Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3888/18.5T8LRA.C1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: CATARINA SERRA
Descritores: INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO
BANCO
NEXO DE CAUSALIDADE
ÓNUS DA PROVA
DANO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
DEVER DE INFORMAÇÃO
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
Data do Acordão: 01/19/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
1. Nos termos do AUJ n.º 8/2022, “para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir”.

2. Não tendo os autores logrado provar “que a prestação da informação devida os levaria a não tomar a decisão de investir”, não merece censura o juízo feito pela Relação no sentido de dar por inverificado o pressuposto do nexo de causalidade.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I. RELATÓRIO

1. AA e mulher, BB, intentaram a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra o Banco BIC Português, S.A., já todos identificados nos autos, pedindo que se:

a) Declare que a aquisição do produto financeiro traduzido na compra das obrigações SLN Rendimento Mais 2004 ao BPN (actual Banco BIC SA), na agência de ... foi levada a efeito no pressuposto de que o produto financeiro em causa se mostrava a coberto da garantia dada pelo Banco R., de reembolso do capital de 100%.

b) Declare que é da responsabilidade do Banco BIC SA o reembolso do capital reportado à aquisição por parte dos AA. da obrigação SLN Rendimento Mais 2004, no valor de 50.000,00, porquanto com a transmissão do nacionalizado banco BPN para a esfera jurídica do banco BIC transmitiram-se de igual modo na sua totalidade todas as obrigações emergentes dos contratos que obrigavam o BPN, independentemente de todo e qualquer acordo que o banco BIC tenha estabelecido com o Estado Português no acto de compra ou em momento anterior, o que lhe concede o direito de regresso a discutir entre as partes em causa, sendo tal acordo marginal aos aqui AA..

c) Condene o R. Banco BIC SA a proceder ao imediato reembolso do capital de 50.000,00, acrescidos dos juros vencidos desde 07 de Maio de 2014 sobre a obrigação SLN 2004, à taxa legal, até integral reembolso do capital, condenando ainda o R. Banco BIC SA a pagar aos AA. quantia indemnizatória a fixar em liquidação de sentença, mas nunca inferior a 10.000,00, por danos morais sofridos pelo A. e sua esposa, com o comportamento imputável ao R. Banco BIC SA, traduzido na informação falsa prestada pelo gerente de conta na Agência de ... que conduziu à presente situação.

E, no entendimento de que o contrato é nulo, se:

d) Julgue nulo o contrato de intermediação financeira celebrado entre os AA. e o R. que deu origem à ordem de subscrição de 07-04-2004 da obrigação SLN Rendimento Mais 2004, no valor de 50.000,00. E

e) Condene o R. Banco BIC SA a restituir aos AA. o valor de 50.000,00, acrescido de juros, à taxa legal, desde 07-05-2014 e até efectivo e intergral pagamento.

Alegaram para tal, muito em síntese, que, em Abril de 2004, eram detentores duma conta, no montante de € 50.000,00 na Agência/Balcão do BPN de ...; e nessa qualidade, dirigiram-se ao balcão do réu, em ..., onde foram recebidos por CC, gerente daquele balcão, que ao inteirar-se da intenção dos autores, lhe propôs que, em vez de fazerem o pretendido depósito a prazo, adquirissem uma obrigação SLN Rendimento Mais 2004, produto financeiro que, segundo o referido gerente de balcão, “tinha as mesmas garantias e segurança dum depósito a prazo”1, podendo assim obter “um melhor rendimento, sendo que tinha os juros remuneratórios e o reembolso de capital 100% garantido pelo BPN” – como resulta do que alegam nos artigos 2.º, in fine a 4.º da petição inicial.

Assim, perante o que lhes estava a ser proposto, os autores anuíram e, em Abril de 2004, adquiriram uma obrigação do produto designado como SLN Rendimento Mais 2004, no valor de € 50.000,00, sendo certo que “apenas sabendo que estavam a comprar e que compraram um produto que lhe havia sido e foi apresentado como sendo tão seguro como um DP e que lhe dava mais juros, tendo a garantia do BPN do reembolso integral do capital que estavam a investir” (artigos 8.º e 9.º); e sendo certo que o referido gerente de conta lhe disse “que tal aplicação seria feita pelo prazo de dez anos, mas que poderia eventualmente proceder ao seu resgate antecipado ao fim de cinco anos e que se porventura tivesse necessidade de levantar o dinheiro mais cedo, em qualquer altura o poderia fazer, bastando que a avisasse com dois ou três dias de antecedência”2.

Adquirido tal produto/obrigação (em Abril de 2004), sempre até Maio de 2014 lhe foram pagos os juros do capital investido, não mais tendo recebido após esta data e sendo-lhe dito pelo réu BIC – tendo entretanto, como é do domínio público, o Estado Português nacionalizado, em 11/11/2008, o BPN e depois procedido, em 30/03/2012, à sua reprivatização/venda ao réu Banco BIC (que, depois, em 07/12/2012, se fundiu, por incorporação, com o BPN, assumindo então o BIC a personalidade jurídica do BPN) – que, sendo a aplicação uma obrigação da SLN e estando esta insolvente (o que entretanto foi declarado), o reembolso do capital devia ser reclamado no processo de insolvência; isto, ainda segundo o que lhe foi dito pelo réu BIC, “por o BPN, ao vender a referida obrigação, apenas ter funcionado enquanto intermediário financeiro, não sendo tal obrigação do BPN, mas apenas e vendida ao balcão do BPN por conta e risco da dita SLN”3.

Ora, segundo os autores, o réu BIC, ao adquirir o BPN ao Estado Português, assumiu todas as responsabilidades emergentes da gestão do BPN e nessas responsabilidades incluem-se as verbas devidas e reclamadas pelos clientes (sem prejuízo de, depois, o Banco BIC poder pedir o seu reembolso ao Estado Português, nos termos do acordo entre ambos celebrado), como é o caso do reembolso do capital das obrigações SLN Rendimento Mais 2004, vendidas “com a informação de ter capital garantido, envolvendo tal garantia, não a da entidade dele emitente, mas sim ou também do intermediário financeiro” – cf. artigo 30.º.

Razão pela qual o Banco BIC, segundo os autores, deve ser condenado a restituir-lhes os € 50.000,00 investidos, acrescidos de juros (sendo que, ainda segundo os autores, o contrato de intermediação financeira celebrado com o BPN é nulo por não ter obedecido à exigida forma escrita, o que, mais uma vez segundo o A., é fundamento para, como efeito da nulidade declarada, lhe serem restituídos os € 50.000,00 investidos, acrescidos de juros).

Ademais, confrontados com a ideia de perderem o dinheiro investido, passaram “noites e noites sem dormir, dias e dias sem conseguir gerir a sua vida pessoal”, factos que criaram desestabilização no seio do seu agregado familiar, razão pela qual, ainda hoje, ele e a esposa sofrem de depressão e angústia, o que, tudo junto, pela sua gravidade, justifica que sejam indemnizados os danos não patrimoniais por ambos sofridos.

2. O réu contestou.

Alegou, em suma, que na intermediação financeira efectuada com os autores, a respeito da Obrigação SLN Rendimento Mais 2004, não houve qualquer violação do dever legal de informação, tendo sido prestada aos autores informação completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita; que nunca o banco ou os seus colaboradores transmitiram aos autores que o banco “garantia a emissão”; que, à época, “nada havia que desabonasse sobre o investimento efectuado”, sendo uma obrigação “um produto conservador”, com um risco reduzido, “indexado à solidez financeira da sociedade emitente”, sendo que a entidade emitente era a “mãe” do banco e um “componente da solvabilidade daquela, por ser um dos principais activos do seu património, pelo que, segundo o réu “dificilmente haveria um produto financeiro tão seguro como a subscrição daquelas obrigações; e que ao longo dos anos sempre os autores foram recebendo toda a documentação respeitante ao investimento efectuado e recebendo os juros sem ter suscitado qualquer reclamação.

Invocou que, se porventura fosse verdade (o que não concede) que não prestou a informação a que estava adstrito, o certo é que o A. sabe há muito o negócio/investimento que fez, pelo que, não tendo o réu agido com dolo ou culpa grave, já há muito estaria prescrito, nos termos do art. 324.º/2 do CVM; o direito indemnizatório do A..

E concluiu pela total improcedência da acção e pela sua total absolvição do pedido.

3. Os autores replicaram, respondendo e opondo-se à excepção da prescrição e mantendo o antes alegado na petição inicial.

4. Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, em que foi declarada a total regularidade da instância, estado em que se mantém – relegando-se para final o conhecimento da prescrição invocada – tendo-se identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.

5. Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com recurso à gravação da prova nela produzida, finda a qual foi proferida a sentença de fl.s 103 a 114, na qual se fixou a matéria de facto considerada como provada e não provada e respectiva fundamentação e, a final, se decidiu o seguinte:

“Julgo a presente acção parcialmente provada e, nessa medida, procedente, pelo que condeno o réu, Banco BIC Português SA, no pagamento aos autores, AA e esposa, BB, de

a) O capital de 50.000,00;

b) A quantia de 5.000,00;

c) Juros, à taxa de 4%, desde 7 de Maio de 2014, no respeitante à primeira das quantias, e desde a data da presente decisão, no respeitante à última, até integral pagamento.

Custas proporcionais”.

6. Inconformado com esta decisão, interpôs recurso, o réu BIC, recurso esse admitido como de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Coimbra proferido Acórdão em 4.05.2020 em que se decidiu:

Julgar procedente o presente recurso de apelação, em função do que se revoga a decisão recorrida, que se substitui por outra que absolve o réu do pedido”.

7. Inconformados vêm os autores interpor recurso de revista.

Concluem as suas alegações nos seguintes termos:

1 – Não andaram bem os Venerandos Senhores Juízes Desembargadores ao decidirem como decidiram no seu mui douto acórdão, que ora se recorre

2 - Estando demonstrado que o Réu, na fase pré-contratual, não prestou a exigível e qualificada informação pautada pelo standard da actuação de boa-fé, com o elevado padrão de conduta, não actuando com diligência e transparência de modo a informar, cabalmente, do risco do negócio, não respeitando, nem protegendo o interesse do investidor e que ao invés lhe prestou informação ambígua tendente a convencê-lo da inexistência de risco ou de um risco igual ao de um depósito a prazo do próprio banco, é obvia a ilicitude de tal conduta e grave a culpa, porque deliberada e meticulosamente planeada

3 - QUANTO Á ILICITUDE - Decorre desde logo da prestação das falsas informações traduzidas na informação que foi dada ao Autor, constante da matéria de facto nos factos dados como provados e não impugnados pelo Réu que assim com os mesmos concordou

4 - QUANTO Á CULPA - No caso sub Júdice, é nosso modesto entendimento, que sem abdicar dos princípios decorrentes das normas que estabelecem a presunção de culpa do intermediário financeiro plasmadas no Código de Mercado dos Valores Mobiliários e de igual modo das que por aplicação subsidiária no âmbito da responsabilidade contratual e extra-contratual emergem do Código Civil, reafirmamos, sem destas abdicar, entendemos que no caso presente, a simples informação falsa importa a declaração de culpa independentemente da sua presunção.

5 – QUANTO AO NEXO DE CAUSALIDADE - Dispõe o artigo 563.º do Código Civil que “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.

6 - Consagra a nossa lei a teoria da «causalidade adequada» ou seja, para que um facto seja causa adequada de um determinado evento, «não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano», sendo essencial que o «facto seja condição do dano, mas nada obsta a que, como vulgarmente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano», Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, página 654.

Ora, das regras da experiência comum podemos facilmente retirar, como não retirou a Relação, a conclusão (a presunção) de que o Autor não teria tomado a decisão de subscrever «as obrigações se ao invés de lhe ter sido dito que o produto era equiparado a um depósito a prazo, que tinha a mesma segurança de um depósito a prazo, que tinha garantia de capital a cem por cento, lhe tivesse sido dito, pelo funcionário do Réu Banco BIC, S.A., que corria o risco de perder todo ou parte do seu dinheiro no caso de insolvência da sociedade emitente dessas obrigações», tal como aliás é cristalinamente defendido pelo Egrégio Senhor Juiz Conselheiro Sousa Lameira, no âmbito do Acórdão desse Supremo Tribunal de Justiça, Processo: n.º 18331/16.6T8LSB.L1.S1 - 7ª Secção.

Deste modo, ao contrário do defendido no Acordão ora recorrido, está provado não só o «nexo naturalístico» como também se pode e deve concluir pela verificação do nexo causal entre aquele facto e os prejuízos sofridos pelo Autor.

7 - Ocorre, pois, o nexo de causalidade exigível para a responsabilização do Recorrente pelos danos sofridos pelo Autor”.

8. Respondeu o réu, afirmando, em conclusão, que:

A causalidade entre a eventual violação do dever de informação não se pode presumir legalmente e, presumindo-se judicialmente, sempre se deverá refletir na afirmação de um facto como provado e não apenas na justificação de um raciocínio jurídico.

A prova da causalidade deveria, assim, sustentar-se na prova de que não houvesse aquela violação e nunca os Autores subscreveriam o produto financeiro, tendo esta subscrição causado um dano, e que a produção desse dano resulta como consequência adequada da ilicitude.

Em suma,

Não vemos qualquer motivo de censura à decisão sob recurso”.

9. O Exmo. Senhor Conselheiro a quem o presente processo foi inicialmente distribuído proferiu despacho determinando, a suspensão da instância, de harmonia com o disposto no artigo 272.º, n.º 1, in fine, do CPC, até ao julgamento dos recursos para uniformização de jurisprudência que estavam, na altura, pendentes e tinham presumível relevância para a decisão dos presentes autos.

15. Por jubilação do Exmo. Senhor Conselheiro a quem o processo foi inicialmente distribuído, os autos foram redistribuídos e, em 2.12.2022, concluídos à presente Relatora.

Sendo certo que, num daqueles processos pendentes (Proc. 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A), foi proferida e transitou em julgado decisão e esta se revela suficiente para a decisão a proferir nos presentes autos, cabe apreciar e decidir.


*


Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC), a única questão a decidir, in casu, é a de saber se o Tribunal recorrido devia ter dado por inverificado o nexo de causalidade entre a conduta ilícita e os danos sofridos pelos autores.


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II. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

São os seguintes os factos que vêm provados no Acórdão recorrido:

1. Em 9 de Dezembro de 2011, o Estado Português, então accionista único do BPN, BANCO PORTUGUÊS DE NEGÓCIOS BPN- (ACTUAL BANCO BIC S.A., RÉU NA PRESENTE ACÇÃO) – Contribuinte Fiscal n.º 503 159 093, e Sede Social: Av. António Augusto de Aguiar n.º 132, 1050-020 Lisboa) e no âmbito do processo de reprivatização daquela Instituição, celebrou um Acordo Quadro com o Banco BIC Português, SA, no qual foram estabelecidos os procedimentos e as acções necessárias a desenvolver por cada uma das partes, passo intermédio considerado essencial para a celebração do contrato de compra e venda das acções do BPN.

No dia 30 de Março de 2012, foi assinado o contrato de compra e venda do BPN, entre o Estado Português e o Banco BIC, sendo que nos termos do disposto na cláusula 15.ª do Acordo Quadro celebrado entre o Estado Português e o Banco BIC, relativo à reprivatização do BPN, neste se mostram incluídas todas as entidades do espectro do antigo Banco BPN, S. A. BANCO PORTUGUÊS DE NEGÓCIOS BPN-(ACTUAL BANCO BIC S.A., RÉU NA PRESENTE ACÇÃO),sendo estas a Parvalorem, S. A., a Parups, S. A., Parparticipadas, S. A., Banco Efisa, S. A., BPN Serviços, S. A., BPN Imofundos, S. A., BPN Gestão de Activos, S. A. (actualmente Patris, Gestão de Ativos, S. A.), BPN ACE e BPN, SGPS, S. A.

A atual Instituição resultou assim da fusão ocorrida em 7 de Dezembro de 2012, por incorporação do Banco BIC Português S.A. no Banco Português de Negócios, S.A., assumindo a designação social do primeiro e a personalidade jurídica do segundo.

2. AA, e BB, são casados entre si, e eram á data clientes do Banco BPN, actual Banco BIC, S.A.,

3. Os autores foram recebidos no banco por CC, gerente do Balcão de ..., que os havia convocado telefonicamente, e lhes propôs que adquirissem um produto financeiro, que tinha as mesmas garantias e segurança de um depósito a prazo, mas que lhes daria um maior rendimento.

4. Para tal efeito, e dado que o valor de aquisição do referido produto tinha como limite mínimo de aplicação, € 50.000,00 (cinquenta mil euros), poderia subscrever um título de obrigações nesse valor.

5. Dadas as garantias que lhe estavam a ser dadas (segurança do produto como se fosse um depósito a prazo), sendo-lhes dito inclusivamente pelo próprio CC, gerente do Balcão de ... que tinha a garantia de reembolso de capital e juros mais elevados que um depósito a prazo, pelo que, atento o que lhe estava a ser afirmado e pela confiança que depositavam no referido CC, gerente do Balcão de ..., pessoa esta que de há muito conheciam enquanto clientes da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo ..., onde eram clientes e cuja transferência para o Banco BPN por parte dos Autores teve lugar a convite do referido gerente aquando da mudança deste para aquele BPN, os Autores, confiantes no que lhes estava a ser proposto, anuíram a tal proposta, aplicando em tal produto o dinheiro.

6. Assim, em Abril de 2004, o os Autores, adquiriram uma obrigação designada SLN Rendimento

7. O referido gerente de conta disse ainda aos Autores, que tal aplicação seria feita pelo prazo de dez anos, mas que se necessitassem de dinheiro antes, bastaria avisar com dois ou três dias de antecedência poderiam proceder ao respectivo pagamento.

8. Até ao dia 07 de Maio de 2014, sempre foram pagos aos autores os juros do capital investido na aplicação financeira.

9. Vencido o prazo de dez anos, são os aqui Autores informados de que a aplicação financeira em causa, não tem cobertura de garantia de capital, que é uma subscrição de obrigações da SLN – Sociedade Lusa de Negócios, S.A., e que, uma vez que a referida sociedade se mostra insolvente, tal resgate não lhe será concedido, podendo e devendo reclamar o montante a que se julgam com direito no processo de Insolvência.

10. Os Autores, confrontados com a ideia de perder todo o dinheiro que convictamente tinham sido investido na aplicação financeira cujas garantias de retorno total lhe foram dadas, experimentaram os correspondentes sentimentos de angústia e de desestabilização.

11. No mês seguinte à da operação supra, os autores receberam por correio, não só o aviso de débito correspondente à subscrição efectuada, bem como os avisos de crédito a cada seis meses relativos aos juros.

12. Desde então os vários extractos periódicos onde lhe apareciam essas obrigações como integrando as suas carteiras de títulos de forma separada dos simples depósitos a prazo.

13. Onde o produto em causa surge separado dos depósitos, num título denominado “CARTEIRA DE TÍTULOS” e com um sub-título “OBRIGAÇÕES”.

14. Aquando da subscrição não havia qualquer indicação de que a emissão pudesse vir a não ser paga.

15. Ou qualquer ideia sobre o risco de insolvência do emitente.

16. Ao longo dos anos foram emitidos e pagos diversos produtos de dívida de empresas do grupo SLN.

17. No mês seguinte ao das referidas operações o subscritor recebeu por correio um aviso de débito correspondente à subscrição efectuada.

18. Foi recebendo, desde então, um extracto periódico onde lhe apareciam essas obrigações como integrando a sua carteira de títulos, separadas dos depósitos, com menção expressa ao facto de se tratar de obrigações depositadas na sua carteira de títulos.

19. Foram-lhe sendo creditados em conta os juros relativos aos cupões das obrigações, o que originava igualmente o competente registo no seu extracto e até a emissão de avisos de lançamento que lhes eram enviados para a sua morada.

20. Tudo isto nunca suscitou da sua parte qualquer reclamação.

21. O subscritor já antes havia investido em produtos diferentes do depósito a prazo.

22. No banco Réu, e antes da subscrição aqui em causa, os autores haviam subscrito: Papel Comercial IMONAÇÕES em 05.12.2012, Papel Comercial SLN 7ª emissão em 10.01.2003, Papel Comercial IMONAÇÕES em 13.02.2003, Papel Comercial LUSAFIN em 10.03.2003, Papel Comercial URBINEGÓCIOS em 23.05.2003, Papel Comercial do BAI em 27.08.2003, Papel Comercial do BAI em 09.09.2003, Fundo de Investimento Mobiliário em 09.09.2003 e 10.09.2003, Papel Comercial RENTIPAR em 12.11.2003, Papel Comercial SLN 8ª Emissão em 09.12.2003, Papel Comercial SLN 9ª Emissão em 16.01.2004 e 16.02.2004, Papel Comercial do BAI em 19.02.2004, Papel Comercial SLN 8ª Emissão e 16.03.2004, Papel Comercial SLN 9ª Emissão em 22.04.2004, Papel Comercial SLN 9ª Emissão em 17.06.2004 e 23.06.2004, Papel Comercial SLN 8ª Emissão em 19.08.2004 e Fundo de Investimento Mobiliário em 07.09.2004.

E são seguintes os factos considerados não provados, sem pretensões de exaustão ou de preclusão”, no Acórdão recorrido:

1. Por iniciativa própria, os autores dirigiram-se ao Balcão de ... com vista a proceder a um depósito a prazo, daquele montante.

2. o valor de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) era o que os autores se propunham depositar a prazo.

3. que o produto era tão seguro que até tinha vendido ao seu próprio Pai.

4. Sucede que, perante as garantias dadas pelo BPN a DD marido e Pai dos Autores, e, considerando que pela Lei n.º 62-A/2008, de 11 de Novembro, o Estado Português, procedeu á Nacionalização do BANCO BPN, com todas as obrigações de tal acto decorrentes, maxime as constantes da citada Lei, os Autores, em Maio de 2009, mais precisamente cinco anos decorridos após as aplicações financeiras, e, confiantes naquilo que o referido gerente de conta do BPN lhe haviam afirmado e garantido, deslocaram-se ao BANCO-BPN, (nessa data já Nacionalizado e da Responsabilidade do estado que o detinha a 100%) com vista a proceder ao resgate do capital investido.

5. E, nessa data são informados que ao contrário do que lhes havia sido dito e garantido, só ao fim de 10 anos poderiam proceder a tal resgate, ou seja, só no fim do prazo contratual e não antes como lhes havia sido garantido.

6. Começaram nessa data a gerar-se nos Autores, angústias e receios que o futuro viria a ver mais do que justificadas.

7. Efectivamente, escândalos atrás de escândalos, as notícias sobre a situação do BPN, faziam antever um futuro negro e um crescendo de receios aos Autores, sobre a recuperação do capital que haviam investido.

8. Capital angariado após dezenas de anos de árduo trabalho e resultante da sua actividade profissional ou seja, á custa de árduo trabalho.

9. Não obstante, e porque os juros sempre lhe estavam a ser pagos, os aqui Autores mantiveram viva a chama da esperança na recuperação do capital que tinham investido.

10. O Estado Português ao Nacionalizar o BPN-BANCO PORTUGUÊS DE NEGÓCIOS, assumindo assim as responsabilidades pelo BANCO anteriormente contraídas, oferecia aos aqui Autores, renovada esperança e reforçada garantia.

11. Como supra se disse, em Maio de 2009, (ou seja, já após a Nacionalização do Banco por parte do Estado Português) mais precisamente cinco anos decorridos após a aplicação financeira, e, confiantes naquilo que o gerente do BPN lhes havia afirmado e garantido, deslocaram-se ao BANCO BPN, agora sob a Administração da Caixa Geral de Depósitos, com vista a proceder ao resgate do capital investido.

12. Nessas datas são informados que ao contrário do que lhes havia sido dito e garantido, só ao fim de 10 anos poderiam proceder a tal resgate, ou seja, só no fim do prazo contratual e não antes como lhes havia sido garantido.

13. Os Autores, confrontados com a ideia de perder todo o dinheiro que convictamente tinham sido investido na aplicação financeira cujas garantias de retorno total lhe foram dadas, passaram noites e noites sem dormir, dias e dias sem conseguir gerir a sua vida pessoal, ainda hoje, os aqui Autores, sofrem de depressão e angústia decorrente dos factos expostos.

14. nunca o Banco réu através dos seus colaboradores transmitiu aos seus clientes que o banco garantia a emissão,

15. O produto foi sempre apresentado com a obrigação de entrega do capital e dos juros ser da única e exclusiva responsabilidade da entidade emitente e não da entidade colocadora Banco.

16. O subscritor sempre foi pessoa informada, consciente, cuidadosa e preocupada com o investimento do seu património, pessoa experiente,

17. No momento da subscrição o subscritor foi informado que as obrigações em causa eram emitidas pela Sociedade que detinha o Banco Réu – a SLN, Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A. –,

18. E que o reembolso antecipado da emissão só era possível por iniciativa da SLN - Sociedade Lusa de Negócios, S.A. a partir do 5º ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal.

19. Foi ainda informado de que a única forma do investidor liquidar este produto de forma unilateral seria transmitindo as suas obrigações a um terceiro interessado, mediante endosso.

20. O que na altura era possível, comum e rápido, uma vez que os títulos tinham elevada procura, atenta a sua elevada rentabilidade.

O DIREITO

A decisão do Tribunal a quo – de revogação da sentença e de decisão no sentido da absolvição do réu do pedido – baseou-se em fundamentos que facilmente se retiram dos seguintes excertos do Acórdão recorrido:

(…) o BPN não cumpriu, em relação ao autor, no âmbito da relação bancária que tinha com ele e do concreto contrato de receção e transmissão de ordens celebrado, os seus deveres de informação, sendo por isso, nos termos do art. 314.º/1 e 2 do CVM, responsável por tal incumprimento.

(…) Efetivamente, apesar dos deveres de informação terem origem legal, fazem parte da chamada relação obrigacional complexa, integrando o seu conteúdo, razão pela qual se entende que o seu incumprimento desencadeia responsabilidade contratual, aplicando-se-lhe assim a presunção de culpa do art. 799.º do C. Civil; sendo que, no caso, face ao disposto no art. 314.º/2 do CVM – em que se estabelece idêntica presunção para o incumprimento dos deveres de informação: “a culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação” – ainda que se considerasse estar perante responsabilidade extra-contratual, sempre a culpa seria de presumir.

Temos, pois, presumida a culpa do BPN na provada ilicitude consistente na violação dos deveres de informação, ficando a faltar a prova da existência de um nexo de causalidade entre tal violação dos deveres de informação e o dano sofrido.

E, prosseguindo o ali expendido e revendo inicial entendimento, importa analisar a verificação (ou não) do nexo causal.

(…) Se for correto afirmar/concluir que, caso fossem cumpridos os deveres de informação (isto é, sem o referido incumprimento dos deveres de informação), os autores não teriam subscrito/investido naquela obrigação, temos estabelecido o nexo causal, uma vez que, em tal hipótese, não subscrevendo/investindo na obrigação, não teriam sofrido o dano que o incumprimento do dever de restituir a cargo da SLN lhes causou.

Sucede que não há nos autos factos/elementos que permitam efetuar tal afirmação/conclusão; entendendo-se que é aos autores/clientes, repete-se, que cabe provar que não teriam atuado da mesma forma sem o incumprimento, ou seja, que não teriam realizado a subscrição das obrigações caso lhes tivesse sido prestada a informação devida.

(…) Como já se referiu, tinha o A. que ter alegado os factos que permitissem a conclusão das obrigações subordinadas SLN 2004 serem, à partida, um “mau produto financeiro” e que tal era do conhecimento do BPN; e que carrear, para os provar, meios de prova com um mínimo de conhecimentos especiais, como a prova dos mesmos inquestionavelmente exige; e não fez nem uma coisa nem outra.

Pelo que, em termos de nexo causal, resta e subsiste o que se começou por referir: que os deveres de informação incumpridos não tinham como finalidade proteger o A. da insolvência da entidade emitente e que das referidas/analisadas violações dos deveres de informação por parte do BPN não se segue, como curso adequado e normal, o dano patrimonial (e extrapatrimonial) sofrido pelos autores.

Enfim, perante os factos (e mesmo não olvidando as suspeitas e rumores públicos) não se pode dizer que hajam sido as referidas/analisadas violações dos deveres de informação a dar causa ao dano sofrido pelos autores; não se podendo estabelecer e dar como verificado o nexo causal entre as referidas/analisadas violações/incumprimentos dos deveres de informação (por parte do BPN, no âmbito da relação bancária com o A. e do concreto contrato de receção e transmissão de ordens) e os danos que os autores sofreram, em virtude do incumprimento do dever primário de prestação no contrato de mútuo (empréstimo obrigacionista) celebrado com a SLN (emitente da obrigação)”.

Em síntese, é possível dizer que o Tribunal a quo deu por provados os requisitos da ilicitude e da culpa mas não o respeitante ao nexo de causalidade.

O nexo de causalidade – rectius: a sua inverificação – é aquilo que, compreensivelmente, os autores / ora recorrentes aqui vêm contestar, pois é exclusivamente da existência deste pressuposto que depende a procedência da acção.

As dúvidas acerca dos parâmetros probatórios do nexo de causalidade no domínio da responsabilidade civil do intermediário financeiro ficaram resolvidas no AUJ n.º 8/2022 (ou seja, a decisão proferida no referido Proc. 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A e já transitada em julgado), da seguinte forma:

Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir”.

Aplicando esta orientação ao caso dos autos, temos que o ónus da prova de “que a prestação da informação devida os levaria a não tomar a decisão de investir” cabia aos autores.

Sucede que, perscrutando o elenco dos factos provados, não se encontra qualquer facto que permita afirmar aquele nexo de causalidade.

Não tendo os autores logrado provar “que a prestação da informação devida os levaria a não tomar a decisão de investir[1], não merece censura o juízo feito pela Relação no sentido de dar por inverificado o pressuposto do nexo de causalidade, razão pela qual o presente recurso tem de improceder.


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III. DECISÃO

Pelo exposto, nega-se provimento à revista e confirma-se o Acórdão recorrido.


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Custas pelos recorrentes.


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Lisboa, 19 de Janeiro de 2023

Catarina Serra (Relatora)

Rijo Ferreira

Cura Mariano

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[1] Como diz o Tribunal recorrido, “(…) também não há nos autos factos/elementos que permitam efetuar a afirmação/conclusão oposta, “non liquet” que, como referimos, a distribuição do ónus probatório resolve contra a A/cliente”.