Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
379/16.2T8LSB.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: ROQUE NOGUEIRA
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
AÇÃO EXECUTIVA
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
SENTENÇA
AUTORIDADE DE CASO JULGADO
CAUSA DE PEDIR
NULIDADE DO CONTRATO
ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA
Data do Acordão: 09/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGA-SE PROVIMENTO AO RECURSO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / CONTESTAÇÃO / EXCEÇÕES / REQUISITOS DA LITISPENDÊNCIA E DO CASO JULGADO – PROCESSO DE EXECUÇÃO / EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA / PROCESSO ORDINÁRIO / CONCURSO DE CREDORES / IMPUGNAÇÃO DOS CRÉDITOS RECLAMADOS.
Doutrina:
- Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Volume III, p. 394;
- Castro Mendes, Direito Processual Civil, III, p.451;
- Lebre de Freitas, Código de Processo Civil, Anotado, 2.ª Edição, p. 354;
- Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, p. 306, 324 e 382;
- Mariana França Gouveia, Causa de Pedir na Acção Declarativa, p. 394, 402 e 495;
- Miguel Mesquita, Reconvenção e Excepção no Processo Civil, p. 418 e ss., 429, 439 e 453;
- Rui Pinto, in Manual da Execução e Despejo, p. 854, 855, 884, 886 e 887;
- Teixeira de Sousa, A Acção Executiva, Singular, Comum e Especial, p.350 e 357 ; Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2.ª Edição, p.578, 579 e 586;
- Teixeira de Sousa, O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material, BMJ, 325º-178.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 581.º E 789.º, N.ºS 4 E 5.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 13-12-2007, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 06-03-2008;
- DE 08-04-2010;
- DE 12-07-2011;
- DE 23-11-2011;
- DE 21-03-2013;
- DE 22-09-2016;
- DE 06-12-2016.
Sumário :
I - No caso, não se verificam as excepções de litispendência e de caso julgado, uma vez que não ocorre a tríplice identidade a que alude o art.581º, do CPC (de sujeitos, pedido e causa de pedir).
II – Todavia, a jurisprudência e a doutrina têm entendido que a autoridade do caso julgado pode funcionar independentemente da verificação da referida tríplice identidade.
III – A reclamação de créditos apresenta a figura duma verdadeira acção de dívida proposta pelo reclamante, cuja sentença, de simples apreciação positiva, faz caso julgado material quando reconheça os créditos.
IV – Há que atentar na importância que deve ser atribuída ao disposto no art.573º, nº1, do CPC, nos termos do qual toda a defesa deve ser deduzida na contestação, normativo que emana do princípio da eventualidade ou da preclusão.
V – A circunstância de a autora não ter podido, na reclamação de créditos, deduzir reconvenção, não a impede de aí invocar os factos fundamentadores dos pedidos de declaração de nulidade ou de reconhecimento da excepção de incumprimento do contrato, ora formulados, enquanto casos que extinguem ou modificam a obrigação, no intuito de demonstrar a inexistência do crédito reclamado.




Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1 – Relatório.

No Juízo Central Cível de Lisboa, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, AA, S.A., instaurou acção declarativa, com processo comum, contra BB, S.A., anteriormente designada CC, S.A., pedindo que:

a) seja declarada a nulidade, por vício de simulação, dos contratos de locação financeira imobiliária com os números -- e --, celebrados entre A e R em 27.01.2010, e a R. condenada a devolver à A., nos termos do art.473º do Código Civil, a quantia de € 428.236,24, acrescida dos juros de mora que se vençam desde a citação até efectivo e integral pagamento;

Ou, se assim não for entendido,

b) seja declarada válida a excepção de não cumprimento do contrato, reconhecendo-se, em consequência, a inexistência de mora no cumprimento do contrato e a R. condenada a devolver à A., nos termos do art.473º do Código Civil, a quantia de € 428.236,24, acrescida dos juros de mora que se vençam desde a citação até efectivo e integral pagamento;

e

c) seja reconhecida e declarada a novação objectiva e subjectiva do crédito decorrente do contrato de factoring celebrado entre a sociedade DD, Ld.ª, e a R., em 18.09.2006, e ser reconhecido e declarado não se encontrar a nova obrigação abrangida pela previsão da hipoteca constituída por escritura pública de 18.03.2018 e respectivo documento complementar.

A ré contestou, invocando, nomeadamente, as excepções dilatórias do caso julgado e, subsidiariamente, da litispendência, alegando que o escopo da acção é o de tentar evitar que a R. execute créditos que detém sobre a A. e que são emergentes dos contratos referidos, os quais, foram já reconhecidos, bem como a garantia real dos mesmos, por sentença judicial transitada em julgado, proferida nos autos de reclamação de créditos nº3160/10.9TBVFR-A, sendo certo que as questões suscitadas nos presentes autos estão já a ser discutidas nos autos de reclamação de créditos nº972/12.2YYLSB, 18191/10.OYYLSB.

Após resposta da autora, foi proferido despacho saneador, onde se decidiu julgar verificadas as excepções dilatórias da violação da autoridade do caso julgado e da violação do princípio da preclusão ou da concentração da defesa e, em consequência, se absolveu a ré da instância.

Inconformada, a autora interpôs recurso de revista per saltum para o STJ.

Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2 – Fundamentos.

2.1. No despacho saneador consideraram-se provados os seguintes factos:

a) corre termos pela 3ª Secção de Execução da Instância Central da Comarca de Aveiro – J1, uns autos de reclamação de  créditos, registados com o nº3160/10.9TBVFR-A, instaurados em 28.09.2010, em que é reclamante CC, S.A., e reclamada AA, S.A., tudo conforme certidões de fls.342 a 373, e 1195 a 1324, que se dão por reproduzidas, no âmbito dos quais:

- a reclamante reclamou os créditos de € 937.465,41 e € 527.011,33, decorrentes do incumprimento dos contratos de locação financeira nº ... e ..., e o crédito de € 1.130.345,08, decorrente do contrato de factoring, celebrado em 18.09.2006 com a sociedade EE, S.A., créditos esses garantidos por hipoteca constituída em 18.03.2008;

- a reclamada impugnou a reclamação de crédito com o único fundamento de que os créditos resultantes de locação financeira não gozam de garantia real;

- foi proferida sentença em 06.12.2012, transitada em julgado, julgando improcedente a impugnação, reconhecendo os créditos reclamados e declarando que a reclamante goza de garantia real resultante de hipoteca;

b) corre termos pela l.ª Secção de Execução da Instância Central da Comarca de Lisboa - J5, uns autos de acção de reclamação de créditos registados com o n.º 972/12.2YYLSB-A, instaurados em 28.05.2014, em que é reclamante BB, S.A., e reclamada AA, S.A., conforme certidão de fls. 818-A a 1067, que se dá por reproduzida, no âmbito dos quais:

- a reclamante reclamou o crédito de€ 529.219,86, decorrente do incumprimento dos contratos de locação financeira n.ºs .. e .., e o crédito de€ 977.103,44, decorrente do contrato de factoring celebrado, em 18.09.2006, com a sociedade EE, S.A., garantidos por hipoteca constituída em 18.03.2008;

- a reclamada impugnou a reclamação de créditos, invocando, nomeadamente, a nulidade do contratos de locação financeira, por configurarem um negócio simulado, a excepção do não cumprimento desses contratos por parte da reclamante, a cessação do contrato de factoring e a assunção da dívida decorrente desse contrato por parte da sociedade EE, S.A., sem a garantia da hipoteca invocada pela reclamante;

- em 28.09.2016, os autos encontravam-se a aguardar a prolação de despacho saneador/sentença;

c) corre termos pela 1.ª Secção de Execução da Instância Central da Comarca de Lisboa - J6, uns autos de acção de execução ordinária registados com o n.º 10086/14.STSLSB, instaurados em 26.08.2014, em que é exequente BB, S.A., e executada AA, S.A., sendo o valor da execução de € 344.092,15 e o título executivo duas livranças, alegando a exequente no requerimento executivo que essas livranças titulam o montante que se encontra em dívida emergente da celebração dos contratos de locação financeira n.º .. e .., crédito esse garantido por hipoteca constituída em 18.03.2008, não tendo a executada, até 23.11.2016, apresentado embargos de executado e/ou oposição à penhora, conforme certidão de fls. 1072 a 1169, que se dá por reproduzida;

d) corre termos pela 2.ª Secção Cível da Instância Central da Comarca do Porto - J4, uns autos de acção de processo comum, registados com o n.º 4118/14.4TBMTS, em que é autora CC, S.A., e ré AA, S.A., nos quais a A. pede que seja declarada única e legítima titular e proprietária dos imóveis objecto dos contratos de locação financeira n.ºs .. e .., celebrados em 27.01.2010, que seja declarado que a A. os resolveu validamente, que a R. seja condenada na entrega definitiva dos referidos imóveis, no pagamento da quantia de€ 78.593,75, a título de indemnização contratual pela mora na entrega dos imóveis, no pagamento de urna penalidade por cada dia de atraso na entrega dos imóveis, nos juros de mora, no pagamento de uma indemnização pelos danos que se verificarem nos imóveis, e, subsidiariamente, que seja decretada a resolução dos contratos referidos por incumprimento definitivo da R., que seja declarado que a A. é a única e legítima titular e proprietária dos imóveis objecto desses contratos, que seja a R. condenada a proceder à entrega definitiva desses imóveis, a pagar o valor das rendas e respectivos juros que se vencerem até à data em que vier a ser decretada a resolução, sendo que a R. apresentou contestação no âmbito dos referidos autos, que, em 30.09.2016, iam ser conclusos para decisão, tudo conforme certidão de tls. 798 a 817, que se dá por reproduzida.

2.2. A recorrente remata as suas alegações com as seguintes conclusões:

A. A aqui Recorrente/ Autora requer, nos termos do disposto no artigo 678° do Código do Processo Civil, o presente recurso suba directamente para o Supremo Tribunal de Justiça, encontrando-se verificados os pressupostos suficientes e necessários para o efeito. O valor da causa é superior ao da alçada da Relação (alínea a) do nº 1 do artigo 678º do CPC), o valor da sucumbência é superior a metade da alçada daquele Tribunal superior (alínea b) do nº 1 do artigo 678º do CPC), o presente recurso suscita apenas questões de direito (alínea c) do nº 1 do artigo 678º do CPC) e não são impugnadas quaisquer decisões interlocutórias (alínea d) do nº 1 do artigo 678° do CPC).

B. O âmbito do presente recurso é limitado à apreciação da questão levada a juízo quanto ao alegado locupletamento da Ré/Recorrida à custa da Autora/Recorrente na quantia de € 428.236,24, nos termos que ficaram suficientemente alegados nos presentes autos.

C. Pugnando-se aqui, que tal questão sempre podia, e devia, ter sido apreciada, independentemente de vir a obter-se procedência na alegada nulidade dos contratos de locação financeira imobiliária, e independentemente de vir a declarar-se lícito ou ilícito, o direito de excepção de não cumprimento dos referidos contratos de locação.

D. Sendo certo que por referência a esta questão não se vislumbra a violação da autoridade do caso julgado material, por referência à sentença proferida e já transitada em julgado no processo 3160/ 1 O. 9TB VFR-A.

E. Na decisão proferida naquela sentença, como nos pressupostos em que a mesma se fundamenta, e que se apresentam como antecedente lógico daquela decisão, nada se constitui como pressuposto indiscutível que tenha ou deva ser apreciado para que apreciada seja a condenação da Ré/Recorrida no pagamento à Autora/Recorrente da quantia peticionada nestes autos.

F. A autoridade do caso julgado caracteriza-se pela insusceptibilidade de impugnação de uma decisão em consequência do carácter definitivo decorrente do respectivo trânsito.

G. Ora considere-se o pedido principal, a declaração de nulidade dos contratos, ou o pedido subsidiário, a declaração da excepção de não cumprimento, o escopo prosseguido pela Autora/Recorrente é sempre um e o mesmo, reaver a quantia de € 428.236,24, com a qual, e à sua custa, a Ré/Recorrida se locupletou. Esta é, como ficou já predito, a verdadeira vexata quaestio desta acção

H. E, quanto a esta questão, nenhuma decisão anterior pode ser colocada em causa, nenhuma decisão anterior se constitui como pressuposto indiscutível da sua apreciação e decisão,

I. Não se diga também que, ainda por referência ao thema decidendum, i.e., o ter-se a Ré/Recorrida locupletado à custa da Autora/Recorrente, com a quantia de € 428.236,24, se tenha verificado a excepção dilatória do princípio da preclusão ou da concentração da defesa.

J. Como muito bem se diz na sentença recorrida, nas acções de reclamação de créditos, bem como na execução instaurada contra a aqui Autora/Recorrente, não podia esta deduzir pedido em reconvenção, para ser ressarcida da quantia aqui peticionada.

K. Para esse efeito, e para fazer valer o crédito de€ 428.236,24 que se arroga possuir sobre a Ré/Recorrente (nos termos que ficaram alegados na PI), sempre teria de intentar acção própria para o efeito.

L. E, ainda que em algumas dessas acções pudesse ser deduzido pedido em reconvenção, fazê-lo, ou, em alternativo instaurar acção separada para fazer valer o mesmo pedido, sempre seria escolha (lícita) da Autora/Recorrente.

M. Ao que acresce que serem reconhecidos à Ré/Recorrida os créditos que o foram no processo 3160/10.9TBVFR-A, ou que aquela reclamou nos processos 972/12.2YYLSB-A e 18191/10.0YYLSB, não tem qualquer efeito extintivo sobre o alegado crédito da Autora/Recorrente.

N. Crédito (o da Autora/Recorrente) que não podia ser discutido naqueles processos.

O. Neste quadro, a decisão proferida, absolvendo a Ré da instância configura mesmo uma violação do direito de acesso a uma tutela jurisdicional efectiva, direito consagrado no artigo 20° da Constituição da República Portuguesa.

TERMOS EM QUE DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE E, EM CONSEQUÊNCIA, SER REVOGADA A DECISÃO PROFERIDA, ORDENANDO-SE O PROSSEGUIMENTO DOS AUTOS PARA QUE SEJA APRECIADA A EXISTÊNCIA DO CRÉDITO ALEGADO PELA AUTORA/RECORRENTE, E, A FINAL, CONDENADA A RÉ/RECORRENTE NO PAGAMENTO DAQUELE CRÉDITO, ACRESCIDO DE JUROS DE MORA QUE SE VENÇAM DESDE A CITAÇÃO ATÉ EFECTIVO E INTEGRAL PAGAMENTO.

2.3. A recorrida contra-alegou, concluindo que o recurso interposto pela autora deve ser julgado improcedente.

2.4. A única questão que importa apreciar no presente recurso consiste em saber se os autos deviam ter prosseguido para conhecimento do pedido de condenação da ré por enriquecimento sem causa, formulado pela autora, ora recorrente, ou se, sob pena de violação da autoridade do caso julgado e do princípio da preclusão ou da concentração da defesa, a ré não podia deixar de ser absolvida da instância.

Foi esta última a solução adoptada no despacho saneador, com base na seguinte argumentação:

«Sucede que, embora não deva ou não possa considerar-se verificada a excepção dilatória de caso julgado, tal não significa que não releve a força ou autoridade de caso julgado que emerge da sentença transitada em julgado, proferida na acção referida na al. a) do ponto 3.4. ou, com o mesmo efeito, considerar precludida a discussão dos pressupostos que já foram reconhecidos nessa sentença e nos demais processos aí identificados.

Com efeito, a autoridade de caso julgado que emerge da sentença que transitou em julgado e a excepção de caso julgado são efeitos distintos da mesma realidade jurídica.

(…)
Ora, a autoridade de caso julgado, diversamente da excepção de caso julgado, pode funcionar independentemente da verificação da tríplice identidade a que alude o art. 498.º do CPC, pressupondo, porém, a decisão de determinada questão que não pode voltar a ser discutida (cfr., por exemplo, os Acs. do STJ de 13.12.07, de 06.03.08 e de 23.11.11, in www.dgsi.pt).
(…)
Acresce que a força do caso julgado material abrange, para além das questões directamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado (cfr., por exemplo, os Acs. do STJ de 12.07.11, 23.11.11 e de 22.09.2016, in www.dgsi.pt).
(…)

No caso vertente, temos que no âmbito do Processo n.º 3160/10-A (al. a) do ponto 3.4), foi proferida sentença, transitada em julgado, que julgou improcedente a impugnação deduzida pela aí reclamada (A. na presente acção), reconheceu os créditos reclamados pela aí reclamante (R. na presente acção), decorrentes dos contratos de locação financeira e de factoring, e declarou que a reclamante goza de garantia real resultante da hipoteca.

Ora, a acção de reclamação, verificação e graduação de créditos de créditos, apesar de apensada a uma execução (por razões de funcionalidade e agilização), mantém a estrutura e autonomia de uma acção declarativa.

(…)

A impugnação da reclamação pode ter por objecto o crédito e/ou a garantia e nela deve o impugnante impugnar os factos constitutivos do crédito (não só o montante, mas também a sua natureza e origem) e da garantia real e deduzir os factos impeditivos, modificativos ou extintivos desses crédito e/ou da garantia (cfr. art. 789.º, n.º 4 do NCPC).

A sentença de reconhecimento e graduação é uma sentença de simples apreciação positiva, que faz caso julgado material quando reconhece os créditos (neste sentido, Rui Pinto, Ob. e Loc. Cit., p. 886 e 887).

Sendo assim, da sentença proferida na reclamação de créditos que constitui o Proc. n.º 3160/10-A emergiu uma autoridade de caso julgado que impede que se discutam, novamente, as questões que nessa sentença são antecedente lógico ou premissa da decisão: a validade e eficácia dos contratos de locação financeira e de factoring fontes dos créditos reclamados, bem como a garantia real desses créditos (isto é, a hipoteca constituída em 18.03.2008), ora postos em causa pela A.

É, por isso, indiferente o montante dos créditos invocados no Proc. n.º 3160/10 relativamente a outras acções já interpostas ou a interpor, pois que o que está em causa é a natureza e origem desses créditos e a validade das respectivas fontes, cuja resolução no âmbito do processo n.º 3160/10-A se impõe, necessariamente, em todas as acções que venham a correr entre as partes, ainda que incidindo sobre objecto diverso (sendo certo que, como se viu, era nesse processo que a ora A. deveria ter deduzido os factos impeditivos, modificativos ou extintivos desses créditos e das respectivas garantias).

Não faria sentido algum que, transitada em julgado a sentença proferida no Proc. n.º 3160/10-A, que reconheceu a existência dos créditos e das respectivas garantias reais, pudesse ser renovada na presente acção ou noutra a discussão em torno dessas questões, que ficaram definitivamente cobertas pelo autoridade de caso julgado.

Como se referiu, a jurisprudência maioritária tem vindo a entender que o caso julgado abrange a decisão e os seus fundamentos, logicamente, necessários ou a decisão e as questões solucionadas na sentença conexas com o direito a que se refere a pretensão do autor.

A expressão “limites e termos em que julga”, a que se reporta o artigo 621.º do CPC, significa que a extensão objectiva do caso julgado se afere face às regras substantivas relativas à natureza da situação que ele define, à luz dos factos jurídicos invocados pelas partes e do pedido ou dos pedidos formulados na acção.

Ora, há decisões de questões fáctico-jurídicas prévias ou preliminares ao thema decidendum que estão tão, lógica e necessariamente, conexas com o segmento decisório (v.g., declaração de absolvição), que este não pode delas ser dissociado na definição do quadro substantivo envolvente, só ganhando sentido quando inter-conexionados.

Nestes casos, por razões de economia processual, de prestígio das instituições judiciárias e de certeza das relações jurídicas, terá de concluir-se no sentido da extensão do caso julgado material à decisão das questões preliminares que sejam antecedente lógico necessário da parte dispositiva do julgado.

No caso que nos ocupa, é evidente que a decisão de reconhecer os créditos reclamados e as garantias invocadas não pode ser desligada da decisão das questões relativas à validade dos contratos fonte desses créditos (que a reclamada, ora A., não colocou em causa) e à abrangência da hipoteca (que a reclamada discutiu e que a sentença analisou).

A possibilidade de conhecimento dos pedidos de declaração de nulidade dos contratos de locação financeira por simulação ou o conhecimento da excepção de não cumprimento desses mesmos contratos, bem como o reconhecimento da extinção do contrato de factoring ou da sua novação e, por conseguinte, o conhecimento do âmbito da hipoteca voluntária constituída em 18.03.2008, colocaria o tribunal na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior, o que é vedado pela autoridade de caso julgado dessa decisão anterior.

Aliás, a finalidade da presente acção é reconhecida pela própria A. na petição inicial, quando refere que, com fundamento no alegado incumprimento dos três contratos referidos, a R. tem vindo a arrogar-se de direitos que não possui, peticionando créditos que inexistem e procurando accionar alegadas garantias reais que não abrangem os créditos reclamados.

Sucede que a autoridade de caso julgado inerente às decisões proferidas nas acções onde a aqui R. se tem vindo a arrogar de direitos de créditos sobre a aqui A., impede esta de intentar acções, como a presente, que visam, precisamente, colocar em causa esses direitos de créditos já reconhecidos.

(…)

Ora, tal como decorre da factualidade provada (al. a) do ponto 3.4.), na impugnação que deduziu à reclamação de créditos deduzida no Proc. n.º 3160/10-A, a ora A. não invocou, quando poderia tê-lo feito, as nulidades e excepções que ora invoca na presente acção, quando é certo que as mesmas, de acordo com a tese da A., já se verificavam, limitando-se a colocar em causa a garantia real dos créditos emergentes dos contratos de locação financeira.

A sentença transitada em julgado, proferida no âmbito do referido processo, decidiu, pois, com autoridade de caso julgado, que:

- os créditos emergentes do incumprimento dos contratos de locação financeira e de factoring existem, o que pressupõe o reconhecimento de que tais contratos são válidos e eficazes e de que ocorreu incumprimento imputável à ora A.;

- tais créditos gozam de garantia real decorrente de hipoteca constituída em 18.03.2008.

Tal impede que a ora A. formule os pedidos (principal e subsidiário) enunciados sobre a al. a1) e a2), mas também o pedido deduzido sob a al. b).

E nem procede o argumento deduzido pela A. na resposta à contestação, segundo o qual não poderia, nas acções referidas no ponto 3.4, deduzir o pedido de condenação no pagamento da quantia de € 428.236,24.

É que tal pedido é decorrência, lógica e necessária, dos pedidos de declaração de nulidade ou de reconhecimento da excepção de incumprimento do contrato, pelo que não podendo estes pedidos, pelas razões sobreditas, ser conhecidos, impossibilitada fica, também, a apreciação do referido pedido de condenação por enriquecimento sem causa.

E se é certo que na acção de reclamação de créditos, a ora A. não poderia deduzir, em reconvenção, tal pedido, nada a impedia de invocar os factos respectivos, no intuito de demonstrar a inexistência, pelo menos, parcial do crédito reclamado.
Acresce que em todas as acções referidas no ponto 3.4., interpostas muito antes da presente acção, a ora A. poderia e deveria ter deduzido em sua defesa os factos e as questões que ora suscita.
Está, portanto, em causa a violação do princípio da preclusão ou da concentração da defesa, que, em termos gerais, tem um efeito preclusivo, obstando a que o réu venha alegar, depois da contestação, factos então não alegados (art. 573.º, n.º 1 do NCPC), e bem assim, que tais factos possam servir de causa de pedir em acções cujo desfecho possa conduzir uma decisão em contradição com a já proferida.
Com efeito, por força do princípio da concentração da defesa, tem-se afirmado, a propósito do Réu, o efeito preclusivo, sendo certo que na doutrina não é pacífico se o mesmo deve ser integrado no caso julgado ou tratado com autonomia.
A doutrina maioritária faz, contudo, integrar no âmbito do caso julgado todas as excepções que o réu poderia ter alegado na primeira acção e tal efeito preclusivo é normalmente inserido pela doutrina no caso julgado.
(…)
Quando referida a factos, a preclusão é correlativa não só de um ónus de alegação, mas também de um ónus de concentração: de molde a evitar a preclusão da alegação do facto, a parte tem o ónus de alegar todos os factos relevantes no momento adequado. A correlatividade entre o ónus de concentração e a preclusão significa que, sempre que seja imposto um ónus de concentração, se verifica a preclusão de um facto não alegado, mas também exprime que a preclusão só pode ocorrer se e quando houver um ónus de concentração.
Voltando ao caso dos autos, não faria qualquer sentido que alguém, dispondo de factos idóneos a demonstrar a inexistência de um crédito reclamado com origem em determinado contrato e garantido por determinada garantia real, não concentrasse nessa defesa todos os argumentos de facto e de direito de que dispusesse.
A admitir-se que o reclamado pudesse invocar, noutro processo, fundamentos que omitiu, voluntariamente, na reclamação de créditos, cuja decisão de procedência transitou em julgado, seria contornar o efeito preclusivo da invocação factual, desconsiderar o princípio da concentração da defesa e violar a estabilidade do caso julgado.
Saliente-se que, também, no Proc. n.º 10086/14, em que a ora A. é executada e em que está em causa crédito decorrente dos contratos de locação financeira sub judice, a mesma não deduziu oposição ou embargos à execução, sendo que na reclamação de créditos n.º 972/12-A, (deduzida antes da instauração da presente acção), a ora A. já havia deduzido, em sua defesa, os mesmos fundamentos que sustentam os pedidos que formula na presente acção.

Na impugnação à reclamação de créditos n.º 3160/10-A. (mas também na oposição à execução n.º 10086/14), a reclamada/executada tinha o ónus de concentrar todos os fundamentos que podiam injustificar o pedido contra si formulado.

A inobservância deste ónus de concentração implicou a preclusão dos fundamentos não alegados na impugnação/oposição.

Após o trânsito em julgado da decisão proferida na reclamação, aquela preclusão, em vez de operar per se, actuou através da excepção de caso julgado, apesar de não existir entre essa reclamação e a presente acção identidade de objectos.
A admitir-se que a ora A. pudesse invocar, nesta acção, fundamentos que omitiu, voluntariamente, na reclamação de créditos e que poderiam conduzir à alteração da decisão final aí proferida, seria contornar o efeito preclusivo da invocação factual, desconsiderar o princípio da concentração da defesa e violar a estabilidade do caso julgado, que visam a segurança jurídica e a paz social.      

Conclui-se, pois, que, quer se considere que a violação da autoridade de caso julgado e a violação do princípio da preclusão ou da concentração da defesa constituem excepções autónomas, quer se entenda que as mesmas integram, ainda, a excepção do caso julgado, estamos, indubitavelmente, perante excepções dilatórias, de conhecimento oficioso, que importa a absolvição da R. da instância (cfr. arts. 278.º, n.º 1 al. e), 576.º, n.º 2, 577.º al. i), 578.º e 595.º, n.º 1 al. a) do NCPC)».

Segundo a recorrente, quer se considere o seu pedido principal – declaração de nulidade dos contratos – quer se considere o seu pedido subsidiário – declaração da excepção de não cumprimento – o escopo por si prosseguido é sempre um e o mesmo, ou seja, reaver a quantia de € 428.236,24, com a qual, à sua custa, a recorrida se locupletou.

Mais alega que, quanto a essa questão, nenhuma decisão anterior se constitui como pressuposto indiscutível da sua apreciação e decisão.

Alega, ainda, que, na reclamação de créditos, bem como na execução, não podia deduzir reconvenção, para ser ressarcida da quantia aqui peticionada, e que, ainda que pudesse, sempre seria opção sua, pelo que poderia intentar acção própria para o efeito.

Alega, por último, que a decisão de absolvição da ré da instância configura uma violação do direito de acesso a uma tutela jurisdicional efectiva, consagrado no art.20º, da CRP.

Vejamos, antes do mais, o que vem alegado pelas partes na presente acção, sinteticamente mencionado na sentença recorrida, nos seguintes termos:

«Relativamente aos contratos de locação financeira referidos, a A. alega, em síntese, que:

            - tais contratos configuram negócios simulados e, por isso, são nulos, por não titularem qualquer negócio jurídico através do qual a R. tenha cedido à A., mediante retribuição, o gozo de imóveis, tendo, ao invés, sido celebrados para dissimular um negócio de restruturação de dívida (mútuo bancário), como forma de financiamento para colmatar dívidas da sociedade EE, S.A. (da qual a A. detinha 11% do capital social), por a R. ter afirmado não poder manter em aberto as operações de crédito que detinha sobre esta sociedade;

            - com a outorga do contrato dissimulado, a R. locupletou-se, à custa da A., com a quantia de € 428.236,24, uma vez que a A. lhe tinha pago, por conta da aquisição futura dos imóveis objecto dos contratos de locação financeira, a quantia de € 858.236,24, à qual importa deduzir o montante de € 430.000,00, relativo a um crédito da A. que a R. amortizou;

          - a R. incumpriu a obrigação, para si emergente dos referidos contratos dissimulados, de amortizar as dívidas da A. e da sociedade EE, S.A., que os mesmos visam restruturar, o que tem por consequência afastar a mora da A. no pagamento das rendas mensais e na entrega dos imóveis, dado o vínculo de reciprocidade de ambas as prestações, podendo a A., legitimamente, recusar-se a cumprir a sua prestação (de pagamento das rendas mensais e de qualquer indemnização fundada no incumprimento);

           - a R., alegando o incumprimento definitivo desses contratos, comunicou à A. a sua resolução por carta de 01.10.2013 e reclamou créditos emergentes desses contratos nos Processos n.ºs 972/12.2YYLSB-A, 18191/10.0YYLSB e 3160/10.9TBVFR, onde a ora A. é executada, e instaurou contra a A., como preliminar da acção declarativa n.º 4118/14.4TBMTS (onde peticiona a entrega desses imóveis e uma indemnização pela mora na entrega), uma providência cautelar para entrega dos imóveis locados, entrega esse que ocorreu em 24.09.2014 e 17.09.2014;

Já no que respeita ao referido contrato de factoring, a A. alega, em suma, que:

- tal contrato cessou, sendo que não subsiste, desde finais de 2008, nenhum valor em dívida na esfera jurídica da sociedade DD (que, entretanto, foi declarada insolvente por sentença transitada em julgado em 03.06.2010);

- os adiantamentos da facturação passaram a ser efectuados à sociedade EE, S.A., que assumiu todas as dívidas resultantes da cessão de créditos (conforme confissão de dívida e acordo e pagamento subscrito por esta sociedade e pela R. em 09.11.2011);

- as dívidas desta sociedade EE, S.A., não ficaram garantidas pela hipoteca constituída pela A. a favor da R. em 18.03.2008, quer por tal ter sido vontade expressa das partes, quer porque ocorreu novação da obrigação, o que importou a extinção das garantias que asseguravam o seu cumprimento (art. 861.º do CC).

Conclui que, com fundamento no alegado incumprimento dos três contratos referidos, a R. tem vindo a arrogar-se de direitos que não possui, peticionando créditos que inexistem e procurando accionar alegadas garantias reais que não abrangem os créditos reclamados.

A R. contestou, invocando, nomeadamente, as excepções dilatórias do caso julgado e, subsidiariamente, da litispendência (cfr. arts. 167.º e segs. da contestação), alegando que o escopo da presente acção é o de tentar evitar que a R. execute créditos que detém sobre a A. e que são emergentes dos contratos referidos, os quais, contudo, foram já reconhecidos, bem como a garantia real dos mesmos, por sentença judicial transitada em julgado, proferida nos autos de reclamação de créditos n.º 3160/10.9TBVFR-A, sendo certo que as questões suscitadas nos presentes autos estão já a ser discutidas nos autos de reclamação de créditos n.º 972/12.2YYLSB-A, 18191/10.0YYLSB.

A A. respondeu, por escrito, pronunciando-se pela improcedência das referidas excepções, por não haver identidade de pedido na presente acção e nas referidas pela R., sendo que nelas a ora A. não pediu, nem podia pedir, a condenação da R. no pagamento da quantia de € 428.236,24».

Vejamos.

Toda a questão reside, pois, em saber se a decisão definitiva proferida nos autos de reclamação de créditos com o nº3160/10.9TBVFR-A, referidos na al.a) dos factos provados, actua como autoridade de caso julgado, impossibilitando a continuação da presente lide.

Na verdade, dúvidas não restam que, no caso, não se verificam as excepções da litispendência ou do caso julgado, uma vez que não ocorre a tríplice identidade a que alude o art.581º, do CPC (de sujeitos, pedido e causa de pedir), como se refere na sentença recorrida, o que não foi posto em causa pelas partes.

Todavia, a jurisprudência e a doutrina têm entendido que a autoridade do caso julgado pode funcionar independentemente da verificação da referida tríplice identidade.

Assim, segundo Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil, Anotado, 2ª ed., pág.354, «A excepção de caso julgado não se confunde com a autoridade de caso julgado; pela excepção, visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito; a autoridade de caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito (…). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida».

Por seu turno, Teixeira de Sousa, in O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material, BMJ, 325º-178, escreve que « … o caso julgado material pode valer em processo posterior como autoridade de caso julgado, quando o objecto da acção subsequente é dependente do objecto da acção anterior, ou como excepção de caso julgado, quando o objecto da acção posterior é idêntico ao objecto da acção antecedente».

Na jurisprudência, pode ver-se o Acórdão do STJ, de 13/12/07, disponível in www.dgsi.pt (todos os demais acórdãos que forem citados estão disponíveis no mesmo lugar), em cujo sumário se pode ler:

«A autoridade de caso julgado da sentença transitada e a excepção de caso julgado constituem efeitos distintos da mesma realidade jurídica, pois enquanto que a excepção de caso julgado tem em vista obstar à repetição de causas e implica a tríplice identidade a que se refere o art.498º do CPC (…), a autoridade de caso julgado da sentença transitada pode actuar independentemente de tais requisitos, implicando, contudo, a proibição de novamente apreciar certa questão» (cfr., no mesmo sentido, os Acórdãos do STJ, de 6/3/08, de 23/11/11 e de 21/3/13).

Do sumário deste último Acórdão consta o seguinte:

«Ainda que se não verifique o concurso dos requisitos ou pressupostos para que exista a excepção de caso julgado (exceptio rei judicatae), pode estar em causa o prestígio dos tribunais ou a certeza ou segurança jurídica das decisões judiciais se uma decisão, mesmo que proferida em outro processo, com outras partes, vier dispor em sentido diverso sobre o mesmo objecto de decisão anterior transitada em julgado, abalando assim a autoridade desta».

Por outro lado, tem-se entendido, como se refere no sumário do Acórdão do STJ, de 12/7/11, que:

«A expressão “limites e termos em que julga”, constante do art.673º do CPC, significa que a extensão objectiva do caso julgado se afere face às regras substantivas relativas à natureza da situação que ela define, à luz dos factos jurídicos invocados pelas partes e do pedido ou pedidos formulados na acção».

E que, como se diz no mesmo sumário:

« … a determinação  dos limites do caso julgado e a sua eficácia passam pela interpretação do conteúdo da sentença, nomeadamente, quanto aos seus fundamentos que se apresentem como antecedentes lógicos necessários à parte dispositiva do julgado».

Acrescentando-se, naquele sumário, que:

«Relativamente à questão de saber que parte da sentença adquire, com o trânsito desta, força obrigatória dentro e fora do processo – problema dos limites objectivos do caso julgado –, tem de reconhecer-se que, considerando o caso julgado restrito à parte dispositiva do julgamento, há que alargar a sua força probatória à resolução das questões que a sentença tenha tido necessidade de resolver como premissa da condenação firmada» (cfr., no mesmo sentido, os Acórdãos do STJ, de 23/11/11 e de 22/9/16).

Por conseguinte, no caso dos autos, não é a excepção de caso julgado que constitui impedimento à apreciação do mérito da presente acção.

O que releva aqui é, pois, a autoridade de caso julgado inerente à sentença, efeito esse que visa preservar o prestígio dos Tribunais e a certeza ou  segurança jurídica, evitando a instabilidade das relações jurídicas.

Na verdade, como refere Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, pág. 306, «Seria intolerável que cada um nem ao menos pudesse confiar nos direitos que uma sentença lhe reconheceu; que nem sequer a estes bens pudesse chamar seus, nesta base organizando os seus planos de vida; que tivesse constantemente que defendê-los em juízo contra reiteradas investidas da outra parte, e para mais com a possibilidade de nalgum dos novos processos eles lhe serem negados pela respectiva sentença».

No caso sub judice, o que se passou foi que, no âmbito do processo de reclamação de créditos nº3160/10-A, em que é reclamante CC, S.A., ora ré, e reclamada AA, S.A., ora autora, foi proferida sentença, transitada em julgado, julgando improcedente a impugnação deduzida por aquela reclamada e reconhecendo os créditos reclamados por aquela reclamante, decorrentes dos contratos de locação financeira e de factoring, tendo, ainda, declarado que a referida reclamante goza de garantia real resultante de hipoteca.

Como é sabido, na reclamação de créditos o credor reclamante deduz dois pedidos em relação de prejudicialidade: que seja reconhecido o seu crédito e que seja graduado no pagamento do produto da venda em conformidade com a sua garantia real (cfr. Rui Pinto, in Manual da Execução e Despejo, págs.854 e 855).

Os pressupostos essenciais da reclamação são a titularidade de um direito de crédito com garantia real sobre os bens penhorados e a disponibilidade de um título de crédito (cfr. o art.788º, do CPC - serão deste Código os demais artigos citados sem menção de origem).

Assim, no concurso de credores, há que assinalar duas fases distintas: a fase da verificação dos créditos e a fase posterior à verificação.

A primeira fase apresenta os contornos nítidos duma acção declarativa, enquanto que a segunda tem feição executiva.

A reclamação de créditos apresenta a figura duma verdadeira acção de dívida proposta pelo reclamante.

O crédito reclamado pode ser impugnado com fundamento em qualquer das causas que extinguem ou modificam a obrigação ou que impedem a sua existência, quando, como no caso dos autos, o crédito não estiver reconhecido por sentença que tenha força de caso julgado em relação ao impugnante (cfr. os nºs 4 e 5, do art.789º).

Isto é, a impugnação, no caso, é livre, podendo ter por fundamento qualquer causa que extinga ou modifique a obrigação, nomeadamente, a nulidade desta, a prescrição, a simulação e a falsidade.

Quer dizer, o impugnante pode alegar tudo o que poderia deduzir como defesa no processo de declaração (cfr. o art.735º).

Quanto à garantia real ou direito equiparado, o impugnante tanto pode impugnar os respectivos factos constitutivos, como pode excepcionar factos impeditivos, modificativos ou extintivos da mesma.

Sendo que, a parte cujo crédito foi impugnado mediante defesa por  excepção, pode deduzir resposta à impugnação, nos termos do art.790º.

Em sede de sentença a proferir, tem o juiz de exercer uma dupla actividade: a de verificação e a de graduação.

No desenvolvimento da primeira, cumpre-lhe resolver as questões que tenham sido suscitadas nas impugnações, tanto as questões de facto da sua competência, como as de direito.

No desenvolvimento da segunda, há-de graduar os créditos não impugnados e os créditos impugnados que tenha verificado, por julgar improcedentes as impugnações.

Trata-se de uma sentença de simples apreciação positiva, mas que faz caso julgado material quando reconheça os créditos (cfr. Rui Pinto, ob.cit., págs.884, 886 e 887, onde vêm citados, nesse sentido, Castro Mendes, in Direito Processual Civi, III, pág.451, e Teixeira de Sousa, in A Acção Executiva, Singular, Comum e Especial, pág.350).

No caso dos autos, verifica-se que, face à reclamação de créditos apresentada pela ora ré no processo nº3160/10-A, a ora autora, aí reclamada, limitou-se a impugná-la com o fundamento de que os créditos resultantes da locação financeira não gozavam de garantia real (cfr. a al.a) dos factos provados).

Aliás, até alegou, naquela impugnação, que todos os contratos donde emergem os créditos reclamados se encontram a ser cumpridos, não se encontrando por pagar nenhuma das prestações já vencidas, pelo que, também por essa circunstância, não tem cabimento a reclamação de créditos (cfr. fls.347).

Tal impugnação foi julgada improcedente por sentença proferida em 6/12/12, transitada em julgado, a qual reconheceu os créditos reclamados e declarou que a reclamante goza de garantia real resultante de hipoteca (cfr. a al.a) dos factos provados).

Na presente acção, aquela impugnante invoca a nulidade dos referidos contratos de locação financeira, alegando que são negócios simulados e que, por via do contrato dissimulado, a ré se locupletou à sua custa com a quantia de € 428.236,24, e, subsidiariamente, que seja reconhecida a inexistência de mora no cumprimento, por  via da exceptio non adimpleti contractus, e a ré condenada a  devolver-lhe aquela quantia, nos termos do art.473º, do C.Civil.

Ou seja, com a presente acção, a autora põe em causa a validade e eficácia dos contratos de locação financeira, que estiveram na origem dos créditos reclamados.

Sendo certo, porém, que tais créditos foram reconhecidos na sentença de verificação de créditos, o que pressupõe a validade daqueles contratos, já que esta se apresenta como antecedente lógico necessário à parte dispositiva daquela sentença.

Como refere Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed., pág.578, «Como toda a decisão é a conclusão de certos pressupostos (de facto e de direito), o respectivo caso julgado encontra-se sempre referenciado a certos fundamentos», concluindo que: «o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge esses fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão».

E acrescenta, ob. cit., pág.579, «O caso julgado da decisão também possui um valor enunciativo: essa eficácia de caso julgado exclui toda a situação contraditória ou incompatível com aquela que ficou definida na decisão transitada».

Deste modo, dir-se-á, como na sentença recorrida, que da sentença proferida na reclamação de créditos emergiu uma autoridade de caso julgado que impede que se discutam, novamente, as questões que nessa sentença são antecedente lógico ou premissa da decisão, ou seja, a validade e eficácia dos contratos de locação financeira.

De tal modo assim é que a possibilidade de conhecimento dos pedidos formulados na presente acção, colocaria o tribunal na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.

Entende a recorrente que o escopo por si prosseguido é o de reaver a quantia de € 428.236,24, com a qual, à sua custa, a recorrida se locupletou, sendo que, quanto a essa questão, nenhuma decisão anterior se constitui como pressuposto indiscutível da sua apreciação e decisão.

Mas não é assim. Na verdade, para conseguir esse objectivo teve a recorrente que pedir a declaração de nulidade dos aludidos contratos, a título principal, e a declaração da excepção de não cumprimento, a título subsidiário.

Ora, tais pedidos e respectivos factos que os suportam, além de serem contraditórios ou incompatíveis com a situação que ficou definida na decisão transitada, proferida no processo de reclamação de créditos, tão pouco fazem parte da impugnação que a ora autora aí apresentou.

Note-se que, como já vimos, a impugnação, no caso, era livre, isto é, podia ter por fundamento qualquer causa que extinguisse ou modificasse a obrigação, nomeadamente, a nulidade desta, a simulação, etc..

No entanto, a ora autora não invocou aí a nulidade dos referidos contratos de locação financeira, nem a exceptio non adimpleti contractus, tendo-se limitado a alegar que os créditos resultantes daqueles contratos não gozavam de garantia real e que não se encontrava por pagar nenhuma das prestações já vencidas, pelo que não tinha cabimento a reclamação de créditos.

E não é admissível que a autora, ora recorrente, depois de ter sido atingida pelos efeitos definitivos de uma sentença de mérito proferida no âmbito de um processo em que teve ampla possibilidade de se defender, faça uso autónomo do direito de acção para, no fundo, provocar o esvaziamento daquela sentença, com prejuízo para o direito que pela mesma foi reconhecido.

Há, pois, que atentar na importância que deve ser atribuída ao disposto no art.573º, nº1, nos termos do qual toda a defesa deve ser deduzida na contestação, normativo que emana do princípio da eventualidade ou da preclusão, como se diz no Acórdão do STJ, de 10/10/12.

Já Manuel de Andrade dizia, ob.cit., pág.382, que «devendo os fundamentos da acção ou da defesa ser formulados todos de uma vez num certo momento, a parte terá de deduzir uns a título principal e outros in eventu – a título subsidiário, para a hipótese de não serem atendidos os formulados em primeira linha».

Acrescentando que, ob.cit., pág.324, «Se a sentença reconheceu no todo ou em parte o direito do Autor, ficam precludidos todos os meios de defesa do Réu, mesmo os que ele não chegou a deduzir, e até os que ele poderia ter deduzido com base num direito seu» (cfr., no mesmo sentido, Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed., pág.586, Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, vol.III, pág.394, Mariana França Gouveia, in Causa de Pedir na Acção Declarativa, págs.394, 402 e 495, e Miguel Mesquita, in Reconvenção e Excepção no Processo Civil, págs.418 e segs.).

Segundo este último autor, ob.cit., pág.429, «o réu fica proibido de propor uma contra-acção independente, baseando-se em factos antes deduzidos sem êxito ou que, podendo ter sido deduzidos em sua defesa, o não foram».

Acrescentando, ob.cit., pág.439, que «O réu que se absteve de alegar direitos acaba por ver precludida a possibilidade de vir a obter uma futura decisão que afecte, na prática, o resultado anteriormente alcançado pelo adversário ou uma decisão que desfira um “golpe fatal” no direito reconhecido pela precedente sentença».

Na jurisprudência, a propósito do princípio da preclusão ou da eventualidade, podem ver-se os Acórdãos do STJ, de 8/4/10 e de 6/12/16.

Consta do sumário deste último Acórdão que «O princípio da preclusão ou da eventualidade é um dos princípios enformadores do processo civil, decorre da formulação da doutrina e encontra acolhimento nos institutos da litispendência e do caso julgado – art.580º, nº2, do Código de Processo Civil – e nos preceitos de onde decorre o postulado da concentração dos meios de alegação de factos essenciais da causa de pedir e as razões de direito – art.552º, nº1, al.d) – e das excepções, quanto à defesa – art.573º, nº1, do Código de Processo Civil».

Alega, ainda, a recorrente que não podia deduzir reconvenção na reclamação de créditos, para ser ressarcida da quantia aqui peticionada, e que, ainda que pudesse, sempre seria opção sua, pelo que poderia intentar acção própria para o efeito.

Mas não é assim. Desde logo, como diz Miguel Mesquita, ob.cit., pág.453, «O princípio da liberdade de reconvir não vale, efectivamente, de forma absoluta ou irrestrita, tendo o réu sempre de jogar, no momento em que contesta, com a probabilidade de vir a ser proferida uma sentença favorável ao autor. Porque sobre esta se forma caso julgado material, o réu não pode, através de uma acção, com base em factos anteriores ao encerramento da discussão no primeiro processo, vir a afectar o teor da sentença neste proferida».

É certo que a ora autora, enquanto executada-reclamada, não podia deduzir o pedido de condenação da ora ré, enquanto reclamante, no processo de reclamação de créditos, isto é, não podia deduzir aí, em reconvenção, tal pedido.

Porém, nada impedia e antes aconselhava, que invocasse na impugnação daquela reclamação os factos fundamentadores dos pedidos de declaração de nulidade ou de reconhecimento da excepção de incumprimento do contrato, enquanto causas que extinguem ou modificam a obrigação, no intuito de demonstrar a inexistência do crédito reclamado.

Não o tendo feito, oportunamente, na impugnação, não o pode fazer agora, autonomamente, ainda que para justificar o seu pedido de condenação no pagamento da quantia de € 428.236,24, pelos motivos já apontados.

Note-se que este pedido se funda, exclusivamente, na ora invocada nulidade dos contratos e, subsidiariamente, na excepção de incumprimento dos mesmos.

Por conseguinte, sendo tal pedido decorrência lógica e necessária daqueles fundamentos, não podendo agora conhecer-se deles, também não pode apreciar-se o aludido pedido.

Na verdade, a ora autora tinha o ónus de se defender em toda a extensão da pretensão deduzida pela ora ré, enquanto reclamante do crédito.

Constitui, assim, grave violação da estabilidade da relação jurídica definida pela sentença transitada em julgado a posterior invocação de factos que, na ocasião, já se haviam verificado e que poderiam ter sido alegados, discutidos e apreciados na reclamação de créditos.

Não estamos, pois, perante uma pretensão autónoma, porquanto a invocação da nulidade dos contratos e da excepção de incumprimento dos mesmos, justificativa do pedido de pagamento daquela quantia, apresenta-se com natureza impeditiva do reconhecimento dos créditos da ora ré.

Por isso, para contrariar o reconhecimento daqueles créditos, tinha a ora autora o ónus de trazer para o objecto dessa acção tudo quanto pudesse colidir com a pretensão aí formulada.

Como se diz na sentença recorrida, «A admitir-se que a ora A. pudesse invocar, nesta acção, fundamentos que omitiu, voluntariamente, na reclamação de  créditos e que poderiam conduzir à alteração da decisão final aí proferida,  seria contornar o efeito preclusivo da invocação factual, desconsiderar o princípio da concentração da defesa e violar a estabilidade do caso julgado, que visam a segurança jurídica e a paz social».

Na verdade, o caso julgado é uma exigência da boa administração da justiça, da funcionalidade dos tribunais e da salvaguarda da paz social, porquanto evita que uma mesma acção seja instaurada várias vezes, obsta a que sobre a mesma situação recaiam soluções contraditórias e garante a resolução definitiva dos litígios.

Por isso que ele é expressão dos valores da segurança e certeza que são imanentes a qualquer ordem jurídica.

Mostra-se, pois, impedido o prosseguimento da acção, por via da autoridade do caso julgado projectada pela sentença judicial proferida na reclamação de créditos, com a inerente absolvição da ré da instância.

Alega, por último, a recorrente que a decisão de absolvição da ré da instância configura uma violação do direito de acesso a uma tutela jurisdicional efectiva, consagrado no art.20º, da CRP.

Mas também não tem razão nesta parte. Na verdade, o direito da recorrente a uma tutela jurisdicional efectiva não foi, de modo algum, violado, já que esteve em condições de defender, eficazmente, os seus direitos quando deduziu impugnação à reclamação de créditos apresentada pela recorrida, como também de  antever as implicações nesta acção da sentença a proferir naquela reclamação.

Por outro lado, a solução de fazer valer a autoridade de caso julgado mostra-se inteiramente conforme à razão de ser da norma do art.581º, uma vez que, implicando a extinção da instância, elimina em definitivo o risco de neste processo ser ditada uma decisão que, total ou parcialmente, contrarie a proferida na acção anteriormente julgada (cfr. o já citado Acórdão do STJ, de 13/12/07).

Haverá, assim, que concluir que os autos não tinham que prosseguir para conhecimento do pedido de condenação por enriquecimento sem causa, formulado pela autora, ora recorrente, antes a ré não podia deixar de ser absolvida da instância, sob pena de violação da autoridade do caso julgado e do princípio da preclusão ou da concentração da defesa, nos termos atrás referidos.

Não merece, pois, qualquer censura a sentença recorrida, pelo que deve ser mantida, improcedendo, deste modo, as conclusões da alegação da recorrente.

3 – Decisão.

Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a  sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 18 de Setembro de 2018

Roque Nogueira (Relator)
Alexandre Reis
Lima Gonçalves