Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2544/08.7TBLLE.E2.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: SERRA BAPTISTA
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
RISCO
SINISTRO
AVE DE RAPINA
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 10/09/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDAS AS REVISTAS
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL.
DIREITO COMERCIAL - CONTRATOS COMERCIAIS / CONTRATO DE SEGURO.
DIREITO DOS SEGUROS - ACTIVIDADE SEGURADORA.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / ACTOS PROCESSUAIS / ATOS PROCESSUAIS / ACTOS DOS MAGISTRADOS / ATOS DOS MAGISTRADOS / INSTRUÇÃO DO PROCESSO.
Doutrina:
– Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil”, Anotado, vol. 3.º, p. 259 e ss.
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, pp. 607 e ss., 689.
- Carlos Ferreira de Almeida, Contratos III, p. 240.
- José Vasques, Contrato de Seguro, p. 211.
- Lebre de Freitas e outros autores, “Código de Processo Civil”, Anotado, vol. 2.º, p. 669.
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil”, Anotado, vol. I, pp. 501, 506.
- Pedro Martinez, Direito dos Seguros – Apontamentos, p. 82.
- Ribeiro de Faria, Direito das Obrigações, I, p. 491 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 236.º, 238.º, 494.º, 496.º.
CÓDIGO COMERCIAL: - ARTIGO 426.º.
LEI Nº 41/2013, DE 26 DE JUNHO: - ARTIGOS 5.º, 7.º.
NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGOS 152.º, N.º3, 412.º, N.º1.
REGIME GERAL DA ACTIVIDADE SEGURADORA (D.L. N.º 94-B/98, DE 17 DE ABRIL).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
-DE 14/2/75, RL DE 16/2/79, CJ ANO IV, T. 1, P. 163, COM ANOTAÇÃO DE VAZ SERRA, NA RLJ ANO 109.º, P. 111.

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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 10/2/98, CJ S., T. 1, P. 65;
-DE 25/6/2002, CJ S., ANO X, T. 2, P. 134;
-DE 31/3/2009, Pº 08B3886 E DE 17/10/2009, Pº 288/06, AMBOS EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
SUMÁRIO (art. 663.º, nº 6 ex vi art. 679.º do NCPC:

1. Formalizado o contrato de seguro através da apólice (art. 426.º do CComercial aqui vigente), a mesma, ao reduzi-lo a escrito, reflecte o seu conteúdo, fixando-o.

2. Aceite pela seguradora a declaração do risco, ao cuidado do tomador do seguro, e ocorrido um sinistro, há, no caso de dúvida sobre se o mesmo integra o risco, que precisar o verdadeiro objecto do contrato outorgado, com recurso às regras de interpretação do negócio jurídico fixadas nos arts 236.º, nº 1 e 238.º, nº 1 do CC.

3. Risco esse que, na modalidade de seguro “não vida” é o facto ou conjunto de factos, determinante(s) da obrigação de indemnizar que venha(m) eventualmente a recair sobre o segurado, surgindo a obrigação do segurador se, e quando, estiverem verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil cobertos pelo seguro.

4. Havendo, no processo da interpretação do negócio jurídico que recorrer à factualidade apurada e apenas a ela, que não a conhecimentos particulares do Juiz, que não se confundam com os factos notórios, seja, aqueles que o Juiz conhece como tal, colocado na posição do cidadão comum, regularmente informado, sem necessidade de recurso a operações lógicas e cognitivas, nem a juízos presuntivos.

5. Tendo o tomador do seguro transferido para a seguradora a responsabilidade civil emergente da exploração de um parque de diversões, dito como composto por um parque aquático, restaurante, bares, lojas e parque infantil e ocorrendo o sinistro num espectáculo de aves de rapina (que, na altura, nem licenciado estava), e que se realizava naquele parque, não se pode, sem mais, concluir que ele fizesse parte do objecto do seguro.

6. E, por outro lado, tendo as partes acordado, no contrato de seguro em causa, de forma bem precisa, que dele ficam excluídos os danos resultantes de actividades que se revistam de especial perigosidade, há que concluir que o espectáculo com aves de rapina, tendo em conta a sua natureza e as características que daí necessariamente lhe advêm, mais a mais com o imprevisível voo, sempre difícil de controlar, e, assim, com a consequente perigosidade das mesmas, não fará parte do objecto do seguro.

7. Entendendo-se como ajustada para reparação dos danos não patrimoniais sofridos pelo menor, que foi atingido pela dita ave de rapina, na face a na mão direita, com rasgões em tais partes do seu corpo, com assistência médica hospitalar, incluindo cirurgia comum e cirurgia plástica reconstrutiva, internamento hospitalar durante um dia, com profunda cicatriz visível na face, que lhe atravessa o rosto desde a parte inferior do olho direito, passando pela cana do nariz até ao início do sobrolho esquerdo, privação da frequência de aulas, com atraso no desenvolvimento escolar durante o ano, com dores e mau estar, durante duas semanas, após a primeira cirurgia e, de novo, após a segunda cirurgia, com quantum doloris de 6 em 7 pontos, tendo o menor, com o acidente, alterado a sua maneira de ser, com períodos de tristeza e depressão, pesadelos nocturnos e gritos a meio da noite, sem se conseguir libertar da imagem da ave, com sentimento de revolta, consternação, depressão e afectação psíquica, sendo motivo de troça e de brincadeiras dos outros meninos da escola, sendo certo que, antes, era uma criança alegre, desinibida, comunicativa, sociável, simpático e bem aceite no seu grupo, a quantia de € 80 000,00.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

AA, por si e em representação de seus filhos menores BB e CC, veio intentar acção, com processo ordinário, contra DD – ACTIVIDADES TURÍSTICAS, LDA e COMPANHIA DE SEGUROS EE, S. A., pedindo a condenação destas a pagar-lhes a quantia de € 215 000,00, a título de indemnização, bem como os montantes decorrentes da reparação do dano, nomeadamente, despesas médicas, hospitalares e de acompanhamento psicológico que se venham a mostrar necessárias para os menores e que à data não são passíveis de contabilização, tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a citação até efectivo pagamento.

Tendo alegado, para tanto, e em suma:

É mãe dos dois menores (tendo-lhe sido confiado o exercício do poder paternal).              

No dia 2/10/2005 o pai dos menores levou-os a visitar o parque aquático explorado pela lª ré, onde assistiram a um "show" de aves de rapina e, após conclusão desse espectáculo, uma dessas aves de rapina investiu contra um brinquedo que o menor BB segurava nas mãos e provocou-lhe um rasgão na mãe e na face, sob o olho direito. O menor foi submetido a intervenções cirúrgicas e, apesar disso, ainda apresenta uma cicatriz de grande dimensão na face.

O menor BB sofreu dores, que se prolongaram por muitas semanas; alterou a sua maneira de ser, tornando-se numa criança triste; continua com pesadelos e temores nocturnos, sentimento de revolta; é objecto de troça; tem pânico dos animais.

Também a autora e mãe do BB tem sofrido desgosto, bem como o CC, que acompanhou o sofrimento e aflição do irmão e do pai, o que lhe causou profundo choque, tendo sofrido perturbações psicológicas decorrentes da violência do ataque.

Citadas as rés, vieram contestar:


Dizendo a DD -Actividades Turísticas, Lda, também em suma;

A águia utilizada no espectáculo estava devidamente certificada pelo ICN e tinha sido importada em Maio de 2003; a acção da águia foi motivada pelo boneco que o menor possuía nas mãos, contra as indicações do pes­soal ao serviço da ré (e não por falta de treino); o parque zoológico da autora está registado na Direcção Geral de Veterinária desde 2/10/2003. Participou o acidente à seguradora. Os danos alegados são exagerados. Impugnando, no mais, o pela autora alegado.

Dizendo a ré "Companhia de Seguros EE, S.A., também em síntese:

O arrogado direito da autora já prescreveu.

De todo o modo, disse ainda que apenas aceitou o risco de responsabilidade civil da 1ª ré emergente do parque de diversões, composto por parque aquático, bares, lojas e parque infantil, no complexo "FF", localizado na Estrada Nacional …, Quarteira, através da apólice n° …. Esse risco foi expressamente definido como garantia das indemnizações que legalmente sejam exigíveis ao segurado pelos danos patrimoniais e/ou não patrimoniais decorrentes de lesões corporais e/ou materiais que, exclusivamente no exercício da actividade e nas instalações identificadas na apólice, sejam causados a terceiros por actos ou omissões dos seus legítimos representantes ou das pessoas ao seu serviço e pelas quais seja civilmente responsável, ficando sempre excluídos os danos resultantes de actividades estranhas às instalações ou que revistam especial perigosidade. Ora, o acidente dos autos resultou de uma actividade estranha a qualquer das actividades descritas na proposta de seguro e especialmente perigosa, pelo que a ré seguradora nada tem a pagar.

Diz, ainda, que o artigo 496° do Código Civil apenas tutela os danos sofridos pelo directamente lesado e não por terceiras pessoas. No mais, defende-se por impugnação.

Replicaram os autores dizendo que a prescrição não começa nem corre enquanto o autor BB for menor.

Foi proferido o despacho saneador, no qual, alem do mais, se relegou o conhecimento da referida excepção para final, tendo sido fixados os factos assentes e organizada a base instrutória.

Por despacho proferido a fls 252 e ss, da acção decla­rativa sob a forma de processo sumário n° 2542/07.8TBLLE também do 1° Juízo Cível da Comarca de Loulé, foi determinada a sua apensação a estes autos, nos termos do artigo 275.º do Código de Processo Civil.

Nesse processo, GG intentou contra DD – ACTIVIDADES TURÍSTICAS, LDA e COMPANHIA DE SEGUROS EE, S. A. acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, pedindo que, na procedência da acção, sejam as rés condenadas a pagar-lhe uma indemnização no valor de € 11.282,11 (onze mil, duzentos e oitenta e dois euros e onze cêntimos), valor a que deverão acrescer os juros moratórias que, à taxa legal, se vencerem entre a data da citação e a do efectivo e integral pagamento.

Para tal, alegou do mesmo modo que a A. (ele é o pai do menor) mas invocou, também, danos patrimoniais seus.

Ambas as RR contestaram nos termos em que o haviam feito antes.

Saneado esse processo apenso, julgou-se improcedente a excepção da ilegitimidade activa e procedeu-se à elaboração dos factos assentes e da base instrutória.

Realizado o julgamento, foi decidida a matéria de facto das bases instrutórias (processo principal e apenso) pela forma que do despacho junto de fls 847 a 861 melhor consta.

Foi proferida a sentença, a qual, na sua parte decisória, tem o seguinte teor:

a) condenar a ré "DD - Actividades Turísticas, Lda” a pagar ao autor BB, representado por AA, a quantia de € 80.000 (oitenta mil euros) devida a título de ressarcimento pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros, contados à taxa legal, desde a data da presente decisão;

b) condenar a ré "DD - Actividades Turísticas, Lda." a pagar ao autor BB, representado por AA, o que se vier a liquidar em incidente de liquidação e seja decorrente do acompanhamento psicológico a que se terá de submeter;

c) condenar a ré "DD - Actividades Turísticas, Lda." a pagar ao autor GG a quantia de € 177,16 (cento e dezassete euros e dezasseis cêntimos) acrescida de juros, contados à taxa legal, desde a sua citação na acção apensa;

d) absolver a ré "Companhia de Seguros EE, S.A," do peticionado e a ré "DD - Actividades Turísticas, Lda.” do demais peticionado.

Inconformada, veio a ré DD interpor recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Évora invocando nulidades da sentença (por excesso e omissão de pronúncia) e erros de julgamento na matéria de facto e de direito.

Apenas a A. AA contra-alegou, pugnando pela confirmação da sentença.

Na Relação, foi proferido acórdão no qual, depois de se julgar improcedente as nulidades invocadas, decidiu-se fixar a matéria de facto e anulou-se parcialmente o julgamento em ordem a o tribunal recorrido responder ao quesito 24.º da base instrutória elaborada no apenso.

Na 1ª Instância, depois de reaberta a audiência, foi respondido ao dito quesito e elaborada nova sentença, com a parte decisória igual à anteriormente proferida.

De novo recorre a R. condenada, alegando quase nos mesmos precisos termos que antes havia feito.

Também, a A. AA de novo, e com os mesmos fins, contra-alegou, tal como o fez em relação ao anterior acórdão.

Proferiu a Relação novo acórdão, no qual, e na procedência da apelação, absolveu a ré DD do pedido e condenou a ré EE a pagar ao autor BB indemnização por danos não patrimoniais no montante de € 40 000,00, bem como a que se vier a liquidar em incidente de liquidação e que seja decorrente do acompanhamento psicológico a que venha a submeter-se.

Agora irresignada, veio a seguradora EE pedir revista para este Supremo Tribunal de Justiça, formulando, na sua alegação, as seguintes conclusões:

           

1ª - O âmbito de cobertura do contrato de seguro dos autos é definido pelo seu conteúdo e não pelo objecto social da co-R. DD.

2ª - No contrato de seguro define-se o seu objecto como «a responsabilidade civil emergente da exploração de um parque de diversões, composto por parque aquático, restaurante, bares, lojas e parque infantil».

3ª - A actividade de espectáculo de aves de rapina, ainda que estivesse compreendida no objecto social da segurada da ora recorrente, o que se desconhece, não está compreendida em qualquer das actividades cuja responsabilidade civil foi transferida para a ora recorrente.

4ª - A actividade de espectáculo de aves de rapina não se enquadra na actividade de parque aquático, que compreende piscinas, escorregas de água e outros divertimentos com água.

5ª - Não se enquadra na actividade de parque infantil, que se traduz em escorregas, balouços, castelos insufláveis e outros divertimentos similares.

6ª - Menos ainda se enquadra nas actividades de bares, restaurante e lojas.

7ª - Assim, porque tal actividade de espectáculo de aves de rapina não está prevista em qualquer das actividades cujo risco foi transferido para a ora recorrente, não é esta responsável pelas consequências do acidente em causa nos presentes autos.

8ª - Ainda que assim não fosse, do âmbito do contrato de seguro ficaram «excluídos os danos resultantes de actividades estranhas às instalações ou que revistam especial perigosidade».

9ª - Resultou provado que «o parque temático explorado pela primeira ré apenas licenciou a sua actividade como Parque Zoológico de aves no ano de 2007».

10ª- Com o que essa actividade concreta de parque zoológico, na qual se inserem espectáculos de aves de rapina, era, em 2005 como em 2001 quando foi contratado o seguro dos autos, estranha às instalações do Parque FF.

11ª- Para além de que um espectáculo de aves de rapina, para mais quando estas andam soltas mesmo depois de concluídos os espectáculos com comida atirada para o chão pelos respectivos tratadores, reveste natural e especial perigosidade.

12ª- Com o que estariam preenchidos os dois pressupostos de exclusão da responsabilidade da ora recorrente previstos no contrato celebrado com a co-Ré DD.

13ª- No contrato foi ainda «acordada uma franquia, ou parte primeira de qualquer indemnização, sempre a cargo da primeira ré, de 10% do valor do sinistro no mínimo de €249,40».

14ª- Com o que a co-Ré DD sempre seria exclusivamente responsável por tal parte da indemnização, não podendo a ora recorrente ser, em qualquer caso, condenada a pagar também tal parte do valor fixado no Acórdão recorrido.

15ª- Acrescendo que, para mais, a existir também uma qualquer parte da obrigação da indemnização a cargo da ora recorrente, no que se não concede, a responsabilidade desta sempre seria solidária com a da co-Ré DD, que também por tal razão nunca poderia ser absolvida do pedido como foi.

16ª- Foram violadas, para além do próprio contrato de seguro dos autos, as normas dos arts. 236°, nºs 1 e 2 , 406.º, 483.º e segs, todos do CC, assim como os arts 426.º do CComercial, vigentes à data dos factos.

           Também a autora AA, não se conformando, com o decidido, veio pedir revista, assim concluindo na sua alegação:

           

  I.    Quem tiver o encargo da vigilância de qualquer animal responde pelos danos que ele causar salvo se provar que não teve culpa.

       II. Por outro lado, quem no seu próprio interesse utilizar quaisquer animais responde pelos danos por ele causados, desde que resultem do perigo especial que envolva a sua utilização; Ac. STJ de 2007/6/19,proc. 07 A1730 Base de Dados do ITIJ; Ora,

        III. No tocante à responsabilidade civil por danos causados por animais regem os artigos 493.º e 502.º do CC. No âmbito da responsabilidade pelo risco, dispõe aquele preceito que: «Quem no seu próprio interesse utilizar quaisquer animais responde pelos danos que eles causarem, desde que os danos resultem do perigo especial que envolve a sua utilização».

         IV. É quanto a estas pessoas que tem inteiro cabimento a ideia do risco: quem utiliza em seu proveito os animais, - como é o caso sub judice - que, como seres irracionais, são quase sempre uma fonte de perigos, mais ou menos graves, deve suportar as consequências do risco especial que acarreta a sua utilização- vide "Das Obrigações em Geral", Antunes Varela, vol. I, 10.ª ed. p. 651.

V. o Regime Jurídico da Detenção de Animais Perigosos, instituído pelo DL 312/2003 e alterado pela L 49/2007, de 31/08, voltou a servir-se da terminologia do "detentor", definindo-se como tal - art.º 2.º, al. d) - a pessoa que "mantenha sob a sua responsabilidade".

         VI. A águia em causa nos Autos - animal selvagem por natureza - não poderá ser considerada como "animal vadio/errante", logo, detentor há-de ter. Pelo que, não podemos deixar de considerar que não só a Recorrida era, ao tempo do acidente, a detentora da ave, como a utilizava, exclusivamente, no seu próprio interesse e proveito.

VII. A palavra "utilização", usada no artigo 502º do Código Civil, não significa apenas obtenção de proveito imediato, mas também potencial que pode ser material ou meramente recreativo.

          VIII. "O parque temático explorado pela primeira Ré apenas licenciou a sua actividade como Parque Zoológico de aves no ano de 2007 (artigo 64º da base instrutória), o que revela também a actuação negligente e assim ilícita da R. num parque de diversões especialmente destinado a crianças

IX. Posto isto, há que concluir pela responsabilidade da R. pelos danos sofridos pelo menor lesado, em consequência do ataque da águia, sobre ela recaindo a respectiva obrigação de indemnizar.

X. Sem prejuízo da responsabilidade transferida para a Companhia de Seguros demandada, devendo, como ta], o Acórdão Recorrido ser alterado, condenando-se a R. DD - Actividades Turísticas, Lda. - no pagamento da indemnização nos termos previstos na Apólice, ou seja na franquia ou parte primeira de qualquer indemnização sempre a cargo da primeira Ré de 10 % do valor do sinistro no mínimo de € 249,40 (Ponto 8 da Matéria de Facto) para além de todos os valores que não estiverem abrangidos pela respectiva Apólice. Ora,

XI. A mais recente Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores tem vindo a lembrar a necessidade de neste tipo de indemnizações serem abandonadas as indemnizações miserabilistas, devendo antes assumir um alcance significativo e não meramente simbólico. Cfr. neste exacto sentido, o Ac. do S.T.J. de 20.2.01- Revista nº 204/01-6ª.

XII. Nos danos não patrimoniais a indemnização prevista no art.º 496º, nº 1, do CC, mais do que uma indemnização, é uma verdadeira compensação: segundo a lei, o objectivo que lhe preside é o de proporcionar ao lesado a fruição de vantagens e utilidades que contrabalancem os males sofridos e não o de o recolocar matematicamente" na situação em que estaria se o facto danoso não tivesse ocorrido. A reparação dos prejuízos, precisamente porque é de natureza moral e, nessa exacta medida, irreparáveis, é uma reparação indirecta. Saliente-se que,

XIII. Os componentes mais importantes do dano não patrimonial, de harmonia com a síntese feita no Ac. do S.T.J. de 15.1.02 (Revª 4048/01-2ª) são os seguintes: o "dano estético" - que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima; o "prejuízo de afirmação social" - dano indiferenciado que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica); o prejuízo da "saúde geral e da longevidade" - em que avultam o dano da dor e o défice de bem-estar, e que valoriza os danos irreversíveis na saúde e bem-estar da vítima e o corte na expectativa de vida; e o "pretium juventutis" - que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a chamada primavera da vida; e o "pretium dolorie" - que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária.

XIV. Tem-se entendido que merecem a tutela do direito os danos que "espelhem uma dor, angústia, desgosto ou sofrimento, que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se tornem inexigíveis em termos de resignação" (Ac. Rel. Coimbra de 5/06/1979, CJ, tomo III, pág. 892 e Ac. STJ de 12/10/1973, BMJ 230, pág. 107)

XV. E, tal como decorre da douta Decisão da 1.ª Instancia, o Ilustre Julgador a qua, face às gravíssimas consequências do acidente para o menor BB, fundamenta de forma exemplar, o montante indemnizatório arbitrado, explicitando os limites e pressupostos dentro dos quais situou o juízo equitativo formulado, face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto «sub judicio».

XVI. Para a fixação da indemnização atender-se-á à idade da vítima (tinha 4 anos), às fortes dores sentidas (quantum doloris de 6 em 7 pontos) e que se prolongaram por muito tempo, à necessidade de intervenções cirúrgicas, às importantes sequelas psicológicas e à sua perspectiva de futuro e à forma como, subitamente, parte disso ruiu.

XVII. Olhar para este caso e compará-lo com o dano estético provocado num adulto (que tem a vida pessoal e profissional estabilizada) não pode deixar de ser uma clamorosa injustiça. É a própria Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 69º, nº 1, que impõe uma discriminação positiva das crianças quando tal se justifique.

XVIII. No caso presente, justamente, impressiona sobremaneira o facto desta criança com apenas 4 anos à data do acidente, hoje com 13 anos, ter sido vítima de um ataque de uma águia num parque de diversões infantil - e submetido a intervenções cirúrgicas, anestesias, exames e medicação, ter sofrido dores físicas e com sofrimento psicológico que se mantém.

XIX. Porque o BB tem capacidade intelectual para experimentar emoções e sentimentos, sente profundamente o drama da desigualdade em relação aos colegas e amigos que o rodeiam e experimenta o trauma doloroso e intenso de nunca vir a ser como as outras crianças da sua idade, ou seja, sem a enorme cicatriz que lhe dilacera o rosto;

XX. A verdade é que o BB em consequência do acidente de que foi vitima, e desde então, por razões de natureza psicológica, careceu e ainda hoje carece, - tal como resultou dos depoimentos das testemunhas - de autonomia pessoal e social em inúmeras situações que se lhe deparam na sua vida, o que aliás se vem agravando, já que o BB não obstante ter 13 anos, não consegue superar as ansiedades, os medos e as fobias descritas no Relatório, o que se torna mais gravoso com o passar dos anos, até porque não se coaduna com os comportamentos das crianças da sua idade.

XXI. A Recorrente não se conforma com o montante fixado pelo Tribunal da Relação a título de indemnização pelos danos sofridos pelo seu filho menor, até porque confessamente foi indicado "sem margem de certeza absoluta" e sem especificar concretamente os fundamentos fácticos e legais que justifiquem tal redução, e assim meramente arbitrária, o que importa a sua nulidade, nos termos do art.º 615.º nº 1 al. b), do CPC.

XXII. Entende a Recorrente que o montante fixado face à factualidade provada é exíguo e consequentemente faz uma errada interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis ao caso.

XXIII. Como vem sendo sublinhado pelo S.TJ. a indemnização nunca se poderá reconduzir a um papel meramente simbólico antes devendo representar uma adequada compensação aferida segundo critérios de equidade.

XXIV. O montante fixado pela 1ª Instancia em € 8O.OOO,OO sindica tal posição, deixando de lado o quantitativo miserabilista ou simbólico que resulta da quantia fixada pelo acórdão recorrido.

XXV. Ainda a consolidar o montante peticionado ressalta a Matéria de Facto dada como provada e bem assim os Relatórios médicos e Relatório de Pericial donde se conclui pela extensão das lesões e do sofrimento que as mesmas acarretaram e acarretam ainda para esta criança e que se mantêm até à data.

XXVI. Ao assim não decidir na fixação do montante indemnizatório, o Tribunal da Relação não atentou e fez uma incorrecta interpretação e aplicação dos critérios de equidade que devem presidir na fixação da compensação a arbitrar aos danos discutidos no presente Recurso, violando por erro de interpretação o preceituado no disposto nos artigos 483°, 487.º, 496.º, 562.º,e 566.º do CC.

XVII.  Assim, sopesando todos os elementos de facto à luz das ideias e princípios que se destacaram, justifica-se amplamente a douta Decisão da 1.ª Instância que fixou em € 80.000,00, a indemnização devida ao menor Tiago.

XXVIII. Pelo que a este título será justo e equilibrado fixar a compensação devida em quantia nunca inferior a € 80.000,00.

Tendo vindo a ré DD, contra-alegar, sustentando a improcedência das revistas pedidas e, de igual modo inconformada quanto a algumas questões, interpor recurso subordinado para este Supremo Tribunal de Justiça.

Contra-alegou a autora, pugnando, desde logo, pela rejeição do recurso subordinado da DD e, de qualquer modo, pela improcedência do mesmo.

Por despacho do relator, não impugnado, não foi admitido o recurso subordinado da aludida ré.

Corridos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar e decidir.


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Vem dado como PROVADO:        

1. CC nasceu no dia … de Março de 1998 e é filho de AA e de GG.

2. BB nasceu no dia … de Novembro de 2000 e é filho de AA e de GG.

3. O BB e o CC encontram-se confiados à autora, com quem residem.

4. A ré "DD - Actividades Turísticas, Ld'" explora um parque aquático denominado "FF", sito em …, Quarteira,

5. A ré "DD- Actividades Turísticas, Ld'" declarou transferir para a ré "EE - Companhia de Seguros, S.A." e os legais representantes desta declararam aceitar, mediante o pagamento do respectivo prémio, a responsabilidade civil emergente da exploração de um parque de diversões, composto por parque aquático, restaurante, bares, lojas e parque infantil, no complexo "FF" nos termos do acordo titulado através da apólice n." ….

6. Segundo o qual ficavam abrangidos os danos patrimoniais e/ou não patrimoniais decorrentes de lesões corporais e/ou materiais que exclusivamente no exercício da actividade e nas instalações identificadas na apólice sejam causados a terceiros por actos ou omissões dos seus legítimos representantes ou das pessoas ao seu serviço e pelas quais seja civilmente responsável.

7. Segundo esse acordo, ficaram excluídos os danos resultantes de actividades estranhas às instalações ou que revistam especial perigosidade.

8. Ficou, ainda, acordada uma franquia, ou parte primeira de qualquer indemnização, sempre a cargo da primeira ré, de 10% do valor do sinistro no mínimo de €249,40.

9. No dia 02 de Outubro de 2005 o BB foi assistido no Hospital Distrital de Faro.

10. No dia 02 de Outubro de 2005, o CC e o BB dirigiram-se com o pai ao referido parque aquático.

11. Onde assistiram a um espectáculo de aves de rapina.

12. O falcoeiro referiu que iria utilizar a águia da bandeira americana.

13. Na apresentação do espectáculo a ave nova utilizada desobedeceu aos comandos do falcoeiro.

14. Levando a que o falcoeiro decidisse dar por finda a demonstração e concluir o espectáculo.

15. Após a conclusão do espectáculo o treinador espalhou comida no chão para as aves de rapina.

16. Quando se encontravam na área infantil, a cerca de 6 metros daquele local, o BB começou a gritar aflito.

17. Devido a ter sido atingido pelas garras da referida ave de rapina na face e na mão direita.

18. O que lhe provocou uma ferida/rasgão na mão direita e rasgão na face sob o olho direito, nariz e testa (resposta ao artigo 9° da base instrutória).

19. Já findo o "Show", sem qualquer aviso, o autor ouviu o seu filho mais novo, que se achava a cerca de 2 metros de distância dele, gritar.

20. Quando olhou para ele, viu-o agarrado à cabeça jorrando sangue.

21. O BB transportava nas mãos um brinquedo.

22. O brinquedo motivou a acção da ave.

23. Devido aos ferimentos que apresentava o BB teve assistência de médicos no Hospital Distrital de ..., incluindo de um cirurgião e cirurgião plástico.

24. (eliminado[1]).

25. O BB foi submetido pelas 21hOO do dia 02 de Outubro de 2005 a uma primeira intervenção cirúrgica,

26. Tendo ficado internado na Unidade de Pediatria do Hospital de ... até ao dia 3 de Outubro.

27. No dia 3 de Outubro à tarde foi dada alta ao menor BB e entregue aos cuidados da autora.

28. A qual se deslocara da ... até ao referido Hospital e levou o BB para casa.

29. No dia 8 de Outubro de 2005 foram retirados os pontos ao BB.

30. No dia 10 de Outubro de 2005 foi-lhe realizado um exame médico no Tribunal Judicial de Loulé.

31. Em 25 de Setembro de 2006 o BB foi submetido a cirurgia reconstrutiva no Hospital Egas Moniz.

32. Apesar das cirurgias o BB ainda apresenta uma cicatriz visível na face.

33. O CC encontrava-se a cerca de 2 metros do BB e assistiu ao ataque da águia.

34. Acompanhando ainda o sofrimento e angústia da autora com o sucedido.

35. Devido ao sucedido o BB durante 2 semanas deixou de frequentar a escola do Centro Paroquial de ….

36. O que sucedeu de novo aquando da segunda intervenção cirúrgica,

37. O BB sofreu dores na face e na mão direita devido aos ferimentos causadas pelas garras da ave de rapina.

38. E também devido às intervenções e tratamentos a que foi submetido desde 02 de Outubro de 2005.

39. O sofrimento (quantum doloris de 6 em 7 pontos) prolongou-se por várias semanas.

40. Com hematoma na face, inchaço, com dores permanentes, mal-estar, incómodo persistente, dificuldade na alimentação e impedimento do descanso nocturno, até ao completo sarar das feridas e contusões.

41. Após a segunda cirurgia, para além das dores, sofreu mal-estar que se prolongou durante 2 semanas até à recuperação.

42. O BB ficou aterrorizado ao ser atacado pela ave de rapina.

43. Após o sinistro o BB alterou a sua maneira de ser.

44. Manifestando períodos de tristeza e depressão.

45. Teve pesadelos e tenores nocturnos.

46. Sendo frequente acordar aos gritos a meio da noite.

47. Não conseguindo livrar-se da imagem do ataque da ave.

48. Continuando a sentir revolta, consternação, depressão e afectação psíquica pelo sucedido.

49. Confrontando-se com a profunda cicatriz que lhe atravessa o rosto desde a parte inferior do olho direito, passando pela cana do nariz, até ao início do sobre olho esquerdo.

50. O que é motivo de reparos, de troças e de brinca­deiras dos colegas de escola, que lhe chamam "o menino da águia".

51. Levando a que se sinta diferente das outras crianças.

52. O BB sente-se triste e deprimido.

53. Ficou com um trauma psíquico que não lhe permite aproximar-se de qualquer animal.

54. Tem pânico com quaisquer aves.

55. Antes do sucedido o BB era desinibido, alegre, curioso, comunicativo, sociável, simpático e bem aceite no grupo de amigos e colegas de escola.

56. Era uma criança saudável, interactiva, cheia de iniciativa e sem quaisquer receios ou medos, incluindo de animais.

57. E a falta de assiduidade veio atrasar o seu desenvolvimento escolar e educativo nesse ano.

58. O regresso à escola foi difícil para o BB pois recusava-se a ficar exposto aos comentários e brincadeiras dos colegas, por força da sua aparência.

59. O BB necessita de acompanhamento psicológico.

60. A autora desde o sinistro confronta-se com o sofrimento do BB.

61. O que lhe causa desgosto.

62. E angústia por nada poder fazer e saber que este não irá recuperar na totalidade.

63. O que lhe diminuiu a capacidade de trabalho e levou a perder o emprego.

64. A autora vive infeliz e intranquila.

65. O CC acompanhou o sofrimento e aflição do BB.

66. O parque temático explorado pela primeira ré ape­nas licenciou a sua actividade como Parque Zoológico de aves no ano de 2007.

67. A primeira ré dispõe de uma situação económica e financeira estável, tendo anunciado a construção de um hotel no "Parque FF",

68. O referido parque aquático, que se encontra a ser gerido desde há sete anos por uma nova equipa, desde então já realizou investimentos no mesmo na ordem dos 30 milhões de euros.

69. A autora reside com o BB e o CC num apartamento arrendado por € 450,OO mensais.

70. A autora trabalha como secretária auferindo um vencimento mensal líquido de € 930,OO.

71. Não dispondo de outros rendimentos.

72. As despesas médias mensais do seu agregado familiar são de cerca de €1.200,OO. Subsistindo o mesmo com a ajuda do pai da autora.

73.A autora não possui meios económicos para suportar as despesas com novas intervenções cirúrgicas) tratamentos e acompanhamento psicológico para o Tiago.

75. Em virtude do ataque da águia ao seu filho, o autor viveu momentos de angústia e desespero.

76. Por se ter sentido impotente para evitar sofrimento do seu filho e também porque chegou a recear pela vida do mesmo.

77. O autor GG e o BB receberam apoio psicológico.

78.  O autor pagou o seu apoio psicológico.

79. E que até à data da propositura da acção importou a quantia de € 160.

80. O autor GG custeou medicamentos no valor de €4,95.

81. O autor suportou ainda despesas com transportes, alimentação, farmácia, portagens e combustível nos dias 2, 3 e 10 de Outubro.

82. No montante de € 177,16.


*

São, como é bem sabido, as conclusões da alegação dos recorrentes que delimitam o objecto do seu recurso – arts 635.º, nº 4 e 639.º, nºs 1 e 3 do CPC, bem como jurisprudência firme deste Supremo Tribunal.

Sendo, pois, as questões atrás enunciadas e que pelos recorrentes nos são colocadas que cumpre apreciar e decidir.


*

I – Revista da ré EE:

Assim se podendo resumir as questões por esta recorrente suscitadas:

1ª – A da irresponsabilidade da ré ora recorrente pelas consequências danosas do acidente em causa, já que a actividade de espectáculos de aves de rapina está excluída do âmbito de cobertura do contrato de seguro que, com a também ré DD celebrou;

2ª – Mesmo a assim não se entender, ou seja, caso se conclua que tal actividade, in casu danosa, está abrangida pelo contrato de seguro em apreço, sempre a ré DD terá a seu exclusivo cargo o pagamento da quantia correspondente a 10% do valor do seguro (franquia);

3ª – Mesmo a entender-se pela responsabilidade da ré seguradora, tal responsabilidade – descontado o valor da franquia acordada - será sempre solidária com a da ré DD, a qual, por esta razão, não poderá ser absolvida do pedido também contra ela deduzido.

Comecemos, até por imperativo de ordem lógica, pela primeiramente antes elencada: a da irresponsabilidade da ré EE, já que o evento causador do dano em causa não faz parte do objecto do seguro.

Provado ficou, quanto ao que ora importa:

A ré DD, que explora um parque aquático denominado "FF", sito em …, Quarteira, declarou transferir para a ré EE e os legais representantes desta declararam aceitar, mediante o pagamento do respectivo prémio, a responsabilidade civil emergente da exploração de um parque de diversões, composto por parque aquático, restaurante, bares, lojas e parque infantil, no com­plexo "FF" nos termos do acordo titulado através da apólice n." 9301/86761193, com início de vigência em 2/6/2001[2]

Segundo o qual ficavam abrangidos os danos patrimoniais e/ou não patrimoniais decorrentes de lesões corporais e/ou materiais que exclusivamente no exercício da actividade e nas instalações identificadas na apólice sejam causados a terceiros por actos ou omissões dos seus legítimos representantes ou das pessoas ao seu serviço e pelas quais seja civilmente responsável.

Segundo esse acordo, ficaram excluídos os danos resultantes de actividades estranhas às instalações ou que revistam especial perigosidade.

O acidente dos autos ocorreu no dia 2 de Outubro de 2005, quando, dado por findo o espectáculo das aves de rapina, pelo falcoeiro, e quando o mesmo espalhou pelo chão comida para tais aves e o menor Tiago se encontrava na área infantil, a cerca de 6 metros, foi este atingido pelas garras de uma delas (a ave nova que, por antes ter desobedecido ao comando do falcoeiro levou a que este desse por concluído o espectáculo).

O parque temático explorado pela primeira ré apenas licenciou a sua actividade como Parque Zoológico de aves no ano de 2007.

Estamos perante um contrato de seguro celebrado entre as rés EE (seguradora) e DD (tomadora do seguro), com início a partir de 2/6/2001[3], na modalidade de seguro “não vida”, que se poderá classificar como um seguro de responsabilidade civil, pelo qual a referida tomadora terá transferido para a seguradora o pagamento de indemnização/indemnizações que eventualmente sejam devidas por aplicação das regras da responsabilidade civil, normalmente extracontratual[4].

Tendo-se o mesmo formalizado através da supra referida apólice (art. 426.º do CComercial, então vigente), a qual, ao reduzir a escrito o contrato[5], reflecte o seu conteúdo, fixando, desde logo, o seu objecto.

Sendo a declaração do risco uma das obrigações fundamentais do tomador do seguro, cujo fundamento se há-de buscar, desde logo, no princípio da boa-fé.

E, uma vez aceite pela seguradora, destina-se a mesma a objectivar tal risco e a permitir o cálculo do respectivo prémio[6].

Sendo o risco, em geral, neste tipo de seguro, o facto ou o conjunto de factos, determinante da obrigação de indemnizar que venha eventualmente a recair sobre o segurado, surgindo, assim, a obrigação do segurador se, e quando, estiverem verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil coberta pelo seguro[7].

Posto isto, e cremos que a respeito nada mais será necessário dizer, haverá que precisar, tendo em conta o que a propósito vem na apólice, qual o verdadeiro objecto do contrato de seguro acordado entre as rés.

A fim de saber, desde logo, se ocorrido o sinistro, surgiu, concomitantemente, a responsabilidade da seguradora.

Cabendo, para tal, interpretar o negócio jurídico na parte ora em dissídio, com apelo, naturalmente, à regra geral do art. 236.º do CC, que adoptou, poder-se-á dizer, a teoria da impressão do destinatário, revelando o sentido que seria considerado por uma pessoa normalmente diligente, sagaz e experiente em face dos termos da declaração e daquilo que, afinal, o destinatário da declaração conhecia, bem como daquilo que ele bem podia conhecer.

Sendo sabido que, em sede de interpretação dos negócios jurídicos, constitui matéria de facto, da exclusiva competência das instâncias, o apuramento da vontade psicologicamente determinável das partes, sendo, ao invés, matéria de direito, a fixação do sentido juridicamente relevante da vontade negocial, isto é, a determinação do sentido a atribuir à declaração negocial em sede normativa, com recurso aos critérios fixados nos arts 236.º, nº 1 e 238.º, nº 1 do dito CC[8].

E, assim, fixados os termos do objecto do contrato, na factualidade antes apurada, parece fácil concluir que o espectáculo das aves de rapina, mau grado possa suceder que existam – como in casu existiu – em parques de diversões similares, sem qualquer acordo específico a tal preciso respeito, não deverá, sem mais, integrar a exploração de um parque de diversões, composto por parque aquático, restaurante, bares, lojas e parque infantil. Tudo isto no complexo intitulado “FF”, o mesmo é dizer, espectáculo aquático.

Tendo havido o cuidado, na apólice em apreço, de fixar a composição do parque de diversões, o qual, pode, em si mesmo, abranger um sem número de divertimentos[9].

Mas aqui, as partes, por certo por iniciativa do tomador do seguro de responsabilidade civil, não sendo crível ter sido a seguradora a fazê-lo[10], acordaram, de forma bem clara, insusceptível de equívocos, ser tal parque de diversões expressamente composto por parque aquático, restaurante, bares, lojas e parque infantil.

Sem que qualquer destes segmentos, para uma pessoa normalmente diligente, sagaz e experiente, colocada na posição do declaratário, devesse incorporar qualquer espectáculo de aves de rapina.

Sendo o mesmo uma actividade, por princípio, a qualquer um deles estranha[11]/[12].

Pelo que, se o parque de diversões, com tal precisa composição, a integrar, deverá o concreto destinatário da declaração, in casu, a seguradora, conhecê-la, para, sopesando os riscos, a aceitar ou rejeitar.

Não fazendo tal espectáculo com as aves de rapina parte do objecto do contrato de seguro ora em apreço, não se deve considerar transferido o respectivo risco para a seguradora.

A qual, assim, por ele não responderá.

Mal se compreendendo, salvo o devido respeito - mas haverá que dizê-lo -, como é que a Relação, com arrimo na resposta negativa a um quesito meramente conclusivo (o ser ou não alheio é uma conclusão que resultará dos factos apurados/ou não apurados a tal propósito) sustenta, de forma bem assertiva, que entre as diversas actividades (do parque de diversões) existe uma que é a exibição de aves de rapina”. Que é cada vez mais frequente, acrescentam os senhores Desembargadores.

Onde é que tal factualidade consta como fazendo parte do objecto do seguro?

Não sendo, seguramente, facto notório que tais parques de diversões tenham necessariamente a eles associados os espectáculos de aves de rapina[13].

Nem que estes sejam cada vez mais frequentes.

Como também não se entende, ainda com o respeito que sempre é devido, o argumento retirado pelos senhores Juízes Desembargadores em defesa da sua tese, ao dizerem textualmente: “A simples menção a tipos de actividades ou elementos não significa que outros não possam existir. Por exemplo por o parque da R. ter bares quer dizer que não pode ter restaurantes?”

O que é pretenderão exactamente afirmar[a1] ?

A resposta só mesmo os senhores Juízes a poderão dar, já que não conseguimos descortinar qual o seu exacto sentido.

É claro que podem existir sempre outras actividades para alem daquelas que as partes declararam incluir no objecto do contrato de seguro que entre elas firmaram.

E daí?

Em caso de sinistro, havendo o segurado que o participar à seguradora, terá de alegar e provar que o mesmo faz parte do conteúdo do seguro, estando na apólice devidamente objectivado[14].

Não se podendo concluir, da factualidade exposta e dada como provada, repete-se, que o dito espectáculo de aves de rapina esteja incluído no objecto do seguro aqui em causa.

E se assim é, só pela interpretação do contrato de seguro em análise, a verdade é que também do mesmo ficaram excluídos os danos resultantes de actividades que revistam especial perigosidade.

Sendo, ainda, certo que à data da celebração do contrato de seguro a actividade ora em causa, que facilmente se integraria no Parque Zoológico de Aves, nem sequer estava licenciada. Só o vindo a estar em 2007 (ponto 66 atrás elencado).

Bem como que, não obstante o DL 312/2003, de 17 de Dezembro, à data dos factos em vigor, e pela recorrente AA mencionado a respeito deste caso, ter vindo, em normativo específico, regulamentar a detenção de animais de companhia perigosos e potencialmente perigosos, com estabelecimento de regras claras e precisas para a sua detenção, criação e reprodução – o que seguramente não será o caso – é do conhecimento comum, ou seja, do conhecimento geral[15]/[16] que a ave de rapina, seja uma águia, seja um falcão, animal selvagem que é, reveste, com a sua natureza selvagem, com todas as características que daí lhe advêm, com os seus bicos recurvados e pontiagudos, especial perigosidade[17].  Acrescendo, como em todas as aves, que a sua deslocação no ar através do voo, aumentará a dificuldade do seu controlo, com todas as consequências que daí poderão advir.

E, assim também por esta via, teríamos o dito espectáculo excluído do contrato de seguro.

Não podendo, por via disso, e tal como na 1ª instância foi bem decidido, ser assacada responsabilidade civil à ré seguradora.

A qual, como também naquela instância foi decidido se circunscreverá apenas à ré DD.

Decisão essa que a Relação não revogou, de forma expressa, apenas a excluindo de todo (bem ou mal não interessa agora[18]) por assacar aquela responsabilidade à ré seguradora.

E, excluída que ficou, sem reclamação, a revista subordinada da DD, teremos assente, sem necessidade de mais, a sua responsabilidade pela eclosão do sinistro.


*

II – Revista da autora:

Podendo a questão suscitada resumir-se à de saber qual correcta quantia a arbitrar por indemnização atinente aos danos não patrimoniais pelo menor BB sofridos.

A 1ª instância fixou-os em € 80 000,00.

A Relação reduziu-os para € 40 000,00, ou seja, para metade.

Requerendo, ainda, a ora recorrente a nulidade do acórdão, nos termos do art. 615.º, nº 1, al. b) do NCPC[19], por falta de fundamentação, por banda, da Relação, em tal significativa redução.

Por aqui se começando, naturalmente.

Sendo nula a sentença[20]- com tal preceito aplicável à 2ª instância por via do disposto no art. 666.º do NCPC – quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão – citado art. 615.º, nº 1, al. b)[21].

Assim violando, desde logo, o disposto no art. 205.º, nº 1 da CRP, bem como nos arts 154.º, nº 1 e 607.º, nº 3 do mesmo CPC.

Tendo vindo a jurisprudência, que cremos unânime, a entender que que tal nulidade só se verifica quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto e/ou de direito da decisão.

Não a constituindo a mera deficiência de fundamentação[22].

Ora, revisitando o acórdão recorrido, não se pode dizer ser o mesmo omisso, se bem que seja parco, na fundamentação da indemnização que, ao caso, julgou adequada.

Não sendo, assim, o mesmo nulo.

Prossigamos, então, com a apreciação do mérito da questão.

Provado tendo ficado o evento, tal como incumbia à autora, com os subsequentes danos não patrimoniais que as partes, em si mesmos, já não questionam, e provado que está, ainda, também sem impugnação das mesmas partes, o nexo causal entre o sinistro e tais danos, o problema reside apenas em saber qual a indemnização pela ré DD[23]devida à autora.

           

Reza, assim e a propósito, o art. 496º do CC:

“1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito


  2……………………………………………………………………

 3.  O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º[24]; (…)”

Assim, desde logo e além do mais, os danos não patrimoniais indemnizáveis terão que assumir gravidade bastante para merecerem a tutela do direito.

Ora, revendo a matéria de facto a propósito apurada – cfr. pontos 9., 16., 17., 18., 20., 23., 25., 26., 29., 30., 31., 32., 35., 36., 37., 38., 39., 40., 41., 42., 43., 44., 45., 46., 47., 48., 49., 50., 51., 52., 53., 54., 55., 56., 57., 58. e 59.,  da matéria elencada nos factos assentes – mormente a atinente aos ferimentos sofridos, à sintomatologia psicopatológica, ao dano estético, às fortes dores, e internamentos hospitalares sofridos, às consequências psicológicas que tanto afectam o menor, à data, com quase 5 anos e à data do encerramento da instância com cerca de 10 anos e meio (art. 611.º, nº 1 do NCPC, que reproduz o anterior art. 663.º), tudo isto provocado pelo acidente, dúvidas não haverá[25]que os ora questionados danos não patrimoniais são graves, merecendo, como tal, a tutela do direito.

Devendo o montante da indemnização – e sendo certo que tais danos, não integram o património do lesado e apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização – ser calculado segundo critérios de equidade.

Mandando a lei que se fixe a indemnização de forma equitativa - desde logo por ser difícil se não muitas vezes impossível a prova do montante de tais danos - quer a mesma afastar a estrita aplicabilidade das regras porque se rege a obrigação de indemnização[26]

Salientando, a propósito, o Prof. A. Varela:

"O facto de a lei através da remissão feita no art. 496°, nº 3 para as circunstâncias mencionadas no art. 494°, ter mandado atender, na fixação da indemnização, quer à culpa,  quer à situação económica do lesante, revela que ela não aderiu, estritamente, à tese segundo a qual a indemnização se destinaria nestes casos a proporcionar ao lesado, de acordo com o seu teor de vida, os meios económicos necessários para satisfazer ou compensar com os prazeres da vida os desgostos, os sofrimentos ou as inibições que sofrera por virtude da lesão.

Mas também a circunstância de se mandar atender à situação económica do lesado, ao lado da do lesante, mostra que a indemnização não reveste, aos olhos da lei, um puro carácter sancionatório" [27].

 

Não se devendo confundir a equidade com a pura arbitrariedade ou com a total entrega da solução a critérios assentes em puro subjectivismo do julgador, devendo a mesma traduzir "a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei", devendo o julgador "ter em conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida."[28].

Merecendo ser ainda destacados, nos parâmetros gerais a ter em conta, a progressiva melhoria da situação económica individual e global (mesmo considerando a grave crise sócio-económica que hoje grassa), a nossa inserção no espaço político, jurídico, social e económico mais alargado correspondente á União Europeia e o maior relevo que vem sendo dado aos direitos de natureza pessoal, tais como o direito à integridade física e à qualidade de vida.

Atentando-se, ainda, que a jurisprudência do nosso STJ, em matéria de danos não patrimoniais tem evoluído no sentido de considerar que a respectiva compensação deve constituir um le­nitivo para os danos suportados, não devendo, assim, ser mise­rabilista. Devendo, para responder actualizadamente ao comando do art. 496°, constituir uma efectiva possibilidade compensatória, devendo ser significativa, desse modo viabili­zando uma compensação para os danos suportados e a suportar, já que os mesmos, necessariamente, se irão prolongar no tempo[29].

Não se vislumbrando razões para se fixar indemnização de valor inferior ao dano, sem necessidade, assim, de se entrar na polémica de saber se a limitação aludida no art. 494.º do CC é também aplicável aos casos de responsabilidade pelo risco[30]. Ainda que perante este estivéssemos.

Posto isto, como princípios a ter em conta na resolução desta questão, cremos ser mais ajustada, para compensação do dano em apreço, a fixação da quantia de € 80 000,00. Tal como, a propósito se julgou na 1ª instância.


*

Face a todo o exposto, acorda-se neste Supremo Tribunal de Justiça em, na concessão das revistas, se revogar o acórdão recorrido, na parte em que, na absolvição da ré DD, se condenou a ré EE, bem como naquela em que se fixou a indemnização devida ao autor BB em € 40 000,00, mantendo-se antes a a este respeito arbitrada na 1ª instância. Com a consequente absolvição da ré EE.

          Custas, em ambas as revistas, pela recorrida DD.

            Lisboa, 09 de Outubro de 2014

            Serra Baptista (Relator)

            Fernando Bento

            João Trindade

___________________________

[1] Por acórdão da Relação de Évora de 8/11/2012, aquele que anulou, em parte, a primitiva sentença de 1ª instância, foi tal número do elenco factual, correspondente à resposta dada ao quesito 14.º, suprimido.

[2] O início da vigência da apólice consta do doc. nº 2 junto com a contestação da ré EE.

[3] Na vigência do Regime Geral da Actividade Seguradora (DL nº 94-B/98, de 17 de Abril) e das respectivas disposições do Código Comercial (arts 425.º e ss).

[4] Os actuais arts 137.º e 138.º do DL 72/08, de 16 de Abril, que aprovou o regime jurídico do contrato de seguro, em vigor desde 1/1/2009, dão-nos a noção de tal de seguro como sendo aquele em que “o segurador cobre o risco de constituição, no património do segurado, de uma obrigação de indemnizar terceiros”, garantindo tal seguro “a obrigação de indemnizar, nos termos acordados, até ao montante do capital seguro por sinistro, por período de vigência do contrato ou por lesado”.

[5] Havendo controvérsia relativamente à validade dos acordos não reduzidos a escrito, em particular os complementares da apólice escrita (Pedro Martinez, Direito dos Seguros – Apontamentos, p. 82), não havemos de nos embrenhar em tal questão, já que os mesmos não relevam, por deles nem sequer haver notícia, para a situação aqui em apreço.

[6] José Vasques, Contrato de Seguro, p. 211.

[7] Carlos Ferreira de Almeida, Contratos III; p. 240.

[8] Acs do STJ de 31/3/2009 (S. Bernardino), Pº 08B3886 e de 17/10/2009 (O. Rocha), Pº 288/06.

[9] E não desconhecemos, desde logo, por publicidade na net, a existência de parques aquáticos com espectáculos de aves de rapina e até de répteis.

[10] E do contrário não nos dando notícia, nem sequer indícios, os autos.

[11] Sem qualquer necessidade de, salvo o devido respeito, e atenta a factualidade alegada e o mais que dos autos consta, se mandar aditar mais um quesito à factualidade antes apurada, para se responder se o show das aves de rapina era estranho à actividade da ré DD. Tratando-se de um quesito meramente conclusivo, a encerrar matéria de pura interpretação do negócio jurídico, e, assim, de direito, cuja resposta, a ser dada, haveria de ser tida por não escrita.

[12] Necessitando, se do contrário se tratasse, de tal espectáculo ficar claramente abrangido no objecto do contrato e no correspondente risco pela seguradora assumido. Mesmo que viesse a ocorrer no denominado parque infantil, ou seja, no parque indubitavelmente destinado a actividades de e com crianças. As quais, à partida, sem qualquer outra especificação a respeito, não incluirão um espectáculo com aves de rapina.

[13] E não estamos a dizer que desconheçamos que tais espectáculos existam. Mas isso não interessa no plano jurídico, que exige factos para a aplicação do direito, que não os particulares conhecimentos do juiz. Crendo-se ser relativamente reduzido o número de concidadãos que tal conheçam.

[14] E, como dissemos na nota 13, não há que nos debruçarmos sobre a problemática relativa à validade dos acordos não reduzidos a escrito, por tal não ser sequer aflorada nos autos.

[15] Sendo, assim, um facto notório que não necessita de prova nem de alegação (art. 412.º,nº 1 do NCPC).

[16] Sendo o facto notório aquele que o Juiz conhece como tal, colocado na posição de cidadão comum, regularmente informado, sem necessidade de recorrer a operações lógicas e cognitivas, nem a juízos presuntivos – A. dos Reis, CPC Anotado, vol. 3.º, p. 259 e ss.

[17] No sítio hypescience.com e sob o título “11 aves que você não gostaria de encontrar” encontram-se, entre tais animais, a águia e o falcão, descritos (também) como perigosos para os humanos.

[18] A Relação não fundamentou minimamente a absolvição da ré DD. Fê-lo, temos que concluir, apenas porque a propósito entendeu a seguradora como responsável. Nada, absolutamente nada dizendo, acerca da exclusão da responsabilidade daquela ré.

[19] Aqui aplicável (arts 5.º e 7.º da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho).

[20] E o acórdão mais não é do que a decisão do tribunal colegial (art. 152.º, nº 3, do NCPC).

[21] Redacção idêntica à do art. 668.º, nº 1, al. b) do anterior CPC.

[22] Lebre de Freitas e outros autores, CPC Anotado, vol. 2.º, p. 669.

[23] E só por ela, face à nossa anterior decisão.

[24] Art. 494º “ (Limitação da indemnização em caso de mera culpa): “Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau da culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem.”

[25] Nem ninguém, afinal, como já dito, tal põe em causa.

[26] Ribeiro de Faria, Direito das Obrigações, I, p. 491 e ss.

[27] Das Obrigações em Geral, I, p. 607 e ss.

[28] Ac. do STJ de 10/2/98, CJ S., T. 1, p. 65 e P. Lima e A. Varela, CCAnotado, Vol. I, p. 501.

[29] Cfr., neste mesmo sentido, Ac. do STJ de 25/6/2002, CJ S., Ano X, T. 2, p. 134.

[30] No sentido de que assim sucede, por via da remissão prescrita no art. 499.º do CC, cfr. P. Lima e A. Varela, CCAnotado, vol. I, p. 506 e A. Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, p. 689; em sentido contrário Acs de 14/2/75, RLJ Ano 109.º, p. 111, com anotação de Vaz Serra e da RL de 16/2/79, CJ Ano IV, T. 1, p. 163.

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