Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
Relator: | SEBASTIÃO PÓVOAS | ||
Descritores: | EFEITO DO RECURSO CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA CONDIÇÃO RESOLUTIVA RESOLUÇÃO DE CONTRATO PRAZO FATAL INTERPELAÇÃO ADMONITÓRIA | ||
Data do Acordão: | 04/14/2015 | ||
Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / MORA DO DEVEDOR. DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA ( EFEITOS ). | ||
Doutrina: | - Ana Prata, O Contrato Promessa e seu Regime Civil, 1999, 693. - Antunes Varela, Das Obrigações em geral, I, 10.ª ed., 345. - Baptista Machado, in R.L.J. 118.º, 275, nota 2 e 332, nota 35, ao anotar o Acórdão do STJ de 8 de Novembro de 1983. - Brandão Proença, Do Incumprimento do Contrato-Promessa Bilateral, 1987, 91. - Calvão da Silva, Sinal e Contrato-Promessa, 91. - Carlos Mota Pinto, com os Prof.s A. Pinto Monteiro e P. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª ed., 584. - Heinrich E. Hörster, A Parte Geral do Código Civil Português, 491. - Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, 1996, 2.ª, 356. - Menezes Cordeiro, “A violação positiva do contrato”, apud Estudos de Direito Civil, I, 134. - Oliveira Ascensão, Direito Civil – Teoria Geral, II, 177. - Paes de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 12.ª ed., 521. - Parecer n.º 9/82, Pareceres da Comissão Constitucional, 19.º, 29 ss.. - Rui de Alarcão, «Condição “exposição de motivos”», in B.M.J., 138-115. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 270.º, 271.º, N.º2, 289.º, N.º1, 405.º, 432.º, 442.º, N.ºS 2 E 4, 799.º, N.º1, 805.º, N.º1 E N.º 2 ALÍNEA A). CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 676.º. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 13.º N.º 1, 18.º N.º 3 E 20.º N.º 4. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 9 DE MARÇO DE 1991 – BJ 405-456; DE 28 DE MARÇO DE 2006 – P.º 327/06; DE 18 DE ABRIL DE 2006 – P.º 844/06; E, AMBOS DESTA MESMA CONFERÊNCIA, DE 5 DE DEZEMBRO DE 2006 – 06A3914 E DE 28 DE JUNHO DE 2011 – 7580/05.2TBVNG.P1.S1; -DE 27 DE JUNHO DE 2006 – 06A1758, DISPONÍVEIS EM WWW.DGSI.PT; -DE 6 DE FEVEREIRO DE 2007 – 06A4749, EM WWW.DGSI.PT; -DE 13 DE DEZEMBRO DE 2007 – 07A2378, EM WWW.DGSI.PT; -DE 10 DE DEZEMBRO DE 2009 – 312-C/2000.C1-A.S1, EM WWW.DGSI.PT; -DE 9 DE MARÇO DE 2010 – 5647/06.6TVLSB.S1; -DE 27 DE JANEIRO DE 2011 – 5462/04.4YXLSB.L1.S1, EM WWW.DGSI.PT . -*- ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL: -N.º 210/92, PUBLICADO NA II SÉRIE DO DIÁRIO DA REPÚBLICA, DE 12 DE SETEMBRO DE 1992. -N.º 208/93, PUBLICADO NA II SÉRIE DO DIÁRIO DA REPÚBLICA, DE 28 DE MAIO DE 1993. -N.º 305/94, PUBLICADO NA II SÉRIE DO DIÁRIO DA REPÚBLICA, DE 27 DE AGOSTO DE 1994. | ||
Sumário : |
1) O contrato-promessa de compra e venda assume a natureza de negócio fixo, absoluto, quando as partes acordaram num prazo peremptório, improrrogável e determinante da celebração do negócio, para a outorga do contrato prometido (salvo se a essencialidade resultar da natureza ou da modalidade da prestação). 2) A cláusula a fixar o prazo essencial deve ser clara, inequívoca e explícita, sob pena do incumprimento do prazo se traduzir apenas em mora. 3) Havendo prazo fatal é dispensada a interpelação. 4) No negócio fixo não absoluto a translação da mora (incumprimento transitório) em incumprimento (definitivo) impõe uma interpelação admonitória, com fixação de um prazo suplementar cominatório (peremptório) para a outorga do contrato prometido. 5) A declaração antecipada de não cumprir (“riffuto de adimpieri”; “repudiation of a contract”; ou “antecipatory breach of contract”) consiste numa declaração inequívoca, clara, séria, categórica e definitiva a manifestar o propósito de não outorgar o contrato prometido, declaração que, podendo ser tácita, tem de ser indubitável, dispensando a interpelação admonitória. 6) A alienação a terceiro do prédio prometido vender revela, clara e inequivocamente, a recusa de celebrar o contrato prometido, traduzindo-se em incumprimento definitivo, com as consequências dos n.ºs 2 e 4 do artigo 442 CC, que se presume culposo nos termos do artigo 799.º do Código Civil. 7) Há cláusula resolutiva expressa (condição resolutiva) quando os promitentes acordaram que a verificação desse facto, futuro e incerto implica a resolução do contrato-promessa e a consequente não celebração do contrato-prometido. 8) Essa cláusula opera “ipso jure” sem necessidade de qualquer acto das partes ou de intervenção judicial e tem-se por não escrita se contrária à lei, à ordem pública ou ofensiva dos bons costumes. 9) O artigo 676.º CPC que consagra o recurso de efeito devolutivo no recurso de revista – à excepção das questões sobre o estado das pessoas – não viola qualquer preceito da Constituição da República, designadamente os artigos 13.º n.º 1, 18.º n.º 3 e 20.º n.º 4. | ||
Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA e sua mulher BB intentaram acção, com processo ordinário contra CC e sua mulher DD. Pedem que, por incumprimento imputável aos Réus, seja declarado resolvido o contrato-promessa com eles celebrado com a sua consequente condenação a pagarem-lhes a quantia de 200.000,00 euros (correspondente ao dobro do sinal passado) acrescida de juros moratórios desde a citação. Subsidiariamente, e para a hipótese deste pedido improceder pedem que seja declarada a condição resolutiva prevista na cláusula 7ª daquele contrato, declarando-se cessados os respectivos efeitos com a consequente condenação dos Réus a restituírem o sinal prestado com juros a contar da citação, até integral pagamento. Alegaram, nuclearmente, terem celebrado com os Réus um contrato-promessa de compra e venda do imóvel identificado nos autos tendo os Autores entregue, no acto da celebração do contrato-promessa a quantia de 100.000,00 euros, a título de sinal ficando o remanescente do preço (700.000,00 euros) de ser pago no acto da escritura; que esta devia ser outorgada até 30 de Junho de 2008 tendo sido acordado que a outorga ficava dependente de aprovação de crédito bancário aos Autores, sendo que, caso o crédito não fosse concedido após 60 dias do contrato-promessa, este ficava sem efeito devendo ser devolvido tudo o que fosse prestado; que o crédito não foi concedido tendo os Réus sido informados das dificuldades do financiamento; que, entretanto, os Réus venderam o imóvel a terceiros pelo que lhes solicitaram a devolução do sinal, tendo os Autores prescindido do dobro do mesmo; que os Réus nunca devolveram a quantia recebida e, como o prazo da escritura era relativo a sua passagem implicava mora e não resolução; que a venda efectuada pelos Réus traduziu o incumprimento definitivo com culpa. Os Réus impugnaram os factos tendo alegado que os Autores lhes comunicaram a impossibilidade de compra em Fevereiro de 2009; que, então lhes deram o prazo de 30 dias para outorgarem a escritura, sob pena de considerarem ter havido incumprimento definitivo; que, em Abril de 2009 comunicaram aos Autores o propósito de venda do imóvel o que fizeram em 20 de Abril de 2009. Deduziram pedido reconvencional pedindo a condenação dos Autores a pagarem-lhes quantia que mutuaram. Na primeira instância improcederam os pedidos principal e reconvencional. Ao Autores apelaram para a Relação de Évora que, em procedência do recurso, condenou os Réus a restituírem o sinal em singelo, com juros à taxa legal, a contar da citação e até integral pagamento. Vêm, agora, os Réus pedir revista, formulando as seguintes conclusões: “1 - O art. 647° n°l do N.C.P.C diz: “A apelação tem efeito meramente devolutivo excepto nos casos seguintes (...)” 2- O art. 676° do N.C.P.C. “O recurso de revista só tem efeito suspensivo em questões sobre o estado de pessoas (...)” 3- Nos presentes autos foi intentada uma acção de processo ordinário contra os ora recorrentes no valor de €200.000,00. 4- Decorridos que foram todos os procedimentos legais desde a apresentação da petição inicial, passando pela contestação, réplica, tréplica, audiência preliminar com factualidade assente, base instrutória, despacho saneador, junção de róis de testemunhas, designação de data de discussão e julgamento com inquirição e produção de toda a prova, resposta à matéria de facto e finalmente a sentença proferida foram os ora recorrentes absolvidos. 5- Acontece que, não se conformando com a sentença proferida decidiram os AA. interpor recuso da mesma e aquando do mesmo o efeito foi obviamente meramente devolutivo nos termos do art. 647° supra referido. 6- Decorridos que são 4 anos após a instauração da acção e dois de terem sido absolvidos da mesma vêm-se os recorrentes, por uma decisão condenatória do Tribunal da Relação de Évora, sujeitos a uma execução com penhora de bens e constas bancárias uma vez que, de acordo com as normas supra referidas, os presentes autos de recurso têm efeito meramente devolutivo. 7- Verifica-se pois que as normas referidas violam o disposto nos artigos 13° n°l da C.R.P na medida em que o mesmo refere que “todos os cidadão têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”. Ora, o facto de os recorrentes estarem sujeitos a que lhe seja instaurada uma acção de execução com penhora de bens e constas viola o princípio de igualdade perante a lei uma vez que, foram absolvidos na primeira instância e em sede de recurso condenados. 8- O princípio da igualdade impõe a igualdade na aplicação do direito e garante aos cidadãos a devida protecção perante a lei. 9- Por outro lado, verifica-se violação do art. 18° n°3 da C.R.P uma vez que, vem restringir as suas liberdades e garantias com efeitos retroactivos. 10- Isto é, os recorrentes foram absolvidos em primeira instância e com esta alteração de decisão ficam sujeitos a uma execução com penhoras a qual vem restringir direitos, liberdades e garantias com efeitos retroactivos nitidamente contrário ao expresso na C.R.P. 11- Acresce que, também, se verifica violação do art. 20° n°4 da C.R.P no sentido de não existir um processo equitativo relativamente aos recorrentes quanto à decisão e à execução da mesma uma vez que, todo o processo desde o momento de impulso da acção até ao momento da execução deve ser regulado pelo princípio da equitatividade através da exigência do processo equitativo. 12- Ora, neste caso e noutros semelhantes em que a sentença da primeira instância se trata de uma sentença absolutória e quando posteriormente o acórdão do Tribunal da Relação é condenatório deverá o recurso de revista, obrigatoriamente ter efeito suspensivo. 13- De outra forma, verifica-se violação grave de direitos constitucionalmente consagrados nos artigos 13° nº2, 18° n°3 e 20° n°4, devendo os artigos 647° e 676° do N.C.PC ser declarados inconstitucionais por violação dos artigos atrás referidos. 14- Dos factos, resulta claro que a escritura seria celebrada até 30.06.08, sendo o contrato promessa de 27.02.08, sendo que a celebração dependia da concessão de financiamento bancário aos AA, que tinha de estar garantido até 27.04.08 (60 dias). 15- Este financiamento não foi feito, ou seja, os AA não o obtiveram junto do ..., que foi a única circunstância que provaram. 16- Assim sendo, vigoraria a 2ª parte da cláusula 7ª, ou seja, acordaram as partes em que, após 27.04.08, ficaria o contrato sem efeito. 17- Apesar disso, ou mesmo assim, o contrato poderia se celebrado até 30.06.08, ou nos 30 dias posteriores, sendo inequívoco do contrato que as partes pretenderam estipular este como o prazo final, peremptório, para a celebração do contrato. 18- Nenhum destes prazos foi cumprido. 19- Como se disse, da interpretação desta cláusula 6ª resulta que, inequivocamente, o prazo fixado em benefício dos AA teria o seu termo final e absoluto até 30.07.08, sendo que aqui, ao contrário do que dizem os AA, não parece que o contrato deixe qualquer margem para dúvidas. 20- Mais do que isto, provou-se que os RR foram informados da impossibilidade dos AA em obter o crédito bancário (M), sendo que os AA lho comunicaram em Fevereiro de 2009 (T) e em Outubro de 2009 os AA informam os RR de que nessa data souberam da venda a terceiros do imóvel (N). Venda essa que se provou ter sido feita em 20.04.09 (S). 21- Não se percebe como pretendem os AA a devolução do sinal pago, uma vez que a esta devolução só estavam os RR obrigados até 27.04.08, sendo que, depois disso, o que resulta do contrato é que os RR tinham a faculdade de aceitar um cumprimento posterior, se quisessem e até 30.07.08 (ainda que sob condição da cláusula 11ª), uma vez que se vincularam a esperar apenas, obrigatoriamente até àquela data e não mais. 22- Os AA só comunicaram, fosse o que fosse, aos RR em Fevereiro de 2009, quando sabiam que, após 27.04.08, estariam verdadeiramente em mora, e em incumprimento a partir de 30.07.08 perdendo o sinal prestado, conforme resulta da cláusula 14ª, 2ª parte do mesmo contrato. Porém, 23- Não se conformam os RR. com a decisão/interpretação do acórdão de que ora se recorre. 24- A decisão do acórdão ora recorrido vem assente na factualidade dos promitentes vendedores terem alegado que, em Fevereiro de 2009, concederam aos promitentes-compradores o prazo de trinta dias para cumprirem o contrato promessa. 25- Porém, ao terem os RR em Fevereiro de 2009, dado aos promitentes-compradores, prazo de 30 dias para o cumprimento do contrato promessa de compra e venda, com a expressa advertência de se considerar a obrigação como definitivamente incumprida caso não fosse cumprido o prazo, não poderá consubstanciar motivo para a restituição de tudo o que lhes foi prestado. 26- Isto porque, os promitentes-compradores já se encontravam em mora, e consequentemente, em incumprimento desde 27.04.2008, tendo ficado estipulado no contrato que os RR poderiam aceitar ou não um cumprimento posterior nomeadamente, até 30.07.2008. 27- O que se verifica efectivamente é que existiu a estipulação de um prazo certo para o cumprimento da obrigação (27.04.08) e a posteriori a concessão de um prazo facultativo (30.07.08 e Março de 2009) para o cumprimento da mesma obrigação. 28- Porém, na data de 27.04.2008 os AA. não interpelaram os RR. para a devolução do respectivo sinal pelo não cumprimento do contrato de acordo com a segunda parte da cláusula 7ª do mesmo. 29- Naquela data, as partes prorrogaram o prazo do contrato isto é, houve uma vontade real das partes em acordar na prorrogação do prazo para o cumprimento da obrigação. Prazo este que nos termos do disposto da cláusula 14ª, 2ª parte do mesmo contrato, estipula que dá direito aos RR. fazerem seu o sinal recebido. 30- Existindo prazo certo fixado, os promitentes-compradores, estavam em mora logo após o dia 27.04.2008, conforme disposto no art.º. 805° n°2 a) do C. Civil. 31- A mora só por si não constitui incumprimento definitivo contudo, ao ser estipulado mais do que um prazo razoável para a realização da prestação e esta não sendo efectivada, existe verdadeiramente incumprimento contratual, 32- Não sendo cumprindo o prazo de 30.07.2008 é manifestamente notório o incumprimento definitivo do contrato, não existindo lugar à restituição do sinal a partir dessa data, conforme cláusula 14ª, 2ª parte do referido contrato. 33- Os promitentes vendedores, em consequência da mora, perderam o interesse que tinham na prestação, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 808° do C. Civil, contudo concederam mais um prazo facultativo em Fevereiro de 2009 que não altera o prazo fixado como termo essencial (27.04.2008). 34- Assim, verifica-se que não assiste razão quando o Acórdão recorrido decide com base na cláusula 7ª do contrato e não na 14ª 2ª parte. 35- Acresce que, a escritura definitiva de compra e venda deveria ser celebrada até ao dia 30.06.2008 sendo que tal prazo poder-se-ia alargar pelo prazo máximo de 30 (trinta) dias verificando-se a imperatividade do prazo como essencial à vontade de contratar. 36- Aliás, não entendem os recorrentes como a decisão recorrida se baseia em factos não provados (interpelação para marcação de escritura em Fevereiro de 2009) para aferir da não imperatividade do prazo como essencial para a vontade de contratar!.... 37- Reforçando esta questão, refira-se que o artº. 5° da base instrutória não ficou provado conforme se pode verificar da resposta à matéria de facto proferida pela Meritíssima Juiz de Circulo. 38- Pelo que, terá que proceder a sentença da Meritíssima Juiz que presidiu ao Julgamento e assistiu a toda a prova produzida no mesmo e que com os elementos recolhidos proferiu a douta sentença absolutória dos RR. 39- Foram violadas as disposições legais constantes nos artigos 640°, 647° e 676° do NCPC, artigos 13° n° l, 18° n°3, 20° n°4 todos da CRP, artigos 224°, 232°, 236°, 270°, 410°, 442° n°2, 805° n°2 al. a), 808° e 874° todos do C.C.”
Não foram oferecidas contra-alegações.
Estão definitivamente assentes os seguintes factos: A) Os RR eram donos do prédio Urbano sito na ..., descrito na conservatória do Registo Predial de ..., sob o n° ..., inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo n° 7374, ao qual foi atribuída licença de habitabilidade n° 330, emitida pela Câmara Municipal de ... em 2 de Junho de 1992, composto por habitação de rés-do-chão com 3 divisões, cozinha, 3 casas de banho, vestíbulo, 2 despensas, 2 terraços, garagem, 1º andar com 3 divisões, 2 casas de banho, vestíbulo, terraço com a área de 462 m2 e logradouro de 3426 m2, destinado a habitação; B) Em 27 de Fevereiro de 2008 foi celebrado, entre os AA AA e mulher BB e os RR CC e mulher DD, um acordo denominado contrato promessa de compra e venda do imóvel identificado em A); C) No referido acordo promessa de compra e venda, os RR prometem vender, devoluto e livre de quaisquer ónus ou encargos, aos AA, que, por sua vez, prometem comprar o prédio urbano identificado em A); D) O preço a pagar pelos AA aos RR, pelo prédio identificado em A) e na cláusula primeira desse acordo era de € 800.000,00 (oitocentos mil euros); E) Com a assinatura do acordo promessa de compra e venda, a título de sinal e princípio de pagamento, os AA pagaram aos RR a quantia de € 100.000,00 (cem mil euros); F) Nessa mesma data, os RR confessaram terem recebido a importância de € 100.000,00 (cem mil euros), com a assinatura do referido acordo promessa de compra e venda, a título de sinal e princípio de pagamento; G) O pagamento do restante, no valor € 700.000,00 (setecentos mil euros), deveria ser pago com a outorga da respectiva escritura pública de compra e venda; H) Foi acordado pelas partes que a escritura pública definitiva de compra e venda deveria ser celebrada, para a aquisição do prédio identificado na cláusula primeira do contrato promessa de compra e venda, até ao dia 30 de Junho de 2008; I) Tal prazo para celebração do contrato prometido poder-se-ia alargar, pelo período máximo de 30 dias, caso não fosse possível celebrar a escritura até ao dia 30 de Junho de 2008; J) Foi, também, acordado que a celebração do contrato prometido estava dependente da aprovação de um empréstimo bancário com vista à aquisição do prédio descrito na cláusula primeira desse contrato promessa de compra e venda; L) Foi, ainda, acordado que, caso o empréstimo não fosse concedido pelo Banco, decorridos que fossem sessenta dias após a celebração do contrato promessa de compra e venda, ficaria o mesmo sem efeito, devendo ser devolvido tudo o que houvesse sido prestado; M) Os RR foram informados das dificuldades e impossibilidade de concessão do financiamento para a aquisição do imóvel referido em A); N) Em 8 de Outubro de 2009, os AA enviaram uma carta aos RR onde lhes davam a conhecer que, na presente data, tinham tomado conhecimento de que os RR, na vigência do contrato promessa de compra e venda do prédio urbano acima identificado, procederam à venda a terceiro do imóvel prometido vender aos AA sem lhes terem disso dado conhecimento; O) Solicitavam, ainda, dado o incumprimento definitivo do contrato promessa por parte dos RR, em nome das boas relações pessoais que mantinham, a devolução, no prazo de 5 dias, da quantia entregue a título de sinal, no montante de 100.000,00 (cem mil euros); P) Mais se informava, na referida missiva, que caso não pretendessem resolver, de forma amigável, a presente situação, os AA não abdicariam de receber o sinal em dobro, utilizando, para isso, todos os mecanismos legais à sua disposição; Q) Em 4 de Novembro de 2009 foi enviada, através de mandatário, nova missiva aos RR onde se solicitava a devolução das quantias entregues; R) Nunca os RR responderam ao solicitado e, após alguns contactos directos por parte do A. AA, recusam-se a devolver as quantias recebidas a título de sinal; S) A 20 de Abril de 2009, venderam os RR o imóvel em questão, a terceiros. T) Em Fevereiro de 2009 foi comunicado pelos Autores aos Réus a não concessão de empréstimo bancário para aquisição do imóvel.
Não resultou provado o artigo 5.º da base instrutória (cfr. fls. 107 e 179) e onde se perguntava se “em Fevereiro de 2009 foi, pelos Réus, dado aos Autores, prazo de 30 dias para cumprimento do acordo referido em B), com a expressa advertência de se considerar a obrigação como definitivamente incumprida caso não fosse cumprido o prazo”. E em reapreciação da matéria de facto, a Relação não alterou esta resposta negativa (fls. 246). Importa, ainda, e para lograr uma maior precisão, transcrever cláusulas do contrato que são pertinentes (e essenciais) para a decisão: “Cláusula sétima: O cumprimento do contrato prometido está dependente da aprovação de um empréstimo bancário com vista à aquisição do prédio descrito na cláusula primeira. Se o empréstimo não for concedido pelo Banco, decorridos que sejam sessenta dias após a celebração deste contrato, ficará o mesmo sem efeito, devendo ser devolvido tudo o que houver sido prestado.” “Cláusula décima: Se os segundos outorgantes (AA) não celebrarem o contrato prometido, no prazo máximo previsto na cláusula sexta [até 30 de Junho de 2008], poderá dispor de um prazo suplementar que em caso algum excederá os trinta dias. A
Foram colhidos os vistos. Cumpre conhecer.
1- Inconstitucionalidades suscitadas. 2- Contrato-promessa. 3- Condição resolutiva. 4- Incumprimento. 5- Conclusões. * 1- Inconstitucionalidades suscitadas. Os recorrentes insurgem-se contra o n.º 1 do artigo 647.º e contra o artigo 676.º, ambos do Código de Processo Civil, assacando-lhes a violação dos artigos 13.º n.º 1, 18.º, n.º 3 e 2º.º n.º 4 da Constituição da República. Aquelas normas do principal diploma adjectivo dispõem, respectivamente, sobre o efeito do recurso de apelação e do recurso de revista. E, em ambos, a regra é o efeito meramente devolutivo, sendo que, na revista o efeito suspensivo surge apenas “em questões sobre o estado de pessoas” (n.º 1 do artigo 676.º) inexistindo preceito equivalente ao n.º 4 do artigo 647.º que possibilita ao recorrente o pedido de efeito suspensivo, no caso da decisão lhe causar “prejuízo considerável” (entenda-se grave, por irreparável ou de difícil reparação). Não nos iremos pronunciar sobre o artigo 647.º CPC uma vez que se reporta, tão somente, ao efeito da apelação, fase já ultrapassada por estarmos em sede de revista. Ficaremos, assim, no âmbito do artigo 676.º que, como acima se disse, dispõe que a este recurso tem efeito meramente devolutivo salvo tratando-se de julgar questões sobre o estado das pessoas. Vejamos, então, “pari passu”, quais as normas constitucionais que os recorrentes entendem que colidem com aquele preceito. O n.º 1 do artigo 13.º da Constituição da República dispõe que “todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”. O artigo 18.º n.º 3 manda que “as leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais”. Finalmente, o n.º 4 do artigo 20.º dispõe que “todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo”. Não se alcança qualquer tipo de colisão entre a regra do efeito devolutivo da revista e os preceitos acima citados que os impetrantes invocam, limitando-se a dizer que o efeito devolutivo possibilita a imediata execução, o que os desfavorece Mas não há qualquer restrição do direito ao recurso já que, e independentemente do efeito atribuído, sempre os recorrentes podem satisfazer o seu interesse processual, o que só não aconteceria se o mesmo tivesse um reflexo irreversível e inutilizasse actos processuais, o que, notoriamente, não acontece. Não se mostram, pois, violados quaisquer princípios do Estado de Direito e do Acesso à Justiça. Sobre este último ponto o Tribunal Constitucional sedimentou jurisprudência no sentido de ser “um direito à solução dos conflitos por banda de um órgão independente imparcial face ao que concerne à apresentação das respectivas perspectivas, não decorrendo desse direito (nomeadamente no que ora se releva, se em causa estiver a litigância civil obrigacional) o asseguramento às partes da garantia de recurso das decisões que lhes sejam desfavoráveis (cfr., por todos, o Acórdão n.º 210/92, publicado na II Série do Diário da República de 12 de Setembro de 1992)”. (Acórdão n.º 208/93. DR II de 28 de Maio de 1993). E nem se diga que o efeito meramente devolutivo contende com o direito ao recurso. Para além do mais, o conteúdo do recurso pode “ser delimitado pelo legislador que pode racionalizar este instituto processual, reservando o exercício do direito aos casos com maior dignidade” (in Parecer n.º 9/82 – “Pareceres da Comissão Constitucional” 19.º, 29 ss). O Tribunal Constitucional decidiu ainda (v.g. no Acórdão n.º 305794 – DR. II, de 27 de Agosto de 1994) reconhecer ampla margem de manobra ao legislador ordinário para “conformar” em concreto o direito ao recurso. E tal direito não foi coarctado, ou limitado, aos recorrentes pelo facto de a revista ter efeito meramente devolutivo, que, aliás sempre será de manter. O lento percurso da lide e o facto de os recorrentes terem sido absolvidos na 1.ª Instância e condenados na Relação não os impediu nem lhes limitou o direito a acederem a este STJ, e o efeito do recurso não os coloca em situação de indignidade (artigo 13.º n.º 1 CRP), não lhes restringe qualquer garantia, (artigo 18.º n.º 3 CRP) nem torna o processo menos equitativo (artigo 20.º n.º 4 CRP). Daí que, e utilizando a terminologia do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 208/93, o efeito meramente devolutivo não origina que os recorrentes fiquem despojados dos meios processuais capazes de fazerem valer a sua pretensão. Improcede, em consequência, a arguição de inconstitucionalidade.
2- Contrato-promessa. O contrato celebrado entre os Autores e os Réus não pode deixar de qualificar-se – nem as partes questionam este ponto – de promessa de compra e venda. Quando se lhe não segue a outorga do contrato prometido – definitivo, ou final – é certo ter ocorrido, em regra, uma de duas situações: mora (incumprimento transitório, ou retardamento) ou incumprimento definitivo. Este último, a originar a resolução do contrato, nos termos dos artigos 432.º ss do Código Civil supõe, normalmente, que, a montante, se perfile uma situação de mora a converter-se naquele, através da ocorrência de uma situação de facto unívoca. O elenco dessas situações é reduzido, essencialmente, a quatro: declaração antecipada de não cumprir; termo essencial; cláusula resolutiva expressa e perda de interesse na prestação. 2.1. A primeira, que a doutrina italiana apoda de “riffuto di adimpiere” é o mais notório dos incumprimentos por consistente numa declaração inequívoca, clara e definitiva, a manifestar o propósito de repudiar o contrato (cfr. v.g. os Acórdãos do S.T.J de 9 de Março de 1991 – BJ 405-456; de 28 de Março de 2006 – P.º 327/06; de 18 de Abril de 2006 – P.º 844/06; e, ambos desta mesma conferência, de 5 de Dezembro de 2006 – 06A3914 e de 28 de Junho de 2011 – 7580/05.2TBVNG.P1.S1; cfr. ainda o Doutor Brandão Proença in “Do Incumprimento do Contrato-Promessa Bilateral”, 1987, 91). O renitente terá emitido uma declaração séria e categórica (em termos de não deixar que subsistam quaisquer dúvidas) de ser seu propósito não outorgar o contrato prometido. Certo, ainda, que este STJ aceita a conduta do promitente, quer “de forma expressa ou tácita que não cumprirá ou não quer cumprir (cfr. v.g. o Acórdão de 9 de Março de 2010 – 5647/06.6TVLSB.S1, relatado pelo, ora, 1.º Adjunto). Porém, e como julgou esta Conferência no aresto acima citado de 5 de Dezembro de 2006, exige-se que a declaração do promitente faltoso não deixe “quaisquer dúvidas”. 2.2. O termo essencial (ou prazo fatal) implica o clausular (salvo se a essencialidade resultar da natureza ou da modalidade da prestação) de modo claro, inequívoco e explícito, um prazo essencial para a celebração do contrato. Se for feita a ultrapassagem do prazo clausulado não ocorre “uma falta definitiva (hoc sensu) de realização da prestação debitória, mas um simples retardamento, demora ou dilação no cumprimento da obrigação.” (Prof. Antunes Varela, apud “Das Obrigações em geral” I, 10.ª ed., 345). Assim é porque, como regra, o devedor só fica constituído em mora depois de interpelado, judicial ou extrajudicialmente n.º 1 do artigo 805.º do Código Civil) excepto, e entre outras excepções, se a obrigação tiver prazo certo (n.º 2, alínea a) do preceito acabado de citar). E estas são as que têm um termo de vencimento estabelecido pelas partes, no acto constitutivo do negócio, em ulterior clausulado, que resulte da lei ou que seja fixado judicialmente. Vencem-se, então, sem interpelação (“dies interpellat pro homine”). “In casu”, não se mostra ter sido acordado um prazo final e improrrogável, tanto mais que, após o contrato se seguiram prorrogações sucessivas relacionadas com a condição resolutiva. Ao que resulta da matéria de facto assente, verifica-se que o prazo acordado se afigura atípico, razão porque, nesta parte, se impõe a sua interpretação normativa. É que, foi fixado, “ab initio”, um prazo para a operância da condição resolutiva, na medida em que se convencionou que se o empréstimo não fosse obtido até 27 de Abril de 2008 (isto é sessenta dias contados de 27/2/2008, data da outorga do contrato-promessa) o contrato ficaria sem efeito, devendo ser devolvido tudo o que houvesse sido prestado. Todavia também se estipulou um outro prazo, uma vez que a escritura definitiva podia realizar-se até 30/6/2008, convencionando-se ainda que este último prazo podia ser acrescido de mais 30 dias se os promitentes compradores não celebrassem o contrato prometido até 30/6/2008. Daí que o prazo final inultrapassável fosse 30/7/2008. Não obstante alguma complexidade do clausulado, cremos que, considerando a economia do contrato e as regras de experiência comum é de entender que embora tenha sido fixado um prazo inicial para o funcionamento automático da condição resolutiva as partes não quiserem atribuir a esse prazo a natureza de fatal. Mais parece que o que se pretendeu foi conceder aos autores um período de tempo mais alargado para obtenção do empréstimo. Significa isto que a condição resolutiva só funcionava se o empréstimo não fosse obtido até ao termo da data em que o contrato definitivo podia ter lugar (30/7/2008) embora os autores pudessem destruir o contrato logo em 27/04/2008 alegando que até essa data não tinham conseguido o dito empréstimo. Não o tendo feito, dispunham para tal até 30/07/2008, data em que a condição resolutiva funcionou automaticamente, e, independentemente dos Autores não terem nessa data informado os Réus da não obtenção do empréstimo o contrato ficou sem efeito (foi automaticamente resolvido) pelo que não se coloca a questão da perda do sinal ou da sua restituição em dobro, assim se afastando a clausula 14ª do contrato-promessa que, aliàs, mais não é do que a reprodução do regime do artigo 442º do Código Civil. Esta é a interpretação lógica do clausulado que, contendo-se nos limites do texto contratual, seria apreendida por um declaratário normalmente diligente face àquele texto. E é esta interpretação que conduz a um maior equilíbrio contratual, já que destruído o contrato não se coloca a questão de incumprimento havendo antes que devolver tudo o que foi prestado. Um eventual prejuízo dos Réus pela omissão de informação dos Autores poderia ser ressarcido nos termos normais que não em sede de incumprimento do contrato de promessa em causa.
2.3. Abordaremos adiante, aquando do tratamento da condição, a cláusula resolutiva expressa. Deixamos, entretanto, desde já dito que perante um incumprimento transitório (mora) a sua conversão em incumprimento (definito) faz-se pela via da interpelação admonitória, consistente na notificação do devedor para cumprir num prazo razoável que, nesse acto lhe é fixado. Essa interpelação coenvolve uma intimação de cumprimento com a cominação/advertência de que se tal não ocorrer no novo prazo fixado haverá incumprimento definitivo resolutório. E esse novo prazo não se confunde, nem pode somar-se ao prazo inicial nem ao período de mora (cfr. v.g. os Acórdãos do STJ de 27 de Junho de 2006 – 06A1758 –; de 6 de Fevereiro de 2007 – 06A4749 –; de 27 de Janeiro de 2011 – 5462/04.4YXLSB.L1.S1). E como julgou o Acórdão do STJ de 6 de Fevereiro de 2007 – 06A4749 – desta mesma Conferência “a interpelação/notificação admonitória só produz o efeito previsto no artigo 808.º n.º 1 CC (conversão da mora em incumprimento definitivo) se se traduzir numa intimação para cumprimento, dentro de um prazo razoável em vista dessa finalidade e em termos de directamente deixar transparecer a intenção do credor de ter a obrigação como definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro daquele prazo”. A mesma será, contudo, dispensada tendo havido “repudiation of a contract” (recusa inequívoca e peremptória de cumprimento). Finalmente, e na linha do Acórdão do STJ de 13 de Dezembro de 2007 – 07A2378 – também desta Conferência, pode concluir-se que “a alienação a terceiro, pelo promitente vendedor, dos prédios prometidos vender, revela, clara e inequivocamente, recusa de celebrar o contrato prometido, traduzindo-se em incumprimento definitivo, que se presume culposo (com as consequências dos n.ºs 2 e 4 do artigo 442.º CC) nos termos do artigo 799.º do Código Civil”. (cfr. neste sentido, o Prof. Baptista Machado – RLJ 118.º, 275, nota 2 e 332, nota 35, ao anotar o Acórdão do STJ de 8 de Novembro de 1983; Prof. Calvão da Silva, “Sinal e Contrato-Promessa”, 91, Prof. Menezes Cordeiro, in “A violação positiva do contrato” apud “Estudos de Direito Civil”, I, 134 e Doutora Ana Prata, “O Contrato Promessa e seu Regime Civil”, 1999,693).
3- Condição resolutiva. 3.1. Como vimos, ao elencar a matéria de facto assente os promitentes acordaram que o contrato-promessa estava dependente da aprovação de um empréstimo bancário e ficaria sem efeito se os compradores não lograssem obter esse mútuo, até sessenta dias após a outorga do contrato – 27 de Fevereiro de 2008 – ou seja, até 30 de Julho de 2008. Porém, foi ainda acordado que a escritura pública poderia ver o prazo de celebração alargado “pelo período máximo de trinta dias caso não fosse possível celebrar a escritura até 30 de Junho de 2008”. Acontece que o empréstimo não aconteceu, por recusa do Banco financiador, o que os Autores comunicaram aos Réus em Fevereiro de 2009. Quando abordámos o incumprimento referimo-nos à existência de cláusula resolutiva expressa. Esta figura traduz-se, em primeira linha, na resolução fundamentada em convenção nos termos permitidos pelo artigo 432.º do Código Civil. A cláusula será resolutiva quando os promitentes tiverem acordado, dentro do princípio da liberdade contratual, que o seu conteúdo é de tal modo essencial para a perfeição do contrato prometido, que a leva a adquirir uma força vinculativa tal, que se torna impositiva de irretractibilidade (ou irrevogabilidade) sob pena de não se verificando, o contrato perder um elemento fundamental e poder, só por isso, ser resolvido. Embora, numa perspectiva de minúcia/rigor doutrinário pudesse ser topado algum “distinguo” entre contradição resolutiva e cláusula resolutiva expressa, entendemos ser desnecessário seguir essa via já que, e nos termos do acordado pelas partes, pode não ter sido pretendida uma resolução do contrato, com as inerentes consequências (artigos 433.º a 435.º CC) mas que o mesmo ficasse “sem efeito, devendo ser devolvido tudo o que houvesse sido prestado”. Porém, atendendo ao disposto no n.º 1 do artigo 289.º do Código Civil é lícito concluir pela inoquidade da expressão “sem efeito” no cotejo com as primeiras consequências da resolução. Daí que se considere que a concessão do mútuo bancário tem a natureza de condição resolutiva com a dogmática do artigo 270.º do Código Civil. (Note-se, com o Prof. Paes de Vasconcelos que a letra deste preceito “determina a resolução do negócio”, in “Teoria Geral do Direito Civil, 12.ª ed., 521). 3.2. Como explicava o Prof. Rui de Alarcão (in Condição “exposição de motivos” – BMJ 138-115) reportando-se ao artigo 270.º do Projecto do Código Civil, “… o conceito que neste artigo se contém está de harmonia com a doutrina comum. Como é manifesto, a condição aí definida é a verdadeira e própria (subordinação voluntária do negócio a um evento futuro e incerto) não se tendo directamente em vista, no presente anteprojecto, as chamadas condições impróprias, salvo a referência feita no artigo 2.º às condições impossíveis (stricto sensu)”. E não se olvide que só são próprias as condições referentes a um “acontecimento futuro” que não a eventos passados ou presentes como refere entre outros o Doutor Heinrich E. Hörster in “A Parte Geral do Código Civil Português”, 491. (cfr. ainda e, v.g., os Profs Manuel de Andrade in “Teoria Geral da Relação Jurídica”, 1996, 2.ª, 356 e Oliveira Ascensão – “Direito Civil” – Teoria Geral, II, 177). O Acórdão do STJ, de 10 de Dezembro de 2009 – 312-C/2000.C1-A.S1 – relatado pelo ora 1.º Adjunto e sendo 1.º Adjunto o agora 2.º – conceptualiza a condição como “uma cláusula acessória típica, um elemento acidental do negócio jurídico, por virtude da qual a eficácia de um negócio (o conjunto de efeitos que ele pretende desencadear) é posta na dependência dum acontecimento futuro e incerto, por maneira que só verificado tal acontecimento é que o negócio produzirá os seus efeitos (condição suspensiva) ou então só nessa eventualidade é que o negócio deixará de os produzir (condição resolutiva)”. E mais adiante: “sendo resolutiva a condição, na pendência deste negócio produz todos os efeitos que lhe são próprios, os quais porém desaparecerão, serão destruídos retroactivamente, se a condição se verificar”, sendo que “opera ipso jure, portanto sem necessidade de qualquer acto das partes (por exemplo notificação à parte contrária), ou intervenção judicial”. Claro que, mau grado o princípio da liberdade contratual vertido no artigo 405.º do Código Civil, é nulo o negócio subordinado a condição contrária à lei, à ordem pública ou ofensiva dos bons costumes tendo-se a resolutiva por não escrita (artigo 271.º n.º 2 CC).
4- Incumprimento. Do que acima se expôs resulta claramente que o prazo para celebração do contrato prometido constante do instrumento onde a promessa foi vertida não tinha a natureza de prazo fatal. E tanto assim é que, como se disse, foram acordadas duas prorrogações – a primeira por mais 30 dias e a segunda por mais sessenta dias. O contrato estava sujeito a uma condição resolutiva consistente na obtenção de crédito bancário pelos promitentes compradores. Os promitentes vendedores não interpelaram admonitoriamente os futuros compradores decorrido o último prazo para, assim, converterem em incumprimento definitivo. Entretanto, e decorridos cerca de nove meses após o termo do prazo acordado, os promitentes vendedores venderam o imóvel a terceiros. Então, e cerca de dois meses antes, os Autores tinham-lhes comunicado a não concessão do empréstimo bancário. Poderia, assim, entender-se que os Réus teriam incumprido definitivamente o contrato ao procederem à venda do imóvel a terceiros. Só que, então, já tinha sido operada a condição resolutiva, que, como se disse releva “ipso jure” e sem necessidade de notificação ou interpelação prévia, estando destruídos os efeitos do negócio. O que sempre ilidiria a presunção de culpa do n.º 1 do artigo 799.º do Código Civil. E o facto de os Autores não lhes terem dado conhecimento imediato da não obtenção do crédito bancário coloca-os em situação de incumprimento? Seguros que não. Por um lado, insiste-se que a condição resolutiva operara sem necessidade de qualquer acto das partes ou de intervenção judicial (cfr. v.g. o Prof. Carlos Mota Pinto, com os Prof.s A. Pinto Monteiro e P. Mota Pinto, in “Teoria Geral do Direito Civil”, 4.ª ed. 584) sendo que, mesmo tratando-se de facto conhecido de uma das partes, teria de ser provada a sua ocultação maliciosa, notória ausência de probidade ou cooperação para que pudesse sancionar-se a falta de iniciativa de comunicação. Os princípios da boa fé e da confiança impõem-se num plano ético-jurídico exigindo-se que uma parte não defraude as expectativas da outra e que o “iter negocial” decorra com a lisura normalmente exigível às pessoas de bem. Mas, e como se viu da matéria de facto, os Autores ,embora muito mais tarde, comunicaram aos Réus a não obtenção do empréstimo antes destes terem vendido o prédio. Ademais, ainda que tal se desconsiderasse, os Réus podiam ter procedido a interpelação admonitória ficando, então, e desde logo cientes do percurso da condição resolutiva. Verifica-se em consequência, que presente esse elemento voluntário do negócio o mesmo ficou resolvido sendo de restituir a quantia recebida a título de sinal./”tudo o que houvesse sido prestado” – alínea L) dos factos provados). Em consequência, é de negar a revista, retornando as partes ao momento anterior à celebração do negócio.
5- Conclusões.
Pode, então, concluir-se que a) O contrato-promessa de compra e venda assume a natureza de negócio fixo, absoluto, quando as partes acordaram num prazo peremptório, improrrogável e determinante da celebração do negócio, para a outorga do contrato prometido (salvo se a essencialidade resultar da natureza ou da modalidade da prestação). b) A cláusula a fixar o prazo essencial deve ser clara, inequívoca e explícita, sob pena do incumprimento do prazo se traduzir apenas em mora. c) Havendo prazo fatal é dispensada a interpelação. d) No negócio fixo não absoluto a translação da mora (incumprimento transitório) em incumprimento (definitivo) impõe uma interpelação admonitória, com fixação de um prazo suplementar cominatório (peremptório) para a outorga do contrato prometido. e) A declaração antecipada de não cumprir (“riffuto de adimpieri”; “repudiation of a contract”; ou “antecipatory breach of contract”) consiste numa declaração inequívoca, clara, séria, categórica e definitiva a manifestar o propósito de não outorgar o contrato prometido, declaração que, podendo ser tácita, tem de ser indubitável, dispensando a interpelação admonitória. f) A alienação a terceiro do prédio prometido vender revela, clara e inequivocamente, a recusa de celebrar o contrato prometido, traduzindo-se em incumprimento definitivo, com as consequências dos n.ºs 2 e 4 do artigo 442 CC, que se presume culposo nos termos do artigo 799.º do Código Civil. g) Há cláusula resolutiva expressa (condição resolutiva) quando os promitentes acordaram que a verificação desse facto, futuro e incerto implica a resolução do contrato-promessa e a consequente não celebração do contrato-prometido. h) Essa cláusula opera “ipso jure” sem necessidade de qualquer acto das partes ou de intervenção judicial e tem-se por não escrita se contrária à lei, à ordem pública ou ofensiva dos bons costumes. i) O artigo 676.º CPC que consagra o recurso de efeito devolutivo no recurso de revista – à excepção das questões sobre o estado das pessoas – não viola qualquer preceito da Constituição da República, designadamente os artigos 13.º n.º 1, 18.º n.º 3 e 20.º n.º 4.
Nos termos expostos acordam negar a revista. Custas pelos recorrentes Sebastião Póvoas (Relator) Moreira Alves Alves Velho, com Voto de Vencido -------------
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