Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5245/07.0TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: GREGÓRIO SILVA JESUS
Descritores: TÉCNICO OFICIAL DE CONTAS
DEVERES FUNCIONAIS
OBRIGAÇÃO FISCAL
REGIME APLICÁVEL
SEGURO DE RESPONSABILIDADE PROFISSIONAL
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
CADUCIDADE
CITAÇÃO
Data do Acordão: 07/10/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES/ MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR / NÃO CUMPRIMENTO / CONTRATOS
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - INCIDENTES DA INSTÂNCIA - SENTENÇA - RECURSOS
DIREITO FISCAL - OBRIGAÇÕES FISCAIS
Doutrina: - Alberto dos Reis, In Comentário, 3.º, págs. 423 a 426.
- Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág. 440.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 563.º, 798.º, 799.º, 1154.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 327.º, N.ºS 2 E 3, 691.º, 713.º, N.º5, 722.º, 726.º, 729.º, 732º-A, 732º-B, 733.º, 754.º.
DL N.º 452/99, DE 05-11: - ARTIGO 52.º, N.º4.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 27/04/93, NO BMJ 426º-438; DE 11/05/99, PROCESSO N.º 257/99; DE 28/05/02, PROCESSO Nº 1435/02, NOS SUMÁRIOS 5/2002; DE 29/01/04, PROCESSO N.º 03B1241, DISPONÍVEL EM WWW.STJ.PT ; DE 2/12/04, PROCESSO N.º 3463/04; DE 17/03/05, PROCESSO N.º 04B1304/04, DISPONÍVEL EM WWW.STJ.PT; DE 5/07/05, PROCESSO N.º 05A2168, DISPONÍVEL EM WWW.STJ.PT ; DE 12/07/05, NO PROCESSO N.º 1860/05; DE 22/09/05, PROCESSO Nº 03B3727, DISPONÍVEL EM WWW.STJ.PT;-DE 27/04/06 NO PROCESSO N.º 945/06; DE 18/05/06, PROCESSO N.º 1134/06; DE 03/10/2006, PROCESSO N.º 2993/06; DE 27/03/07, PROCESSO N.º 4002/06; DE 12/07/07, PROCESSO N.º 2207/07; DE 31/03/09, PROCESSO N.º 637/09; DE 09/06/09, PROCESSO N.º 330/01.S1; DE 08/09/09, PROCESSO N.º 1127/05.8TBCBR.C1.S1; DE 01/10/09, PROCESSO N.º 1284/06.6TBVCT.S1; DE 08/10/09 NA REVISTA N.º 3721/08; DE 11/03/10, PROCESSO N.º 6560/05.2TBLRA.C1.S1; DE 27/01/10, PROCESSO N.º 353/1998.L1.S1; DE 09/02/10, PROCESSO N.º 1448/07.5TVLSB.L1.S1; DE 14/09/10, PROCESSO N.º 699/04.9TBMGR.C1.S1; DE 23/09/10, PROCESSO N.º 4178/06.1TBBCL.G1.S1; DE 16/03/11, PROCESSO N.º 366/03.0TBALB.C1.S1; DE 7/04/11, PROCESSO N.º 268003/08.5YPRT.L1.S1; DE 21/06/2011, PROCESSO N.º 1065/06.7TBESP.P1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.STJ.PT; DE 6/07/11, PROCESSO N.º 204/07.5TBSVV.C1.S1; DE 6/09/11, PROCESSO N.º 3579/06.0TBGDM.P1.S1; DE 15/12/11, PROCESSO N.º 2802/07.8TVLSB.L1, DISPONÍVEL EM WWW.STJ.PT.
Sumário :

I - O juízo sobre se certo facto alegado por uma das partes se encontra impugnado ou não, constitui matéria de facto, e por isso não pode ser censurado pelo STJ .
II - Para impedir a caducidade não importa a data da citação do réu/chamado; o que releva é a manifestação de vontade do titular do direito, exercendo-a com a propositura da acção, não a chegada dessa manifestação ao conhecimento da outra parte.
III - Uma das principais funções do TOC é assegurar o cumprimento das boas regras contabilísticas e o cumprimento das regras fiscais, assumindo a responsabilidade pela regularidade técnica, nas áreas contabilística e fiscal, das entidades sujeitas aos impostos sobre o rendimento que possuam ou devam possuir contabilidade regularmente organizada.
IV - Quando um TOC informa a entidade para que presta serviço acerca de qual o regime tributário que deve ser seguido – simplificado de tributação ou regime normal assente na contabilidade organizada –, está a exercer uma actividade que se enquadra na planificação da execução da contabilidade para a qual tem competência funcional.
V - A informação prestada pelo TOC para opção do regime tributário insere-se na sua actividade de consultadoria.
VI - Quando os clientes, as entidades sujeitas aos impostos, contratam um TOC esperam dele competência e diligência no exercício das respectivas funções, que passam pelo pagamento ao Estado dos impostos sobre o rendimento que têm de pagar, por uma aplicação judiciosa e consciente das normas fiscais e contabilísticas, e por deles exigirem um especial dever de informação sobre a forma como as suas obrigações fiscais devem ser cumpridas.
VII - Tem de considerar-se abrangida pelo âmbito do contrato de seguro celebrado entre a Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas e a seguradora, no âmbito da obrigatoriedade imposta pelo art. 52.º, n.º 4, do DL n.º 452/99, de 05-11, a responsabilidade por danos patrimoniais decorrentes do respectivo incumprimento.



Decisão Texto Integral:

                    Revista nº 5245/07.0TVLSB.L1.S1[1]



    Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


        I— RELATÓRIO       

AA Castings Lda., com sede na Rua ..., intentou acção declarativa, com processo ordinário, contra BB - Business, Consulting and Accounting, com sede na Rua ..., pedindo a sua condenação a pagar-lhe a importância de 45.068,60€, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos desde a citação até integral pagamento.

Alega para tanto, em síntese, que em Novembro de 2001 contratou a ré para lhe prestar serviços de aconselhamento e preparação de impostos, não tendo esta empresa por intermédio da sua TOC, comunicado à Administração Fiscal a opção pelo regime geral de tributação, ficando assim a sociedade enquadrada no regime geral simplificado, o que lhe causou prejuízos em impostos que teve de suportar a mais no valor global de 17.770,41€, em coimas por não poder proceder ao pagamento dos mesmos, algumas já em avançada fase de execução fiscal, em juros de mora, despesas com o presente processo, e pelo facto de ter de cessar a sua actividade o que ocorreu em 15/09/2005.

Mais alega prejuízos não patrimoniais em valor nunca inferior a 15.000,00€ que peticiona.

Citada a BB, veio a CC-Consultadoria de Organizações Lda. contestar, excepcionando que a sua denominação correcta era DD-Consultadoria Empresarial Lda, entretanto alterada para a actual denominação, não sendo aceitável que a autora desconhecesse aquela sua denominação, pelo que a citação efectuada é nula.

Por impugnação, alega que da proposta junta pela autora não resulta que se tenha obrigado a prestar qualquer tipo de aconselhamento fiscal, era à autora que incumbia tomar a posição que mais lhe conviesse em sede de tributação fiscal, e que cessou os seus serviços à autora em meados de 2004, não sendo de sua responsabilidade as declarações apresentadas posteriormente.

Deduz ainda o pedido de intervenção principal provocada de EE, alegando a celebração de um contrato de cessão de quotas nos termos do qual este se assumia como responsável por todas as dívidas da sociedade até 04/10/06, e de FF, a TOC responsável pela contabilidade da autora até ao exercício de 2003.

A autora replicou impugnando os factos invocados pela ré, e peticionando a redução do pedido para a quantia de 41.130,74€.



Indeferida a arguida nulidade da citação e admitindo-se a intervir nos autos como ré a CC Lda. foi igualmente admitida a intervenção principal acessória dos chamados.

 Vieram estes apresentar contestação, alegando a chamada FF, por excepção, a sua ilegitimidade passiva, uma vez que se encontra abrangida por seguro de responsabilidade civil profissional celebrado pela Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas com a GG-Companhia de Seguros S.A., mais alegando que, sendo a sua responsabilidade solidária deve ser admitida a intervir a título principal e não acessório.

Deduziu ainda o pedido de intervenção principal da Companhia de Seguros GG.

Por sua vez, o chamado EE excepcionou a sua ilegitimidade passiva, alegando que a sua responsabilidade adviria da responsabilidade da chamada FF, transferida para a GG, pelo que afastada está também a sua responsabilidade nos autos.

Por impugnação, contestam ambos os factos invocados pela autora, alegando que esta sempre apresentou prejuízos, que o facto de a TOC não ter procedido à comunicação em causa se tratou de um lapso desculpável face às mudança de regime e às dúvidas que então se levantaram, mas que os prejuízos invocados foram menores do que os alegados.

Foi admitida a intervenção principal da FF e, em consequência, da seguradora GG S.A..

Veio a GG S.A contestar, alegando por excepção que o contrato de seguro em apreço atingiu o seu termo em 27/03/04, estando a garantia da apólice limitada aos erros, actos e omissões geradoras de responsabilidade reclamadas até ao período de 4 anos subsequentes ao termo do contrato, desde que o facto gerador dos danos tenha ocorrido em data anterior ao referido termo, o que não aconteceu.

Impugna ainda os factos invocados pela autora e alega que não faz parte das atribuições de um técnico oficial de contas a opção pelo regime de tributação, nem a consultadoria fiscal e que, em todo o caso, da não opção pelo regime de contabilidade organizada pode resultar ou não um maior imposto a suportar pelo contribuinte, não sendo por si só causa adequada de quaisquer danos.

A este articulado responderam a autora e demais intervenientes impugnando os factos e as razões de direito aduzidas por esta interveniente.



No despacho saneador julgou-se improcedente a excepção de ilegitimidade passiva suscitada pelos intervenientes FF e EE, e procedeu-se à selecção da matéria de facto, objecto de reclamação parcialmente deferida.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, no seu decurso a interveniente seguradora trouxe ao conhecimento do tribunal a extinção da autora, determinando-se nessa conformidade a citação dos seus sócios.  

Ainda no decorrer da mesma, a Companhia de Seguros GG, S.A. recorreu do despacho proferido que indeferiu o seu pedido de ser consignada em acta a confissão da autora, aquando do respectivo depoimento de parte, de que resolvera apresentar a reclamação graciosa sem consultar a FF. Agravo admitido com subida diferida.

Decidida a matéria de facto, nos termos que constam do despacho de fls. 912/914, sem reclamações, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, consequentemente, condenou a ré CC Lda. a pagar à autora a quantia de 18.098,40€, acrescida de juros desde a citação até integral pagamento à taxa de 4%, e a GG-Companhia de Seguros S.A., solidariamente, a quantia de 16.288,56€, sendo a franquia de 10% a suportar exclusivamente pela segurada FF, no valor de 1.809,84€, quantias estas acrescidas de juros à taxa de 4% desde a citação até integral pagamento.

Inconformada, só a Companhia de Seguros GG, S.A. apelou, mas sem êxito, uma vez que a Relação de Lisboa no seu acórdão de 25/11/11 (fls. 1198 a 1234) negou provimento ao agravo e julgou improcedente a apelação, confirmando o despacho e a sentença recorridos.

Continuando irresignada, a seguradora recorreu de revista, e nas alegações que apresentou formulou as seguintes conclusões:

a) A Recorrente, que foi chamada a intervir e foi decidida a sua intervenção ao abrigo do regime constante dos arts. 325° e seguintes do Código de Processo Civil, sendo por isso Interveniente Principal, no seu articulado de intervenção, impugnou toda a matéria constante da petição inicial e dos demais articulados, tendo também impugnado todos os documentos juntos aos autos, o que fez nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 490° e 544° do Código de Processo Civil;

b) A Recorrente, por não ser parte primitiva nos presentes autos, não está vinculada nem nunca poderia estar vinculada aos factos que foram alegados pelas partes primitivas, podendo contestar e alegar de forma própria e autónoma, como aliás o fez;

c) Para que ao interveniente se imponha a força do caso julgado é necessário que este tenha sido convencido de todos os factos que consubstanciam os pressupostos da obrigação de indemnizar e entre esses pressupostos contam-se a relação jurídica estabelecida entre o credor da indemnização e o devedor originário da mesma;

d) O interveniente está legitimado a contestar de moto próprio, pode apresentar um articulado próprio, pode assumir uma defesa própria, não necessariamente coincidente com a parte que provocou o chamamento e pode não limitar-se a aderir ao articulado desta última parte - cfr. artigos 332° e 337° do Código de Processo Civil;

e) Como já se decidiu, entre outros: "a aceitação do chamamento implica para o chamado o poder de se defender na acção, sem restrições" - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Julho de 1980, in BMJ 299, pág. 244 e "o réu chamado aos autos através da intervenção provocada, que apresente articulado próprio no devido tempo, não é obrigado a aceitar tudo o que tenha sido anteriormente feito, tendo legitimidade para, por via de recurso, por em causa despachos anteriores à sua participação processual." (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Acórdão de 19 de Outubro de 2004 (Processo 04A2585 acessível em www.dgsi.pt);

f) Portanto, nunca poderiam ter sido dados como provados os factos constantes das alíneas A) a W) da "Matéria Assente" no despacho saneador, devendo sobre os mesmos ser produzida a correspondente prova, pelo que tal matéria deve ser considerada em discussão e, como tal, submeter-se a prova em julgamento;

g) Caso contrário, está a permitir-se que a Interveniente seja condenada sem que tenha tido hipótese de contestar e discutir parte dos factos onde se baseia essa condenação, o que é um absurdo;

h) A não se entender assim, cria-se uma situação perfeitamente aberrante de imposição de matéria fáctica a alguém a quem ela é alheia, sem qualquer hipótese de contestar, mas que vai implicar a sua condenação, o que constitui uma clara violação dos mais elementares princípios processuais e, também, constitucionais uti arts. 13° e 20° da Constituição da República Portuguesa);

i) Por outro lado, deve ser julgada procedente, por provada, a alegada excepção substantiva de limitação temporal do contrato de seguro dos autos: ponderando a cláusula n° 5 inserta nas condições particulares do contrato de seguro dos autos, somos levados a concluir que a acção é extemporânea (em relação à Recorrente) uma vez que deu entrada transcorrido o prazo de quatro anos após a cessação dos efeitos da respectiva apólice;

j) Da matéria de facto dada como provada não se pode extrair que os RR e Interveniente estivessem obrigados para com a Autora a exercer qualquer opção ou sequer a aconselhar o exercício de uma opção ligada ao regime de tributação a que esta última ficaria submetida;

k) Da matéria de facto dada como provada, o que se pode concluir é, apenas e só, que 6-De acordo com o estipulado, a prestação de serviços teve inicio a 1 de Novembro de 2001, tendo a Autora facultado todos os elementos documentais e informações solicitadas pela Sociedade Ré para delegação da sua responsabilidade, e a Ré ficado obrigada a tratar de todas e quaisquer obrigações fiscais da Empresa. 7-Durante a execução do contrato em causa, a Ré, por intermédio da sua TOC, solicitou todos os documentos necessários relativos à contabilidade da empresa e ao cumprimento de quaisquer obrigações fiscais de modo a possibilitar uma "máxima eficiência Fiscal"',

l) O conteúdo da obrigação assumida pelos RR e Interveniente perante a Autora foi única e exclusivamente dirigida ao cumprimento das obrigações fiscais (ainda que destinadas a possibilitar uma máxima eficiência fiscal - o que, em todo o caso, não está definido o que fosse);

m) Ora, toda a temática do enquadramento do regime de tributação, tendo em vista a derrogação do chamado "regime simplificado", gira em torno do exercício de uma opção, é do exercício de um direito que se trata: não do cumprimento de uma obrigação!

n) Não se provou que os RR e Interveniente se tivessem comprometido perante a Autora com qualquer outro tipo de prestação de serviços;

o) Há ainda que ponderar a apropriação ilícita que está a ser permitida nestes autos pois o contrato de seguro não pode cobrir os eventos que a Autora alegou nem estes eventos são susceptíveis de serem reconduzidos a um "erro profissional" do técnico oficial de contas;

p) A apólice dos autos não abrange qualquer responsabilidade decorrente da prática de qualquer acto ou exercício de qualquer actividade que não se enquadre na actividade a que, por lei, os técnicos oficiais de contas estão habilitados a exercer, o que nos leva a ter de determinar os riscos decorrentes do exercício da profissão para a qual o técnico oficial de contas esteja habilitado e à análise das funções legalmente consagradas no art. 6º do Estatuto da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas;

q) Do art. 6º do "ECTOC" resulta claro que o cerne e conteúdo fundamental da actividade a que os técnicos oficiais de contas estão habilitados a prosseguir está concentrado na alínea a) do citado preceito;

r) Tudo gira à volta de "planificar, organizar e coordenar a execução da contabilidade das entidades sujeitas aos impostos sobre o rendimento que possuam ou devam possuir contabilidade regularmente organizada" - note-se: planificar, organizar e coordenar a execução da contabilidade;

s) No elenco das funções legalmente atribuídas aos técnicos oficiais de contas enquadra-se apenas e só tudo o que tem a ver com organização e arquivo de documentos contabilísticos e fiscais, classificação de documentos e seu lançamento nos respectivos livros contabilísticos e no sistema informático e apuramento de impostos a pagar, ao que se acrescenta a planificação da execução dessa actividade com prestação de consultoria nessa área;

t) Não lhe cabe proceder ao exercício de opções de natureza jurídico -fiscal ou ao aconselhamento dessa natureza;

u) Porém, ao contrário do que a Autora pretende neste processo, a responsabilidade que está a pretender assacar aos RR e Interveniente é uma responsabilidade que se enquadra, não na actividade dos "TOC", mas na dos advogados e solicitadores habilitados à prática de actos jurídicos e à consulta jurídica - fiscal, reservada a estes profissionais nos termos da Lei n° 49/2004, de 24 de Agosto (cfr. também os artigos 53° e 56° do Estatuto da Ordem dos Advogados aprovado pelo Decreto-Lei n° 84/84, de 16 de Março e pela Lei n° 15/2005, de 26 de Janeiro e o artigo 358°, b) do Código Penal);

v) Por outro lado, ainda, há que recordar o regime legal: a opção por um ou outro dos regimes de tributação, grosso modo, deve ser feita até 31 de Março de cada ano (art. 28° do CIRC) e tem a ver com o volume de negócios (proveitos e despesas) gerados em cada ano, bem podendo suceder que o dito "regime simplificado" seja mais favorável que o dito de "regime geral de tributação pelo lucro tributável";

w) Mas, a 31 de Março de cada ano é impossível a qualquer pessoa que não seja o próprio empresário/contribuinte prever qual vai ser a evolução da sua actividade pelo que o técnico oficial de contas não pode estar obrigado a proceder a tal previsão;

x) Como foi decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão datado de 30 de Outubro de 2008 (Apelação n° 5637/02, 2ª Secção) e relatado pelo Juiz Desembargador Borges Carneiro (acessível em www.dgsi.pt):

"O seguro profissional obrigatório não garante uma actividade contratada entre um contribuinte e um técnico oficial de contas, em termos de se obrigar a prestar-lhe consultadoria na área do direito fiscal, pois o que lhe compete é planificar, organizar e coordenar a execução da sua contabilidade ou prestar-lhe funções de consultadoria nessa área. Tais funções de consultadoria dos T.O.C, são relativas à planificação, organização e execução da contabilidade e não a consultadoria na área fiscal, isto é, a opção por um determinado regime de tributação"', cfr. também o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 24 de Março de 2009, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 24 de Setembro de 2009, relatado pelo Exmo. Snr. Desembargador José Ferraz (3ª Secção, Processo n° 3035/07.9TBPVZ.P1), e o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 3 de Novembro de 2009, proferido no âmbito da apelação n° 4810/06.7TBBCL.G1, da 2ª Secção Cível;

y) Finalmente, invoca-se aqui que não está provado o nexo de causalidade entre o facto (omissão dos RR e Interveniente) e os danos da Autora (o acréscimo de imposto por ela pago ao fisco) em termos de se poder afirmar que os danos foram uma consequência directa, necessária ou provável da dita omissão dos RR e Interveniente;

z) Na verdade, não está provado - nem alegado - que a Autora, sabendo da possibilidade de opção, optaria por esse regime de contabilidade organizada;

aa) Assim decidiu o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 02 de Julho de 2009, relatado pelo Exmo. Snr. Conselheiro Mota Miranda e subscrito pelos Exmos. Snrs. Conselheiros Maria dos Prazeres Beleza e Carlos Alberto Sobrinho;

bb) O presente recurso deve ser julgado procedente e revogada a decisão recorrida, pois assim o impõem a boa interpretação e aplicação dos arts. 13° e 20° da Constituição da República Portuguesa, arts. 325° e ss., 511º, 659°, n° 2, 660°, n° 2, 668°, n° 1, al. d), 713° e 721°, n° 2, todos do Código de Processo Civil, art. 6º do Estatuto da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, Lei n° 97/2009, de 3 de Setembro, a Lei n° 49/2004, de 24 de Agosto e também os artigos 53° e 56° do Estatuto da Ordem dos Advogados aprovado pelo Decreto-Lei n° 84/84, de 16 de Março e pela Lei n° 15/2005, de 26 de Janeiro, que foram incorrectamente aplicados e consequentemente violados pela decisão recorrida, com o que farão V. Exas. a mais nobre e elevada JUSTIÇA!!!

Não foram oferecidas contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.



O objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, salvo as questões de conhecimento oficioso, nos termos dos artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1, do Código de Processo Civil[2] – por diante CPC.

São as seguintes as questões suscitadas que importa apreciar e decidir:

a) Se os factos que a recorrente indica deviam ter sido levados à base instrutória;

b) Se se verifica a alegada excepção substantiva de limitação temporal do contrato de seguro;

c) Se a ré CC Lda, por intermédio da sua TOC, não estava obrigada para com a autora a aconselhar o exercício de uma opção ligada ao regime de tributação a que ela ficaria submetida;

d) Se não está provado o nexo de causalidade entre o facto (omissão da ré) e os danos da autora.



                                             II-FUNDAMENTAÇÃO

DE FACTO

Vem tida por assente a seguinte matéria de facto:

1- A Autora "AA Casting Lda." é uma Sociedade Comercial que exerceu funções no âmbito do seu objecto social de casting, distribuição de actores para cinema, publicidade, televisão, vídeo, teatro e dobragens, agenciamento e produção de filmes.

2- Durante a prossecução da sua actividade, e de modo a optimizar a sua gestão, a A. acordou com a R. a prestação de serviços contabilísticos e fiscais.

3- Para o efeito, a A. subscreveu um documento denominado “Acordo de Prestação de Serviços” que lhe foi apresentado pela R.

4- A partir dessa data passou a ser a funcionária da R., FF, TOC, a ocupar-se da contabilidade da A.

5- Como contrapartida dos serviços acordados, ficou a ora Autora vinculada a pagar, para além do valor da instalação no montante de 64.755,00 (sessenta e quatro mil setecentos e cinquenta e cinco escudos) - € 323 (trezentos e vinte e três euros) - acrescidos de IVA, uma avença mensal de igual valor e ainda uma avença de fecho de ano no valor de 129.510,00 (cento e vinte e nove mil e quinhentos e dez escudos - € 646 (seiscentos e quarenta e seis euros) - acrescidos de IVA.

6- De acordo com o estipulado, a prestação de serviços teve inicio a 1 de Novembro de 2001, tendo a Autora facultado todos os elementos documentais e informações solicitadas pela Sociedade Ré para delegação da sua responsabilidade, e a Ré ficado obrigada a tratar de todas e quaisquer obrigações fiscais da Empresa.

7- Durante a execução do contrato em causa, a Ré, por intermédio da sua TOC, solicitou todos os documentos necessários relativos à contabilidade da empresa e ao cumprimento de quaisquer obrigações fiscais de modo a possibilitar uma "máxima eficiência Fiscal".

8- A R. identificava-se na sua actividade comercial como “BB-Business Consulting and Accounting”.

9- Por documento escrito denominado contrato de trabalho, datado de 24/05/01, do qual constam como outorgantes EE Lda. e FF, foi declarado que a 2ª era admitida ao serviço da 1ª contratante para exercer a categoria profissional de técnica oficial de contas.

10- Por fax datado de 20/10/04, a R. comunicou à A. o seguinte: " Este fax é para dar conhecimento que ao ser consultado o Cadastro da PVC na Base de Dados electrónica do Ministério das Finanças, verificou-se que foi alterado o enquadramento no Regime Geral de Tributação. É importante salientar que o Ministério das Finanças não faz qualquer comunicação de alerta à empresa sobre esta situação, enquadrando a empresa automaticamente no Regime Simplificado de Tributação.

Os serviços do IRC têm vindo a fazer "administrativamente" o enquadramento no Regime Simplificado, quando o volume de negócios realizados pelos sujeitos passivos não supera os € 149.639,37, apesar de na declaração de inicio de actividade, a empresa ter feito a opção pelo Regime Geral, obrigando desta forma as empresas a pagarem impostos com base num rendimento presumido obtido do valor declarado dos seus proveitos anuais.

O enquadramento neste Regime, significa que, independentemente das despesas efectivas da empresa, passará a ser utilizado para o apuramento do lucro tributável os coeficientes de 0,20 para as vendas e de 0,45 para a prestação de serviços. As despesas continuarão entretanto a ser importantes para o cálculo do apuramento do Iva.

Tendo em vista esta situação, iremos proceder ao envio do fecho de contas no Regime Simplificado, que englobará o Modelo 22, o Anexo B e Declaração Anual (Anexos J e L)."

11- Até à referida alteração, era a "AA Castings Lda. Tributada de acordo com o Regime Geral de Determinação do Lucro, sendo o seu rendimento tributável apurado a partir do resultado contabilístico segundo as regras da contabilidade organizada tendo em conta as operações e variações patrimoniais realmente ocorridas na própria empresa e corrigido de acordo com as regras fiscais.

12- Assim, tendo o regime simplificado entrado em vigor em 2001 e encontrando-se a "AA Casting Lda." enquadrada no regime geral à data, iniciava-se no ano de 2003 um novo período de 3 anos no qual deveria ser indicada à Administração Fiscal a opção pela continuação no Regime Geral de Tributação.

13- Não foi comunicado à Administração Fiscal até ao dia 31 de Março de 2003, a opção da A. em passar a ser tributada ao abrigo do regime geral, uma vez que os proveitos do exercício de 2002, não ultrapassavam os limites previstos para a tributação simplificada.

14- No ano de 2003 e até ao final do mês de Março, nem a A. nem a R. por intermédio da sua TOC FF comunicaram junto do competente Serviço de Finanças, a opção da A. pelo regime de contabilidade organizada para o ano de 2003.

15- A A. ficou sujeita ao regime simplificado nos anos de 2003 a 2005.

16- A R. sabia que a A. não tinha atingido um volume de proveitos superior a € 149.639,37.

17- Em 04/10/05, a A. apresentou junto do Director de Finanças do Distrito de Lisboa, reclamação graciosa, com os seguintes fundamentos:

" 1º - A ora reclamante iniciou a sua actividade em 1991, ficando sujeita ao regime geral de determinação do lucro tributável.

2º - Não obstante o enquadramento no regime geral de determinação do lucro tributável desde o ano de 1991, a Administração Fiscal, baseando-se num volume anual de proveitos relativo ao exercício do ano de 2002 inferior ao previsto no Artigo 53º de CIRC, decidiu alterar, com efeitos a partir do exercício de 2003, o enquadramento da reclamante para o regime simplificado de determinação do lucro tributável, alterando assim o regime de tributação da ora reclamante.

3º - Entende a reclamante que, ao ser enquadrada pela Administração Fiscal num regime de tributação diferente daquele no qual foi enquadrada válida e legalmente em 1991, mesmo com fundamento legal – de que manifestamente carece - sem qualquer comunicação ao sujeito passivo, impediu-a de fazer a opção no ano de 2003, que teria sido realizada se fosse conhecedora da sua real situação perante as normas do Artigo 53º do CIRC.

4º - Este acto da Administração Tributária afecta os direitos e interesses legítimos da reclamante, prejudicando-a gravemente, porquanto não lhe foi validamente notificado, em obediência ao nº 1 do Artigo 36º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o que implica a não produção de efeitos.

5º - Verifica-se assim nulidade no acto consubstanciado em:

a) Ausência de fundamentação legal para o acto exercido [alínea c) do Artigo 99º do CPPT];

b) Preterição de formalidade legal, ao não notificar validamente o facto à reclamante como impõe o nº 1 do Artigo 36º do CPPT, o que lhe retira eficácia. [alínea d) do Artigo 99º do CPPT];

c) Violação do princípio da legalidade tributária, na parte respeitante às garantias dos contribuintes. (Artigo 8º da Lei Geral Tributária); que nos temos dos 1 e 2 do Artigo 70º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, constitui fundamento da presente reclamação.

6º - Pelo exposto, face à ilegalidade e à falta de eficácia do acto ora reclamado em matéria tributária, deverá o enquadramento da reclamante no regime simplificado do lucro tributável ser anulado, mantendo-se o enquadramento no regime geral do lucro tributável."

18- A reclamação graciosa apresentada foi indeferida, com base nos seguintes fundamentos:

" Atento o teor da petição de reclamação dos autos, bem como a informação anexa, resulta que, a Administração Fiscal apenas cumpriu os ditames fixados pelo normativo legal aplicável à data, não carecendo de fundamentação adicional a sua actuação no caso, senão a que resulta directamente da própria lei.

Efectivamente, não podia nem deveria a reclamante, enquanto sociedade comercial, desconhecer a legislação fiscal que lhe era aplicável, pelo que a invocação do desconhecimento da sua situação tributária em 2003, face ao artº. 53º do CIRC, não pode suportar o pedido formulado.

Nestes termos, não tendo sido efectuada a opção pela aplicação do regime geral de determinação do lucro tributável até Março de 2003, foi correctamente enquadrada no Regime Simplificado de Tributação, pelo que a reclamação deverá ser INDEFERIDA."

Tendo a mesma obtido o seguinte despacho:

" Concordo, pelo que de acordo com a informação prestada então, e com o parecer que antecede, é o pedido da reclamante nos termos e com os fundamentos propostos notifique-se o sujeito passivo para o exercício do direito de audição prévia a que alude o artº. 60 da LGT."

19- A declaração apresentada em 2004, referente ao exercício de 2003, foi apresentada pela TOC - FF - NIF 202 232 760.

20- As outras duas, respeitantes aos exercícios de 2004 e 2005, foram apresentadas por terceiros e fora de prazo.

21- Em 29 de Setembro de 2006, foi celebrado um contrato promessa de cessão de quotas, entre os então Sócios/Gerentes da Ré - Exmo. Dr. EE e HH - e o Exmo. Sr. Dr. II.

22- Tendo-se realizado a respectiva escritura pública de cessão de quotas, em 04 de Outubro de 2006, no cartório Notarial Dr. JJ, tendo ficado arquivado junto à mesma o respectivo contrato promessa.

23- Neste contrato promessa ficou estipulado na cláusula décima sétima o seguinte:

1 - " Serão da responsabilidade do 1º CEDENTE todas as situações que venham a dar origem a prejuízos para a sociedade, à assunção de passivos ou de outras responsabilidades para a sociedade e que não se encontrem evidenciadas contabilisticamente à data da transmissão das quotas, e que serão da responsabilidade do 1º CEDENTE, nomeadamente no que concerne a: Dívidas a Fornecedores e a Prestadores de Serviços, Coimas, Multas, Juros de qualquer espécie, Impostos, Contribuições para a Segurança Social, taxas Municipais ou outras, bem como posteriores correcções à Matéria Colectável

2 - No âmbito desta cláusula, o 1º CEDENTE obriga-se a pagar à sociedade, num prazo de 15 (quinze) dias seguidos, após as respectivas notificações, a serem realizadas pelo CESSIONÁRIO já na qualidade de Sócio Maioritário da sociedade, por carta registada em mão com AR, todos e quaisquer encargos ou passivos da sociedade que eventualmente venham a ser apurados, titulados seja por que forma for, desde que gerados ou imputáveis a data anterior à celebração do Contrato Definitivo, vencendo-se juros à taxa legal no caso de mão cumprimento do acima disposto.

3 - As referidas notificações, ao 1º CEDENTE, serão efectuadas após análise, a ser efectuada pela sociedade, de acordo com os elementos contabilísticos disponíveis, para averiguar da justeza da notificação.

4 - O 1º CEDENTE tem o dever e a obrigação de se prontificar a colaborar no apuramento da verdade dos factos."

24- Em 07/11/2000, foi celebrado entre a Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, na qualidade de tomador de seguro, e a Companhia de Seguros GG S.A., um Contrato de Seguro de Responsabilidade Civil Profissional e titulado pela apólice 87/42.205.

25- O referido seguro, assumindo a natureza de contrato de seguro colectivo, tem como segurados todos os técnicos oficiais de contas com inscrição em vigor na Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas.

26- Para o período de 10 de Novembro de 2000 a 30 de Junho de 2003, vigorou a apólice nº 87/42.205.

27- Esta apólice cobria um capital máximo por sinistro e por ano de € 50.000,00 por aderente e com uma franquia de 10% do valor da indemnização no mínimo de Esc.10.000$00.

28- A Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas foi tomadora numa apólice com nº 49.704, subscrita junto da Companhia de Seguros GG S.A., cobrindo, durante o período de 01/07/03 a 27/03/04, os riscos de responsabilidade civil profissional dos técnicos oficiais de contas inscritos naquela Câmara, no exercício das suas funções.

29- Esta apólice cobria um capital máximo por sinistro e por ano de € 50.000,00 por aderente e com uma franquia de 10% do valor da indemnização no mínimo de € 49,88.

30- Nos termos do ponto 2 das “Condições particulares destas apólices, sob a epígrafe “SEGURADO”, considera-se como tal o “Técnico Oficial de Contas, inscrito na Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, cuja obrigação de subscrição deste seguro se encontra estabelecida pelo nº 4 do artº 52 do ECTOC.”

31- Nos termos do ponto 3 das “Condições particulares destas apólices, sob a epígrafe “ÂMBITO DE COBERTURA”, estabelece-se que “Para além do que se expressa nas Condições Gerais da Apólice, o âmbito de cobertura da mesma, compreende:

As indemnizações que legalmente sejam exigíveis ao Segurado, em consequência de danos patrimoniais causados a Clientes e ou Terceiros, desde que resultem de actos ou omissões cometidos durante o exercício da actividade de Técnico Oficial de Contas.

As indemnizações legalmente exigíveis ao Segurado, decorrentes do pagamento de Coimas, Fianças, Taxas Administrativas e Juros Compensatórios ou de Mora (de natureza não penal), aplicados aos seus Clientes em consequência de erro profissional do Segurado.

Danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de lesões corporais e/ou materiais causados a Clientes ou a Terceiros, na qualidade de proprietário ou arrendatário do imóvel ou fracção onde o segurado exerce a sua profissão, bem como os causados por objectos que integrem as citadas instalações.”

32- Nos termos do ponto 4 das “Condições particulares destas apólices, sob a epígrafe “EXCLUSÕES”, estabelece-se que:

“Para além das exclusões referidas nas Condições Gerais, fica ainda excluída a responsabilidade:

Por danos resultantes da prática de actos e/ou do exercício da actividade profissional, para os quais o Segurado não esteja legalmente habilitado.”

33- Nos termos do artº 2 das Condições Gerais deste seguro, sob a epígrafe

“Objecto e garantias do contrato”

 “1. O presente contrato tem por objecto a garantia da responsabilidade extracontratual que, ao abrigo da lei civil, seja imputável ao segurado, na qualidade ou no exercício da actividade expressamente referidas nas respectivas Condições Especiais e Particulares.

2. O presente contrato garante, nos seus precisos termos, o ressarcimento dos danos patrimoniais e/ou não patrimoniais, directa e exclusivamente decorrente de lesões, corporais e/ou materiais, causadas a terceiros.”

34- Por carta datada de 27 de Fevereiro de 2004, a Interveniente procedeu à resolução do contrato de seguro dos autos, com efeitos a partir de 27 de Março de 2004.

35- No dia 5 de Julho de 2007 a Interveniente Catarina remeteu participação do sinistro a que respeitam os presentes autos, mediante carta registada com aviso de recepção, para a ... – CORRECTORES DE SEGUROS, S.A.

36- Nessa participação da Interveniente FF, para além de participar o sinistro, juntou a carta da mandatária da A., reclamando o incumprimento contratual por parte da R. BB, os modelos 22 relativos aos anos de 2004 e 2005 da A. e respectivas demonstrações de liquidação.

37- Por carta datada de 29/10/07, remetida pela Companhia de Seguros GG à interveniente FF, foi comunicado seguinte:

"Acusamos a recepção da sua participação de sinistros, bem como da documentação junta, que mereceu a nossa melhor atenção.

A apólice em referência cobre o risco de Responsabilidade Civil Profissional decorrente da actividade de Técnico Oficial de Contas, enquadrada pelo respectivo estatuto.

Os factos participados não se enquadram no âmbito daquela actividade.

Nesta conformidade, lamentamos informar que quaisquer eventuais danos ocorridos se encontram excluídos do âmbito de cobertura da Apólice."

38- A A. não apresentou as declarações fiscais referentes aos anos de 2004 e 2005, porque aguardava resposta à reclamação graciosa apresentada.

39- Por ter ficado vinculada ao regime simplificado, no ano de 2003, foi-lhe liquidado o imposto de € 5.902,68.

40- Quando no regime geral seria liquidada a €0,00.

41- No ano de 2004, foi-lhe liquidado o montante de € 11.873,79.

42- Quando no regime geral, teria de pagar € 6.144,85.

43- No ano de 2005, foi-lhe liquidado o montante de € 8.849,60.

44- Quando no regime geral teria de pagar € 2.382,82.

45- Foram ainda aplicadas coimas à A., pela não apresentação atempada das declarações de rendimentos e informação contabilística e fiscal dos anos de 2003, 2004 e 2005, no valor de € 965,02.

46- A que acrescem o montante de € 3.726,06 de juros de mora junto da administração fiscal, e custas tributárias no valor de € 169,25.

47- A A., por via da existência de dívidas e encargos fiscais, optou por efectuar cessação da sua actividade para efeitos de IVA em 15/09/05.

48- A A. devido a estes encargos fiscais, não conseguiu cumprir com compromissos já anteriormente assumidos.

49- A Ré, por intermédio da TOC FF prestou serviços à Autora até ao exercício de 2003, tendo deixado de prestar serviços em definitivo à Autora em meados de 2004.

DE DIREITO

A) Se os factos que a recorrente indica deviam ter sido levados à base instrutória

Começa a recorrente o seu insurgimento por invocar que foi chamada a intervir e foi decidida a sua intervenção ao abrigo do regime constante dos arts. 325° e seguintes do CPC, sendo por isso interveniente principal, e no seu articulado impugnou toda a matéria constante da petição inicial e dos demais articulados, tendo também impugnado todos os documentos juntos aos autos, o que fez nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 490° e 544° do CPC.

Aduz que não está vinculada, nem nunca poderia estar, aos factos que foram alegados pelas partes primitivas, podendo contestar e alegar de forma própria e autónoma, como aliás o fez

Por isso, defende que nunca poderiam ter sido dados como provados os factos constantes das alíneas A) a W) da “Matéria Assente” no despacho saneador, devendo sobre os mesmos ser produzida a correspondente prova, pelo que tal matéria deve ser considerada em discussão e, como tal, submeter-se a prova em julgamento.

Vejamos o que suscita tal pretensão, aqui e agora.

A ora recorrente, logo após se haver procedido à selecção da matéria de facto, reclamou da inclusão na matéria assente dos mesmos factos constantes das alíneas A) a W), sustentando que se tratava de matéria que permanecia controvertida, e que como tal deveria transitar para a base instrutória (fls. 492).

Essa reclamação foi indeferida por despacho judicial de 5/06/09 (fls. 683), pelo que, em sede de apelação, veio a recorrente a insistir e manter que tal matéria devia ser considerada em discussão e, como tal, ser submetida a prova em julgamento, devendo anular-se o realizado e determinar-se a sua repetição, pretensão que ora reitera nesta sede de revista.

No essencial, insurgia-se e insurge-se, pois, a recorrente, contra a forma como foi organizada/elaborada a selecção da matéria de facto.

A este respeito, começou a Relação por discorrer sobre os termos em que se processa a intervenção provocada, e observar que intervindo o interessado no processo após esgotado o prazo da contestação terá que aceitar os articulados apresentados pela parte a quem se associa e aceitar todos os termos e actos processuais já realizados (art. 327°, n°s 3 e 4 do CPC).

Depois, esclareceu as razões do indeferimento, referindo nomeadamente que: “estes factos pode dizer-se que na sua essencialidade dizem respeito às relações estabelecidas entre a autora, a ré e a interveniente, FF. Como se diz no despacho de fls. 683, que apreciou a reclamação apresentada pela recorrente, estes factos foram expressamente aceites pelos intervenientes dos mesmos (ré e TOC, FF), ou seja, objecto de confissão.

Com efeito, quer por confissão no articulado (art. 38º do CPC), quer por não terem sido impugnados pelas partes a quem respeitam, estes factos tem de ter-se como aceites, não bastando a mera impugnação genérica de quem não tem que ter conhecimento dos mesmos “.

Deste modo, o que a recorrente pretende obter, na prática, é a modificação da decisão de facto de molde a dela serem excluídos certos pontos de facto que, em seu entender, não poderiam integrar a matéria assente por haverem sido por si impugnados e não se poderem ter por confessados.

Acontece que, não pode este Supremo Tribunal estender os seus poderes de cognição a esta parte do acórdão recorrido, uma vez que estritamente lhe cumpre cuidar, como se sabe, da aplicação definitiva do regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido (art. 729.º, n.º 1, do CPC).

Ora, o juízo sobre se certo facto alegado por uma das partes se encontra impugnado ou não, constitui matéria de facto, e por isso não pode ser censurado pelo Supremo[3].

Isto é, o erro na fixação dos factos materiais da causa, tal como na apreciação das provas, não pode ser objecto do recurso de revista, conforme dispõe o n.º 2 do artigo 722.º, salvo nas hipóteses excepcionadas neste normativo, que aqui não se verificam.

Nesta conformidade se decidiu no Acórdão deste Supremo de 29/01/04, Proc. nº 03B1241, assim sumariado no ITIJ: “Impugnado nos termos do n.º 3 do artigo 511.º do Código de Processo Civil o despacho proferido sobre reclamação à especificação e questionário, a fixação dos factos materiais da causa pela Relação em apreciação da impugnação não pode ser objecto do recurso de revista, salvo nas hipóteses excepcionadas no n.º 2 do artigo 722.º, e do n.º 3 do artigo 729.º do mesmo Código “.

Acresce, que só haverá lugar a uma eventual determinação de baixa ao tribunal “a quo” quando o Supremo entenda que a decisão de facto possa e deva ser ampliada em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou que ocorram contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito (cf. art. 729º, nºs 1 e 3 do CPC).

Necessidade e inviabilidade essas que igualmente não ocorrem no caso “sub-judice”.

De qualquer das formas, e para esgotar as perspectivas de análise da questão, não se pode esquecer que estamos perante questão vincadamente de natureza processual, e por isso mesmo só susceptível de ser atacada por via de agravo. A localização desse ataque aquando da interposição do recurso de apelação não lhe retira a sua matriz, a sua natureza e qualificação, devendo-se tão só a critérios de celeridade e oportunidade processuais (arts. 691º e 733º do CPC).

Expressa a lei que, sendo o recurso de revista o próprio, pode o recorrente alegar, além da violação da lei substantiva, a violação da lei de processo, quando desta for admitido recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 754º do CPC, de modo a interpor do mesmo acórdão um único recurso (art. 722º, n.º 1, do CPC).

Trata-se do princípio designado da unidade ou absorção, em que o recurso de revista, em razão do seu objecto essencial relativo à violação de normas jurídicas substantivas, arrasta para a sua órbita o conhecimento da violação de normas jurídicas adjectivas, próprio do recurso de agravo.

Todavia, para o efeito, exige a lei, como condição do conhecimento da violação de normas jurídicas processuais, que a decisão da Relação sobre essa matéria seja impugnável, nos termos do n.º 2 do artigo 754º do CPC.

A este propósito, estabelece a lei, por um lado, ser admissível recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação de que seja admissível recurso, salvo nos casos em que couber revista ou apelação (artigo 754º, nº 1, do CPC).

E, por outro, não ser admissível recurso de agravo do acórdão da Relação sobre decisão da 1ª instância, salvo se estiver em oposição com outro, proferido no domínio da mesma legislação pelo Supremo Tribunal de Justiça ou por qualquer Relação, e não houver sido fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos dos artigos 732º-A e 732º-B, jurisprudência com ele conforme (art. 754º, nº 2, do CPC).

Ora, no caso vertente, estamos perante um segmento decisório de um acórdão da Relação que conheceu de um despacho proferido no tribunal da 1ª instância. O referido segmento decisório não se integra na excepção à proibição da admissibilidade de recurso a que se reporta o nº 2 do artigo 754º do CPC, nem a recorrente a invoca.

Então, a violação de lei processual que a recorrente tem como ocorrida não autoriza o recurso de agravo pelo que não podia ser conhecida. Consequentemente, se a violação da lei processual só por si não for passível de fundamentar um recurso autónomo de agravo, então não poderá ser objecto da revista (art. 722º, nº 1 do CPC).

Em consequência, a lei não permite que no recurso de revista em apreciação se conheça da matéria de natureza processual concernente à improcedência da pretensão da recorrente, pela Relação, no sentido de fazer transitar para a base instrutória os factos constantes das alíneas A) a W) da “Matéria Assente”e submetê-los a prova em novo julgamento.

Excede o âmbito do recurso de revista o erro e a consequente fixação dos factos materiais da causa. E, sendo assim, não é de conhecer o objecto da revista, nesta parte, por extravasar os poderes de cognição do Supremo.

B) Se se verifica a alegada excepção substantiva de limitação temporal do contrato de seguro

Argumenta a recorrente que deve ser julgada procedente, por provada, a alegada excepção substantiva de limitação temporal do contrato de seguro dos autos.

Concretizando, sustenta que ponderando a cláusula n° 5 inserta nas condições particulares do contrato de seguro dos autos, a acção é extemporânea em relação à recorrente uma vez que deu entrada transcorrido o prazo de quatro anos após a cessação dos efeitos da respectiva apólice.

Como a recorrente afirma, “repisa” o que alegou em sede de apelação, e nela repisou o que dissera na contestação.

Enfim, duas respostas de sentido concordante já obteve, com a Relação a sufragar inteiramente o decidido no tribunal apelado. A questão é linear e de simples resolução, precisamente a perfilhada nas instâncias, correcta, suficiente e clara.

Assim, tendo em conta que:

- no ano de 2003 e até ao final do mês de Março, nem a A. nem a R. por intermédio da sua TOC FF comunicaram junto do competente Serviço de Finanças, a opção da A. pelo regime de contabilidade organizada para o ano de 2003 (14).

- a A. ficou sujeita ao regime simplificado nos anos de 2003 a 2005 (15).

- a declaração apresentada em 2004, referente ao exercício de 2003, foi apresentada pela TOC - FF - NIF 202 232 760 (19).

- em 07/11/2000, foi celebrado entre a Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, na qualidade de tomador de seguro, e a Companhia de Seguros GG S.A., um Contrato de Seguro de Responsabilidade Civil Profissional e titulado pela apólice 87/42.205 (24).

- o referido seguro, assumindo a natureza de contrato de seguro colectivo, tem como segurados todos os técnicos oficiais de contas com inscrição em vigor na Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas (25).

- para o período de 10 de Novembro de 2000 a 30 de Junho de 2003, vigorou a apólice nº 87/42.205 (26).

- esta apólice cobria um capital máximo por sinistro e por ano de € 50.000,00 por aderente e com uma franquia de 10% do valor da indemnização no mínimo de Esc.10.000$00 (27).

- a Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas foi tomadora numa apólice com nº 49.704, subscrita junto da Companhia de Seguros GG S.A., cobrindo, durante o período de 01/07/03 a 27/03/04, os riscos de responsabilidade civil profissional dos técnicos oficiais de contas inscritos naquela Câmara, no exercício das suas funções (28).

- por carta datada de 27 de Fevereiro de 2004, a Interveniente procedeu à resolução do contrato de seguro dos autos, com efeitos a partir de 27 de Março de 2004 (34).

- no dia 5 de Julho de 2007 a Interveniente FF remeteu participação do sinistro a que respeitam os presentes autos, mediante carta registada com aviso de recepção, para a ... – CORRECTORES DE SEGUROS, S.A. (35).

- nessa participação da Interveniente FF, para além de participar o sinistro, juntou a carta da mandatária da A., reclamando o incumprimento contratual por parte da R. BB, os modelos 22 relativos aos anos de 2004 e 2005 da A. e respectivas demonstrações de liquidação (36).

- por carta datada de 29/10/07, remetida pela Companhia de Seguros GG à interveniente FF, foi comunicado seguinte:

"Acusamos a recepção da sua participação de sinistros, bem como da documentação junta, que mereceu a nossa melhor atenção.

A apólice em referência cobre o risco de Responsabilidade Civil Profissional decorrente da actividade de Técnico Oficial de Contas, enquadrada pelo respectivo estatuto.

Os factos participados não se enquadram no âmbito daquela actividade.

Nesta conformidade, lamentamos informar que quaisquer eventuais danos ocorridos se encontram excluídos do âmbito de cobertura da Apólice." (37).

- nos termos do ponto 5 das “Condições particulares” da apólice, sob a epígrafe do “Âmbito Temporal”, define-se que a garantia da mesma “está limitada aos erros, actos ou omissões geradoras de responsabilidade ocorridas após a data de início do contrato e antes do 3respectivo termo, reclamadas até ao período de 4 (quatro) anos subsequentes ao termo do contrato, desde que o facto gerador dos danos tenha ocorrido antes do referido termo.” (cfr. docs. fls. 195, 312 e arts. 659º, nº 3, 713º, nº 2 e 726º do CPC),

o facto gerador dos danos em causa, ocorreu antes do dia 27/03/04, data a partir da qual a resolução do contrato de seguro produziu efeitos.

Por seu turno, a participação do sinistro, que naturalmente só pode ser lida e entendida como reclamação do pagamento dos danos nela liquidados, ocorreu no dia 5/07/07, à ... – CORRECTORES DE SEGUROS, S.A., mas foi recepcionada pela recorrente seguradora, que em 29/10/07 comunicou à interveniente FF, que considerava os factos excluídos do “âmbito de cobertura da Apólice.", por “Os factos participados não se enquadram no âmbito daquela actividade”, de TOC.”

Face a este enquadramento cronológico, temporal e substancial, é óbvio que não pode ser julgada procedente a alegada excepção substantiva de limitação temporal do contrato de seguro.

Contudo, a recorrente entende que o prazo de quatro anos subsequentes ao termo do contrato alcançaram-se em 28/03/08, e foi excedido pois só foi citada para a acção em Dezembro de 2008, tendo sido requerida a sua intervenção em Setembro de 2008.

Pensamos que carece de razão.

Não importa a data da citação do chamado, pois, tal como acontece para impedir a caducidade, como refere Alberto dos Reis, o que importa “é que o titular do direito tenha, dentro do prazo legal, posto em litígio a relação jurídica discutida, para o que basta que instaure o respectivo processo, não sendo exigida a citação do réu” [4].

Isto é, o que releva é a manifestação de vontade do titular do direito, exercendo-a com a propositura da acção, não a chegada dessa manifestação ao conhecimento da outra parte.

Assim sendo, não interessa a data da citação do chamado/recorrente, e nessa conformidade, tendo a acção sido intentada em 27/11/07, teremos de concluir que também a petição inicial foi apresentada tempestivamente em ordem a impedir o decurso daquele prazo.

Por isso, improcede a censura.

C) Se a ré CC Lda, por intermédio da sua TOC, não estava obrigada para com a autora a aconselhar o exercício de uma opção ligada ao regime de tributação a que ela ficaria submetida

Resulta dos factos provados (nºs 12, 13, 14, 15, e 16) que tendo o regime simplificado entrado em vigor em 2001 e encontrando-se a autora "AA Casting Lda." enquadrada no regime geral à data, iniciava-se no ano de 2003 um novo período de 3 anos no qual deveria ser indicada à Administração Fiscal a opção pela continuação no Regime Geral de Tributação.

Todavia, não foi comunicado à Administração Fiscal até ao dia 31 de Março de 2003, nem pela autora nem pela ré por intermédio da sua TOC FF, a opção da autora em passar a ser tributada ao abrigo do regime geral, uma vez que os proveitos do exercício de 2002 não ultrapassavam os limites previstos para a tributação simplificada.

A autora ficou, em consequência, sujeita ao regime simplificado nos anos de 2003 a 2005, quando a ré sabia que a autora não tinha atingido um volume de proveitos superior a 149.639,37€.

No acórdão impugnado concluiu-se que essa informação estava integrada na competência funcional de um TOC, e como não foi prestada considerou-se a responsabilidade por danos patrimoniais decorrentes desse incumprimento abrangida pelo âmbito do contrato de seguro celebrado entre a Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas e a recorrente, conforme a obrigatoriedade imposta pelo nº 4 do artigo 52º do DL nº 452/99.

Discorda a recorrente/seguradora argumentando que da matéria de facto dada como provada não se pode extrair que a ré e a interveniente TOC estivessem obrigadas para com a autora a exercer qualquer opção ou sequer a aconselhar o exercício de uma opção ligada ao regime de tributação a que esta última ficaria submetida.

 Argumenta que da matéria de facto dada como provada, o que se pode concluir é, apenas e só, a obrigação assumida perante a autora, única e exclusivamente, dirigida ao cumprimento das obrigações fiscais, ainda que destinadas a possibilitar uma máxima eficiência fiscal o que, em todo o caso, não está definido o que fosse.

Vejamos o que se nos oferece dizer.

Antes do mais, importa realçar que na linha do “repisar” assumido pela recorrente nas anteriores questões, esta mesma questão, e nos precisos termos em que agora a coloca, foi suscitada na antecedente apelação.

O acórdão recorrido, não lavrado por remissão, bem pelo contrário, não se furtou à sua análise, e de forma estruturada, sintetizada mas clara, argumentou e rebateu o entendimento contrário sustentado pela interveniente apelante, e considerando o direito aplicável concluiu por confirmar a sentença apelada.

Fê-lo com fundamentação adequada merecedora da nossa concordância, até porque, como se dá a saber na sua parte final, foi fiel aos argumentos aduzidos no Acórdão deste STJ de 21/06/2011, Proc. nº 1065/06.7TBESP.P1.S1[5], por nós relatado e desta conferência.

Deste modo, do acórdão proferido em 25/11/11 (fls. 1198 a 1234), vem pedir revista a recorrente/seguradora em alegações enformadas de particular singularidade. À parte o pormenor de óbvias adaptações terminológicas de “Desembargadores” por “Conselheiros”, “sentença” por “acórdão”, “apelante” por “recorrente”, e “apelada” por “recorrida”, reproduzem ipsis verbis, poder-se-á mesmo dizer que com rigor fotográfico (itálicos, sublinhados, negritos[6], e nota de rodapé), as alegações da apelação[7], formulando as conclusões que acima se transcreveram e que, igualmente, mais não são que a reprodução literal e sistemática das conclusões apresentadas na Relação[8].

Isto é, a recorrente limitou-se nesta revista a reproduzir, sem a introdução da menor nuança, tudo quanto havia alegado na 2.ª instância.

A recorrente insiste na revista nas posições que assumira e defendera na apelação e que o acórdão recorrido não acolheu com resposta esclarecedora.

Ou seja, em rigor, a recorrente acaba por não atacar a decisão da Relação, antes reitera a sua discordância relativamente à 1.ª decisão. Parafraseando o Acórdão deste Tribunal de 5/07/05, na revista nº 05A2168[9], dir-se-á “que o recorrente dirigiu o seu ataque não à concreta decisão de que recorre (o acórdão) mas à sentença, precisamente como antes o fizera. “.

Ora, neste Supremo Tribunal vem-se sedimentando de há vários anos a esta parte corrente jurisprudencial no sentido de “que a alegação de qualquer recurso deverá incidir o seu ataque argumentativo sobre pontos concretos da fundamentação da decisão recorrida que, no entender do recorrente, sejam criticáveis”, sendo certo que “a decisão recorrida é o acórdão da Relação e não a sentença da 1.ª instância”[10].

Sintónica com esta hermenêutica, na jurisprudência desta Secção prevalece o entendimento segundo o qual sempre que a alegação de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça seja mera reprodução da que foi apresentada perante a Relação se justifica plenamente o uso da faculdade de remissão para os fundamentos do acórdão recorrido, ao abrigo do n.º 5 do artigo 713º, ex vi artigo 726º, ambos do CPC (cfr., entre muitos outros, v.g., os Acs. de 27/04/06 no agravo n.º 945/06, 18/05/06 na revista n.º 1134/06, 03/10/2006 na revista n.º 2993/06, 27/03/07 na revista n.º 4002/06, 12/07/07 na revista n.º 2207/07, 31/03/09 na revista n.º 637/09, 09/06/09 na revista n.º 330/01.S1, 08/09/09 na revista n.º 1127/05.8TBCBR.C1.S1, 27/01/10 na revista n.º 353/1998.L1.S1, 09/02/10 na revista n.º 1448/07.5TVLSB.L1.S1, 14/09/10 na revista n.º 699/04.9TBMGR.C1.S1, 16/03/11 na revista nº 366/03.0TBALB.C1.S1, 7/04/11 na revista nº 268003/08.5YPRT.L1.S1, 6/07711, na revista nº 204/07.5TBSVV.C1.S1, e de 6/09/11, na revista nº 3579/06.0TBGDM.P1.S1 – estes quatro últimos subscritos por este relator e por cada um dos adjuntos)[11], uma vez que o recorrente não atendeu ao conteúdo do acórdão recorrido, antes reiterou a sua discordância relativamente à primeira decisão, sem originalidade ou aditamento que tivesse em conta a fundamentação do acórdão sob recurso motivadores de justo e necessário pronunciamento.

Na fidelidade por esta linha de pensamento poderemos por aqui nos deter acolhendo-nos à permissão do art. 713º, nº 5 do CPC, pois que merece a nossa concordância o julgamento das instâncias e respectiva fundamentação, particularmente quando, como acima anotámos, o acórdão impugnado adoptou a construção e solução perfilhadas em anterior decisão deste colectivo, que nesta data continua a não descortinar motivos para corrigir ou abandonar. Bem pelo contrário, uma vez que, posteriormente, na sua consonância se pronunciou de novo este Supremo Tribunal no Acórdão de 15/12/11, Proc. nº 2802/07.8TVLSB.L1, igualmente disponível no ITIJ.

Como tal, dispensados de discorrer exaustivamente sobre o acerto do decidido, ainda assim não queremos deixar de assinalar e vincar em suporte desse mesmo acerto as respectivas linhas mestras de tal solução, socorrendo-nos para o efeito do alinhamento constante do sumário publicado no sítio do ITIJ referente ao mencionado Acórdão de 21/06/2011, que as condensa com a necessária e evidente clareza. Assim:

III - Uma das principais funções do TOC é assegurar o cumprimento das boas regras contabilísticas e o cumprimento das regras fiscais, assumindo a responsabilidade pela regularidade técnica, nas áreas contabilística e fiscal, das entidades sujeitas aos impostos sobre o rendimento que possuam ou devam possuir contabilidade regularmente organizada.

IV - Quando um TOC informa a entidade para que presta serviço acerca de qual o regime tributário que deve ser seguido – simplificado de tributação ou regime normal assente na contabilidade organizada –, está a exercer uma actividade que se enquadra na planificação da execução da contabilidade para a qual tem competência funcional.

V - A informação prestada pelo TOC para opção do regime tributário insere-se na sua actividade de consultadoria.

VI - Quando os clientes, as entidades sujeitas aos impostos, contratam um TOC esperam dele competência e diligência no exercício das respectivas funções, que passam pelo pagamento ao Estado dos impostos sobre o rendimento que têm de pagar, por uma aplicação judiciosa e consciente das normas fiscais e contabilísticas, e por deles exigirem um especial dever de informação sobre a forma como as suas obrigações fiscais devem ser cumpridas.

VII - Tem de considerar-se abrangida pelo âmbito do contrato de seguro celebrado entre a Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas e a seguradora, no âmbito da obrigatoriedade imposta pelo art. 52.º, n.º 4, do DL n.º 452/99, de 05-11, a responsabilidade por danos patrimoniais decorrentes do respectivo incumprimento. “. 

Improcede, pois, a pretensão da recorrente em demonstrar que a ré não estava obrigada perante a autora/cliente, em face do contrato que com ela celebrou e da matéria de facto dada por provada, a informá-la da opção a tomar por um determinado regime de tributação.

D) Se não está provado o nexo de causalidade entre o facto (omissão da ré) e os danos da autora

Por fim, sustenta a recorrente que não está provado o nexo de causalidade entre a omissão da ré e os danos da autora (o acréscimo de imposto por ela pago ao fisco), em termos de se poder afirmar que os danos foram uma consequência directa, necessária ou provável da dita omissão, pois que não está provado - nem alegado - que a autora, sabendo da possibilidade de opção, optaria por esse regime de contabilidade organizada.

Ainda aqui lhe falece razão.

Como é sabido, o Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, não conhece de matéria de facto, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (arts. 729º, nº 2 e 722°, nº 2, do CPC), situações de todo aqui inverificadas. Aplica definitivamente aos factos fixados pelo tribunal recorrido o regime jurídico que julgue aplicável (art. 729°, n.º1 do mesmo diploma).

Não pode, pois, alterar a decisão sobre a matéria de facto quanto ao nexo de causalidade, do ponto de vista naturalístico, como pretende a recorrente.

Mas, na realidade, o nexo de causalidade entre o facto (omissão) e os danos ajuizados está amplamente demonstrado, resultando da conjugação dos factos referidos nos nºs 12 a 16, 19, 39 a 44.

Face à responsabilidade contratual da ré, dos factos provados decorre igualmente estarem preenchidos os pressupostos da sua obrigação de indemnizar, enumerados nos artigos 798º, 799º e 1154º do Código Civil.

Portanto, está provado que, não fora a omissão da ré, por intermédio da sua TOC, a autora liquidaria quantias inferiores. Está demonstrado o prejuízo e a sua causalidade na actuação da ré.

 Causa adequada dos prejuízos ocasionados, no sentido visado pelo art. 563º do Código Civil, coincidente com a doutrina do mesmo nome, foi a omissão da ré.

Assim, não colhe na totalidade a argumentação conclusiva das alegações recursivas apresentadas pela recorrente.


III – DECISÃO

Pelos motivos expostos, acordam os juízes no Supremo Tribunal de Justiça em negar a revista, confirmando o acórdão recorrido da Relação de Lisboa.


Custas pela recorrente.

Lisboa, 10 de Julho de 2012

-----------------------
[1] Relator: Gregório Silva Jesus - Adjuntos: Conselheiros Martins de Sousa e Gabriel Catarino.
[2] No regime anterior ao introduzido pelo Dec. Lei nº 303/07, de 24/08, atenta a data de instauração da acção em 27/11/07 (cfr. arts. 11º e 12º do referido diploma).
[3] Cfr. neste sentido  os Acs. do STJ  de 28/05/02, Revista nº 1435/02, nos Sumários 5/2002, de 27/04/93, no BMJ 426º-438; ainda Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág. 440.
[4] In Comentário, 3.º, págs. 423 a 426.
[5] Disponível na base de dados do ITIJ.
[6] Com ressalva dos agora introduzidos a fls. 1342 e na conclusão n).
[7] Apenas suprimiu nas actuais alegações uma inócua referência que fizera na apelação a uma intervenção que terá ocorrido no decurso do II Congresso dos TOC (fls. 1150) e a menção de junção da cópia do acórdão deste Supremo de 2/07/09 (fls. 1174).
[8] As alíneas h) a z) da apelação preenchidas com esta questão correspondem às j) a bb) desta revista.
[9] Consultável no ITIJ.
[10] Ac. de 12/07/05 na revista n.º 1860/05, 2.ª Secção, citado, entre outros, no Ac. de 22/09/05, revista nº 03B3727, disponível no sítio do ITIJ; Cfr. também os Acórdãos de 2/12/04 na revista n.º 3463/04 e de 17/03/05  na revista n.º 04B1304/04, igualmente disponível no ITIJ, onde se dá notícia de outros anteriores.
[11] Uma outra corrente de pensamento mais radical neste Supremo Tribunal entende inclusivamente “que esta prática de reprodução alegatória equivale à deserção do recurso, por falta de alegações, pois que, embora se possa dizer que, formalmente, foi cumprido o ónus de formular conclusões, já em termos substanciais é legítimo inferir que terá faltado uma verdadeira e própria oposição conclusiva à decisão recorrida, nomeadamente porque a repetição não atingiu apenas as conclusões, afectando também o corpo das alegações.”. Vejam-se os Acs. de 11/05/99, na revista n.º 257/99, 1.ª Secção, citado pelo já referenciado Ac. de 22/09/05, de 5/07/05 acima mencionado, de 01/10/09 na revista n.º 1284/06.6TBVCT.S1 - 2.ª Secção, de 08/10/09 na revista n.º 3721/08 - 2.ª Secção, de 11/03/10 na revista n.º 6560/05.2TBLRA.C1.S1 - 2.ª Secção, e de 23/09/10 na revista n.º 4178/06.1TBBCL.G1.S1- 2ª Secção.