Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
060984
Nº Convencional: JSTJ00004293
Relator: LOPES CARDOSO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
CADUCIDADE
PRAZO
ACÇÃO CIVIL EMERGENTE DE ACIDENTE DE VIAÇÃO
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ196611040609841
Data do Acordão: 11/04/1966
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: DG Nº 280, I-S 1966/12/03, PÁG. 888 -BMJ N º 161, ANO 1966, PÁG. 234 - RLJ ANO 100, PÁG. 60
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO
Decisão: TIRADO ASSENTO.
Indicações Eventuais: ASSENTO DO STJ.
Área Temática: DIR CIV - DIR RESP CIV.
Legislação Nacional: CE30 ARTIGO 143 C.
CE54 ARTIGO 56 N9 ARTIGO 67 N2 ARTIGO 68 N1 N2 N3 N4.
D 45108 DE 1967/07/03.
CPC39 ARTIGO 275 N2 ARTIGO 480 N6.
CPC61 ARTIGO 471 N1 B.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1965/06/08 IN BMJ N148 PAG215.
ACÓRDÃO STJ DE 1964/12/15 IN BMJ N142 PAG319.
ASSENTO STJ DE 1937/01/26 IN DG IS 1937/03/02.
Sumário :
O prazo do artigo 56, n. 9 do Codigo da Estrada, so se completa dois anos decorridos sobre o conhecimento pelo lesado de todas as consequencias indemnizaveis do acidente e da pessoa do responsavel.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

A "A, Companhia Alentejana de Seguros", recorre para o Tribunal Pleno, do acordão, hoje publicado no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 148, pagina 215, que lhe negou revista em acção de indemnização por acidente de transito contra ela intentada por B e C.
Alega oposição desse acordão com o de 15 de Dezembro de 1964, publicado no citado Boletim, n. 142, pagina 319, quanto a solução da questão juridica fundamental que consistia em saber se o prazo estabelecido pelo n. 9 do artigo 56 do Codigo da Estrada, para proposição de acções da especie em causa, se inicia logo que o lesado tem conhecimento de que se produziu o dano ou so quando ele tem conhecimento de toda a extenção deste.
A Secção declarou verificada a oposição e mandou seguir o recurso, o que não dispensa o Pleno de se pronunciar novamente sobre a existencia das condições legais de seguimento.
Não ha duvida, porem, de que os dois acordãos foram proferidos no dominio da mesma legislação e ate interpretaram a mesma disposição legal, que foi o seguinte passo do aludido n. 9:
"O direito de pedir a indemnização civil por acidente de transito caduca no prazo de dois anos, a partir da data em que o lesado teve conhecimento do dano e da pessoa do responsavel".
Por outro lado, ambos os acordãos assentaram sobre soluções de questão de direito suscitada pela interpretação desse texto e essas soluções foram diametralmente opostas: o de 1964 decidiu que o prazo por ele estabelecido "se inicia partir da data em que o lesado teve conhecimento naturalistico do dano, e não desde que tenha conhecimento de toda a extensão e profundidade desse dano"; o acordão recorrido afirma, ao contrario, que, ao falar em "conhecimento do dano", o preceito se quer referir ao conhecimento de todo o dano.
Finalmente, vem certificado o transito daquele acordão de 1964.
Ha, pois, um conflito jurisprudencial em termos de ter que ser resolvido, como se passa a fazer.
O acordão de 1964 baseou-se essencialmente no seguinte:
O Codigo da Estrada de 1930, na alinea c) do seu artigo 143, exigia que a petição inicial da acção de indemnização por acidente de transito indicasse "sempre" "a quantia certa pedida", o que, para alguns, excluia a possibilidade de pedido generico a liquidar em execução, e portanto a possibilidade de accionar antes do conhecimento de todos os danos indemnizaveis.
Tal entendimento, ja discutivel perante esse Codigo, deixou de ser admissivel em face do n. 2 do artigo 68 do Codigo da Estrada actual, correspondente a falada alinea c), não so porque no novo preceito desapareceu o adverbio "sempre" mas ainda porque, ao contrario do antigo, ele começa logo por dizer que e "para efeitos de determinação do valor da causa" que a indicação deve ser feita.
Acresce ter o posterior Decreto n. 45108, de 3 de Julho de 1963, permitido expressamente que, no processo penal, o pedido de indemnização fique para ser liquidado em execução de sentença.
O acordão ora recorrido principia por considerar inconveniente e injusta a solução adoptada pelo de 1964, considerando-a ainda contraria ao proposito do legislador, revelado pela evolução legislativa.
Depois, tem como inaceitavel que o n. 2 do artigo 68 do actual funcione apenas para efeitos de valor da causa, posto que para esse fim seria inutil e redundante. A disposição resultaria das regras gerais do Codigo de Processo Civil.
Por fim, sustenta que o Decreto n. 45108 se aplica exclusivamente as indemnizações a arbitrar obrigatoriamente em processo crime.
A recorrente defende, e claro, a solução do acordão de 1964 e essa e tambem a propugnada pelo Ministerio Publico.
Os argumentos vem a ser os do dito acordão.
Acrescenta-se que a evolução legislativa mostra ter sido intenção do legislador estabelecer um prazo curto, e o intuito ficara frustrado quando se defira o inicio desse prazo para o conhecimento de consequencias que podem so vir a saber-se apos o decurso de anos.
Aduz ainda o Ministerio Publico que o artigo 500 do Projecto do Codigo Civil toma sobre o problema uma posição contraria a do acordão recorrido, pois passa a mandar contar o prazo de prescrição do direito de indemnização, a partir "da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsavel e da extensão integral do dano".
Isto pode considerar-se como que interpretação autentica do preceito correspondente do actual Codigo da Estrada.
Pelo menos, não sera razoavel consagrar em assento doutrina oposta, a escassos meses da vigencia da lei projectada.
Os recorridos contra-alegam, em defesa do acordão sob recurso.
Tudo visto:
Antes de mais nada, convem arredar a alegação do Ministerio Publico que se referiu em ultimo lugar.
As disposições projectadas para o artigo 500 do futuro Codigo Civil não podem considerar-se interpretativa da lei actual. São claramente inovadoras quando alargam o prazo, de dois para tres anos, e quando, em franca oposição com o preceito do Codigo da Estrada, o mandam iniciar independentemente do conhecimento da pessoa do responsavel.
E nenhum mal advira de se assentar agora em doutrina contraria a que porventura venha a consagrar-se no Codigo Civil, posto que o assento proferido não obrigara para aplicação das regras legais que surjam posteriormente e sejam diferentes.
O conflito jurisdicional tem de resolver-se perante e para os textos sobre cuja interpretação foi suscitada. O assento so ficara a valer como interpretação deles.
A jurisprudencia dominante do Supremo, sobre o objecto desse conflito, tem sido a do acordão ora recorrido.
Vem-se baseando este tribunal no entendimento de que o n. 2 do artigo 68 do Codigo da Estrada exclui a possibilidade de pedido generico ou iliquido na acção de indemnização por acidente de transito, e em que o "conhecimento do dano", referido pelo n. 9 do artigo 56, como inicio do prazo de proposição, ha-de ser o que permita propor a demanda, formulando desde logo um pedido liquido.
Na verdade, a letra atras transcrita do n. 9 do artigo 56, por si so, não e decisiva. Ela tanto comporta o entendimento que lhe deu o acordão de 1964 como o que lhe atribuiu o acordão ora recorrido.
Algo adianta, todavia, saber-se que este texto teve em vista solução contraria a firmada pelo assento de 26 de Janeiro de 1937, segundo o qual o direito de indemnização por acidente de transito prescrevia nos prazos maximos do Codigo Civil, "contados da data do acidente".
O encurtamento drastico do prazo não obriga, de modo nenhum, a concluir que, ao substituir "data do acidente" por "conhecimento do dano", como inicio desse prazo, o legislador tivesse querido atribuir a esta ultima expressão o sentido mais restrito. Pelo contrario, ao te-lo mandado contar, não so do conhecimento do dano, mas tambem do conhecimento da pessoa do responsavel, so pode ter tido em vista fixar, para seu inicio, o momento em que o lesado ficou em condições de accionar.
Ora, o n. 2 do artigo 68 do Codigo da Estrada dispõe:
"Para efeitos de determinação do valor da causa, indicar-se-a na petição inicial, por extenso, a quantia certa pedida como indemnização".
Substituiu a disposição do Codigo de 1930 que dizia:
"A petição inicial indicara sempre por extenso a quantia certa pedida como indemnização e por ela se determinara o valor da causa".
Facil e ver que o adverbio "sempre", omitido na disposição actual, nada acrescentava, para entendimento do preceito; era inteiramente inutil. Por isso e não por outra razão, deve ter sido abandonado.
No resto, houve apenas inversão de termos, que não altera o sentido da regra antiga.
Das anteriores especialidades do processo de indemnização por acidente de transito, so essa subsistiu, depois de se terem mandado observar os tramites do processo sumario, qualquer que fosse o valor da causa.
E certo que o n. 1 do artigo 68 considera tambem desvios do processo sumario as regras dos ns. 3 e 4, mas estas não são realmente modificações do regime geral do dito processo: a primeira proibe a reconvenção; a segunda refere-se a incidentes da instancia.
Não pode aceitar-se que a especialidade do n. 2 so tivesse sido mantida para dizer que o autor tem o onus de indicar o valor da causa, na petição inicial.
Isso não seria especialidade nenhuma. A data em que a disposição foi promulgada, vigorava o artigo 480, n. 6, do Codigo de Processo Civil de 1939, que impunha ao autor, alias no seguimento de velhissima tradição, o dever de, na petição inicial, "declarar o valor da causa".
So ha especialidade quando se fala em "quantia certa pedida como indemnização" e se manda indicar essa quantia "por extenso".
Tais palavras da lei não podem ter-se por inuteis, nem podem desprezar-se a pretexto de que são inconvenientes.
Do atras citado Decreto n. 45108 nada se pode extrair que ajude a interpreta-las. Este diploma rege apenas para as indemnizações a arbitrar em processo crime, embora não so para as arbitraveis ex officio mas tambem para as requeridas, ate contra os responsaveis exclusivamente civis: alterou o n. 2 do artigo 67 do Codigo da Estrada mas deixou intacto o n. 2 do artigo 68.
A frase "quantia certa pedida como indemnização" so pode significar a implicita estatuição de que o autor esta obrigado a deduzir, logo de inicio, um pedido liquido; que lhe não e extensiva a faculdade então estabelecida, em geral, pelo artigo 275, n. 2, do Codigo de Processo de 1939, mais tarde copiado no artigo 471, n. 1, alinea b), do de 1961: formular pedido generico por não ser ainda possivel fixar, de modo definitivo, as consequencias do facto ilicito.
A exigencia de que a quantia pedida seja indicada "por extenso" não pode ter-se como ressureição, so para o fim de atribuir valor a causa, dum ritualismo abandonado, por inutil e injustificado. Ha-de ter uma razão maior, que e compreensivel quando se entenda como corolario da exigencia de formulação dum pedido liquido: este pedido tem se ser formulado por extenso.

Ora, concluindo-se, como se conclui, que o autor tem de pedir, logo de entrada, uma quantia certa, não pode deixar-se de chegar a que o conhecimento do dano, para efeitos de marcar o inicio do prazo de proposição, tem de ser conhecimento que permita formular tal pedido.
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, com custas pela recorrente, e assenta-se em que:
"O prazo do artigo 56, n. 9, do Codigo da Estrada, so se completa dois anos decorridos sobre o conhecimento pelo lesado de todas as consequencias indemnizaveis do acidente, e da pessoa do responsavel".


Lisboa, 4 de Novembro de 1966

Lopes Cardoso (Relator) - Gonçalves Pereira - Torres Paulo
- Albuquerque Rocha - Ludovico da Costa - Joaquim de Melo
- Fernando Bernardes de Miranda - Oliveira Carvalho - Francisco Soares - Adriano Vera Jardim - J. S. Carvalho Junior - Eduardo Correia Guedes - Antonio Teixeira de Andrade - Jose Cabral Ribeiro de Almeida.