e com invocação de justa causa;
9) Ora, se a instalação do sistema de GPS na sua viatura o incomodava ou lhe parecia constituir um violação da sua privacidade, por que motivo o recorrido não comunicou tal facto, na devida altura à recorrida, dando assim a oportunidade de efectuar a experiência do sistema, na viatura de outro vendedor, para ver se corresponderia aos objectivos pretendidos, nomeadamente a localização das viaturas em caso de sinistro ou avaria;
10) Muito pelo contrário, o recorrido nada fez, nada disse, sendo certo que seria seu dever e teria a obrigação de, por força do vínculo contratual que o ligava à recorrida, usar de lealdade para com esta;
11) Lamentavelmente, o recorrido viu ali uma oportunidade para rescindir o contrato de trabalho e na perspectiva de, por essa via, poder vir a receber uma boa quantia a título de indemnização de antiguidade;
12) Não teve nunca o direito de se pronunciar, nem de rever a atitude tomada relativamente à viatura do recorrido, tendo sido colocada perante uma situação de facto e irreversível, sem que da sua parte tivesse havido, em momento algum, a mínima tentativa de o perseguir, vexar ou humilhar;
13) Resulta do disposto no n.º 2 do artigo 441.º do Código do Trabalho que para haver justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador é necessário que tenha havido uma violação culposa de garantias legais ou convencionais por parte do empregador, sendo que, no caso, a recorrente agiu, em todos os momentos, de boa fé e o seu comportamento não foi culposo, nunca tendo sido sua intenção prejudicar, minimamente, o recorrido;
14) Não se justifica, por isso, o comportamento adoptado pelo recorrido, pondo fim, de forma despropositada e desproporcionada, a uma excelente relação de trabalho de 15 anos, motivo pelo qual deverá entender-se não ter havido justa causa para ele rescindir o contrato de trabalho.

Em contra-alegações, o recorrido veio defender a confirmação do julgado.

Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta pronunciou-se no sentido de que a revista deve ser negada, parecer que, notificado às partes, suscitou resposta da ré para discordar daquela posição.
3. No caso vertente, as questões suscitadas são as que se passam a enunciar:

Se o autor tem direito às quantias conferidas pelas instâncias a título de retribuição por isenção de horário de trabalho [conclusões 1) a 7) da alegação do recurso];
Se o autor operou a resolução do contrato de trabalho com fundamento em justa causa [conclusões 8) a 14) da alegação do recurso].

Corridos os vistos, cumpre decidir.

II
1. O tribunal recorrido deu como provada a seguinte matéria de facto:

1) O autor trabalhou por conta da ré, sob a autoridade e direcção desta, entre 01/04/1989 e 02/08/2004;
2) Exerceu, durante todo aquele período, a categoria profissional de vendedor;
3) Como contrapartida do seu trabalho, o autor auferia, desde Junho de 2003, € 502,00 de remuneração base mensal, a que acresciam comissões, diuturnidades e uma remuneração específica pela isenção do horário de trabalho;
4) As comissões eram variáveis e calculadas segundo uma base percentual sobre o montante das vendas de boa cobrança efectuadas pelo autor, sendo de 1% para as carnes frescas e de 2% nas carnes transformadas;
5) A prestação de trabalho consistia na deslocação do autor aos clientes da ré, na Região Centro, até à Guarda, para vender os diferentes produtos, proceder aos recebimentos das facturas e processar notas de devolução de mercadorias;
6) O autor apresentava-se semanalmente na sede da ré e ainda sempre que solicitado por esta;
7) Para o desempenho da respectiva actividade, isto é, para as deslocações em serviço de e para a sede da ré e visitas aos clientes, a ré atribuiu ao autor um veículo automóvel, suportando ela os respectivos encargos de manutenção;
8) A actividade do autor, dada a sua natureza, foi exercida, desde o seu início e até ao seu termo, com isenção de horário de trabalho;
9) Antes de emitir o recibo das remunerações, a ré deduzia à soma do valor das comissões auferidas pelo autor, a remuneração deste pela isenção do horário de trabalho;
10) Essa remuneração pela isenção do horário de trabalho era actualizada com regularidade, normalmente anual;
11) O montante mensal de remuneração pela isenção de horário de trabalho era, desde Outubro de 2002, de € 249,40;
12) Desde o início da relação laboral que a ré adoptou o mesmo procedimento para o pagamento da remuneração pela isenção do horário de trabalho;
13) Este procedimento quanto ao pagamento da remuneração pela isenção do horário de trabalho, a ré segue-o também quanto aos outros vendedores que tem ao seu serviço;
14) O autor subscreveu o acordo com a ré que consta de fls. 21, no qual se estabeleceu que, pela isenção do horário de trabalho, aquele teria direito a receber uma retribuição especial no montante de € 130,00, a ser paga com a mesma periodicidade com que lhe era paga a retribuição base;
15) Tal acordo, datado de 05/04/2004, foi entregue no IDICT em 19/04/2004;
16) O autor, em data não apurada, mas depois de 1 Dezembro de 2003, subscreveu igualmente o acordo com a ré que consta de fls. 53, no qual ficou estipulado que, pela isenção do horário de trabalho, aquele teria «direito a uma retribuição especial constituída por comissões sobre as vendas de boa cobrança que efectuar, nas percentagens de 1% sobre as carnes frescas e de 2% sobre os produtos transformados, que não deverá ser inferior à retribuição correspondente a uma hora de trabalho suplementar por dia, e será paga com a mesma periodicidade com que é paga a retribuição base»;
17) A partir de Novembro de 2003, o autor aumentou as vendas, o que teve reflexo imediato no valor das comissões;
18) Este aumento de vendas resultou também das grandes quantidades de carne que BB, cliente da ré, adquiria para revenda, por intermédio do autor;
19) A ré tentou, então, baixar as comissões, propondo ao autor uma redução para metade da percentagem das comissões na carne fresca, 1% para 0,5%;
20) Todavia, o autor nunca aceitou a redução de percentagem das comissões;
21) No dia 12 de Julho de 2004, foi mandado instalar pela ré um dispositivo com GPS [abreviatura de Global Positioning System] na viatura utilizada pelo autor;
22) Este dispositivo foi instalado em regime de experiência, por um período de 15 dias;
23) Tal dispositivo com GPS não foi instalado em mais nenhuma das demais viaturas dos outros vendedores ao serviço da ré;
24) Com base neste procedimento, e atendendo as características do aludido dispositivo GPS, o autor, por carta datada de 02/08/2004, cuja cópia consta de fls. 22 e 23 e que aqui se dá por reproduzida, resolveu o contrato de trabalho que mantinha com a ré, invocando justa causa;
25) O equipamento GPS permitia, à distância, controlar a localização da viatura do autor e os percursos pela mesma seguidos;
26) Em Setembro de 2004, a ré pagou ao autor € 10.051,52, obtidos pela forma discriminada a fls. 24, que aqui se dá por reproduzida;
27) De Julho de 2003 a Julho de 2004, inclusive, o autor auferiu ao serviço da ré os valores que constam de fls. 81 e 57 a 68, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

Este é o acervo factual disponível para resolver as questões suscitadas.

2. Antes de mais, importa definir qual o regime jurídico aplicável ao caso.

Actualmente, o regime jurídico do contrato de trabalho consta do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, em vigor desde 1 de Dezembro de 2003 (artigo 3.º, n.º 1), sendo certo que, no caso, discute-se o direito às quantias conferidas pelas instâncias a título de retribuição por isenção de horário de trabalho e se a resolução do contrato de trabalho operada pelo trabalhador, em 2 de Agosto de 2004, se fundou em justa causa.

A Lei n.º 99/2003 contém normas transitórias que delimitam a vigência do Código do Trabalho quanto às relações jurídicas subsistentes à data da respectiva entrada em vigor, pelo que, para fixar a eficácia temporal daquele Código, há que recorrer aos critérios sobre aplicação da lei no tempo enunciados naquelas normas.

No que agora releva, estipula o n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 99/2003 que, «[s]em prejuízo do disposto nos artigos seguintes, ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho, os contratos de trabalho e os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho celebrados ou aprovados antes da sua entrada em vigor, salvo quanto às condições de validade e aos efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento».

A norma transcrita corresponde ao artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969, que aprovou o regime jurídico do contrato individual de trabalho, e acolhe o regime comum de aplicação das leis no tempo contido no n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil.

Deste modo, não estando em causa qualquer das situações especificamente previstas nos artigos subsequentes ao artigo 8.º da Lei n.º 99/2003 e tendo em conta que a relação jurídica em apreciação se iniciou em 1 de Abril de 1989 e cessou em 2 de Agosto de 2004, aplica-se o regime instituído no Código do Trabalho, salvo quanto às condições de validade do contrato ou efeitos de factos ou situações totalmente passados antes da entrada em vigor do Código do Trabalho.

Assim, o regime do Código do Trabalho aplica-se à cessação do contrato de trabalho por iniciativa do autor, bem como às retribuições por isenção de horário de trabalho vencidas posteriormente à sua entrada em vigor.

Relativamente às retribuições por isenção de horário de trabalho vencidas anteriormente a 1 de Dezembro de 2003, importa considerar o regime jurídico do contrato individual de trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969, adiante designado por LCT, e o regime da duração e organização do tempo de trabalho, contido no Decreto-Lei n.º 409/71, de 27 de Setembro, na redacção dos Decretos-Leis n.os 421/83, de 2 de Dezembro, 65/87, de 6 de Fevereiro, 398/91, de 16 de Outubro, 96/99, de 23 de Março, e conferida pelas Leis n.os 21/96, de 23 de Julho, 61/99, de 30 de Junho, e 118/99, de 11 de Agosto.

3. A ré alega que o autor, quando foi admitido, teve conhecimento do esquema de remunerações em vigor, que ele era livre de aceitar ou recusar, tendo sido informado que no montante das comissões já estava incluída a remuneração pela isenção de horário de trabalho, esquema remuneratório que era igual para todos os vendedores, sendo certo que estes, tal como o autor até à rescisão do contrato de trabalho, nunca reclamaram dessa situação.

E, acrescenta, não aceitar «que não lhe seja permitido acordar com o recorrido ou com qualquer outro vendedor, que do montante das comissões a que tenha direito seja retirada a quantia necessária e suficiente para pagamento da remuneração especial por isenção de horário de trabalho (IHT)», já que este tipo de acordo é válido, não contrariando nenhuma norma legal imperativa, «visto estar assegurada aos vendedores, nomeadamente ao recorrido, a retribuição mínima devida por força do CCT e é vantajoso para estes porque se o valor das comissões não atingir o montante devido a título de remuneração especial por IHT esta, porque processada sob tal epígrafe, é sempre devida e a recorrente teria que a suportar, na totalidade ou na diferença».

Termos em que conclui pela improcedência da pretensão do autor, «que ele bem sabe ser ilegítima, de querer receber novamente a remuneração por IHT e que já recebeu por força do acordo celebrado, enquanto trabalhou na recorrente».

3.1. O artigo 50.º da LCT estipulava que os trabalhadores isentos de horário de trabalho tinham direito, em regra, a retribuição especial (n.º 1) e que essa retribuição nunca seria inferior à remuneração correspondente a uma hora de trabalho extraordinário por dia, sempre que a isenção implicasse a prestação do trabalho para além do período normal de trabalho (n.º 2), podendo renunciar àquela retribuição os trabalhadores isentos de horário de trabalho que exercessem funções de direcção na empresa ou auferissem remuneração superior à que, para o efeito, fosse estabelecida por portaria de regulamentação de trabalho ou convenção colectiva (n.º 3).

Por seu lado, o n.º 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 409/71, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 398/91, dispunha, no que agora importa, que podia ser isento de horário de trabalho, mediante requerimento da entidade empregadora, o trabalhador que exercesse regularmente a sua actividade fora do estabelecimento, sem controlo imediato da hierarquia [alínea c)], sendo que o artigo 14.º do mesmo diploma legal previa que os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho fixariam as retribuições mínimas a que teriam direito os trabalhadores abrangidos por essa isenção (n.º 1) e que, na falta de tais disposições, os trabalhadores isentos de horário de trabalho tinham direito a uma retribuição especial, que não seria inferior à remuneração correspondente a uma hora de trabalho extraordinário por dia (n.º 2), podendo renunciar àquela retribuição, os trabalhadores que exercessem funções de direcção na empresa (n.º 3).

Tal formulação normativa foi mantida no actual Código do Trabalho, com a introdução da necessária actualização terminológica, substituindo-se a expressão «trabalho extraordinário» por «trabalho suplementar».

Como é sabido, o Decreto-Lei n.º 421/83, de 2 de Dezembro, consagrou a noção de trabalho suplementar, o qual compreende «todo aquele que é prestado fora do horário de trabalho» (artigo 2.º, n.º 1), conceito mais amplo que o de trabalho extraordinário (este refere-se essencialmente ao trabalho prestado em dias úteis), que abrange o trabalho fora do horário em dia útil, trabalho em dias de descanso semanal e feriados, pelo que se justifica uma interpretação actualista do n.º 2 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 409/71, no sentido de aí se contemplar o «trabalho suplementar».

Em matéria de interpretação das leis, o artigo 9.º do Código Civil consagra os princípios a que deve obedecer o intérprete ao empreender essa tarefa, começando por estabelecer que «[a] interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada» (n.º 1); o enunciado linguístico da lei é, assim, o ponto de partida de toda a interpretação, mas exerce também a função de um limite, já que não pode «ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (n.º 2); além disso, «[n]a fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados» (n.º 3).

Por conseguinte, ao mesmo tempo que manda atender às circunstâncias históricas em que a lei foi elaborada, o referido artigo 9.º não deixa expressamente de considerar relevantes as condições específicas do tempo em que a norma é aplicada, segmento que assume uma evidente conotação actualista (sobre a problemática da interpretação actualista, cf. PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª edição, revista, Coimbra Editora, Limitada, Coimbra, 1987, pp. 58-59; BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 12.ª reimpressão, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 190-191; JOSÉ OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 11.ª edição, revista, Almedina, Coimbra, 2003, pp. 388-389; JOÃO DE CASTRO MENDES, Introdução ao Estudo do Direito, Lisboa 1994, pp. 220-221).

Como sublinha BAPTISTA MACHADO (obra citada, p. 191), «[n]ão tem que nos surpreender essa posição actualista do legislador se nos lembrarmos que uma lei só tem sentido quando integrada num ordenamento vivo e, muito em especial, enquanto harmonicamente integrada na “unidade do sistema jurídico” […]. Cumpre ainda anotar que, quanto mais uma lei esteja marcada, no seu conteúdo, pelo circunstancialismo da conjuntura em que foi elaborada, tanto maior poderá ser a necessidade da sua adaptação às circunstâncias, porventura muito alteradas, do tempo em que é aplicada.»

3.2. No domínio do Código do Trabalho, o n.º 1 do artigo 177.º dispõe que, por acordo escrito, que deve ser enviado à Inspecção-Geral do Trabalho, pode ser isento de horário de trabalho, no que interessa ao caso, o trabalhador com exercício regular da actividade fora do estabelecimento, sem controlo imediato da hierarquia [alínea c)].

Por sua vez, o artigo 256.º do mesmo diploma estatui que os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho podem fixar a retribuição mínima a que tem direito o trabalhador abrangido pela isenção de horário de trabalho (n.º 1) e que, na falta de tais disposições, o trabalhador isento de horário de trabalho tem direito a uma retribuição especial, que não será inferior à remuneração correspondente a uma hora de trabalho suplementar por dia (n.º 2) ou duas horas de trabalho suplementar por semana, «quando se trate de regime de isenção de horário com observância dos períodos normais de trabalho» (n.º 3), podendo renunciar à referida retribuição «o trabalhador que exerça funções de administração ou de direcção na empresa» (n.º 4).

3.3. No caso em apreciação, provou-se que o autor «trabalhou por conta da ré, sob a autoridade e direcção desta, entre 01/04/1989 e 02/08/2004» [facto assente 1)], «exerceu durante todo aquele período, a categoria profissional de vendedor» [facto assente 2)] e auferia, como contrapartida do seu trabalho, «desde Junho de 2003, € 502 de remuneração base mensal, a que acresciam comissões, diuturnidades e uma remuneração específica pela isenção do horário de trabalho» [facto assente 3)], comissões essas «variáveis e calculadas segundo uma base percentual sobre o montante das vendas de boa cobrança efectuadas pelo autor, sendo de 1% para as carnes frescas e de 2% nas carnes transformadas» [facto assente 4)].

Mais se apurou que a actividade do autor, «dada a sua natureza, foi exercida, desde o seu início e até ao seu termo, com isenção de horário de trabalho» [facto assente 8)], «antes de emitir o recibo das remunerações, a ré deduzia à soma do valor das comissões auferidas pelo autor, a remuneração deste pela isenção do horário de trabalho» [facto assente 9)], e que «desde o início da relação laboral que a ré adoptou o mesmo procedimento para o pagamento da remuneração pela isenção do horário de trabalho» [facto assente 12)], o qual também era seguido em relação aos outros vendedores ao seu serviço [facto assente 13)].

Ficou, ainda, demonstrado que o autor «subscreveu o acordo com a ré que consta de fls. 21, no qual se estabeleceu que, pela isenção do horário de trabalho, aquele teria direito a receber uma retribuição especial no montante de € 130,00, a ser paga com a mesma periodicidade com que lhe era paga a retribuição base» [facto assente 14)], acordo datado de 5 de Abril de 2004 e que foi entregue no IDICT em 19 de Abril de 2004 [facto assente 15)], e que o autor, em data não apurada, mas depois de 1 Dezembro de 2003, subscreveu, igualmente, o acordo que consta de fls. 53, no qual ficou estipulado que, pela isenção do horário de trabalho, aquele teria «direito a uma retribuição especial constituída por comissões sobre as vendas de boa cobrança que efectuar, nas percentagens de 1% sobre as carnes frescas e de 2% sobre os produtos transformados, que não deverá ser inferior à retribuição correspondente a uma hora de trabalho suplementar por dia, e será paga com a mesma periodicidade com que é paga a retribuição base» [facto assente 16)].

Assim, embora se tenha demonstrado que a actividade do autor foi sempre exercida com isenção de horário de trabalho e que a ré, desde o início da relação laboral, deduzia ao valor das comissões auferidas pelo autor a quantia necessária para pagamento da remuneração por isenção de horário de trabalho, o certo é que a ré não logrou provar, como lhe competia (artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil), que tal dedução tenha sido objecto de acordo antes de 1 de Dezembro de 2003.

Na verdade, o acordo de fls. 53 foi celebrado em data não apurada, mas depois de 1 Dezembro de 2003, pelo que, no período compreendido entre o início do contrato de trabalho e o dia 1 Dezembro de 2003, não subsiste instrumento negocial para imputar o valor daquelas comissões ao pagamento da remuneração especial por isenção de horário de trabalho.

Ora, apurou-se que o autor auferia, como contrapartida do seu trabalho, desde Junho de 2003, € 502 de remuneração base mensal, acrescida de comissões, diuturnidades e uma remuneração específica pela isenção do horário de trabalho.

Acresce que o acordo de fls. 53 foi alterado por um outro, posterior, datado de 5 de Abril de 2004, no qual se prevê uma remuneração autónoma para a isenção de horário de trabalho.

Resulta, pois, da matéria de facto assente que, antes de 1 de Dezembro de 2003, bem como após 5 de Abril de 2004, as comissões sobre as vendas efectuadas e a retribuição especial por isenção do horário de trabalho, assumiam, separadamente, a natureza de prestações regulares e periódicas, que integravam legitimamente a expectativa de ganho do autor, fazendo parte da respectiva retribuição mensal.

Neste domínio, rege o princípio da irredutibilidade da retribuição [artigos 21.º, n.º 1, alínea c), da LCT e 122.º, alínea d), do Código do Trabalho], bem como a proibição de descontos ou deduções no montante da retribuição [artigos 95.º, n.º 1, da LCT e 270.º, n.º 1, do Código do Trabalho], por isso, não tendo a ré provado a existência de qualquer acordo, anterior a 1 de Dezembro de 2003, justificativo da imputação do valor das comissões ao pagamento da remuneração por isenção de horário de trabalho, o acordo de fls. 53, concretizando uma diminuição da retribuição a título de comissões e a efectivação de dedução não prevista na lei, estaria ferido de nulidade, que o tribunal pode declarar oficiosamente, implicando, nos termos gerais, a restituição dos valores respectivos (artigos 280.º, 286.º e 289.º do Código Civil).

Aliás, uma vez que o autor não exercia funções de administração ou de direcção na empresa, sempre lhe estaria vedado renunciar à retribuição especial por isenção de horário de trabalho (artigos 14.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 409/71 e 256.º, n.º 4, do Código do Trabalho).

Tendo-se provado que a actividade profissional prestada pelo autor, dada a sua natureza, foi exercida, desde o início e até ao seu termo, com isenção de horário de trabalho, assiste-lhe o direito de receber uma retribuição especial por virtude dessa isenção, nos termos e nos períodos considerados no acórdão recorrido, quer no domínio do regime anterior ao Código do Trabalho, quer à luz do regime instituído por este último Código.

É certo que a recorrente aduz que o invocado regime remuneratório era mais vantajoso para o recorrido, «porque se o valor das comissões não atingir o montante devido a título de remuneração especial por IHT esta, porque processada sob tal epígrafe, é sempre devida e a recorrente teria que a suportar, na totalidade ou na diferença», mas tal argumentação não faz qualquer sentido, uma vez que o autor, independentemente do valor das comissões de venda a auferir, sempre teria direito à retribuição especial por isenção de horário de trabalho.

Na verdade, o eventual pagamento de comissões sobre vendas nada tem a ver com aquele outro pagamento que a entidade empregadora devia realizar por força do exercício da actividade do autor em regime de isenção de horário de trabalho.

De todo o modo, porque se trata de matéria modificativa do direito invocado pelo trabalhador, sempre caberia à ré, nos termos do n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil, provar que aquele sistema retributivo era mais vantajoso para o autor, ónus que não se mostra cumprido.

Apenas se acrescentará que o simples facto do autor não ter reclamado, até à rescisão do contrato de trabalho, o pagamento, em separado, da retribuição especial por isenção de horário de trabalho, que agora reclama, não envolve, por qualquer forma, a perda, por renúncia ou outra, do direito que peticiona, como se extrai, desde logo, do regime consagrado nos artigos 38.º da LCT e 381.º do Código do Trabalho sobre a prescrição de créditos laborais, aliás, não invocado pela ré.

Improcedem, pois, as conclusões 1) a 7) da alegação do recurso.

4. A recorrente defende, também, que, nos termos do n.º 2 do artigo 441.º do Código do Trabalho, para haver justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador é necessário que tenha havido uma violação culposa de garantias legais ou convencionais por parte do empregador, sendo que agiu, em todos os momentos, de boa fé e o seu comportamento não foi culposo, nunca tendo sido sua intenção prejudicar, minimamente, o autor, por isso, não se justifica o comportamento por este adoptado, pondo fim, de forma despropositada e desproporcionada, a uma excelente relação de trabalho de 15 anos, motivo pelo qual deverá entender-se não ter havido justa causa para resolução do contrato de trabalho.

Neste particular, o acórdão recorrido decidiu:

«Como resulta da factualidade dada como assente o A. motivou a sua rescisão contratual no facto da Ré ter mandado instalar na viatura que lhe estava adstrita um dispositivo com GPS, sendo que tal dispositivo não foi instalado em mais nenhuma das demais viaturas dos outros vendedores ao serviço da Ré.
Mais se apurou que o dito equipamento permitia à distância controlar a localização da viatura e os percursos pela mesma seguidos.
Ora e de acordo com o disposto no artigo 20.º, n.º 1, do Código do Trabalho, o empregador não pode utilizar meios de vigilância à distância no local de trabalho, mediante o emprego [de equipamento] tecnológico, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador.Ressalvam-se as hipóteses previstas no n.º 2 do mesmo artigo (protecção e segurança de pessoas e bens, ou existência de particulares exigências inerentes à natureza da actividade que justifiquem o uso de tais meios), sendo que, de qualquer jeito, o empregador deve informar, nestes casos, o trabalhador, nos termos do n.º 3 ainda do mesmo artigo.
Assim e na economia deste preceito, a utilização dos ditos meios de vigilância será sempre ilícita (ainda que com aviso prévio da sua instalação feito ao trabalhador), desde que tenha a finalidade de controlar o seu desempenho profissional.
No caso concreto, a Ré não logrou provar que se estava perante uma das situações previstas no citado n.º 2, sendo que tal ónus a ela competia (artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil).
E, para além disso, atenta a factualidade provada, através do tal GPS, sempre é possível um controlo ainda que não total e indirecto da actividade profissional do trabalhador, que assim vê violado o seu direito de personalidade.
[…]
Portanto […], a instalação do GPS no veículo que estava distribuído ao A. é ilícita, mesmo que feita a título experimental (cujo período aliás já decorrera aquando da rescisão contratual que este efectuou).
[…]
In casu, cremos que a conduta do empregador, ao colocar aquele mecanismo de controlo exactamente no veículo que o A. utilizava (excluindo todos os outros vendedores), sem se saber qual a finalidade, sem lhe dar qualquer explicação e decorrido algum tempo após a Ré lhe ter tentado baixar as comissões (o que o A. não aceitou, o [que] naturalmente e pela lógica da vida levou à criação de alguma tensão entre ambos), é de molde a criar no empregado uma falta de confiança na sua entidade patronal, que na óptica do funcionário está já a desconfiar dele.
Este quadro, acaba a nosso ver, por tornar impossível a subsistência da relação laboral, ou melhor dito, por tornar inexigível ao trabalhador, que mantenha o vínculo laboral.
Vale isto dizer e em suma que, em nossa modesta opinião, ocorreu justa causa para que o A. rescindisse o contrato de trabalho, como o fez.»

Importa, pois, ajuizar se a instalação de um sistema GPS na viatura afecta ao serviço do autor poderá constituir justa causa de resolução do contrato de trabalho.

4.1. O contrato de trabalho pode cessar, entre outras causas, por resolução do trabalhador [artigos 384.º, alínea c), e 441.º do Código do Trabalho, diploma a que pertencem os demais preceitos a citar neste ponto, sem menção da origem].

Nos termos do n.º 1 do artigo 441.º, quando ocorra justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato.
A declaração de resolução deve ser feita por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos trinta dias subsequentes ao conhecimento desses factos (artigo 442.º, n.º 1), havendo lugar a uma indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, se a mesma se fundar nos factos previstos no n.º 2 do artigo 441.º, indemnização essa a fixar entre quinze e quarenta e cinco dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade ou fracção, neste último caso calculada proporcionalmente (artigo 443.º, n.os 1 e 2).

Segundo o disposto no n.º 2 do artigo 441.º, «[c]onstituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador: (a) falta culposa de pagamento pontual da retribuição; (b) violação culposa das garantias legais ou convencionais do trabalhador; (c) aplicação de sanção abusiva; (d) falta culposa de condições de segurança, higiene e saúde no trabalho; (e) lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador; (f) ofensas à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, puníveis por lei, praticadas pelo empregador ou seu representante legítimo.»

Trata-se da chamada justa causa subjectiva (culposa).

Constituem justa causa objectiva (não culposa) de resolução do contrato pelo trabalhador, conforme estipula o n.º 3 do artigo 441.º, as circunstâncias que se seguem: «(a) necessidade de cumprimento de obrigações legais incompatíveis com a continuação ao serviço; (b) alteração substancial e duradoura das condições de trabalho no exercício legítimo de poderes do empregador; (c) falta não culposa de pagamento pontual da retribuição.»

Em qualquer das apontadas situações está subjacente o conceito de justa causa, que o artigo 441.º não define, mas que corresponde à ideia de impossibilidade para o trabalhador de manutenção do vínculo laboral, nos termos de similar locução constante no n.º 1 do artigo 396.º, até porque, consoante o previsto no n.º 4 do artigo 441.º, a justa causa é apreciada de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 396.º, com as necessárias adaptações, ou seja, atendendo-se ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.

Deste modo, o trabalhador só pode resolver o contrato de trabalho com justa causa subjectiva se o comportamento do empregador for ilícito, culposo e tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, em razão da sua gravidade e consequências, ou seja, é necessária a existência de nexo de causalidade entre aquele comportamento e a insubsistência da relação laboral.

4.2. No caso, o autor resolveu o contrato de trabalho celebrado com a ré, por carta datada de 2 de Agosto de 2004 (fls. 22 e 23), cujo teor se passa a transcrever:

« Nos termos do artigo 441.º e seguintes do Código do Trabalho, venho comunicar-lhes a resolução do contrato de trabalho com fundamento em justa causa, o que faço de acordo com os fundamentos seguintes:
– No dia 9/7/2004, recebi um telefonema para no dia 12 de Julho de 2004 me apresentar na fábrica, no Montijo;
– No dia 12/7/2004, quando me preparava para sair da fábrica foi-me dito pelo Sr. CC, director comercial, que não me ausentasse da fábrica sem que me fosse colocado um GPS na viatura que conduzo, não me dando mais quaisquer justificações;
– Tenho conhecimento que até à presente data não foram colocados aparelhos idênticos nas viaturas dos restantes vendedores.
Com tal equipamento a empresa visou por meios de vigilância à distância controlar o meu desempenho profissional como trabalhador, não me deu qualquer justificação. Tem que entender-se que não há lugar à utilização de tal meio decorrente da natureza da actividade, porquanto os mesmos aparelhos não foram colocados nas viaturas de outros vendedores que trabalham em situação idêntica.
Foi violado dolosamente o disposto no artigo 20.º do Código do Trabalho, assim como o direito ao tratamento igual que todos os trabalhadores devem ter.
Tais violações são graves, considerando mesmo o Código que a sua violação constitui contra-ordenação muito grave e violam o direito de personalidade do trabalhador assim como o direito à igualdade e não discriminação.
Com o vosso comportamento senti-me violado na minha personalidade, além de que me senti afectado psíquica e fisicamente, tendo mesmo estado em tratamento médico, não tendo mais condições para manter a relação laboral.
Tais factos, nos termos do disposto no artigo 441.º do Código do Trabalho constituem fundamento para resolução do contrato de trabalho, com justa causa.Assim, nos termos do disposto no artigo 441.º conjugado com o artigo 442.º do Código do Trabalho, venho comunicar a resolução do meu contrato de trabalho com justa causa, com os fundamentos e factos antes apresentados.
[…]»

Em suma, o autor resolveu o contrato de trabalho com o fundamento de que a instalação de um sistema GPS no veículo automóvel que lhe estava atribuído violava o disposto no artigo 20.º do Código do Trabalho, assim como o seu direito à igualdade e à não discriminação, e o tinha afectado psíquica e fisicamente.

4.3. Os direitos de personalidade são direitos subjectivos que visam garantir a defesa da esfera nuclear das pessoas e cujo âmbito de tutela decorre de regras gerais previstas na Lei Fundamental e no Código Civil.
Na perspectiva dos direitos, liberdades e garantias pessoais acolhidos na Constituição, para além da expressa proclamação da dignidade da pessoa humana contida no seu artigo 1.º, figuram o direito à vida (artigo 24.º), o direito à integridade moral e física (artigo 25.º), os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação (artigo 26.º), o direito à liberdade e à segurança (artigo 27.º), o direito à inviolabilidade do domicílio e da correspondência (artigo 34.º), o direito de acesso aos dados pessoais informatizados (artigo 35.º), a liberdade de expressão e informação (artigo 37.º).

Por sua vez, o Código Civil, após enunciar o princípio da tutela geral da personalidade (artigo 70.º, n.º 1), prevê um conjunto exemplificativo de direitos de personalidade, entre os quais constam o direito ao nome (artigo 72.º), o direito à confidencialidade das cartas-missivas (artigo 75.º), o direito à imagem (artigo 79.º) e o direito à reserva sobre a intimidade da vida privada (artigo 80.º).

4.3.1. O Código do Trabalho trata das questões relacionadas com os direitos de personalidade dos trabalhadores na subsecção II («Direitos de personalidade») da secção II («Sujeitos») do capítulo I («Disposições gerais») do título II («Contrato de Trabalho») do livro I («Parte Geral»).

Na antedita subsecção, o Código do Trabalho começa por contemplar a liberdade de expressão e de opinião (artigo 15.º), seguindo-se o direito à reserva da intimidade da vida privada (artigo 16.º), o direito à protecção de dados pessoais (artigo 17.º), o direito à integridade física e moral (artigo 18.º), a disciplina atinente à exigência da realização ou apresentação de testes e exames médicos (artigo 19.º), a regulamentação da utilização de meios de vigilância a distância (artigo 20.º), enfim, o direito à confidencialidade de mensagens e de acesso a informação (artigo 21.º).

Assim, tal como refere ROMANO MARTINEZ (Direito do Trabalho, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2005, p. 349), «o regime dos direitos de personalidade concretizado no Código do Trabalho não é autónomo e independente da tutela constitucional e civil dos direitos de personalidade, limitando-se a indicar, de modo exemplificativo, alguns direitos que têm especial relevância no âmbito laboral, sem descurar o regime geral».

Especificamente quanto à utilização de meios de vigilância a distância no local de trabalho, o artigo 20.º do Código do Trabalho dispõe nos seguintes termos:

«Artigo 20.º
(Meios de vigilância a distância)
1 – O empregador não pode utilizar meios de vigilância a distância no local de trabalho, mediante o emprego de equipamento tecnológico, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador.
2 – A utilização do equipamento identificado no número anterior é lícita sempre que tenha por finalidade a protecção e segurança de pessoas e bens ou quando particulares exigências inerentes à natureza da actividade o justifiquem.
3 – Nos casos previstos no número anterior o empregador deve informar o trabalhador sobre a existência e finalidade dos meios de vigilância utilizados.»

Por seu turno, o artigo 28.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho (Legislação especial que regulamenta o Código do Trabalho, adiante designada por LECT), submete a utilização de meios de vigilância a distância no local de trabalho a autorização da Comissão Nacional de Protecção de Dados (n.º 1), a qual só pode ser concedida se a utilização dos meios for necessária, adequada e proporcional aos objectivos a atingir (n.º 2), devendo o pedido de autorização ser acompanhado de parecer da comissão de trabalhadores ou, dez dias após a consulta, de comprovativo do pedido de parecer (n.º 4), e determina que os dados pessoais recolhidos através dos meios de vigilância a distância são conservados durante o período necessário para a prossecução das finalidades da utilização a que se destinam, devendo ser destruídos no momento da transferência do trabalhador para outro local de trabalho ou de cessação do contrato de trabalho (n.º 3).

Neste particular, o artigo 29.º da LECT preceitua, ainda, o seguinte:

«Artigo 29.º
(Informação sobre meios de vigilância a distância)
Para efeitos do n.º 3 do artigo 20.º do Código do Trabalho, o empregador deve afixar nos locais de trabalho em que existam meios de vigilância a distância os seguintes dizeres, consoante os casos, “Este local encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de televisão” ou “Este local encontra--se sob vigilância de um circuito fechado de televisão, procedendo-se à gravação de imagem e som”, seguido de símbolo identificativo.»

4.3.2. A interpretação jurídica tem por objecto descobrir, de entre os sentidos possíveis da lei, o seu sentido prevalente ou decisivo, sendo o artigo 9.º do Código Civil, acima transcrito no ponto II.3.1, a norma fundamental a proporcionar uma orientação legislativa para tal tarefa.

A apreensão literal do texto, ponto de partida de toda a interpretação, é já interpretação, embora incompleta, pois será sempre necessária uma «tarefa de interligação e valoração, que excede o domínio literal» (cf. JOSÉ OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 11.ª edição, revista, Almedina, 2001, p. 392).

Nesta tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal, intervêm elementos lógicos, apontando a doutrina elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica (sobre este tema, cf. KARL LARENZ, Metodologia da Ciência do Direito, 3.ª edição, tradução, pp. 439-489; BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 12.ª reimpressão, Coimbra, 2000, pp. 175-192; FRANCESCO FERRARA, Interpretação e Aplicação das Leis, tradução de MANUEL ANDRADE, 3.ª edição, 1978, pp. 138 e seguintes).

O elemento sistemático compreende a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretada, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim, como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o lugar sistemático que compete à norma interpretanda no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico.

O elemento histórico abrange todas as matérias relacionadas com a história do preceito, as fontes da lei e os trabalhos preparatórios.

O elemento racional ou teleológico consiste na razão de ser da norma (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao editar a norma, nas soluções que tem em vista e que pretende realizar.

Ora, para efeitos do n.º 3 do artigo 20.º do Código do Trabalho, o artigo 29.º da LECT determina que o empregador deve afixar nos locais de trabalho em que existam meios de vigilância a distância os seguintes dizeres, consoante os casos, “Este local encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de televisão” ou “Este local encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de televisão, procedendo-se à gravação de imagem e som”, o que aponta no sentido de que a proibição de utilização de meios de vigilância a distância para controlo do desempenho profissional do trabalhador refere-se aos meios tecnológicos de vigilância com capacidade para procederem à gravação de imagem ou de imagem e som (elemento sistemático).
Por outro lado, o artigo 20.º do Código do Trabalho proíbe o emprego de meios de vigilância a distância no local de trabalho, «com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador» (elemento teleológico), isto é, aqueles que «podem alcançar o que se faz, quando e durante quanto tempo» (na feliz expressão de REGINA REDINHA, «Os Direitos de Personalidade no Código do Trabalho: Actualidade e Oportunidade da sua Inclusão», em A Reforma do Código do Trabalho, Coimbra Editora, Coimbra, 2004, p. 166), «nomeadamente câmaras de vídeo, equipamento audiovisual, microfones dissimulados ou mecanismos de escuta e registo telefónico com o propósito de controlar o exercício da actividade profissional do trabalhador de forma impessoal e tendencialmente ininterrupta» (ROMANO MARTINEZ e OUTROS, Código do Trabalho, 4.ª edição, Almedina, Coimbra, 2005, anotação II ao artigo 20.º por GUILHERME DRAY, p. 114).

Assim, embora a formulação literal do n.º 1 do artigo 20.º do Código do Trabalho não permita restringir o âmbito da previsão daquela norma aos sistemas de videovigilância, a verdade é que a expressão adoptada pela lei, «meios de vigilância a distância no local de trabalho, mediante o emprego de equipamento tecnológico, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador», por considerações sistemáticas e teleológicas, remete para formas de captação à distância de imagem, som ou imagem e som que permitam identificar pessoas e detectar o que fazem, quando e durante quanto tempo, de forma tendencialmente ininterrupta, que podem afectar direitos fundamentais pessoais, tais como o direito à reserva da vida privada e o direito à imagem.

4.3.3. No caso, demonstrou-se que a prestação de trabalho do autor consistia na deslocação «aos clientes da ré, na Região Centro, até à Guarda, para vender os diferentes produtos, proceder aos recebimentos das facturas e processar notas de devolução de mercadorias» [facto assente 5)] e que para as deslocações em serviço de e para a sede da ré e visitas aos clientes, a ré atribuiu ao autor um veículo automóvel, suportando os respectivos encargos de manutenção [facto assente 7)].
Mais se provou que a ré mandou instalar um dispositivo com GPS na viatura utilizada pelo autor [facto assente 21)], dispositivo esse que «foi instalado em regime de experiência, por um período de 15 dias» [facto assente 22)] e que «permitia, à distância, controlar a localização da viatura do autor e os percursos pela mesma seguidos» [facto assente 22)].

Por conseguinte, o sistema de GPS instalado no veículo automóvel atribuído ao autor permitia controlar a localização daquele veículo e os respectivos percursos, bem como referenciar, embora por forma indirecta, a localização geográfica do trabalhador, enquanto este permanecesse na viatura.

Tendo em conta as indicadas potencialidades do sistema GPS e a natureza da actividade prestada pelo autor, não se pode qualificar esse concreto equipamento tecnológico como meio de vigilância a distância no local de trabalho, uma vez que tal sistema não permite captar as circunstâncias, a duração e os resultados de cada visita efectuada pelo autor aos seus clientes, nem identificar os respectivos intervenientes.

Doutro passo, sendo a atribuição da viatura limitada às necessidades do serviço, está afastado qualquer controlo da vida privada do autor.

Não resulta, assim, dos factos dados por assentes que tenha existido, por parte da ré, a utilização de meios de vigilância a distância no local de trabalho, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do autor, pelo que, em relação à alegada violação do disposto no artigo 20.º do Código do Trabalho, conclui-se que carece de justa causa a resolução contratual efectivada pelo autor.

4.4. O autor alegou, ainda, como justa causa para a resolução do contrato de trabalho a violação do direito à igualdade e à não discriminação.

O princípio da igualdade e não discriminação, consagrado no artigo 13.º da Constituição, acha-se concretizado nos artigos 22.º e 23.º do Código do Trabalho.

Aquele artigo 22.º, subordinado à epígrafe «Direito à igualdade no acesso ao emprego e no trabalho», estipula que «[t]odos os trabalhadores têm direito à igualdade de oportunidades e de tratamento no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho» (n.º 1) e, bem assim, que «[n]enhum trabalhador ou candidato a emprego pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão, nomeadamente, de ascendência, idade, sexo, orientação sexual, estado civil, situação familiar, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical» (n.º 2).

E, por outro lado, o artigo 23.º, epigrafado «Proibição de discriminação», dispõe que «[o] empregador não pode praticar qualquer discriminação, directa ou indirecta, baseada, nomeadamente, na ascendência, idade, sexo, orientação sexual, estado civil, situação familiar, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical» (n.º 1), não constituindo discriminação «o comportamento baseado num dos factores indicados no número anterior, sempre que, em virtude da natureza das actividades profissionais em causa ou do contexto da sua execução, esse factor constitua um requisito justificável e determinante para o exercício da actividade profissional, devendo o objectivo ser legítimo e o requisito proporcional» (n.º 2), sendo que «[c]abe a quem alegar a discriminação fundamentá--la, indicando o trabalhador ou trabalhadores em relação aos quais se considera discriminado, incumbindo ao empregador provar que as diferenças de condições de trabalho não assentam em nenhum dos factores indicados no n.º 1» (n.º 3).

No dizer de GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA (Constituição da República Portuguesa Anotada, Artigos 1.º a 107.º, vol. I, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 340), a proibição de discriminação ínsita no âmbito de protecção do princípio da igualdade «não significa uma exigência de igualdade absoluta em todas as situações, nem proíbe diferenciações de tratamento», o que se exige «é que as medidas de diferenciação sejam materialmente fundadas sob o ponto de vista da segurança jurídica, da proporcionalidade, da justiça e da solidariedade e não se baseiem em qualquer motivo constitucionalmente impróprio».

Isto é, deve tratar-se por igual o que é essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual.

No caso, provou-se que o sistema GPS «não foi instalado em mais nenhuma das demais viaturas dos outros vendedores ao serviço da ré» [facto assente 23)].

Porém, daí não resulta, necessariamente, a violação do direito à igualdade.

Com efeito, também se apurou que o mesmo sistema GPS «foi instalado em regime de experiência, por um período de 15 dias» [facto assente 22)], pelo que, face ao carácter provisório, porque experimental, da instalação daquele sistema não seria de esperar que fosse posto a funcionar em todas as viaturas comerciais da ré.

Acresce que o autor não provou que as áreas geográficas de actuação dos restantes vendedores da ré correspondiam às características indicadas para efectuar uma experiência conclusiva do equipamento tecnológico em questão.

Na verdade, cabia ao autor provar (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil) que seria indiferente para a consecução dos objectivos pretendidos com a experimentação do sistema GPS, que o mesmo fosse instalado em qualquer veículo automóvel da ré, ónus que não se mostra cumprido.
Por outro lado, no concreto dos autos, nada permite afirmar que a instalação do sistema GPS no veículo automóvel distribuído ao autor consubstancia um acção de desforço por parte da ré, face à não aceitação da proposta de redução do valor das comissões pelo autor [factos assentes 19) e 20)].

Nem se diga que a referida instalação, atento o seu carácter provisório e experimental, podia ser entendida como expressão de falta de confiança da ré no desempenho profissional do autor.

De qualquer modo, nos termos do n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil, cabia ao autor provar os factos conducentes à conclusão de que a instalação do sistema GPS nos termos apurados configurava um comportamento discriminatório e persecutório da ré, ónus que não se mostra cumprido.

Note-se, além disso, que não se apurou que a ré tenha assumido qualquer comportamento assente num dos factores de discriminação expressamente indicados no n.º 1 do artigo 23.º do Código do Trabalho.

Não resulta, assim, dos factos assentes que tenha existido, por parte da ré, violação do direito à igualdade e à não discriminação, termos em que se conclui que, em relação àquela alegada violação, carece de justa causa a resolução contratual efectivada pelo autor.

4.4. Em derradeiro termo, o autor alegou como justa causa para a resolução do contrato de trabalho, que a descrita instalação do sistema GPS o tinha afectado psíquica e fisicamente, «tendo mesmo estado em tratamento médico».

O certo é, porém, que não resulta dos factos assentes a invocada afectação psíquica e física, nem o alegado tratamento médico, por isso, conclui-se que quanto a este fundamento, carece de justa causa a resolução contratual efectivada pelo autor.
Nesta conformidade, tendo-se concluído que carece de justa causa a resolução do contrato de trabalho operada por iniciativa do autor, este não tem direito à indemnização prevista no n.º 1 do artigo 443.º do Código do Trabalho e que as instâncias fixaram em € 7.697,32.

Procedem, pois, as conclusões 8) a 14) da alegação do recurso.

III
Pelo exposto, decide-se conceder parcialmente a revista, absolvendo-se a ré quanto ao pedido de condenação em indemnização por resolução do contrato de trabalho pelo autor, mantendo-se, no mais, o decidido no acórdão sob recurso.

Custas, nas instâncias e na revista, a cargo do autor e da ré, na proporção do respectivo decaimento, sendo as relativas ao recurso de apelação do autor suportadas, «provisoriamente, em parte iguais, fazendo-se o rateio de acordo com a sucumbência na execução de sentença», nos termos decididos no acórdão recorrido.

Lisboa, 22 de Maio de 2007
Pinto Hespanhol (relator)
Vasques Dinis
Bravo Serra