Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2/19.3YFLSB
Nº Convencional: SECÇÃO DO CONTENCIOSO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: PRESCRIÇÃO
INFRACÇÃO DISCIPLINAR
INFRAÇÃO DISCIPLINAR
PRESCRIÇÃO DA INFRACÇÃO DISCIPLINAR
PRESCRIÇÃO DA INFRAÇÃO DISCIPLINAR
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
INFRACÇÃO CONTINUADA
INFRAÇÃO CONTINUADA
INFRACÇÃO PERMANENTE
INFRAÇÃO PERMANENTE
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
INÍCIO DA PRESCRIÇÃO
ATRASO PROCESSUAL
DEVER DE PROSSECUÇÃO DO INTERESSE PÚBLICO
DEVER DE ZELO
DEVERES FUNCIONAIS
ACTO PROCESSUAL
ATO PROCESSUAL
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
ERRO NOS PRESSUPOSTOS DE FACTO
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
PODER DISCIPLINAR
PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
JUIZ
RECURSO CONTENCIOSO
ACÇÃO DE ANULAÇÃO
AÇÃO DE ANULAÇÃO
VIOLAÇÃO DA LEI
DELIBERAÇÃO DO PLENÁRIO DO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
CONHECIMENTO
DISCRICIONARIEDADE TÉCNICA
Data do Acordão: 12/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE CONTENCIOSO
Decisão: JULGADA INPROCEDENTE A INPUGNAÇÃO
Área Temática:
DIREITO ADMINISTRATIVO – PARTE GERAL / DISPOSIÇÕES FUNDAMENTAIS - ACÇÃO ADMINISTRATIVA / DISPOSIÇÕES GERAIS DISPOSIÇÕES PARTICULARES / IMPUGNAÇÃO DOA ATOS ADMINISTRATIVOS / MARCHA DO PROCESSO / JULGAMENTO.
Doutrina:
- Fernanda Oliveira e José Eduardo Figueiredo Dias, Noções Fundamentais de Direito Administrativo, 4ª ed., Almedina, Coimbra, 2016, p. 141;
- Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, 3ª ed., Almedina, Coimbra, 2016, p. 314;
- Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. II, 4ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2010, p. 825-826;
- Luiz Cabral de Moncada, Código do Procedimento Administrativo Anotado, 3ª ed., Quid Iuris, Lisboa, 2019, p. 497-498;
- Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, Vol. II, 10ª ed., 5ª reimp., Almedina, Coimbra, p. 742 e 743;
- Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2017, 4ª ed., Almedina, p. 1346/1347;
- Mário Esteves de Oliveira e Pedro Costa Gonçalves/João Pacheco de Amorim, Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 2007, p. 592;
- Paulo Veiga e Moura e Cátia Arrimar, Comentários à Lei Geral do Trabalhador em Funções Públicas, 1º Vol., Coimbra Editora, Coimbra, 2014, p. 294.
Legislação Nacional:
ESTATUTO DOS MAGISTRADOS JUDICIAIS (EMJ): - ARTIGOS 87.º, 149.º, ALÍNEA A), 151.º, ALÍNEA A), 168.º, N.º 5 E 178.º.
CÓDIGO DE PROCESSO DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS (CPTA): - ARTIGOS 3.º, N.º 1, 37.º E SEGUINTES, 50.º E 95.º, N.º 3.
LEI GERAL DO TRABALHO EM FUNÇÕES PÚBLICAS (LGTFP): - ARTIGO 178.º, N.º 2.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGO 119.º, N.º 2, ALÍNEAS A) E B).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 05-07-2012, PROCESSO N.º 5/12.9YFLSB, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 19-09-2013, PROCESSO N.º 16/13.7YFSLB.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 10-04-2014, PROCESSO N.º 37/13.0YFLSB, IN SASTJ, WWW.STJ.PT;
- DE 30-04-2015, PROCESSO N.º 117/14.4YFLSB, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 09-07-2015, PROCESSO N.º 52/14.6YFLSB, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 17-11-2015, PROCESSO N.º 69/15.3YFLSB, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 27-04-2016, PROCESSO N.º 118/15.5YFLSB, IN SASTJ, WWW.STJ.PT;
- DE 22-02-2017, PROCESSO N.º 17/16.3.YLSB, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 30-03-2017, PROCESSO N.º 62/16.9YFLSB, IN SASTJ, WWW.STJ.PT;
- DE 28-02-2018, PROCESSO N.º 67/17.2YFLSB, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 28-02-2018, PROCESSO N.º 69/17.9YFLSB, IN SASTJ, WWW.STJ.PT;
- DE 22-03-2018, PROCESSO N.º 72/17.9YFLSB, IN SASTJ, WWW.STJ.PT;
- DE 25-10-2018, PROCESSO N.º 7/18.1YFLSB;
- DE 25-10-2018, PROCESSO Nº 5/18.3YFLSB, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 22-01-2019, PROCESSO N.º 65/18.0YFLSB, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 22-01-2019, PROCESSO N.º 77/18.2YFLSB, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 25-10-2018, PROCESSO N.º 5/18.3YFLSB, IN SASTJ, WWW.STJ.PT;
- DE 22-01-2019, PROCESSO N.º 65/18.9YFLSB, IN SAATJ, WWW.STJ.PT;
- DE 21-03-2019, PROCESSO N.º 30/18.6YFLSB, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 09-04-2019, PROCESSO N.º 75/18.6YFLSB, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 04-07-2019, PROCESSO N.º 69/18.1YFLSB, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 04-07-2019, PROCESSO N.º 18/18.7YFLSB, IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:

- DE 03-11-2016, PROCESSO N.º 0548/16, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I. A remissão dos arts. 168º, nº 5 e 178º do EMJ para o regime dos recursos contenciosos interpostos perante o STA deve ser entendida, de forma actualizada, como sendo feita para o regime da acção administrativa dos arts. 37º e ss do CPTA.

II. Em conformidade, tem a jurisprudência do STJ aceitado que – dentro dos limites traçados pelos arts. 3º, nº 1, 50º e 95º, nº 3, todos do CPTA, aplicáveis ex vi arts. 168º, nº 5, e 178º do EMJ – é possível suscitar a apreciação por este Tribunal de determinados pontos da fundamentação factual da decisão do CSM, desde que devidamente identificados e desde que o interessado demonstre a justificação e a necessidade da impugnação deduzida.

III. No caso sub judice, tanto pelos termos em que a questão vem colocada como pela circunstância de o demandante não concretizar o ponto ou pontos da factualidade relevante nem pretender a produção de novo meio de prova, considera-se não estar em causa qualquer questão relativa aos factos assentes, mas apenas a manifestação da discordância do demandante.

IV. Na contagem do prazo de prescrição numa infracção disciplinar permanente, sendo a LGTFP omissa, é aplicável – ex vi art. 131º do EMJ – o regime do art. 119º, nº 2, alíneas a) e b), do CP, segundo o qual o prazo de prescrição do procedimento criminal só corre, nos crimes permanentes, desde o dia em que cessar a consumação, e nos crimes continuados e nos crimes habituais, desde o dia da prática do último acto.

V. Na aplicação do prazo de 60 dias previsto no nº 2 do art. 178º da LGTFP não oferece dúvidas que tal prazo se conta a partir da data do “conhecimento da infracção” e não da data da prática da infracção. Não pode também confundir-se a data da prática da infracção, nem a data a partir da qual o comportamento do demandante começa a assumir relevo disciplinar, com a data em que o CSM tem conhecimento da infracção.

VI. De acordo com a orientação jurisprudencial consolidada do STJ, deve entender-se que o direito de instaurar o procedimento disciplinar a Juiz de Direito prescreve no prazo de 60 dias após o conhecimento da infracção pelo Conselho Permanente do CSM (arts. 149º, alínea a), e 151º, alínea a), ambos do EMJ, e artigo 178º, nº 2, da LGTFP). 

VII. Em conformidade com os pontos II a VI, no caso sub judice, considera-se que o conhecimento da infracção disciplinar pelo CSM e a decisão de instaurar o procedimento disciplinar ocorreram na mesma data, não tendo, por definição, decorrido o prazo de prescrição de 60 dias.

VIII. Ainda que se defendesse que o conhecimento da infracção pelo Vice-Presidente do CSM relevaria como conhecimento pelo Conselho Permanente (ou pelo Plenário) do CSM, sempre se teria de entender que, com a decisão do Vice-Presidente de determinar a instauração de inquérito ao ora demandante, a contagem do prazo de 60 dias ficara suspensa na data da mesma decisão. Deste modo, na hipótese ora considerada, a encontrar-se o prazo prescricional suspenso desde a data da instauração do inquérito, quando foi determinada a instauração do processo disciplinar, ainda não teria decorrido o prazo de 60 dias para o efeito.

IX. Assinale-se também que mesmo que se considerasse relevante, para efeitos de contagem do prazo prescricional, a data da prática do último acto de execução do ilícito disciplinar e não a data do conhecimento da infracção pelo CSM, sempre se concluiria que, quando foi determinada a instauração de inquérito, não tinha ainda decorrido o prazo de 60 dias.

X. Quanto ao alegado vício de falta de fundamentação entende-se: (i) que a decisão impugnada, não só efectuou um relato objectivo dos actos processuais praticados pelo demandante desde o momento em que os autos lhe foram conclusos pela primeira vez, como também os analisou criticamente, sendo perfeitamente inteligível para qualquer destinatário normal a razão pela qual se concluiu na deliberação que o “arrastamento” do processo em causa, é fruto de uma tramitação processual fragmentada, dilatória e desatenta que foi sendo adoptada pelo demandante, em resultado da qual foi impedindo a concretização do julgamento; (ii) que o mesmo vale para o elemento subjectivo da infracção, na medida em que a exposição das razões da deliberação permitem a um “destinatário razoável e normal”, de forma inequívoca, apreender a dedução da verificação daquele elemento.

XI. Conclui-se, assim, não padecer a deliberação do alegado vício de fundamentação.

XII. Quanto ao alegado erro na apreciação dos pressupostos jurídico-factuais, entende-se: (i) que os factos, concretos e objectivos, foram integralmente considerados e devidamente ponderados na fundamentação da deliberação, procedendo-se, igualmente, a uma adequada subsunção dos mesmos, sendo perceptível a razão pela qual se concluiu que a conduta do demandante - ainda que por referência a um único processo - viola os deveres profissionais de prossecução do interesse público (na vertente da necessidade de actuação no sentido de criar no público a confiança que a justiça reclama) e de zelo, (ii) tais factos, pela sua sucessão, afiguram-se conscientemente desajustados no quadro da tramitação tendente à aguardada realização do julgamento.

XIII. De acordo com a jurisprudência consolidada do STJ, o CSM tem competência para apreciar da relevância disciplinar dos actos de gestão processual praticados pelos juízes que, como no caso dos autos, excedem o âmbito da mera discricionariedade técnica.

XIV. Tais actos respeitam a questões processuais que se traduzem, além do mais e objectivamente, por um lado, na desconsideração de uma decisão que já havia sido tomada no acórdão da Relação; e, por outro lado, na determinação da suspensão dos autos com base em fundamento que, tendo já sido aflorado em momento anterior, poderia e deveria ter sido previamente considerado e decidido.

XV. Conclui-se pela improcedência da pretensão de atenuação especial da pena disciplinar aplicada uma vez que: (i) se afigura que o demandante se limita a discordar da ponderação efectuada pelo CSM sobre a escolha e determinação da medida da sanção disciplinar, não apontando qualquer erro grosseiro, nem identificando o emprego de critérios manifestamente desajustados; (ii) na deliberação impugnada, aludindo às exigências constantes do art. 96º do EMJ, levando em conta a moldura fixada no art. 87º do EMJ e acolhendo as razões constantes do relatório final, o CSM considerou as circunstâncias do caso concreto, efectuando uma ponderação não arbitrária e conforme com os princípios da proporcionalidade, de onde resulta claro o motivo pelo qual optou pela aplicação de uma pena de multa; (iii) na deliberação se justificou também a razão pela qual não se determinava a suspensão da execução da pena disciplinar, aludindo, para o efeito, aos antecedentes disciplinares do demandante.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção do Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça

I – Relatório

1. AA, Juiz …, veio impugnar a deliberação do Conselho Superior da Magistratura (CSM) de ..., tomada no âmbito do processo disciplinar, nos termos da qual foi aplicada ao demandante “a pena de 15 (quinze) dias de multa pela prática de uma infração disciplinar de execução permanente por violação dos deveres funcionais de prossecução do interesse público (neste caso especificamente na vertente de atuar no sentido de criar no público a confiança em que a justiça repousa) e de zelo - cfr. artigos 82º, 85º, nº 1, al. b), 87º e 92º do Estatuto dos Magistrados Judiciais e 73º, nºs 1, 2, alíneas a) e e), 3 e 7, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei nº 35/2014, de 20 de Junho, “ex vi” dos artigos 32º e 131º do Estatuto dos Magistrados Judiciais”.

        

Para tanto alegou, em síntese, o seguinte:
- Os factos provados não correspondem à realidade, no sentido de demonstrarem a intenção do demandante de provocar o arrastamento do processo judicial nº68/06....;
- Verificou-se a prescrição do procedimento disciplinar uma vez que, à data da instauração do inquérito, já decorrera o prazo de 60 dias, a contar do conhecimento da infracção, para a instauração do processo disciplinar ou do processo de inquérito;
- Ocorre vício de fundamentação;
- Ocorre erro na apreciação dos pressupostos jurídico-factuais: (i) Por não se verificar o tipo objectivo de ilícito; (ii) Por ser inexigível ao demandante outro comportamento;
- De qualquer forma, a sanção aplicada sempre terá de ser atenuada em função do princípio da proporcionalidade;
- Invoca que interpretação diferente violaria tanto o princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva constitucionalmente consagrados, como o direito a um processo equitativo reconhecido no nº 1 do artigo 6º da Constituição Europeia dos Direitos do Homem.

Termina pedindo que:

a) Seja declarada a prescrição do procedimento disciplinar com a consequente declaração de nulidade da deliberação impugnada;

b) Subsidiariamente seja a deliberação impugnada declarada nula ou anulada por erro manifesto na apreciação da prova e dos pressupostos jurídico-factuais.

2. O CSM deduziu resposta a sustentar o seguinte:
- A título de enquadramento, alega que neste meio contencioso não cabe ao Supremo Tribunal de Justiça reapreciar o mérito, conveniência ou oportunidade do acto administrativo e a sua substituição por outro, devendo circunscrever-se a apreciar os elementos vinculados, como sejam a competência, a forma, as formalidades de procedimento, o dever de fundamentação, o fim do acto, a utilização de critério racional e razoável, assim como os princípios constitucionais que norteiam o exercício da actividade administrativa, designadamente os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade;
- Não se verifica a alegada prescrição do procedimento disciplinar uma vez que, de acordo com os factos apurados, o momento em que a conduta do demandante ganhou relevância disciplinar corresponde à data de 20/09/2017, data que (já) não estava compreendida no período considerado na inspecção extraordinária;
- Mas, ainda que assim não se entenda, o momento relevante a ter em conta para efeitos de contagem do prazo de prescrição é a data da cessação da conduta omissiva, ou seja, a data da decisão (17/04/2018);
- Não se verifica o invocado vício de fundamentação;
- A respeito do alegado erro sobre os pressupostos de facto, alega que o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) não é uma verdadeira segunda instância para reapreciação da matéria de facto, cingindo-se a sua intervenção à apreciação da matéria de direito;
- Não tem o demandante razão ao invocar erro na apreciação dos pressupostos jurídico-factuais por não verificação do tipo objectivo de ilícito, na medida em que, na deliberação recorrida, se procedeu a uma rigorosa subsunção dos factos provados ao direito e se concluiu que os mesmos preenchem os tipos legais de infracção disciplinar punível com pena de multa, consubstanciada na violação dos deveres profissionais de prossecução do interesse público e de zelo, prevista e punível nos termos conjugados dos artigos 82º, 85º, nº 1, alínea b), 87º e 92º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ) e do artigo 73º, nº 1, nº 2, alíneas a) e e), nº 3 e nº 7 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP), aprovada pela Lei nº 35/2014, de 20 de Junho, aplicável ex vi artigos 32º e 131º do EMJ;
- Tampouco se verifica erro na apreciação dos pressupostos jurídico-factuais por inexigibilidade de comportamento diferente, uma vez que, de acordo com os factos dados como provados, não resulta demonstrada uma insuperável impossibilidade objectiva de adopção de comportamento distinto daquele que foi adoptado, antes resulta demonstrado que tal comportamento se deveu a uma falta de cuidado no estudo, preparação e tramitação do processo, considerando todo o circunstancialismo profissional;
- Tendo em conta a escala de penas e das situações que justificam a aplicação da pena de multa, atenta a gravidade dos factos apurados, o grau de culpa do demandante, os aspectos relativos ao modo como ocorreu a tramitação do processo, bem como a inexistência de factores atenuantes especiais, a pena de 15 dias de multa aplicada é justificada e adequada, não violando o princípio da proporcionalidade;
- Por fim, não se vislumbram, nem o demandante o indica, que tanto a deliberação como a interpretação das normas aplicadas desrespeitem normas constitucionais.

Termina pedindo que se julgue improcedente a impugnação da deliberação.

3. Posteriormente, o demandante apresentou alegações em que, perante o teor da resposta do demandado, suscita questão prévia relativa à natureza do presente meio contencioso e, quanto ao mais, reitera no essencial os fundamentos e a argumentação inicialmente invocados. Formula as seguintes conclusões:

“1) A tramitação do recurso dos autos tem de ser a da ação administrativa (de impugnação de atos) regulada no CPTA com as especificidades constantes dos artigos 168º a 178º do EMJ;

2) Outra interpretação traduzir-se-ia, por um lado, num "privilégio" (inconstitucional) do Conselho Superior da Magistratura relativamente a outros altos órgãos da Administração Pública e até dos órgãos de soberania do Estado, designadamente Presidente da República, Assembleia da República e seu Presidente, Conselho de Ministros, Primeiro-Ministro, Tribunal Constitucional e seu Presidente, Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, Tribunal de Contas e seu Presidente, além de outros [cfr. artigo 24º, nº 1, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais];

3) Por outro lado, os magistrados judiciais e outros eventuais interessados deixariam de ter tutela jurisdicional efetiva quanto aos atos do CSM;

4) Ou seja, tal interpretação, além do mais, violaria, por um lado, o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva constitucionalmente consagrados e, por outro lado, o direito a um processo equitativo, consagrado no nº1 do artigo 69 da Constituição Europeia dos Direitos do Homem;

5) Neste sentido, assim tem sido a mais recente jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, de que é exemplo o douto Acórdão do TEDH de 21 de junho de 2016, [Requêtes n.º 9023/13 e 78077/13 (CEDH, art.º-6.º§1, violação), disponível em (…)]

6) A deliberação impugnada do Conselho Plenário do Conselho Superior da Magistratura (CSM), de 0..., que decidiu aplicar ao Recorrente a pena disciplinar de 15 (quinze) dias de multa pela prática de uma infração disciplinar de execução permanente por violação dos deveres funcionais de prossecução do interesse público (neste caso especificamente na vertente de atuar no sentido de criar no público a confiança em que a justiça repousa) e de zelo - cfr. artigos 82º-, 85º, n°-1, al b), 87º e 92º do Estatuto dos Magistrados Judiciais e 73º, nºs lei, alíneas a) ee), 3 e 7, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas aprovada pela Lei na 35/2014, de 20 de junho, "ex vi" dos artigos 32º e 131º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, enferma de invalidades várias, razão pela qual deverá ser declarada nula ou anulada nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 161º, nas 1 e 2, alínea d) e 163º, nº 1, ambos do CPA;

7) Primeiro, por verificação da prescrição do procedimento disciplinar.

8) De facto, atento o disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 178º da Lei nº 35/2014, de 20 de junho, (LTFP) aplicável ex vi artigo 131º do EMJ o CSM dispunha do prazo de 60 dias para instaurar o procedimento disciplinar.

9) Ora, nos autos, é inequívoco que (i) tendo o R. conhecimento da infração em ..., quando o processo de inquérito é instaurado em ..., há muito havia decorrido o prazo de 60 dias para instaurar o procedimento disciplinar sendo certo que, (ii) o momento relevante para efeitos da contagem do início deste prazo prescricional é a data do conhecimento da prática da infração, ou seja, ..., e não a data de …, data alegada pelo R. como a data em que supostamente o A. cessou a conduta omissiva; consequentemente (iii) para efeitos da verificação do prazo prescricional do direito de instaurar procedimento criminal no prazo de 60 dias, é irrelevante a natureza da infração

10) Destarte, contrariamente ao alegado pelo R., à data da instauração do processo de inquérito (proc. na .../IN) já havia decorrido o prazo de 60 dias, a contar do conhecimento da infração, pelo que, considerando que a prescrição do procedimento disciplinar extingue o ius puniendi, a deliberação impugnada é nula nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 162° do   Código de Procedimento Administrativo.

11) Segundo, por manifesta falta de fundamentação da deliberação impugnada sub judice, na medida em que não resulta dos factos dados como provados que o A. tenha tido intenção de provocar qualquer arrastamento do processo judicial nº 68/06...., e muito menos que esse "arrastamento" é fruto de uma tramitação processual fragmentada e dilatória que tem vindo a ser adotada pelo Exmo. Sr. Juiz arguido e que tem impedido a concretização do julgamento com as inerentes consequências ao nível da prescrição do procedimento criminal (cf. fls. 17da douta deliberação impugnada).

12) Tão-pouco da factualidade dada como provada resulta de todo provado que [o] Sr. Juiz arguido sabia que, ao não atuar com o cuidado e a diligência que o caso exigia, nomeadamente, não atendendo, aquando da prolação do despacho referido no ponto 19, ao acórdão de 23.11.16 do Tribunal da Relação ... referido no ponto 11 e protelando, desde pelo menos 20.09.17, a decisão que veio a proferir a 17.04,18, impedia a concretização do julgamento com as inerentes consequências ao nível da prescrição do procedimento criminal, abalando, com isso, a confiança dos cidadãos quanto a oportunidade na administração da justiça pelos tribunais, causando-lhes desprestígio, resultado com o qual se conformou (cf. fls. 26 da deliberação impugnada).

13) Ora, nos termos do disposto no artigo 153º, nº 2, do CPA [e]quivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato.

14) Assim, no caso é, desde logo, de fácil perceção, ainda que se faça uma leitura perfuntória da deliberação impugnada, que a mesma não cumpre os requisitos de fundamentação legalmente exigidos, visto que, para além de não ter sido tidas em consideração todas as circunstâncias e factos trazidos à colação pelo A., que nortearam o exercício das suas funções no processo judicial em apreço, não se encontra fundamentada em factos concretos e objetivos o alegado retardamento na realização da audiência de julgamento por parte do A.

15) Nestes termos, e também por esta via, a deliberação impugnada é ilegal por violação do disposto no artigo 153º, nº 2, do CPA, pelo que deve ser anulada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 163º, nº 1, do CPA.

16) Terceiro, por erro manifesto na apreciação dos pressupostos jurídico-factuais: seja porque não se verifica o tipo objetivo de ilícito, designadamente por ausência de comportamento culposo ou comportamento ilícito, seja porque nas circunstâncias concretas em causa não era exigível ao A. outro comportamento;

17) Na verdade, atendendo às regras da experiência comum, face à (i) ocorrência de vicissitudes várias e (ii) às garantias processuais dos diversos intervenientes processuais que tinham que ser asseguradas no processo, e (iii) à grande complexidade da matéria inerente ao processo, o referido retardamento na realização da audiência de julgamento foi inevitável, não podendo, pois, o A. no exercício das suas funções, proceder de outra maneira, são in casu verdadeiras circunstâncias dirimentes da culpa do A., razão pela qual, a douta deliberação incorre em erro manifesto nos pressupostos de facto, por outro comportamento não poder ser exigido ao A., sendo, por isso, anulável, nos termos e para os efeitos do artigo 163º do CPA;

18) Atentas as circunstâncias descritas e dadas como provadas na deliberação impugnada, quanto muito, a existir responsabilidade disciplinar do A., nos termos do disposto no artigo 97º do EMJ, a mesma deveria ter sido especialmente atenuada, não se aplicando qualquer pena ou, então, devendo-se aplicar uma outra sanção claramente menor, atenta a factualidade provada e as necessidade e exigências de prevenção;

19) Sem prescindir, sempre se dirá que, ainda que fosse legal a aplicação de sanção disciplinar ao A., a mesma se revela de todo desproporcional, devendo a mesma ser especialmente atenuada;

20) Como decorre do princípio da proporcionalidade, previsto no nº 2 do artigo 266° da CRP e nº 2 do artigo 7º do CPA, o R., no exercício dos seus poderes discricionários, devia adotar, de entre as medidas necessárias e adequadas para atingir os fins legais e prosseguir os interesses públicos, aquelas que impliquem menos sacrifícios ou perturbações para a posição jurídica do A. Na verdade, quando as atenuantes se apresentam de tal forma relevantes (tal como ocorre in casu), deverá o órgão competente para decidir subtrair-se da punição, optando, ao invés, por não aplicar qualquer tipo ou medida de pena, ou por aplicar uma pena menos grave, o que, aliás, deveria ter ocorrido no caso sub judice;

21) Nesse sentido, entre outros, refere o douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 22.11.2012, proferido no processo n.º 00691/10.4BECBR: em sede das penas disciplinares o princípio da proporcionalidade postula a adequação da pena imposta à gravidade dos factos apurados, de molde a que a medida punitiva a aplicar seja aquela que, sendo idónea aos fins a atingir, se apresente como a menos gravosa -para o arguido, em decorrência ou emanação também do princípio da intervenção mínima ligado ao princípio do "favor libertatis ";

22) Assim, face às circunstancias que rodearam a prática da alegada violação dos deveres funcionais de zelo e de atuação no sentido de criar no público confiança na administração da Justiça, e ponderadas as circunstâncias atenuantes que se verificam, a ser aplicada sanção disciplinar ao A. deveria ter sido aplicada uma sanção mais adequada e proporcional face à factualidade provada e às exigências de prevenção do que aquela que, efetivamente, foi aplicada, como seja a pena de Advertência, pelo que a deliberação impugnada deve ser declarada nula, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 161º, nºs 1 e 2, alínea d), do CPA.”

4. Por sua vez também o CSM apresentou alegações em que retoma, no essencial, os fundamentos e argumentos anteriormente invocados.

5. Por fim, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu o parecer de fls. 144 no qual se pronuncia pela improcedência da presente acção de impugnação.

         Cumpre apreciar e decidir.

II – Factos provados relevantes para a decisão

(mantêm-se a identificação e a redacção extraídas da deliberação impugnada)

1. Por deliberação do CSM de ..., AA foi nomeado Juiz … em regime de estágio e colocado no Tribunal Judicial da Comarca ..., após o que foi nomeado Juiz … e sucessivamente colocado:

- Na ..., onde tomou posse a ...;

- No Tribunal Judicial da ...;

- No Tribunal Judicial da Comarca ...(….);

- No Tribunal Judicial da Comarca ...(…);

- No Tribunal Judicial da Comarca ...- Instância Local ...- Secção de Competência Genérica (agora Juízo Local de ...) - ….

2. Do seu certificado do registo individual constam as seguintes classificações:

- "Bom" - ... (…° Juízo Criminal ..., …° Juízo Cível ..., Juízos Criminais e Círculo Judicial de ...) e Tribunal Judicial da ...;

- "Suficiente" - Tribunal Judicial da Comarca ...e Tribunal Judicial da ...;

- "Suficiente" - Tribunal Judicial da Comarca ...e Tribunal Judicial da Comarca ...- Instância Local ...- Secção de Competência Genérica.

3. Por deliberação de ... do Conselho Permanente do CSM proferida no processo disciplinar nº ... o ora recorrente foi condenado por factos relacionados com atrasos processuais na pena de advertência pela infração dos deveres de zelo e de criação de confiança na administração da justiça.

4. Por deliberação de ... do Conselho Plenário do CSM, proferida no processo disciplinar nº ..., o recorrente foi condenado na pena de advertência pela infração dos deveres de prossecução do interesse público (na vertente de atuar no sentido de criar no público confiança na administração da justiça) e de lealdade.

5. Corre termos, sob o nº 68/06...., pelo Juízo Local de ..., um processo comum singular.

6. O processo referido em 5 foi instaurado em 2006 e, em 22 de maio de 2015, foi deduzida acusação contra 26 arguidos (20 pessoas singulares e 6 pessoas coletivas), com a imputação da prática de crimes de associação criminosa (p. e p. pelo artigo 89. °, nºs 1 e 2 da Lei nº 15/2001, de 05 de junho), fraude fiscal (p. e p. pelos artigos 103. °, nº 1, a), b) e c) e 104. °, nºs 1, d) e 2 da Lei nº 15/2001, de 5 de junho) e de falsificação (p. e p. pelo artigo 256. °, nº 1, a) do Código Penal), relativamente a factos praticados entre 2004 e 2008.

7. Aberta instrução, por despacho de 26.01.2016, foram 12 arguidos (4 deles pessoas coletivas) pronunciados pela prática, em co-autoria, de um crime de fraude fiscal qualificada (p. e p. pelos artigos 103.°, nº 1, a), b) e c) e 104.°, nºs. 1 d) e 2 do RGIT - Lei nº 15/2001, de 05 de junho) e um outro pela prática, também em co-autoria, de um crime de fraude fiscal (p. e p. pelo artigo 103. °, nº 1, b) do RGIT).

8. Remetido, em 23.02.16, o processo ao Juízo Local de ..., o mesmo foi concluso, em 25.02.16, ao recorrente que, nessa mesma data, proferiu despacho com o seguinte teor:

“Notifique o Ministério Público e os arguidos para, em 20 dias, atendendo ao tamanho da acusação, aos 50 volumes que compõe o processo e os cerca de 50 volumes de apensos, se pronunciarem sobre a competência territorial e do tribunal singular, atendendo a que os montantes envolvidos são passíveis de integrar uma alteração da qualificação jurídica no nº 3 do artigo 104° do RGIT.

Mais notifique os arguidos para, no mesmo prazo informarem se houve ou não impugnação das liquidações tributárias e, em caso afirmativo, que fase se encontram, identificando os processos em causa.

9. Em 31.03.16, o processo foi concluso ao recorrente que, nessa mesma data, proferiu despacho, no qual, depois de fazer referência aos documentos juntos pelos arguidos respeitantes a liquidações adicionais, alterou a qualificação jurídica dos factos imputados aos arguidos para fraude fiscal qualificada (p. e p. pelos artigo 103.°, nº 1, a), b), c) e 104.°, nºs 1, d) e 3 do RGIT, aprovado pela Lei nº 15/2001) e, entendendo que para o julgamento era competente o tribunal coletivo, se declarou incompetente, determinando a remessa do processo para a Instância Central ....

10. Interposto recurso deste despacho por 4 dos arguidos, o processo foi concluso, em 11.05.16, ao recorrente que, nessa mesma data, proferiu despacho a admitir o recurso, conferindo-lhe subida imediata e com efeito suspensivo.

11. Remetido o processo, em 04.07.2016, o Tribunal da Relação ..., por acórdão de 23.11.2016, com o pressuposto de que verdadeiramente a questão decidida no despacho recorrido era a da incompetência do tribunal, não sendo, por isso, esse despacho suscetível de recurso (sendo que não se estava - ainda - perante qualquer conflito de competência), decidiu não conheceu do recurso interposto.

12. Remetido o processo ao Juízo Local de ..., o mesmo foi concluso, em 09.02.17, ao recorrente que, nessa mesma data, proferiu despacho a ordenar a remessa dos autos à Instância Central ....

13. Remetido o processo à Instância Central ..., foi o mesmo distribuído ao J2.

14. Em 16.02.17, o processo foi concluso ao Exmo. Sr. Juiz Dr. BB, em exercício de funções no … da Instância Central ..., que, por despacho de 17.02.17, determinou que os autos fossem com vista ao Ministério Público.

15. Na vista datada de 22.02.2018 [rectius: 22.02.2017] o Ministério Público promoveu, em 27.02.18 [rectius: 27.02.2018], que o Tribunal Coletivo se declarasse incompetente, em razão da matéria, para julgar os factos descritos e imputados aos arguidos no despacho de pronúncia, suscitando o respetivo conflito negativo de competência junto do Presidente da Secção Criminal do Tribunal da Relação ....

16. Em 01.03.17, o processo foi concluso ao Exmo. Sr. Juiz Dr. BB que, por despacho de 06.03.17, julgou o Juízo Central ...incompetente, em razão da matéria, para julgar os factos descritos e imputados aos arguidos no despacho de pronúncia, uma vez que a pena abstratamente aplicável não era superior a 5 anos, mais assumindo que o despacho de 31.03.16 do Exmo. Sr. Juiz arguido enfermava de dois vícios: um substancial (violação do estatuído no artigo 4.°, nº 2, do Código Penal) e outro formal (por lhe estar vedado nessa fase processual alterar a qualificação jurídica dos factos - Acórdão de fixação de jurisprudência do STJ nº 11/13, de 16.06).

17. Suscitado o conflito negativo de competência e remetido o processo ao Tribunal da Relação ..., o Exmo. Sr. Juiz Desembargador da respetiva Secção Criminal, por decisão de 21.06.17, julgou competente para o julgamento o Juízo Local de ....

18. Remetido o processo ao Juízo Central ..., o mesmo foi concluso, em 06.07.17, ao Exmo. Sr. Juiz Dr. BB que, nessa data, proferiu despacho a ordenar a remessa dos autos ao Juízo Local de ....

19. Recebido, em 17.07.17, o processo no Juízo Local de ..., o mesmo foi concluso, em 20.09.17, ao recorrente que, nessa data, proferiu despacho, com o seguinte teor:

“Nos presentes autos os arguidos vieram suscitar a questão da incompetência territorial desta comarca atendendo ao facto de os arguidos, na sua maioria residirem fora do concelho de ..., e os factos terem sido praticados, na sua maioria, fora deste concelho sendo que o inquérito foi tramitado também fora do DIAP de ..., conforme requerimento que se dá por reproduzido.

A fls. 18551 foi proferido despacho no qual se entendia que a competência para o julgamento dos presentes autos era do tribunal e composição coletiva, o que não mereceu acolhimento junto do Tribunal da Relação ... onde o conflito negativo foi suscitado.

A fls. 18577, os arguido ai identificados vieram recorrer do despacho que altera a qualificação jurídica, bem como a fixação da competência territorial.

Recurso esse que foi admitido fls. 18627.

Assim determino que seja esse recurso remetido para o Tribunal da Relação ... para ser apreciado, uma vez que a questão apreciada no conflito negativo, foi apenas e só entre o tribunal e composição singular e o coletivo.”

20. Remetido o processo ao Tribunal da Relação ..., inicialmente por decisão singular e depois, após reclamação para a conferência, por acórdão de 10.01.2018, aquela Relação decidiu não haver qualquer recurso a apreciar por já ter sido anteriormente decidido "não conhecer do recurso" interposto.

21. Recebido o processo, em 12.03.18, no Juízo Local de ..., o mesmo foi concluso, em 13.03.18, ao recorrente que, nessa data, proferiu despacho, com o seguinte teor:

“Atendendo ao teor da decisão do Tribunal da Relação e ao requerimento que antecede, abra vista ao Ministério Público para se pronunciar.”

22. O requerimento a que faz referência o recorrente no despacho de 13.03.18 respeita a um requerimento, dirigido em 26.01.18 ao Juízo Local de ..., no qual o mandatário de quatro dos arguidos, requeria que esse juízo declarasse a sua incompetência territorial para o julgamento do processo em causa.

23. Na vista datada de 15.03.2018 o Ministério Público promoveu, nessa data, que, atendendo ao decidido pelo Tribunal da Relação ... nos diversos Acórdãos proferidos, no qual a questão da competência para julgar os fatos em causa nos autos tinha sido apreciada, fosse indeferido o requerido, promovendo, ainda, que se designassem datas para a realização da audiência de discussão e julgamento.

24. No dia 21.03.2018, o processo nº 68/06...., foi concluso ao recorrente que, nessa data, proferiu despacho, com o seguinte teor:

“Como bem aponta o Exmo. Procurador Adjunto, nesta instância local, a questão da competência territorial foi decidida no momento em que foi proferida a decisão instrutória, na qual foram remetidos os autos a esta instância local.

No despacho de fls. 18551 e seguintes datado de 31-03-2016 a questão foi decidida também, discutindo-se os argumentos dos sujeitos processuais.

Pelo que tal questão já, há muito foi decidida, não havendo lugar a novo despacho sobre a questão, tendo-se já esgotado o poder de decisão.

Quanto à marcação e julgamento, dê conhecimento à Exma. Presidente da Comarca a chegada dos presentes autos, e de modo a que seja agilizado o julgamento, atendendo ao número de intervenientes e ao volume processual esta instâncias local.”

25. Na sequência do determinado na parte final do despacho referido em 24, a Exma. Sr. Juíza Presidente comunicou, em 23.03.18, ao recorrente, além, do mais, o seguinte:

“- (…) está a ser ponderada com o Conselho Superior da Magistratura a colocação de um juiz para apoio ao respetivo juiz titular;

- (…) sem prejuízo do entendimento do Sr. juiz titular, sugere-se que seja agendada pelo mesmo a 1ª sessão de julgamento no âmbito do referido processo, apenas para interrogatório dos arguidos, para data incluída na 1ª semana que se segue ao términus do prazo legal para apresentação das contestações, relegando-se para momento posterior a calendarização das demais sessões necessárias para a produção da restante prova;

- Mais se sugere que seja agendada com os mandatários das partes uma reunião, com vista à referida calendarização, para a 2ª semana do mês de abril de 2018, em data a fixar.”

26. A 04.04.2018, a Sra. Juíza Presidente da Comarca ..., porque até essa data não tinha recebido qualquer outra informação do recorrente e constatando que o processo se encontrava sem ser movimentado, determinou que se desse conhecimento do teor da sua comunicação de 23.03.18 ao processo nº 68/06.....

27. No dia 05.04.2018, o processo nº 68/06.... foi concluso ao recorrente que, nessa data, proferiu despacho, com o seguinte teor:

“Atendendo ao ofício que antecede, passamos a designar, por já ter passado a 1ª Semana de Abril, o dia …, pelas 14:30 horas, e não antes por impossibilidade de agenda, para a realização do agendamento da audiência.


**

Notifique os defensores e comunique à Exma. Presidente da Comarca.”

28. No dia 17.04.2018 teve lugar a diligência agendada onde estiveram presentes todos os intervenientes convocados, com exceção dos defensores de 3 dos arguidos.

29. Da ata da diligência do dia 17.04.18 consta, além do mais, o seguinte:

“Compulsados os autos, constata-se que os factos objecto da acusação deram origem a liquidações adicionais de impostos, as quais por sua vez, foram sujeitas a impugnações tributárias, cujos processos se encontram identificados a fls. 18508 e seguintes.-

Os crimes imputados aos arguidos pressupõem a existência de uma matéria colectável definida, tanto mais que, há condição objetiva de punibilidade tendo em conta o valor - artigo 103° do RGIT.-

Atendendo a que é do conhecimento deste Tribunal que os referidos processos se encontram pendentes, pelo menos os identificados a fls. 18508, conforme certidões de fls. 18511 a 18520, ter-se-á que aplicar o disposto no artigo 47° do RGIT (Lei 15/2001) e determinar a suspensão dos presentes autos.-

Mais se determina que seja comunicado aos processos em causa a suspensão dos presentes autos, para os efeitos do artigo 47°, nºs 1 e 2 do RGIT. -

Vindo as restantes informações sobre os outros arguidos, determino a comunicação para os mesmos efeitos, para os mesmos processos. -

Tal despacho só foi proferido agora, decorrente da existência de várias questões processuais nos autos e, não obstante termos suscitado a questão no despacho de fls. 18476, certo é que no despacho de fls. 18551 e seguintes, a questão primeira a resolver foi o da competência/incompetência do Tribunal e não foram apreciados os restantes pressupostos processuais por se encontrar prejudicado o conhecimento dos mesmos.-

Assim, dou sem efeito a presente diligência.:

D.N .. -

Após, abra “Conclusão", para proferir despacho relativamente ao recurso interposto.-“

30. Em 14.05.2018, o Ministério Público interpôs recurso da decisão referida em 29.

31. Por despacho de 16.05.18, o recorrente admitiu o recurso referido em 30, conferindo-lhe subida imediata e com efeito suspensivo.

32. O processo nº 68/06.... conta atualmente com mais de ...folhas, organizadas em … volumes, e múltiplos apensos, como o atinente ao conflito negativo de competência, contidos em …caixas.

33. O recorrente sabia que, atendendo à data da prática dos factos (entre 2004 e 2008) imputados aos arguidos no despacho de pronúncia e à moldura penal prevista para esses factos, se impunha precaver os prazos de prescrição do procedimento criminal, o que obrigava a uma acrescida atenção, diligência e celeridade na tramitação do processo.

34. O recorrente sabia que, ao não atuar com a atenção, cuidado e a diligência que o caso exigia, nomeadamente, não atendendo, aquando da prolação do despacho referido no ponto 19, ao acórdão de 23.11.16 do Tribunal da Relação ... referido no ponto 11 e protelando, desde pelo menos 20.09.17, a decisão que veio a proferir a 17.04.18, impedia a concretização do julgamento com as inerentes consequências ao nível da prescrição do procedimento criminal, abalando, com isso, a confiança dos cidadãos quanto à oportunidade na administração da justiça pelos tribunais, causando-lhes desprestígio, resultado com o qual se conformou.

35. O Juízo Local de ..., Comarca ..., tem um único Juiz ….

36. Nesse juízo encontra-se colocado um Magistrado do Ministério Público.

37. O Juízo Local de Competência Genérica ...tem competência cível (para a "preparação e julgamento das ações declarativas cíveis de processo comum" de valor até € 50 000 e para "Preparar e julgar os procedimentos cautelares a que correspondam ações da sua competência") e criminal, nas fases de inquérito (competindo-lhe exercer as funções jurisdicionais relativas aos inquéritos) e julgamento (competindo-lhe, nesta última fase, proferir despacho nos termos dos artigos 311º a 313º do Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei nº 78/87, de 17 de fevereiro, proceder ao julgamento e aos termos subsequentes nos processos de natureza criminal da competência do tribunal singular, bem como julgar os recursos das decisões das autoridades administrativas em processos de contraordenação).

38. A evolução estatística dos processos do Juízo Local de ..., entre 02.02.2016 e 27.07.2018, decorreu nos seguintes termos:


Estatística Oficial Justiça Cível 02-02-2016 a 31-08-2017

Espécie
Pendentes antes de 02-02-2016
Entrados entre 02-02-2016 e 31-08-2017
Findos entre 02-02-2016 e 31-08-2017
Pendentes depois de 31-08-2017
Ações Ordinárias
5
O
4
1
Ações Sumárias
10
O
7
3
Ações Sumaríssimas
18
66
68
15
Ações Especiais
25
41
46
18
Ações Comuns (após 1 Set 2013)
86
108
106
87
Execuções Sumárias e outras (até 15 set 2003
1
1
2
O
Execuções Comuns (Após 15 Set 2003)
7
11
10
8
Execuções Ordinárias (após 1 Set 2013)
O
1
O
1
Execuções Sumárias (após 1 Set 2013)
2
5
4
3
Execuções Especiais (após 1 Set 2013)
3
30
18
15
Inventários
19
8
18
9
Inventários (Lei 23/2013)
O
11
11
O
Providências Cautelares
2
8
8
2
Embargos de Executado (2013)
O
1
1
O
Liquidações
3
3
3
3
Reclamações de Créditos
3
1
3
1
Oposições à Execução Comum (Artº 813º CPC)
0
2
2
0
Outros Processos (mapa oficial)
6
43
44
5
Total
190
340
355
171
Fonte: H@bilus

Estatística Oficial Justiça Penal 02-02-2016 a 31-08-2017


Espécie
Pendentes antes de 02-02-2016
Entrados entre 02-02-2016 e 31-08-2017
Findos entre 02-02-2016 e 31-08-2017
Pendentes depois de 31-08-2017
Processos Comuns (Singular)
35
106
99
42
Processos Sumários
3
47
46
3
Processos Sumaríssimos
4
21
19
6
Recursos de Contra ordenação
2
25
23
4
Outros/Processos/Procedimentos

(mapa oficial)

3
10
12
1
Total
47
209
199
56

Fonte: H@bilus

39. No período de janeiro de 2016 a julho de 2018, o recorrente teve intervenção, em substituição do Juiz titular, nos seguintes processos do Juízo Local de ...:

- Processo sumário nº 184/17....(uma sessão de julgamento, incluindo leitura de sentença);

- Processo comum singular nº 208/16....(cinco sessões de julgamento, incluindo leitura de sentença);

- Processo sumário nº 98/18.5 … (duas sessões de julgamento, incluindo leitura de sentença);

- Processo comum singular nº 28/14.0 … (cinco sessões de julgamento, incluindo leitura de sentença).

40. E despachou os processos nºs 151/14...., 166/16....e 138/16...., uma vez que, à data, a Sra. Juíza titular ainda não tinha tomado posse.

41. No período posterior a janeiro de 2016, o recorrente teve intervenção, em substituição do Juiz titular, nos seguintes processos do Juízo Local de Competência ...:

- Processo comum singular nº 229/15....(quatro sessões de julgamento, incluindo leitura de sentença, e despacho);

- Processo comum singular nº 308/14....(duas sessões de julgamento, incluindo leitura de sentença, e despacho);

- Processo comum singular nº 10/16....(quatro sessões de julgamento, incluindo leitura de sentença, e despacho);

- Inventário nº 386/06....(despacho);

- Ação de processo sumário nº 409/...(despacho);

- Ação de processo comum nº 155/15....(despacho).

42. Desde setembro de 2016, o recorrente intervém, como adjunto, nos julgamentos do Tribunal Coletivo que se realizam no Juízo Local de ....

43. O Exmo. Sr. Juiz … Dr. CC, que, enquanto Inspetor Judicial do CSM, realizou a inspeção extraordinária ao serviço prestado pelo recorrente no período de 17.03.2015 a 28.04.17, examinou o processo (suporte eletrónico) nº 68/06...., fazendo constar do respetivo relatório que o ora recorrente “(…) no processo 68/06...., atuou de forma tecnicamente desacertada, quando, no despacho de recebimento da acusação se declarou incompetente sem ter atentado na questão relativa à sucessão de leis no tempo, provocando com isso conflito negativo de competência que acabou por determinar o atraso no julgamento superior a 1 ano”.

44. O recorrente deu conhecimento à Exma. Sra. Juíza Presidente da Comarca ...da remessa do processo nº 68/06.... ao Juízo Local de Competência Genérica ...e informou-a quanto à questão relacionada com o espaço para a realização do julgamento desse processo.

45. O recorrente informou ainda a Exma. Sra. Juíza Presidente da Comarca ...de que tinha necessidade de saber se teria exclusividade para a realização do julgamento do referido processo ou se seria um auxiliar ao Juízo a realizá-lo.

46. A Exma. Sr. Juíza Presidente da Comarca ...assegurou a existência de uma sala de audiências para a realização do julgamento do processo nº 68/06.....

47. Aquando da remessa do processo nº 68/06.... ao Juízo Local de Competência Genérica ...existia apenas uma sala de audiências no Palácio da Justiça de ....

48. Desde … de … de 20… existe no Palácio da Justiça ...uma outra sala de audiências localizada no piso … e com uma área aproximada de ….

49. O recorrente abordou também com o Sr. Procurador …Local de Competência Genérica ...as questões referidas em 44 e 45.

50. O Sr. Procurador Adjunto do Juízo Local de Competência Genérica ...reportou ao Sr. Procurador Coordenador da Comarca ...os constrangimentos que resultariam para si da realização do julgamento do referido processo, solicitando que fosse colocado um outro colega auxiliar.

51. O arguido DD interpôs recurso da decisão de 21.03.18 referida no ponto 24, 1ª parte.

52. No dia 18.04.2018, o processo nº 68/06.... foi concluso ao recorrente que, nessa data, proferiu despacho de não admissão do recurso referido no ponto 51.

53.O arguido DD reclamou da decisão referida no ponto 52.

54.Remetido o apenso de reclamação ao Tribunal da Relação ..., por decisão sumária de 06.09.18 foi indeferida a reclamação referida no ponto 53.

55. Por despacho de …, do Ex.mo Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, foi conferida prioridade ao processamento do processo comum singular nº 68/06.... e determinado o respetivo acompanhamento por parte de CSM, através do Ex.mo Inspetor Judicial da Zona.

56. Em 27/04/2018 foi elaborado, pelo Ex.mo Senhor Inspetor Judicial CC, relatório intercalar (nº 1) no âmbito do acompanhamento do processo comum singular nº 68/06...., dirigido ao Ex.mo Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura. Nesse relatório, após proceder à descrição sumária do respetivo processado, no período compreendido entre … e …, consignou que “sem prejuízo de se poder entender que a postura processual do Sr. Juiz é suscetível de ponderação noutra sede, designadamente disciplinar ou classificativa (sugerindo-se, para este efeito, que o presente relatório intercalar seja levado ao conhecimento do Sr. Inspetor Judicial nomeado para realizar a próxima inspeção ao serviço do Sr. Juiz), proceder-se-á ao acompanhamento nos termos indicados ou outros que V. Exa se digne entretanto ordenar”.

57. Na sequência do Relatório de …, em ... o Ex.mo Senhor Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura proferiu despacho onde, além do mais, manifestou a sua concordância à proposta de se dar conhecimento do relatório para futura inspeção.

58. Por decisão de ..., o Ex.mo Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura determinou a instauração de inquérito ao recorrente, para apuramento de eventual responsabilidade disciplinar do mesmo no retardamento da realização do julgamento no processo comum singular nº 68/06.... do Juízo Local de ....

59. Em ...foi dado início à instrução do inquérito (processo nº .../IN), com o objeto definido pelo CSM (apuramento de eventual responsabilidade no retardamento da realização do julgamento do processo comum singular nº 68/06....).

60. Concluída a instrução do inquérito, foi elaborado relatório final datado de 26/06/2018, com a seguinte conclusão “face ao anteriormente exposto, entendendo que existem indícios suficientes de que o Senhor Juiz de Direito Dr. AA cometeu uma infração disciplinar por violação dos deveres funcionais de prossecução do interesse público e de zelo, proponho a instauração de processo disciplinar e, caso tal aconteça, que o presente inquérito constitua a parte instrutória do processo disciplinar”.

61. Por decisão de …, o Ex.mo Senhor Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura determinou a instauração de processo disciplinar ao recorrente e que o inquérito constitua a parte instrutória desse processo, decisão essa que foi ratificada por deliberação de …, do Conselho Plenário do Conselho Superior da Magistratura.

62. Em … foi deduzida acusação no âmbito do processo disciplinar, nos termos do disposto no artº 117º, nº 1, do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ).

63. Por deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, de 0..., decidiu-se “(…) aplicar ao Exmo. Sr. Juiz de Direito, Dr. AA, a pena de 15 (quinze) dias de multa pela prática de uma infração disciplinar de execução permanente por violação dos deveres funcionais de prossecução do interesse público (neste caso especificamente na vertente de atuar no sentido de criar no público a confiança em que a justiça repousa) e de zelo - cfr. artigos 82°, 85°, nº 1, al. b), 87° e 92º do Estatuto dos Magistrados Judiciais e 73°, nºs 1, 2, alíneas a) e e), 3 e 7, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei nº 35/2014, de 20 de Junho, "ex vi" dos artigos 32° e 131° do Estatuto dos Magistrados Judiciais”.

III – Questões a apreciar


1. Questão prévia: natureza do meio processual;
2. Questão relativa aos factos dados como provados;
3. Prescrição do procedimento disciplinar;
4. Falta de fundamentação;
5. Erro na apreciação dos pressupostos jurídico-factuais: (i) Por não se verificar o tipo objectivo de ilícito; (ii) Por ser inexigível ao demandante outro comportamento;
6. Atenuação da sanção aplicada em função do princípio da proporcionalidade.

IV - Fundamentação

1. Contraditando os termos em que o demandado se pronunciou na resposta à impugnação, veio o demandante suscitar, em sede de alegações, questão prévia relativa à natureza do presente meio processual.

         Vejamos.

A questão da qualificação do presente meio processual como “recurso contencioso de anulação” ou antes como “acção de impugnação de acto administrativo” tem sido apreciada na jurisprudência mais recente da Secção do Contencioso deste Supremo Tribunal nos termos que encontramos, entre outros, no acórdão de 09/04/2019 (processo nº 75/18.6YFLSB), consultável em www.dgsi.pt:

“A) - Recurso contencioso de anulação/Ação de impugnação de ato administrativo

Segundo o Autor, depois da alteração ao Código de Processo dos Tribunais Administrativos - [CPTA] e ao Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais - [ETAF], efetuado pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02 de outubro, as remissões feitas por lei especial em processos entrados em Juízo a partir de 01 de dezembro de 2015 [data da sua entrada em vigor], para o regime do recurso do contencioso de anulação de atos administrativos consideram-se feitas, agora, para o regime da ação administrativa – artigo 191º, do CPTA -, que corresponde ao processo declarativo comum em processo administrativo.

Na verdade, resulta quer da sua resposta quer das suas alegações que o CSM apenas se refere ao recurso contencioso de anulação e por se tratar de um processo impugnatório de um ato administrativo o seu objeto, circunscreve-se, nos termos do artigo 50º, n.º 1, do CPTA, à anulação ou declaração de nulidade desse ato.

Ora, determina o artigo 168º, n.º 5, do EMJ, que “constituem fundamentos do recurso [das deliberações do Conselho Superior da Magistratura para o Supremo Tribunal de Justiça] os previstos na lei para os recursos a interpor dos atos do Governo”.

De acordo com o artigo 178º, do CSM, são subsidiariamente aplicáveis as normas que regem os trâmites processuais dos recursos de contencioso administrativo interpostos para o Supremo Tribunal Administrativo.

Por sua vez, estabelece o artigo 191º, do CPTA, que as remissões feitas por lei especial para o regime do recurso do contencioso de anulação de atos administrativos consideram-se feitas para o regime da ação administrativa.

O artigo 192º, do mesmo Código, dispõe que “sem prejuízo do disposto em lei especial, os processos em matéria jurídico-administrativa cuja competência seja atribuída a tribunais pertencentes a outra ordem jurisdicional regem-se pelo disposto no presente Código, com as necessárias adaptações”.

Ora, o artigo 191º, do CPTA, esclarece que as remissões feitas em disposições avulsas para o regime do Código Administrativo, do Regulamento do STA e da LFTA, que regulavam, conjugadamente, o processo de recurso contencioso de anulação de atos administrativos, se consideram agora efetuadas para a forma que corresponde no CPTA.

            Essa forma de processo, na sequência da eliminação, pela revisão de 2015, da antiga distinção entre ação de administrativa comum e a ação administrativa especial, é agora a ação administrativa, cuja tramitação está regulada nos artigos 37º e seguintes, e que corresponde ao processo declarativo comum em contencioso administrativo.

Assim sendo, a remissão efetuada pelos artigos 168º, n.º 5, e 178º, do EMJ, é agora feita para a ação administrativa, como decorrência necessária de terem sido revogados pelo artigo 6º, da Lei n.º 15/2002, de 22 de fevereiro, a Parte IV, do Código Administrativo, que se reportava ao contencioso administrativo, bem como o Decreto-Lei n.º 41.234, de 20 de agosto de 1957, que aprovara o Regulamento do STA e a LPTA.

Na verdade, o artigo 191º, do CPTA, transformou as referências feitas em legislação extravagante em remissões dinâmicas para a nova ação administrativa [nota 1: Neste sentido, os acórdãos de 25.10.2018, proferido no Processo n.º 7/18.1YFLSB, e de 22.01.2019, proferido no Processo n.º 65/18.0YFLSB, ambos desta Secção do Contencioso].

Neste sentido se pronunciaram Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha [nota 2: Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2017 – 4ª edição, Almedina, páginas 1346/1347] quando referem que “assim sucede, designadamente com a norma do artigo 168º, do EMJ, que manda aplicar subsidiariamente ao processo de recurso contencioso das deliberações do CSM, impugnáveis perante o STJ, as normas que regem os trâmites processuais dos recursos contenciosos interpostos para o STA […]”.

Quanto à extensão de aplicabilidade do CPTA, prevista no artigo 192º, dizem os mesmos Comentadores [nota 3: Obra citada, páginas 1347/1348], que “este artigo torna extensivo o regime do CPTA aos litígios relativos a relações jurídico-‑administrativas que sejam da competência de tribunais não administrativos, desde que não exista lei especial a regular a respetiva tramitação.

[….]

Importa, todavia, ter presente que a extensão de aplicabilidade do CPTA só tem lugar se a lei avulsa que atribui competência em matéria administrativa a outra ordem jurisdicional não contiver, ela própria, normas específicas que regulem a respetiva tramitação. É o que decorre com toda a evidência da ressalva contida no segmento inicial do preceito («sem prejuízo do disposto em lei especial»). Sucede, por outro lado, que a normação específica tanto pode ser constituída por preceitos que regulem diretamente os trâmites a seguir, como preceitos que se limitem a remeter ou mandar aplicar subsidiariamente uma outra lei.

É o que, designadamente, acontece com o EMJ, que regula, nos artigos 168º e seguintes, os termos dos recursos contenciosos das deliberações do CSM, cujo conhecimento pertence ao STJ. Estas disposições estabelecem uma regulamentação própria, que naturalmente se sobrepõe ao disposto no presente artigo 192º. Entre essas disposições encontra-se a norma do artigo 178º, do Estatuto, que prevê a aplicação subsidiária do regime dos recursos contenciosos interpostos perante o STA, e que deve ser lida, em sintonia com o disposto no artigo 191º, do CPTA, como constituindo uma remissão dinâmica parra o regime deste Código. Essa norma remissiva não deixa, porém, de integrar a regulamentação própria dos recursos contenciosos das deliberações do CSM, o que significa que estes recursos se regem pelo disposto nos artigos 168º a 177º e, nos aspetos não expressamente regulados, pelo CPTA, aplicável subsidiariamente” […]

Em conformidade, o “recurso” das deliberações do CSM [que se devem ter como atos formalmente administrativos] é, em particular, regulado pelas normas contidas nos artigos 168º a 177ª, do EMJ, e subsidiariamente pelos artigos 37º, n.º 1, alínea a), 50º e seguintes, do CPTA, que disciplinam a ação administrativa de impugnação de ato administrativo, e, ainda supletivamente, pelo Código de Processo Civil [CPC] “ex vi” do artigo 1º, do CPTA.” [negritos nossos]

Em consonância com este entendimento, que sufragamos, a remissão dos artigos 168º, nº 5 e 178º do EMJ para o regime dos recursos contenciosos interpostos perante o Supremo Tribunal Administrativo deve ser entendida, de forma actualizada, como sendo feita para o regime da acção administrativa dos artigos 37º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).

         Assinale-se que a Lei nº 67/2019, de 27 de Agosto, que alterou o EMJ, e que entrará em vigor em 01/01/2020, veio adoptar expressamente tal posição, ao prever, no respectivo artigo 169º, nº 1, o seguinte:

“Os meios de impugnação jurisdicional de normas ou atos administrativos do Conselho Superior da Magistratura, ou de reação jurisdicional contra a omissão ilegal dos mesmos, seguem a forma da ação administrativa prevista no Código de Processo nos Tribunais Administrativos”.

Passando o artigo 173º do EMJ, na sua nova redacção, a dispor:

“À ação administrativa regulada neste capítulo aplicam-se subsidiariamente as regras previstas no Código de Processo nos Tribunais Administrativos”.

Conclui-se assim, quanto à invocada questão prévia, assistir razão ao demandante, ainda que, afigura-se, sem consequências para o desfecho da presente lide.

2. Invoca o demandante que os factos provados não correspondem à realidade, no sentido de demonstrarem a sua intenção de provocar o arrastamento do processo judicial nº 68/06.....

         Em conformidade com o afirmado no ponto anterior acerca da natureza do presente meio contencioso, tem a jurisprudência desta Secção do Contencioso do STJ aceitado que – dentro dos limites traçados pelos artigos 3º, nº 1, 50º e 95º, nº 3, todos do CPTA, aplicáveis ex vi artigos 168º, nº 5, e 178º do EMJ – é possível suscitar a apreciação por este Tribunal de determinados pontos da fundamentação factual da decisão do CSM, desde que devidamente identificados e desde que o interessado demonstre a justificação e a necessidade da impugnação deduzida. Cfr., neste sentido, entre outros, o acórdão de 22/01/2019 (processo nº 65/18.0YFLSB), consultável em www.dgsi.pt; e os acórdãos de 28/02/2018 (processo nº 69/17.9YFLSB) e de 22/03/2018 (processo nº 72/17.9YFLSB), cujos sumários estão disponíveis em www.stj.pt.

         Ora, tanto pelos termos em que a questão vem colocada (“os factos dados como provados pela deliberação impugnada não correspondem à realidade, pelo menos no sentido vertido na deliberação impugnada”) como pela circunstância de o demandante não concretizar o ponto ou pontos da factualidade relevante(s) nem pretender a produção de novo meio de prova, considera-se não estar em causa qualquer questão relativa aos factos assentes, mas apenas a manifestação da discordância do demandante.

        Concluindo-se pela inexistência de uma verdadeira pretensão do demandante relativamente à factualidade assente, não cumpre tomar posição.

3. Quanto à questão da alegada prescrição do procedimento disciplinar, alega o demandante que a mesma se verifica, uma vez que, à data da instauração do processo de inquérito, já havia decorrido o prazo de 60 dias, a contar do conhecimento da infracção, para instauração do referido processo disciplinar, previsto no artigo 178º, nº 2, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP).

         Vejamos.

3.1. O instituto da prescrição dos direitos sancionatórios penal e disciplinar, tal como se refere no acórdão desta Secção do Contencioso do STJ de 19/09/2013 (processo nº 16/13.7YFSLB.S1), in www.dgsi.pt, visa “acelerar a atividade do Estado no exercício da ação penal ou disciplinar e, ao mesmo tempo, assegurar aos arguidos um tempo certo durante o qual podem ser sujeitos a sanção pelos ilícitos cometidos, a partir do qual ficarão libertos da respetiva responsabilidade ”.

A prescrição ocorre, assim, perante o não exercício do direito punitivo durante o lapso de tempo estipulado na lei e constitui causa de extinção da responsabilidade criminal e da responsabilidade disciplinar, pois que com a sua superveniência se extingue o ius puniendi do Estado.

O processo disciplinar relativo a juízes rege-se pelo Estatuto dos Magistrados Judiciais. Porém, não existindo norma expressa relativa à prescrição do procedimento disciplinar, por via do artigo 131º do EMJ, é de aplicar subsidiariamente o regime do artigo 178º da Lei nº 35/2014, de 20 de Junho (que, revogando a Lei nº 58/2008, de 9 de Setembro, aprovou a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP)).

Dispõe o referido artigo 178º da LGTFP:

1 - A infração disciplinar prescreve no prazo de um ano sobre a respetiva prática, salvo quando consubstancie também infração penal, caso em que se sujeita aos prazos de prescrição estabelecidos na lei penal à data da prática dos factos.

2 - O direito de instaurar o procedimento disciplinar prescreve no prazo de 60 dias sobre o conhecimento da infração por qualquer superior hierárquico.

3 - Suspendem os prazos prescricionais referidos nos números anteriores, por um período até seis meses, a instauração de processo de sindicância aos órgãos ou serviços, ou de processo de inquérito ou disciplinar, mesmo que não dirigidos contra o trabalhador a quem a prescrição aproveite, quando em qualquer deles venham a apurar-se infrações por que seja responsável.

4 - A suspensão do prazo prescricional da infração disciplinar opera quando, cumulativamente:

a) Os processos referidos no número anterior tenham sido instaurados nos 30 dias seguintes à suspeita da prática de factos disciplinarmente puníveis;

b) O procedimento disciplinar subsequente tenha sido instaurado nos 30 dias seguintes à receção daqueles processos, para decisão, pela entidade competente;

c) À data da instauração dos processos e procedimento referidos nas alíneas anteriores, não se encontre já prescrito o direito de instaurar procedimento disciplinar.

5 - O procedimento disciplinar prescreve decorridos 18 meses, a contar da data em que foi instaurado quando, nesse prazo, o trabalhador não tenha sido notificado da decisão final.

6 - A prescrição do procedimento disciplinar referida no número anterior suspende-se durante o tempo em que, por força de decisão ou de apreciação judicial de qualquer questão, a marcha do correspondente processo não possa começar ou continuar a ter lugar.

7 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cesse a causa da suspensão.”

         Da leitura do preceito resulta que, sob a epígrafe “Prescrição da infração disciplinar e do procedimento disciplinar”, o artigo 178º da LGTFP consagra, na verdade, três prazos distintos de prescrição:
- Um prazo de prescrição da infracção disciplinar (nº 1);
- Um prazo de prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar (nº 2);
- Um prazo de prescrição do procedimento disciplinar (nº 5).

O prazo que está em causa na presente lide é o prazo de prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar previsto no nº 2 do indicado artigo 178º.

3.2. Invoca o demandante que, tendo sido punido disciplinarmente por ter causado um “retardamento” indevido na realização do julgamento do processo nº 68/06....[1], a infracção há muito que era conhecida do CSM, na medida em que o relatório resultante da inspecção extraordinária ao seu serviço, respeitante ao período compreendido entre 17/03/2015 e 28/04/2017, continha já referência à sua actuação desacertada naqueles autos. Concretamente salienta o demandante que, em tal relatório, se afirma:

“(…) no processo 68/06...., atuou [o ora demandante] de forma tecnicamente desacertada, quando, no despacho de recebimento da acusação se declarou incompetente sem ter atentado na questão relativa à sucessão de leis no tempo, provocando com isso conflito negativo de competência que acabou por determinar o atraso no julgamento superior a 1 ano”.

Posteriormente, em sede de alegações, afirma o mesmo demandante que o CSM teve conhecimento da infracção em …, razão pela qual quando foi instaurado o inquérito, em ..., há muito que havia decorrido o prazo de 60 dias para instauração do procedimento disciplinar.

Assim, tendo o demandante aceitado que, pelo menos até …, o CSM não tomou conhecimento da infracção, consideraremos que prescindiu da posição inicialmente assumida (no sentido de que a infracção era conhecida do CSM desde o relatório resultante da inspecção extraordinária ao seu serviço, respeitante ao período compreendido entre … e …).

3.3. Em sede de resposta (cfr. artigo 174º, nº 1, do EMJ), pronunciou-se o CSM pela não verificação da invocada prescrição.

Para tanto alega, no essencial, que não é todo o atraso na prolação de decisão judicial que é objecto de repreensão disciplinar, sendo que, no caso concreto, apenas a partir de … – data em que o ora demandante proferiu despacho sem atender à decisão do acórdão do Tribunal da Relação ... de 23/11/2016 – o comportamento omissivo daquele assumiu relevância disciplinar. 

De qualquer forma, acrescenta o demandado que, estando em causa uma conduta omissiva que se prolonga no tempo, o momento relevante a ter em conta para efeitos de contagem do prazo de prescrição é o da data da cessação de tal conduta, isto é, …, correspondente ao momento do último acto de execução do comportamento ilícito.

Por fim, conclui que a instauração do inquérito, em ..., ocasionou a suspensão do prazo de 60 dias para a instauração do processo disciplinar, conforme previsto no nº 3 do supra transcrito artigo 178º da LGTFP, razão pela qual, quando, em …, foi determinada a instauração do processo disciplinar (decisão que foi ratificada, em …, por deliberação do Plenário do CSM), ainda não tinha decorrido o prazo de prescrição do nº 2 do artigo 178º da LGTFP.

3.4. Importa ter presentes os seguintes momentos temporais relevantes:
- …. [facto provado 19]: data do despacho do demandante no qual o demandante não atendeu ao decidido pelo acórdão da Relação de 23/11/2016;
- … [facto provado 29]: data da realização da diligência para acerto de agendas em cuja acta o demandante proferiu despacho, dando sem efeito a diligência;
- ...[facto provado 57]: data em que o Vice-Presidente concordou que fosse dado conhecimento do relatório do Inspector Judicial para futura inspecção;
- ... [facto provado 58]: data do despacho do Vice-Presidente do CSM a determinar a instauração do inquérito disciplinar;
- … [facto provado 61]: data do despacho do Vice-Presidente do CSM a determinar a instauração do processo disciplinar;
- … [facto provado 61]: data da deliberação do Plenário do CSM que ratificou a decisão do Vice-Presidente de instauração do processo disciplinar.

         Uma vez que a pena disciplinar aplicada ao demandante, pela prática de infracção disciplinar por violação dos deveres funcionais de prossecução do interesse público e de zelo, se funda na tramitação que o mesmo demandante adoptou no processo comum singular nº 68/06...., do Juízo Local de ..., com a qual ocasionou um retardamento na realização do respectivo julgamento, impõe-se considerar, antes de mais, a questão da contagem do prazo de prescrição numa infracção disciplinar permanente.

         Para o efeito, e tendo em conta que a LGTFP é omissa a este respeito, importa determinar o regime aplicável. A este propósito refiram-se as seguintes decisões desta Secção do Contencioso do STJ:
- Acórdão de 09/07/2015 (processo nº 52/14.6YFLSB), disponível em www.dgsi.pt: Dado que o “Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas” [tal como a LGTFP que lhe sucedeu] “é omisso quanto à contagem do prazo prescricional do procedimento disciplinar público quando esteja em causa uma falta disciplinar permanente ou continuada é, subsidiariamente, de aplicar o art. 119.º, n.º 2, al. a) e b) do CP [Código Penal];
- Acórdão de 10/04/2014 (processo nº 37/13.0YFLSB) cujo sumário é consultável em www.stj.pt:  
A infracção disciplinar permanente “caracteriza-se por ser uma única conduta ativa ou omissiva que se protela no tempo ao passo que a infração disciplinar continuada consiste numa série de atos ou omissões, com resoluções diversas, que, reunidos os pressupostos legais, são tidas como uma só infração.
Por força da aplicação subsidiária do disposto no art. 119.º, n.º 2, als. a) e b), do CP, o prazo de prescrição, nas infrações disciplinares continuadas ou permanentes, apenas inicia o seu curso na data em que estas cessam, sendo irrelevante a data em que delas teve conhecimento o CSM ”.

Refira-se também o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 03/11/2016 (processo nº 0548/16), in www.dgsi.pt, de cujo sumário consta o seguinte:
“A prescrição do procedimento disciplinar relativamente a infrações duradoras só corre a partir do dia em que cessar a consumação da última violação dos deveres disciplinares”.

Temos assim que: (i) nos termos do artigo 119º, nº 2, alíneas a) e b), do Código Penal, o prazo de prescrição do procedimento criminal só corre, nos crimes permanentes, desde o dia em que cessar a consumação, e nos crimes continuados e nos crimes habituais, desde o dia da prática do último acto; (ii) sendo a LGTFP omissa a este respeito, tal regime é aplicável às infracções disciplinares permanentes dos magistrados judiciais ex vi artigo 131º do EMJ.

3.5. No caso dos autos, compulsada a acusação do processo disciplinar e, posteriormente, a matéria de facto dada como assente no presente acórdão, constata-se que ao demandante é imputada apenas uma omissão, traduzida na prática de actos processuais sucessivos que impediram a realização atempada do julgamento no processo nº 68/06..... Resulta também que tal omissão se prolongou no tempo desde, pelo menos, …. (data em que, ao proferir despacho, o demandante desatendeu ao que havia sido decidido no acórdão do Tribunal da Relação ... de 23/11/2016) até … (quando ocorreu o último acto de execução do ilícito disciplinar, com a prolação de mais um despacho que impediu a realização do julgamento no referido processo).

Como conclusão intercalar, entende-se que o comportamento omissivo do demandante constitui uma infracção permanente, a qual para efeitos de contagem do prazo prescricional se considera ter sido cometida em ….

3.6. Prosseguindo na tarefa de apuramento do respeito pelo prazo de 60 dias previsto no nº 2 do artigo 178º da LGTFP, saliente-se que, de acordo com o expressamente determinado pela norma, não oferece dúvidas que tal prazo se conta a partir da data do “conhecimento da infracção” e não a partir da data da prática da infracção.

Não pode também confundir-se a data da prática da infracção (que, no caso de infracção permanente, é, como se afirmou, a data da prática do último acto do ilícito), nem a data a partir da qual o comportamento do demandante começa a assumir relevo disciplinar, com a data em que o “superior hierárquico” tem conhecimento da infracção.

A este propósito, refira-se o acórdão desta Secção de Contencioso do STJ de 21/03/2019 (processo nº 30/18.6YFLSB), consultável em www.dgsi.pt, em cujo sumário se pode ler:

“Para efeitos do início do cômputo do prazo de prescrição de 30 dias do direito de instaurar o procedimento disciplinar, estabelecido no artigo 6.º, n.º 2, do EDTEFP, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 09/09, aplicável, subsidiariamente aos funcionários de justiça, por via do artigo 123.º do EFJ, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 343/99, de 26-08, o que releva não é o conhecimento do mero facto naturalístico, mas sim da infração indiciada como materialidade juridicamente significante na perspetiva do ilícito disciplinar, ou seja, com uma corporeidade ou envolvência suscetível de assim ser qualificada”.

E, segundo o acórdão desta Secção de Contencioso do STJ de 30/04/2015 (processo nº 117/14.4YFLSB), consultável em www.dgsi.pt, assim sumariado:

“O prazo de prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar a que se refere o n.º 2 do art. 6.º do EDTEFP apenas se inicia quando o superior hierárquico tiver real e efetivo conhecimento do facto e do circunstancialismo que o rodeia, de molde a poder fazer o seu enquadramento como ilícito disciplinar, sendo, pois, insuficiente uma mera participação ou denúncia não suficientemente concretizada”.

No mesmo sentido, ver o acórdão de 09/07/2015, desta Secção do Contencioso do STJ, proferido no processo nº 52/14.6YFLSB, consultável em www.dgsi.pt, em cujo sumário se pode ler:

“Para efeito de contagem de prazo de prescrição no que à instauração do procedimento disciplinar diz respeito, o que releva é o conhecimento da infração e não a suspeita da mesma”.

3.7. Importa, pois, considerar em que momento se deu o conhecimento da infracção, tendo presente que, sendo o demandante Juiz de Direito e não estando os juízes sujeitos a qualquer superior hierárquico, o poder disciplinar pertence ao Conselho Superior da Magistratura, nos termos dos artigos 111º e 149º, alínea a), do EMJ.

         De acordo com o artigo 150º, nº 1, do EMJ, o Conselho Superior da Magistratura funciona em Plenário e em Conselho Permanente. Ao Plenário compete o exercício da acção disciplinar relativamente a juízes do Supremo Tribunal de Justiça e a juízes dos Tribunais da Relação (artigo 149º, alínea a) e artigo 151º, alínea a), do EMJ). Ao Conselho Permanente incumbe o desempenho dessa competência relativamente aos Juízes de Direito (artigo 152º, nº 1, do EMJ).

Ora, segundo o sumariado no acórdão desta Secção do Contencioso do STJ de 22/02/2017 (processo nº 17/16.3.YLSB), consultável em www.dgsi.pt:

“O prazo de 60 dias, referido no n.º 2 do art. 178.º da LGTFP, apenas se pode contar a partir do momento em que o conselho permanente, por intermédio de deliberação, aprecie a factualidade com potencial ressonância disciplinar. Só tem sentido e cabimento sancionar a inação do CSM se a infração foi conhecida pelo órgão a quem, internamente, compete instaurar a respetiva ação disciplinar”

Assim, segundo esta orientação jurisprudencial consolidada, deve entender-se que o direito de instaurar o procedimento disciplinar a Juiz de Direito prescreve no prazo de 60 dias após o conhecimento da infracção pelo Conselho Permanente do CSM (artigos 149º, alínea a), e 151º, alínea a), ambos do EMJ, e artigo 178º, nº 2, da LGTFP). 

A mesma orientação foi seguida – a respeito de infracção disciplinar cometida por Juiz Desembargador pelo que o respectivo conhecimento se reporta ao Plenário do CSM – no acórdão desta Secção do Contencioso do STJ de 05/07/2012 (processo nº 5/12.9YFLSB), consultável em www.dgsi.pt, de cujo sumário consta o seguinte:

“Envolvendo o início do decurso do invocado prazo de prescrição o conhecimento, pelo superior hierárquico dos factos suscetíveis de procedimento disciplinar, nunca se poderá sustentar ser relevante para a contagem do prazo prescricional, o conhecimento pelo Vice-presidente do CSM dos factos que determinaram a abertura de inquérito. Ao invés, a ação disciplinar cabe, em exclusivo, ao Plenário do CSM, pelo que só a partir do conhecimento dos factos referenciados por este órgão é que o prazo de prescrição pode iniciar-se ”.

No mesmo sentido, ver também o acórdão de 25/09/2019 (processo nº 91/98.8YFLSB), ainda não publicado, no qual – a propósito do exercício do poder disciplinar relativamente a Juiz Desembargador – se afirma o seguinte:

“(…) só quando o Plenário do CSM teve a informação de que os factos praticados pelo demandante (…) tinham potencial ressonância disciplinar, ou seja, só quando teve conhecimento da “infracção indicada como materialidade juridicamente significante na perspetiva do ilícito disciplinar” é que se iniciou o prazo de contagem da prescrição do exercício do poder disciplinar sobre aquele.

Esse reconhecimento, respeita à infracção e não a factos, pois exige-se um juízo fundado sobre a relevância jurídico-disciplinar do “facto” e não o mero conhecimento do mesmo, só foi obtido com a deliberação de (…) que ratificou o despacho do Vice-Presidente do CSM, de (…).”

3.8. No caso sub judice, o demandante alegou inicialmente que a infracção em causa há muito que era conhecida do CSM, por via do relatório resultante da inspecção extraordinária ao seu serviço, que incidiu sobre o período compreendido entre … e …, relatório no qual se fazia referência à sua actuação desacertada no Processo nº 68/06.....

Quanto a este argumento entendemos que, conforme refere o demandado em sede de resposta à impugnação, nem todo o atraso na prolação de decisão judicial é objecto de repreensão disciplinar, sendo que o excerto do relatório de inspecção extraordinária, mencionado pelo demandante, não permite, por si só, obter um real e efectivo conhecimento do facto e do circunstancialismo que o rodeia, de forma a poder fazer-se, naquele momento, a sua qualificação como ilícito disciplinar.

Porém, e como se referiu supra (ponto 3.2.), posteriormente, em sede de alegações, o próprio demandante deixou cair tal argumentação, aceitando que, pelo menos até …2017 (data do despacho do demandante no qual se desatende ao decidido pelo acórdão da Relação de 23/11/2016), não tomou o CSM conhecimento da infracção.  

Deste modo, o diferendo entre as partes centra-se na relevância a atribuir à data de …2017.

Vejamos.

Ainda que se entendesse ter sido nessa data de …2017 que o comportamento omissivo do demandante começou a assumir relevância disciplinar, certo é que estamos perante uma infracção permanente que, tendo-se prolongado até …2018 (data da realização da diligência de acerto de agendas em cuja acta foi proferido despacho, dando sem efeito a mesma diligência), se considera (cfr. supra, ponto 3.5.) cometida nesta data.  

Conclui-se pois, à luz de tudo quanto ficou dito, que apenas após a elaboração pelo Inspector Judicial, em …2018, do relatório intercalar (nº 1) [facto provado 56] (no âmbito do acompanhamento do processo comum singular nº 68/06.9...) podia o CSM tomar conhecimento real e efectivo de que a conduta processual que o ora demandante vinha a desenvolver seria susceptível de integrar uma infracção disciplinar, tal como sugerido no mesmo relatório.

Daquele relatório veio o Vice-Presidente do CSM a tomar conhecimento, pelo menos, em ...(data em que concordou que fosse dado conhecimento do relatório para futura inspecção), tendo determinado a instauração de inquérito ao ora demandante por despacho de ....

Posteriormente, por decisão de …2018, o Vice-Presidente do CSM determinou a instauração de processo disciplinar ao ora demandante, decisão que veio a ser ratificada pelo Plenário do CSM, por deliberação de …2018.

Tendo presente que, segundo a orientação da jurisprudência desta Secção do Contencioso do STJ supra referida (ponto 3.7.), o conhecimento da infracção disciplinar pelo CSM consiste – no caso de Juízes … – no conhecimento pelo respectivo Conselho Permanente (ou pelo Plenário – cfr. artigos 149º, alínea a) e 152º, nº 2, do EMJ), verifica-se que o conhecimento da infracção disciplinar ocorreu apenas em …2018.

Assim sendo, conclui-se que o conhecimento da infracção disciplinar pelo CSM e a decisão de instaurar o procedimento disciplinar ocorreram na mesma data, não tendo, por definição, decorrido o prazo de prescrição de 60 dias.


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         Ainda que se defendesse que o conhecimento da infracção pelo Vice-Presidente do CSM (ocorrido entre …2018 e …2018) relevaria como conhecimento pelo Conselho Permanente (ou pelo Plenário) do CSM, sempre se teria de entender que – na medida em que, como vimos, segundo o nº 3 do artigo 178º da LGTFP, a instauração de “processo de inquérito” suspende o prazo prescricional de 60 dias (previsto no nº 2 deste artigo) por um período até seis meses –, com a decisão do Vice-Presidente (em ...) de determinar a instauração de inquérito ao ora demandante, a contagem do prazo de 60 dias ficara suspensa na data da mesma decisão.

Deste modo, na hipótese ora considerada, a encontrar-se o prazo prescricional suspenso desde a data da instauração do inquérito (em ...), quando em …2018 foi determinada a instauração do processo disciplinar, ainda não teria decorrido o prazo de 60 dias para o efeito.


*

         Assinale-se também que mesmo que se considerasse relevante, para efeitos de contagem do prazo prescricional, a data da prática do último acto de execução do ilícito disciplinar (…2018) e não a data do conhecimento da infracção pelo CSM, sempre se concluiria que, quando foi determinada a instauração de inquérito (em ...), não tinha ainda decorrido o prazo de 60 dias.

*

         Em conclusão, considera-se ter sido respeitado o prazo previsto no artigo 178º, nº 2, da LGTFP, não tendo, em consequência, ocorrido prescrição do procedimento disciplinar.

4. Quanto ao alegado vício de fundamentação, formula o demandante considerações de desacordo com o teor da deliberação impugnada, invocando vício de fundamentação a respeito do elemento subjectivo, e considerando que o conjunto dos factos provados não revela, nem permite concluir, que o demandante tenha tido intenção de provocar qualquer “arrastamento” do processo judicial nº 68/06.... e, muito menos, que tal “arrastamento” seja fruto de uma tramitação “fragmentada e dilatória”.

Conclui que a deliberação impugnada, ao fundamentar a pena disciplinar com uma errada subsunção dos factos ao direito, viola o dever de fundamentação ínsito nos artigos 152º e 153º do Código de Procedimento Administrativo, acrescentando, por fim, que a deliberação não tomou em consideração todas as circunstâncias e factos, por si trazidos, que nortearam o exercício das suas funções no processo judicial em apreço.

        Diversamente, o demandado defende não existir vício de fundamentação, invocando que a fundamentação da deliberação se encontra alicerçada em factualidade sólida, clara e objectiva.

        
4.1. Nas palavras de Freitas do Amaral (Curso de Direito Administrativo, Vol. II, 3ª ed., Almedina, Coimbra, 2016, pág. 314), “A fundamentação de um ato administrativo consiste na enunciação explícita das razões que levaram o seu autor a praticar esse ato ou a dotá-lo de certo conteúdo”. 

O dever de fundamentação dos actos administrativos encontra-se consagrado no nº 3 do artigo 268º da Constituição da República Portuguesa, no qual se dispõe:

“Os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos”.

         É entendimento comum que o dever de fundamentação, que se encontra regulado nos artigos 152º a 154º do Código do Procedimento Administrativo, constitui uma das mais relevantes garantias dos particulares, facilitando o controlo da legalidade dos actos.

        Na lição de Gomes Canotilho/Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. II, 4ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2010, anotação ao artigo 268º, págs. 825-826):

         “Os cidadãos têm direito à fundamentação expressa e acessível dos actos administrativos que afectem direitos ou interesses protegidos (n.º 3, 2ª parte). A fundamentação é aqui entendida não só como motivação, traduzida na indicação das razões que estão na base da escolha operada pela Administração, mas também como justificação, traduzida na exposição dos pressupostos de facto e de direito que conduziram à decisão tomada.

Trata-se de um princípio fundamental da administração do Estado de direito, pois a fundamentação não só permite captar claramente a actividade administrativa (princípio da transparência da acção administrativa) e a sua correcção (princípio da boa administração), mas também, e principalmente, possibilita um controlo contencioso mais eficaz do ato administrativo, sobretudo quanto aos vícios resultantes da ilegalidade dos pressupostos e do desvio do poder. Em relação aos actos praticados no exercício de poderes discricionários, a fundamentação é mesmo um requisito essencial, visto que sem ela ficaria substancialmente frustrada a possibilidade de impugnar com êxito os seus vícios mais típicos”.

Segundo Luiz Cabral de Moncada (Código do Procedimento Administrativo Anotado, 3ª ed., Quid Iuris, Lisboa, 2019, págs. 497-498):

“O que se pretende com a fundamentação é levar ao conhecimento do destinatário o percurso cognoscitivo e valorativo que o autor do ato percorreu para decidir de modo a permitir que um destinatário normal, colocado na posição do real destinatário do ato, possa compreender por que razão o autor do ato decidiu assim. O critério é o da compreensibilidade por um destinatário normal do ato colocado na posição do destinatário real”.

4.2. Importa considerar os termos em que a lei regula o dever de fundamentação dos actos administrativos.

O nº 1 do artigo 152º do CPA elenca os casos em que existe esse dever:

“Para além dos casos em que a lei especialmente o exija, devem ser fundamentados os atos administrativos que, total ou parcialmente:

a) Neguem, extingam, restrinjam ou afetem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos, ónus, sujeições ou sanções;

b) Decidam reclamação ou recurso;

c) Decidam em contrário de pretensão ou oposição formulada por interessado, ou de parecer, informação ou proposta oficial;

d) Decidam de modo diferente da prática habitualmente seguida na resolução de casos semelhantes, ou na interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou preceitos legais;

e) Impliquem declaração de nulidade, anulação, revogação, modificação ou suspensão de ato administrativo anterior.

(…)”.

A exigência de fundamentação vigora assim para todos os actos dominados “pela matriz dos actos ‘gravame’, ou seja lesivos dos interesses de terceiros” (Mário Esteves de Oliveira/Pedro Costa Gonçalves/João Pacheco de Amorim, Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 2007, pág. 592).

Os requisitos da fundamentação estão previstos nos nºs 2 e 3 do artigo 153º do CPC:

“1 - A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituem, neste caso, parte integrante do respetivo ato.

2 - Equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato.

(…)”.

4.3. Na jurisprudência desta Secção do Contencioso do STJ tais requisitos têm vindo a ser assim interpretados:
- Acórdão de 30/3/2017 (processo nº 62/16.9YFLSB), cujo sumário é consultável em www.stj.pt:
“A fundamentação consiste assim na expressão dos motivos que encaminharam a decisão para um determinado sentido e na exposição dos pressupostos de facto e de direito que conduziram ao pronunciamento e, como emerge do nº 2 do artº 153º do CPA, deve ser clara, suficiente e coerente.
Sendo, em consequência, ilegal a fundamentação «obscura» - que não permite apurar o sentido das razões apresentadas -, «contraditória» - que não se harmoniza os fundamentos logicamente entre si ou não se conforma aqueles com a decisão final -, ou «insuficiente» - que não explica por completo a decisão tomada.
Apenas releva, como vício do ato, a insuficiência da fundamentação que seja manifesta, dado que se tem como suficiente a exposição sucinta dos fundamentos e dos elementos necessários à expressão das razões do ato, apreensíveis por um destinatário normal e razoável ”;
- Acórdão de 22/01/2019 (processo nº 77/18.2YFLSB), disponível em www.dgsi.pt:
“O acto administrativo, que afecte direitos ou interesses legalmente protegidos, deve compreender a exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito da decisão acessível, percecionável por qualquer pessoa sem os conhecimentos do agente da Administração e de modo a poder convencer da lisura e legalidade do resultado dessa sua actividade a generalidade dos cidadãos e não apenas o respectivo destinatário.
É de concluir pela suficiência da fundamentação quanto ao elemento subjectivo da infracção disciplinar imputada ao A. se a exposição das razões da decisão permite, claramente, a um destinatário razoável e normal a apreensão da dedução da verificação daquele elemento, posto que, preenchido o conhecimento da totalidade dos elementos objectivos, estes exteriorizem, na perspectiva da generalidade dos cidadãos, a vontade da prática dos factos ”.

Em sentido próximo, cfr., entre muitos outros, os acórdãos desta Secção do Contencioso do STJ de 28/02/2018 (processo nº 67/17.2YFLSB) e de 04/07/2019 (processo nº 18/18.7YFLSB), consultáveis em www.dgsi.pt.

         Com relevo para a apreciação da questão que ora nos ocupa, há ainda que ter em conta o parâmetro da variabilidade da densidade da fundamentação que encontramos expresso, a título exemplificativo, no acórdão desta Secção do Contencioso do STJ de 04/07/2019 (processo nº 18/18.7YFLSB), consultável em www.dgsi.pt, em cujo sumário se pode ler o seguinte:

“A densidade de fundamentação dos atos administrativos à luz do disposto no artigo 268.º, n.º 3, 2.ª parte, da Constituição e em conformidade com os artigos 151.º, n.º 1, alínea d), 152.º, n.º 1, alínea a), e 153.º, n.ºs 1 e 2, do CPA, deverá ser de teor variável em função das exigências inerentes a cada tipo de ato ou mesmo a cada caso singular, devendo nortear-se sempre pelo desiderato de proporcionar “a um destinatário normal, colocado na posição do real destinatário do ato”, a compreensão das razões que conduziram o órgão decisor à decisão proferida.”

4.4. Aplicando o direito definido nos pontos anteriores ao caso sub judice, considera-se que, analisada a deliberação impugnada, e conforme referido nas alegações do Ministério Público, a mesma está alicerçada em sólida, clara e objectiva factualidade, que inclui não apenas os factos apurados pelo Inspector Judicial, como também os que foram alegados pelo demandante (cfr., a respeito destes últimos, os pontos 35 a 54 dos factos assentes).

        Quanto ao teor da fundamentação de direito da deliberação impugnada, assinale-se que aí se começa por referir a necessidade de precaver os prazos de prescrição, reconhecendo-se a manifesta “complexidade” do “volumoso” processo nº 68/08....; concluindo-se nos seguintes termos:

“(…) decidido, em …, o conflito de competência suscitado entre o Juízo Local de Competência Genérica ...(despacho de … do Exmo. Sr. Juiz arguido a que já aludimos) e o Juízo Central Criminal ...(despacho de … do Exmo. Sr. Juiz Dr. BB), os autos foram recebidos, em …, no Juízo Local de ....

Nessa ocasião, o Exmo. Sr. Juiz arguido, por despacho de ….17, ordenou novamente a remessa do processo ao Tribunal da Relação ... para decidir do recurso que sobre a questão da competência havia sido interposto antes de decidido o conflito de competência.

No entanto, o Tribunal da Relação ..., no acórdão de 23.11.16, tinha já decidido não conhecer desse aludido recurso anterior, por ter considerado que as decisões de competência não eram objeto de recurso.

Ou seja, o Exmo, Sr. Juiz arguido, ao proferir o despacho de ….17, parece ter ignorado a existência daquele acórdão de 23.11.16 ou, na melhor das hipóteses, dele terá feito uma leitura apressada.

Tratando-se, como vimos, de um processo complexo, volumoso e em que se impõe precaver os prazos de prescrição, a prudência e a diligência exigiam uma atenção e cuidado acrescidos na análise de toda a anterior tramitação processual.

Essa medida de atenção e cuidado não foi observada pelo Exmo. Sr. Juiz arguido. Prosseguindo, remetido, após o acórdão de 10.01.18 do Tribunal da Relação ..., o processo ao Juízo Local de ..., o Exmo. Sr. Juiz arguido ordenou, por despacho de ….18, que fosse dado conhecimento à Sra. Juíza Presidente da Comarca ...da chegada dos autos a fim de "ser agilizado o julgamento" e, posteriormente, a ….18, não acatando a sugestão da Sra. Juíza Presidente no sentido de ser agendada a 1ª sessão de julgamento, apenas para interrogatório dos arguidos, para data incluída na 1ª semana que se seguiria ao términus do prazo legal para apresentação das contestações, relegando-se para momento posterior a calendarização das demais sessões necessárias para a produção da restante prova, o Exmo., Sr. Juiz optou por agendar para o dia ….18 uma diligência com vista ao “agendamento da audiência".

Nessa diligência, o Exmo. Sr. Juiz arguido, argumentando que, pressupondo os crimes imputados aos arguidos a existência de uma matéria coletável definida, os factos objeto da acusação tinham dado origem a liquidações adicionais de impostos, as quais por sua vez, tinham sido sujeitas a impugnações tributárias, decidiu determinar a suspensão do processo ao abrigo do disposto no artigo 47º do RGIT (Lei 15/2001).

(…) logo no despacho de ….16, o primeiro que proferiu no processo, o Exmo. Sr. Juiz arguido deixou antever que entendia poder existir fundamento para suspensão do processo ao abrigo do citado artigo 47º do RGIT, uma vez que nesse despacho ordenou a notificação dos arguidos para, no prazo de 20 dias, informarem se tinha havido ou não impugnação das liquidações tributárias e, em caso afirmativo, em que fase se encontravam, identificando os processos em causa.

E, depois de prestadas as informações solicitadas, o que ocorreu em data anterior a ...16, foram vários os momentos processuais em que o Ex.mo, Sr. Juiz arguido podia ter manifestado esse seu entendimento (por exemplo: em ...17, quando, indevidamente, ordenou novamente a remessa dos autos ao Tribunal da Relação ...; em ...2018, quando ordenou que fosse dado conhecimento à Exma. Presidente da Comarca da chegada dos autos a fim de ser agilizado o julgamento, e em …2018, quando designou para o dia ...18 uma diligência para agendamento da audiência)

(…)

E também em relação ao elemento subjetivo do tipo temos o mesmo como verificado, na medida em que o Sr. Juiz arguido sabia que, ao não atuar com o cuidado e a diligência que o caso exigia, nomeadamente, não atendendo, aquando da prolação do despacho referido no ponto 19, ao acórdão de 23.11.16 do Tribunal da Relação ... referido no ponto 11 e protelando, desde pelo menos ...17, a decisão que veio a proferir a ….18, impedia a concretização do julgamento com as inerentes consequências ao nível da prescrição do procedimento criminal, abalando, com isso, a confiança dos cidadãos quanto à oportunidade na administração da justiça pelos tribunais, causando-lhes desprestígio, resultado com o qual se conformou”.

Entende-se que a decisão impugnada, não só efectuou um relato objectivo dos actos processuais praticados pelo demandante desde o momento em que os autos lhe foram conclusos pela primeira vez (em … 2016), como também os analisou criticamente, sendo perfeitamente inteligível para qualquer destinatário normal a razão pela qual se concluiu na deliberação que o “arrastamento” do processo nº 68/08...., é fruto de uma tramitação processual fragmentada, dilatória e desatenta que foi sendo adoptada pelo demandante, em resultado da qual foi impedindo a concretização do julgamento.

O mesmo vale para o elemento subjectivo da infracção, na medida em que a exposição das razões da deliberação supra transcritas permitem a um “destinatário razoável e normal” de forma inequívoca, apreender a dedução da verificação daquele elemento.

Conclui-se, assim, não padecer a deliberação do alegado vício de fundamentação.

5. Por fim, consideremos o alegado erro na apreciação dos pressupostos jurídico-factuais: (i) por não se verificar o tipo objectivo de ilícito; (ii) por ser inexigível ao demandante outro comportamento.

5.1. Em relação à distinção entre erro nos pressupostos de facto e erro de direito, refira-se o acórdão desta Secção do Contencioso do STJ de 04/07/2019 (processo nº 69/18.1YFLSB), em cujo sumário se pode ler:
“XI - O erro nos pressupostos de facto consubstancia um vício de violação da lei e consiste na divergência entre os pressupostos de que o autor do acto partiu para prolatar a decisão administrativa final e a sua efectiva verificação no caso concreto, resultando no facto de se terem considerado na decisão administrativa factos não provados ou desconformes com a realidade.
XII - O erro de direito pode respeitar à lei a aplicar, ao sentido da lei aplicada ou à qualificação jurídica dos factos: no primeiro caso, aplicou-se por engano ou por ignorância uma norma quando era outra a aplicável (erro na aplicação); no segundo caso, aplicou-se a lei correcta, mas interpretou-se mal (erro na interpretação); no terceiro caso, qualificaram-se certos factos, numa figura jurídica quando deviam sê-lo noutra (erro na qualificação).”

         Ainda acerca do erro nos pressupostos de facto, da fundamentação deste mesmo acórdão consta o seguinte:

“Integrado no entendimento já sedimentado nesta Secção do Contencioso, dir-se-á, acompanhando os acórdãos de 23-02-2016, proferidos nos processos n.º 126/14.3YFLSB) e n.º 104/15.5YFLSB), que (…) Para que proceda a invocação de tal vício, o impugnante tem o ónus de invocar os factos que compõem a realidade que tem como verdadeira e demonstrar que os factos nos quais a administração se baseou não existiam ou não tinham a dimensão por ela suposta, não sendo subsumível ao erro nos pressupostos de facto a pretensa falta de consideração de factos tidos como relevantes pela recorrente”.

Esclareça-se também que o vício de erro nos pressupostos de facto não é susceptível de ser confundido com a diferente perspectiva que o demandante tenha acerca dos factos indiscutivelmente comprovados. Neste sentido, cfr. o acórdão desta Secção do Contencioso do STJ de 27/04/2016 (processo nº 118/15.5YFLSB), cujo sumário é consultável em www.stj.pt.

Com efeito, nas palavras de Fernanda Oliveira/José Eduardo Figueiredo Dias (Noções Fundamentais de Direito Administrativo, 4ª ed., Almedina, Coimbra, 2016, pág. 141), “Os atos praticados ao abrigo de poderes discricionários podem ser anulados com base em erro de facto, se a Administração baseou a sua decisão em factos inexistentes ou falseados, ou em erro manifesto de apreciação, quando se torna evidente que a Administração avaliou ou qualificou mal a realidade (aqui está em causa um “juízo valorativo”), embora se tenha baseado em factos verdadeiros, correspondentes à realidade. Não compete aos tribunais substituírem-se à Administração na avaliação da situação, mas compete-lhes anular o ato quando verificarem que a avaliação feita pela Administração é manifestamente desacertada e inaceitável, quando o erro é ostensivo e notório, percetível a uma pessoa sem os conhecimentos da Administração”.

5.2. De acordo com o artigo 82º do EMJ, constituem infracção disciplinar os factos, ainda que meramente culposos, praticados pelos magistrados judiciais com violação dos deveres profissionais.

Os deveres profissionais dos juízes encontram-se previstos nos artigos 8º e seguintes do EMJ e, também, por via da norma do artigo 131º do mesmo EMJ, no artigo 73º da LGTFP.

Nos termos do nº 2, alíneas a) e e), desse artigo 73º, são deveres gerais dos trabalhadores o dever de prossecução do interesse público e o dever de zelo.

O nº 3 do mesmo artigo 73º declara que “O dever de prossecução do interesse público consiste na sua defesa, no respeito pela Constituição, pelas leis e pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos”.

Este dever é “entendido como o dever de defender esse mesmo interesse público, o que aponta para a obrigação de o funcionário nortear toda a sua atuação no sentido de prosseguir aquele interesse, adotando os comportamentos que sejam exigíveis a esse fim e abstendo-se de toda e qualquer atuação que comprometa a sua realização” (Paulo Veiga e Moura/Cátia Arrimar, Comentários à Lei Geral do Trabalhador em Funções Públicas, 1º Vol., Coimbra Editora, Coimbra, 2014, pág. 294).

No domínio do exercício da função judicial há que ter presente que o artigo 20º da Constituição da República Portuguesa prescreve que todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.

Nas palavras do acórdão desta Secção do Contencioso do STJ de 04/07/2019 (processo nº 69/18.1YFLSB), in www.dgsi.pt, “tendo presente que a função primordial da judicatura se traduz na administração da justiça – artigo 3.º, n.º 1, do EMJ – impõe-se que o juiz se assegure que a confiança dos cidadãos no funcionamento dos tribunais e a imagem global do poder judicial não seja afectada pelo seu desempenho ou comportamento”.

Quanto ao dever de zelo, de acordo com o nº 7 do artigo 78º da LGTFP, “consiste em conhecer e aplicar as normas legais e regulamentares e as ordens e instruções dos superiores hierárquicos, bem como exercer as funções de acordo com os objetivos que tenham sido fixados e utilizando as competências que tenham sido consideradas adequadas”.

Na lição de Marcello Caetano “não basta... saber fazer: é preciso fazer bem, com diligência, com exactidão, com empenho, isto é, torna-se necessário que o funcionário, além de sabedor do seu ofício («profissionalmente competente», como se costuma dizer), seja zeloso.” (Manual de Direito Administrativo, Vol. II, 10ª ed. (5ª reimp.) Almedina, Coimbra, pág. 743).

E, ainda de acordo como mesmo autor:

“(...) Também o dever de zelo abrange uma vasta zona de obrigações. Em primeiro lugar, o funcionário deve ter em dia o serviço que lhe é distribuído, isto é, há-de ser diligente no trabalho, evitando as demasiadas delongas, os atrasos que tanto prejudicam a Administração e o público. Embora deva ponderar com cuidado e atenção o que faz, não lhe é lícito demorar os assuntos em que intervém, mais do que o estritamente necessário.

O funcionário deve de ser escrupuloso para evitar erros de ofício, quer nas decisões tomadas, quer nas informações prestadas aos seus superiores ou ao público. Além desses erros correspondentes à divergência entre a realidade e aquilo que se toma por verdadeiro, há os próprios erros materiais nas tarefas de execu­ção - os erros de cálculo ou de escrita que, quando repetidos ou reveladores de falta de cuidado na revisão dos trabalhos realizados, igualmente demonstram negligência profissional.” (cit., págs. 742-743).

Nas palavras do acórdão desta Secção do Contencioso do STJ de 25/10/2018 (processo nº 5/18.3YFLSB), in www.dgsi.pt, “a sujeição às regras disciplinares parte do pressuposto da violação dos deveres profissionais e o estabelecimento da culpabilidade do agente (dolo ou negligência): no mínimo, que este deixe de actuar com o cuidado devido, apesar de saber que devia agir de outro modo e ter capacidade para o fazer, ou seja, que deixe de colocar as suas capacidades próprias (naturais e adquiridas) ao serviço da função em que foi investido”.

5.3. Retornando ao caso sub judice, consideremos o teor da deliberação impugnada (fls. 26):

“impõe-se concluir no sentido de razoavelmente se poder exigir do Exmo. Sr. Juiz arguido outro cuidado, atenção e diligência na tramitação do processo, que evitasse o protelamento na concretização do julgamento com as inerentes consequências ao nível da prescrição. 

Consequentemente, ao atuar do modo descrito, o Sr. Juiz arguido violou o dever de zelo e também o dever de prossecução do interesse público, pois com a sua conduta abalou a confiança dos cidadãos quanto à oportunidade na administração da justiça pelos tribunais”.

Considera-se que a avaliação da matéria de facto, efectuada pelo Plenário do CSM, é suficientemente perceptível a qualquer destinatário no que respeita à desadequação da conduta do demandante aos parâmetros que, globalmente, presidem à tramitação dos autos com vista à realização do julgamento, especialmente em casos de urgência.

Como refere o demandado em sede de alegações, entende-se que os factos, concretos e objectivos, foram integralmente considerados e devidamente ponderados na fundamentação da deliberação, procedendo-se, igualmente, a uma adequada subsunção dos mesmos, sendo perceptível a razão pela qual se concluiu que a conduta do demandante - ainda que por referência a um único processo - viola os deveres profissionais de prossecução do interesse público (na vertente da necessidade de actuação no sentido de criar no público a confiança que a justiça reclama) e de zelo.

Tais factos, pela sua sucessão, afiguram-se conscientemente desajustados no quadro da tramitação tendente à aguardada realização do julgamento. O referido desajustamento ocorreu, em particular, ao ter o ora demandante proferido despacho que contrariava o que havia sido decidido por acórdão da Relação ... e ao ter, na diligência designada para acerto de agendas, ordenado inesperadamente a suspensão dos autos.

5.4. Ponderemos a alegação do demandante da insindicabilidade das decisões judiciais em sede disciplinar.

Consideremos os termos em que a questão tem sido apreciada na jurisprudência desta Secção do Contencioso do STJ, socorrendo-nos da fundamentação do acórdão de 22/01/2019 (processo nº 77/18.2YFLSB), in www.dgsi.pt:

Sendo certo que o STJ “tem o poder de controlo da juridicidade legalmente vinculada das atuações administrativas do Órgão incumbido da gestão e da disciplina relativas aos juízes, está-lhe vedado o conhecimento do mérito não vinculado (discricionário) dessas atuações para o substituir por outro: como pensamos ser consensual, quando estejam em causa os critérios de mérito, conveniência e oportunidade, as valorações efetuadas pelo CSM que se insiram no plano da chamada “discricionariedade técnica”, conceito que implica uma margem de livre decisão, serão, à partida, judicialmente insindicáveis se o impugnante apenas suscitar a bondade do juízo valorativo quanto ao respetivo desempenho funcional”.

Consta, ainda, daquela decisão o seguinte:

A independência externa (ou institucional) do juiz é assegurada pelo CSM, como órgão de autogoverno do poder judicial, e pelos agentes que com o mesmo cooperam nessa sua incumbência e a independência interna (ou funcional) do juiz manifesta-se na função de julgar e na direção da marcha do processo, ou seja, na direção de todos os atos processuais orientados para a obtenção da decisão.

Ora, a essencialidade do princípio estruturante da independência do poder judicial subordina, enforma e delimita a atuação de todos os elementos que concorrem para alcançar a adequação e a eficiência do exercício de tal poder, como sucede com a gestão dos tribunais, nela abarcadas as competências administrativas atinentes aos poderes de gestão processual do juiz presidente de comarca.

É certo que a direção da marcha do processo é concretizada por atos do juiz que, na sua larga maioria, se revestem de natureza meramente administrativa, e não jurisdicional, e, como tais, o Órgão de gestão e disciplina tem competência para apreciar a sua validade, bem como para proceder ao respetivo exame para a avaliação do mérito profissional do juiz ou, até, para aferir da sua eventual repercussão disciplinar.”

No mesmo sentido, cfr. os acórdãos desta Secção do Contencioso do STJ de 25/10/2018 (processo nº 5/18.3YFLSB) e de 22/01/2019 (processo nº 65/18.9YFLSB), cujos sumários podem ser consultáveis em www.stj.pt.

        

Temos portanto que, de acordo com a jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal, o CSM tem competência para apreciar da relevância disciplinar dos actos de gestão processual praticados pelos juízes.

Ora, no caso dos autos, estão em causa actos referentes à marcha do processo que, afigura-se, se situam nesse domínio, excedendo o âmbito da mera discricionariedade técnica.

Tais actos respeitam a questões processuais que se traduzem, além do mais e objectivamente, por um lado, na desconsideração de uma decisão que já havia sido tomada no acórdão de 23/11/2016 do Tribunal da Relação ...; e, por outro lado, na determinação da suspensão dos autos com base em fundamento que, tendo já sido aflorado em momento anterior (cfr. facto assente 8), poderia e deveria ter sido previamente considerado e decidido.

5.5. Nos termos do artigo 190º, nº 1, alínea d), da LGTFP, a não exigibilidade de conduta diversa constitui circunstância dirimente da responsabilidade disciplinar.

Como se decidiu no acórdão desta Secção do Contencioso do STJ de 17/11/2015 (processo nº 69/15.3YFLSB, disponível em www.dgsi.pt:

A inexigibilidade de conduta diversa é uma circunstância dirimente da responsabilidade disciplinar que afasta a culpa e se funda na falta de liberdade para o agente se comportar de modo diferente. Essa falta de liberdade é ocasionada pela pressão de circunstâncias externas à pessoa cuja premência permita afirmar que a generalidade dos homens fiéis ao direito teria provavelmente agido da mesma forma”.

Da matéria de facto provada resulta que o demandante podia e devia ter agido de outra forma, designadamente atendendo: (i) à data da prática dos factos; (ii) ao que já havia sido decidido no acórdão da Relação ... de 23/11/2016; (iii) e à circunstância de a questão que determinou a suspensão dos autos, no dia …2018 (data para a qual havia agendado diligência para acerto de agendas com os mandatários), ter já sido antevista em despacho por si proferido em 25/02/2016.

         Conclui-se assim pela inexistência do alegado erro na apreciação dos pressupostos de facto.

6. Alega ainda o demandante que, em face da factualidade provada, a pena disciplinar aplicada viola o princípio da proporcionalidade, devendo ser especialmente atenuada.

        O princípio da proporcionalidade, enquanto critério fundamental de toda a actividade jurídica, encontra consagração constitucional no artigo 266º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa:

Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé.”

Nos termos do nº 2 do artigo 7º do CPA:

“As decisões da Administração que colidam com direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afetar essas posições na medida do necessário e em termos proporcionais aos objetivos a realizar”.

A este propósito decidiu-se no Acórdão desta Secção do Contencioso do STJ de 22/01/2019 (processo nº 77/18.2YFLSB), disponível em www.dgsi.pt:

“Na avaliação da conduta do A. importa essencialmente uma apreciação global dos fatores que são relevantes de acordo com o que resulta da lei, nomeadamente do EMJ, ponderados de acordo com critérios de conveniência e de oportunidade, a que alude o art. 3º nº 1 do CPTA, dentro da vasta margem de discricionariedade técnica do CSM.

A fundamentação gizada pelo CSM para a avaliação de tais parâmetros, à luz dos princípios fundamentais da adequação, da razoabilidade e da proporcionalidade, emerge como suficiente, transparente, inteligível e congruente. Neste âmbito, «tem este STJ uniformemente entendido que a sua intervenção se confina às situações em que se detete uma ofensa clamorosa aos princípios que regem a atividade administrativa, um erro grosseiro ou o emprego de critérios manifestamente desajustados, pois trata-se de um domínio em que o CSM atua no campo da chamada “discricionariedade técnica”, sendo certo que a adoção de solução diversa equivaleria à apropriação de prerrogativas exclusivamente conferidas àquela entidade e à substituição à mesma na prossecução de funções próprias que lhe estão legalmente confiadas» (ac. desta Secção de 30-03-2017, p. 73/16.4YFLSB, na linha dos já referenciados na nota 14).

A ponderação efetuada pelo CSM sobre a escolha e determinação da medida da sanção disciplinar – extensível à apreciação das circunstâncias atenuantes e agravantes – atende às exigências ético-deontológicas privativas do exercício da judicatura e aos contornos do caso e «insere-se na ampla margem de apreciação e avaliação de que dispõe, pelo que o STJ só deve intervir na determinação da sanção disciplinar quando se trate de um evidente erro manifesto, crasso ou grosseiro ou ainda quando haja assentado em critérios ostensivamente desajustados ou violadores de princípios, como seja o da proporcionalidade» (ac. desta Secção de 22-02-2017, p. 10/16.6YFLSB)”.

Na situação em apreço, afigura-se que o demandante se limita a discordar da ponderação efectuada pelo CSM sobre a escolha e determinação da medida da sanção disciplinar, não apontando qualquer erro grosseiro, nem identificando o emprego de critérios manifestamente desajustados.

Por outro lado, aludindo às exigências constantes do artigo 96º do EMJ, levando em conta a moldura fixada no artigo 87º do EMJ e acolhendo as razões constantes do relatório final, o CSM considerou as circunstâncias do caso concreto, efectuando uma ponderação não arbitrária e conforme com os princípios da proporcionalidade, de onde resulta claro o motivo pelo qual optou pela aplicação de uma pena de multa: a infracção em causa “não pode ser qualificada como leve” por “revelar negligência e desinteresse pelo cumprimento dos deveres profissionais”.

Para além disso, justificou também a razão pela qual não determinava a suspensão da execução da pena disciplinar, aludindo, para o efeito, aos antecedentes disciplinares do ora demandante.

         Conclui-se pela improcedência da pretensão de atenuação especial da pena disciplinar aplicada.

7. Pelo exposto, julga-se improcedente a impugnação da deliberação.

Custas a cargo do Demandante (artigo 527º, nº 1, do CPC).

Valor da acção € 30.000,01 (artigo 34º, nº 2, do CPTA), fixando-se a taxa de justiça em 6 unidades de conta, de acordo com a Tabela I-A, anexa ao Regulamento das Custas Processuais e artigo 7º, nº 1, do mesmo diploma.

Lisboa, 10 de Dezembro de 2019

Maria da Graça Trigo (Relatora)

Manuel Augusto de Matos

Chambel Mourisco

Helena Moniz

Graça Amaral

Oliveira Abreu

Pedro de Lima Gonçalves

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Presidente da Secção)

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[1] A indicação do processo nº 66/06.6… (artigo 17º do requerimento) resulta de manifesto lapso de escrita.