Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
072402
Nº Convencional: JSTJ00001120
Relator: JOAQUIM FIGUEIREDO
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PUBLICA
INDEMNIZAÇÃO
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ198807130724021
Data do Acordão: 07/13/1988
Votação: MAIORIA COM 1 DEC VOT E 1 VOT VENC
Referência de Publicação: DR IS 1988/07/13, PÁG. 4375 A 4979 - BMJ Nº 379 ANO 1988 PÁG. 195
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O TRIBUNAL PLENO
Decisão: UNIFORMIZADA JURISPRUDÊNCIA
Área Temática: DIR CIV - DIR REAIS.
Legislação Nacional: CEXP76 ARTIGO 16 N1 N2 ARTIGO 28 N1 ARTIGO 84 N2 ARTIGO 85 ARTIGO 86 ARTIGO 87 N1 A B C D E ARTIGO 91 N2 ARTIGO 92 N1 N2 ARTIGO 93 N1 N4 ARTIGO 128 N1.
DL 576/70 DE 1970/11/24 ARTIGO 13 N2.
DL 332/72 DE 1972/08/23 ARTIGO 1 C ARTIGO 2.
DL 385/73 DE 1973/07/28 ARTIGO 1 N1.
DL 56/75 DE 1975/02/13 ARTIGO 6.
DL 71/76 DE 1976/01/27 ARTIGO 81 ARTIGO 107.
CCJ62 ARTIGO 126.
CPC67 ARTIGO 67 ARTIGO 156 N2 ARTIGO 263 N1 ARTIGO 766 N3 ARTIGO 768 N3.
CONST76 ARTIGO 13 N1 ARTIGO 62 N2 ARTIGO 205 ARTIGO 206 ARTIGO 210.
CCIV66 ARTIGO 342 ARTIGO 763 N1.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1984/05/17 IN BMJ N337 PAG252.
ACÓRDÃO STJ DE 1984/05/31 IN BMJ N337 PAG260.
Sumário :
O exercicio da faculdade conferida pelo artigo 84, n. 2, do Codigo das Expropriações (Decreto-Lei n. 845/76, de 11 de Dezembro) não depende da alegação e prova da insuficiencia de meios financeiros para a entidade expropriante efectuar de imediato o pagamento da totalidade da indemnização.
Decisão Texto Integral:
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça, funcionando em plenario:

O acordão deste Supremo Tribunal de 17 de Maio de 1984, publicado no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 337, a paginas 252 e seguintes, decidiu que o exercicio da faculdade, conferida pelo artigo 84, n. 2, do Codigo das Expropriações, de certas entidades efectuarem em prestações o pagamento das indemnizações devidas por expropriação por utilidade publica não depende da alegação e prova da sua insuficiencia financeira.
Em acordão de 31 daquele mes, publicado no mesmo numero do Boletim, a paginas 260 e seguintes, o Supremo julgou, diferentemente, que o exercicio de tal faculdade depende da alegação e prova da insuficiencia de meios financeiros para a expropriante pagar imediatamente a totalidade da indemnização.
Alegando que, em relação a mesma questão fundamental de direito, os dois acordãos assentam sobre soluções opostas, a Camara Municipal da Amadora recorre para o tribunal pleno do de 31 de Maio, proferido nos autos de expropriação por utilidade publica em que são expropriante a ora recorrente e expropriada Maria Efigenia Cardoso da Silva Sotto Mayor.
A 1 Secção declarou existir a oposição que serve de fundamento ao recurso (acordão de folhas 31-32).


A recorrente remata a sua alegação sobre o objecto de recurso afirmando dever "extrair-se assento que, de harmonia com o douto acordão de 17 de Maio de 1984, declare que os expropriantes, pessoas colectivas de direito publico, tem, em regra, o direito de pagar em prestações a indemnização devida pelas expropriações, não carecendo de alegar e provar, para esse efeito, a sua insuficiencia financeira".


Por sua vez, a recorrida, a encerrar a alegação que produziu, formula as conclusões que passam a transcrever-se:


" 1. Verifica-se que em ambos os casos dos acordãos em apreço, as entidades expropriantes violaram o disposto nos artigos 91, n. 2, e 87 do Codigo das Expropriações, pelo que so com este fundamento devera ser mantida a negação da revista no acordão recorrido.

2. Caso se entenda que existe conflito de jurisprudencia em parte da fundamentação do acordão recorrido, devera então lavrar-se assento, ainda que esta resolução do conflito não tenha utilidade alguma para o caso concreto em litigio, por ter de subsistir a decisão do acordão recorrido por via do fundamento indicado supra - artigo 768, n. 3, do Codigo de Processo Civil.
3. A melhor doutrina deve extrair-se do acordão recorrido e na materia controvertida, sendo inequivoco que o pressuposto da capacidade financeira vertido no artigo


16 do Codigo das Expropriações não e contraditorio com a verificação da momentanea insuficiencia financeira ou estrangulamento de tesouraria, situação que faculta a expropriante requerer o pagamento da quantia indemnizatoria a prestações.


4. O principio geral de direito constante no artigo 763 do Codigo Civil de que a prestação deve ser realizada integralmente e não por partes so sofre a derrogação do artigo 84 do Codigo das Expropriações verificados que sejam jurisdicionalmente os pressupostos da sua aplicabilidade.


5. Da analise conjunta nos artigos 84 e 85 do Codigo das Expropriações emerge que compete a ponderação jurisdicional a apreciação da suficiencia ou insuficiencia financeira por parte da expropriante para pagar a quantia indemnizatoria a pronto ou numa so prestação, a fixação do "quantum" de cada prestação e o seu numero, em função das circunstancias expostas as instancias.
6. Não so cumpre a entidade expropriante a evidenciação as instancias administrativas e judiciais da efectiva existencia da garantia da prestação - artigos 16, n. 2, 91, n. 2, e 87 do Codigo das Expropriações - assim como a prova documental da orçamentação das verbas respectivas em cumprimento dos Decretos-Leis ns. 79/77 e 243/79.


7. Em função dessa prova cumpre a entidade expropriante demonstrar que não lhe e possivel, em face do seu orçamento, realizar integralmente a prestação, mas que garante o efectivo pagamento da prestação indemnizatoria e respectivos juros compensatorios, em prestações - artigos 84, 85, 86, 87, e 91, n. 2, do Codigo das Expropriações.


8. So nestes termos sera cabalmente garantido o cumprimento do preceito constitucional do artigo 62, n. 2".


E o Excelentissimo Magistrado do Ministerio Publico e do parecer que deve ser revogado o acordão recorrido e solucionar-se o conflito de jurisprudencia lavrando-se assento para que propõe a seguinte formulação:
"A faculdade de requerer o pagamento da indemnização em prestações, prevista no artigo 84, n. 2, do Codigo das Expropriações, não e dependente da prova da impossibilidade de pagamento imediato por parte daquelas entidades expropriantes."


Foram colhidos os vistos de todos os juizes do Tribunal


Ha agora que apreciar o recurso.


A 1 das conclusões formuladas pela recorrida relaciona-se com esta passagem da sua alegação (folhas 40 verso):


"Foi neste sentido que a ora recorrida considerou inexistir contradição de julgados (...), porquanto tendo o acordão de 17 de Maio de 1984 decidido negar revista ao recurso da Camara Municipal de Oeiras, considerando que esta, ao requerer o pagamento em prestações da indemnização arbitrada, não dera cumprimento ao preceituado no n. 2 do artigo 91 do Codigo das Expropriações, não esta tal acordão em contradição com o acordão recorrido.
Verifica-se igualmente que tambem e so com este ultimo fundamento sera de manter a negação da revista ao acordão ora recorrido, sob pena de, a não ser assim, existir, então sim, efectiva contradição de julgados.
Esta a razão pela qual se considera que deve este (...) Tribunal apreciar novamente a questão da existencia da contradição de julgados, decidida pela Secção - e pode faze-lo sem duvida alguma (...)." Realmente, o artigo 766, n. 3, do Codigo de Processo Civil declara que o acordão que reconheça a existencia da oposição não impede que o tribunal pleno, ao apreciar o recurso, decida em sentido contrario.

Mas a recorrida não tem, quanto a este ponto, razão, como de seguida se vai demonstrar.

O acordão de 17 de Maio ocupou-se de duas questões: aquela a que temos estado a fazer referencia e, como nele se escreve, " a de saber se, face ao preceituado no n. 1 do artigo 87 do mesmo diploma


(o Codigo das Expropriações), a proposta de garantir o pagamento das prestações atraves de consignação de receitas da expropriante tera de especificar em concreto qual a receita, ou receitas, a consignar, ou se, ao contrario, bastara propor a consignação generica de todas as receitas da expropriante" (folhas 6 verso).


O Supremo teve então "como vazias de sentido a pretensa consignação generica de todas as receitas da Camara ao pagamento das indemnizações", concluindo que, "ao requerer nos presentes autos o pagamento em prestações, a ora recorrente Camara Municipal de Oeiras não deu o devido cumprimento ao preceituado no n. 2 do artigo 91 do Codigo das Expropriações".


O acordão de 31 de Maio não tratou desta segunda questão, que não fora suscitada na revista. De modo que, relativamente a ela, não ha, na verdade, nem podia haver, sombra de oposição entre os dois acordãos.
So que e outra a questão fundamental de direito acerca da qual se alega no presente recurso assentarem os acordãos de 17 e 31 de Maio de 1984 sobre soluções opostas. E, como se diz no acordão de folhas 31-32, a de apurar se, para exercerem a faculdade conferida pelo artigo 84, n. 2, do mesmo Codigo, tem as entidades ai referidas de provar que a sua situação economica e financeira lhes não permite o pagamento a pronto da importancia da indemnização. Ora, quanto a estoutra questão, a recorrida nem sequer tenta mostrar que não se verifica a oposição que serve de fundamento ao recurso.


A oposição existe, sem duvida, como a 1 Secção resolveu naquele acordão de folhas 31-32.


Parece ter sido o Decreto-Lei n. 576/70, de 24 de Novembro, que pela primeira vez entre nos admitiu o pagamento em prestações (e em especie) das indemnizações devidas pela expropriação por utilidade publica. "Como meio de facilitar o recurso a expropriação" - le-se no n. 4 do preambulo do diploma. "Todavia - observa-se em seguida -, estas formas de pagamento são estabelecidas em termos equilibrados e prudentes, de modo que os expropriados não sejam prejucicados e o beneficio social não seja obtido exclusivamente a sua custa ou com o seu especial sacrificio.
Dai, designadamente, o quadro dos casos em que não pode ser imposto o pagamento em prestações e a necessidade de acordo para o pagamento em especie." Quadro que aparece traçado no artigo 13, n. 2, daquele Decreto-Lei.
O pagamento em prestações ou em especie foi regulado pelo Decreto n. 332/72, de 23 de Agosto, cujos artigos 1, alinea c), e 2, n. 1, falam do direito de o expropriante impor o pagamento da indemnização por aquela forma.
O Decreto n. 385/73, de 28 de Julho, que fixou as normas a observar nos casos de expropriação urgente requerida pelo Estado, autarquias locais ou serviços autonomos, determinou no seu artigo 1, n. 1, que, nesses casos, o expropriante fosse investido na posse dos bens expropriados imediatamente apos ter deduzido o seu direito ao pagamento em prestações e haver prestado a garantia de tal pagamento.


A esse direito se refere tambem o artigo 6 do Decreto-Lei n. 56/75, de 13 de Fevereiro.


O artigo 13 do Decreto-Lei n. 576/70 foi revogado pelo artigo 107, n. 1, do Decreto-Lei n. 71/76, de 27 de Janeiro, que, no entanto, reproduz no seu artigo 81, embora com certas modificações, as normas daquele artigo 13.
O Decreto-Lei n. 71/76 foi, por sua vez, revogado pelo artigo 128, n. 1, do Codigo das Expropriações (Decreto-Lei n. 845/76, de 11 de Dezembro), que reuniu, "num diploma unico, devidamente sistematizado, toda a materia relativa a expropriações". Nos termos do do artigo 84, n. 2, do Codigo, as pessoas colectivas de direito publico, empresas publicas, nacionalizadas ou concessionarias de serviços publicos poderão efectuar em prestações o pagamento das indemnizações devidas por expropriação por utilidade publica, salvo nos casos indicados nas alineas a) a e) desse n. 2. O pagamento em prestações pode abranger a totalidade ou apenas uma parte dos quantitativos das indemnizações e sera efectuado no prazo maximo de dez anos, podendo o montante das prestações variar de acordo com as circunstancias, tendo especialmente em conta os encargos e as disponibilidades do expropriante e o montante das indemnizações

- artigo 85. As quantias em divida vencem juros, pagaveis anual ou semestralmente, sendo a taxa de juro a praticada pela Caixa Geral de Depositos relativamente aos depositos a prazo por periodos correspondentes - artigo 86. Os creditos respeitantes ao pagamento em prestações a realizar por autarquias locais, serviços autonomos, empresas publicas, nacionalizadas ou concessionarias de serviços publicos serão garantidos por qualquer dos seguintes meios: a) Consignação de receitas do expropriante; b) Aval do Estado; c) Aval de outra entidade - artigo 87, n. 1. E facultado ao expropriante deduzir no processo o seu direito ao pagamento em prestações desde o momento em que se efectuar a remessa a juizo do processo de expropriação e ate ao termo do prazo legal para deposito da indemnização, mas, no caso em que se verifique posse administrativa dos predios expropriados, o exercicio do direito tera de ser feito aquando da remessa a juizo do processo de arbitragem - artigos 91, n. 1, e 92, n. 1.
No requerimento respectivo deve a expropriante indicar o modo de satisfazer as prestações e oferecer prova dos requisitos exigidos por lei, seguindo-se, no processo de expropriação ou por apenso a ele, conforme os casos, os tramites do processo sumario, com algumas especialidades - artigos 91, n. 2, e 93, n. 1 e 4.
Em nenhum dos diplomas que acabam de ser mencionados se faz depender o exercicio do direito ao pagamento em prestações da indemnização da incapacidade financeira da entidade expropriante para efectuar o pagamento da totalidade dela. Desde o Decreto-Lei n. 576/70 ate ao Codigo das Expropriações em vigor, passando pelo Decreto-Lei n. 71/76, sempre se definiram em disposições muito precisas os casos em que o pagamento em prestações não e admissivel e nunca entre esses casos se contou o de o expropriante pode pagar imediatamente a indemnização. O artigo 84, n. 2, daquele Codigo diz, sem estabelecer qualquer restrição, que as entidades ai indicadas podem efectuar em prestações o pagamento da indemnização; não diz, por exemplo, que lhes e licito faze-lo quando provem não dispor de capacidade financeira para a pagarem na totalidade.
A capacidade financeira do expropriante so e referida a proposito da declaração de utilidade publica da expropriação (n. 1 do artigo 16 do mesmo diploma, que o Decreto-Lei n. 154/83, de 12 de Abril, deixou inalterado). E, se o artigo 85 fala dos encargos e disponibilidades do expropriante, em confronto com os quantitativos das indemnizações, não e para condicionar a faculdade de o pagamento ser efectuado em prestações, mas, diversamente, para estabelecer que o seu montante pode variar de acordo com as circunstancias.
A expropriação por entidade publica so pode realizar-se, fora dos casos previstos na Constituição, mediante pagamento de justa indemnização - artigo 62, n. 2, da Constituição da Republica. Que a expropriação confere ao expropriado o direito a receber uma justa indemnização tambem o declaram os artigos 1 e 27, n. 1, do Decreto-Lei n. 845/76. A indemnização e, pois, elemento essencial, pressuposto constitucional da expropriação por utilidade publica.
Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da Republica Portuguesa Anotada, 2 edição, 1 volume, pagina 337), "a Constituição, embora não exija expressamente que a indemnização seja previa a expropriação, parece exigir que ela seja um elemento integrante do proprio acto de expropriação (mediante pagamento de justa indemnização)". Afirma, pelo seu lado, Oliveira Ascensão (Direito Civil - Reais, 4 edição, pagina 222) que "a constitucionalidade das regras que permitem o parcelamento do preço e contestavel. A Constituição so permite a expropriação mediante o pagamento da indemnização, não parecendo bastar a atribuição de um direito a indemnização". Ja Fernando Alves Correia mostra não ter duvidas acerca da constitucionalidade de tais regras, pois escreve:
(As garantias do particular na expropriação por utilidade publica, pagina 159): "(...) o caracter previo da indemnização em relação a entrada na posse dos bens por parte do beneficiario da expropriação nem sempre se verifica. De facto, algumas Constituições actuais, entendendo embora a indemnização como requisito essencial da expropriação, deixaram de falar em indemnização previa (por exemplo Constituição Portuguesa de 1976, artigo 62, n. 2; Constituição de Bonn, artigo 14, n. 3)". O contrario acontece, por exemplo, em França, onde a indemnização, alem de justa, tem de ser previa.
Seja como for, não e da constitucionalidade da norma do artigo 84, n. 2, do Codigo das Expropriações que nos cumpre conhecer aqui. A questão a resolver e, antes, como ja dissemos, a de saber se as entidades a quem se permite efectuarem em prestações o pagamento das indemnizações tem de provar que, dada a sua situação economica e financeira, estão impossibilitadas de pagar a pronto e de imediato, ou se essa faculdade pode ser exercida sem qualquer limitação do genero.
A função social atribuida a propriedade implica que ela sofra certas restrições. Uma delas e, exactamente, a expropriação por utilidade publica. Atraves da expropriação, um interesse particular e sacrificado ao interesse publico. A expropriação tem como contrapartida o pagamento de uma indemnização, a qual, visando compensar o sacrificio suportado, em proveito da comunidade, pelo titular do direito, nada, no entanto, tem a ver com o instituto da responsabilidade civil; constitui, isso sim, um preço.
Dispõe o artigo 28, n. 1, do Codigo das Expropriações que a justa indemnização não visa compensar o beneficio alcançado pelo expropriante, mas ressarcir o prejuizo que para o expropriado advem da expropriação. Prejuizo que se mede pelo valor real e corrente dos bens expropriados, e não pelas despesas que o expropriado haja de suportar para obter a substituição da coisa expropriada por outra equivalente.
Como observa Alves Correia (ob. cit., pagina 161), "a Constituição e a lei garantem antecipadamente ao particular que não sofrera qualquer dano patrimonial por efeito da expropriação sem a correspondente indemnização, independentemente do momento em que essa e paga" (sublinhado nosso). Necessario e, portanto, que a dilação no pagamento (mediante, nomeadamente, o parcelamento da indemnização) não se traduza num dano acrescido para o expropriado, que não va prejudicar a justeza da indemnização. Oliveira Ascensão tem razão quando pondera (ob. e lug. cit.):
"Esta materia exige um equilibrio sempre muito delicado. Não se pode avançar muito pelo caminho da restrição da indemnização pois doutra maneira se atinge o principio constitucional da isonomia, que excluiria que houvesse o sacrificio de um so para vantagem de todos. E ele que da o fundamento ultimo da exigencia de indemnização."
Mas o pagamento da indemnização em prestações, nos termos em que a nossa lei o autoriza e regulamenta o seu uso, não vai lesar especialmente o expropriado nem atenta contra o principio da igualdade perante a lei, consagrada no artigo 13, n. 1, da Constituição.
Com efeito, e como ja vimos, as quantias que ficarem em divida vencem juros, pagaveis anual ou semestralmente, sendo a taxa de juro a praticada pela Caixa Geral de Depositos, relativamente aos depositos a prazo por periodos correspondentes. E o exercicio do direito de pagamento em prestações esta sujeito ao apertado controlo judicial que os artigos 85, 87, 91 e seguintes do Codigo das Expropriações estabelecem.
Ao criterio das entidades mencionadas no artigo 84, n. 2, do mesmo Codigo fica apenas a opção pelo pagamento em prestações, e não tambem a determinação das condições concretas em que ele sera realizado. Tal pagamento pode, sem duvida, não ser admitido, designadamente por se tratar de caso previsto nas alineas daquele n. 2, ou por o expropriante não fazer prova dos requisitos exigidos por lei (artigo 91, n. 2). Não pode e ser negado por o expropriante dispor de capacidade financeira bastante para o efectuar de uma so vez, porquanto a lei em parte alguma exige semelhante requisito.
A regra do artigo 763, n. 1, do Codigo Civil não tem aplicação ao caso.
So que (voltamos a citar a dissertação de Alves Correia, a paginas 157 e 158-159) "a doutrina recente sustenta que as relações juridicas que surgem do acto administrativo expropriatorio e as suas consequencias directas - incluindo a pretensão pecuniaria - estão sujeitas as normas de direito publico"; e "a ideia de que entre o expropriante e o expropriado existe uma relação de debito-credito não parece ser totalmente correcta". De modo que - acrescentamos nos - não deve equiparar-se a indemnização por expropriação a um vulgar direito de credito.
De qualquer maneira, aquela regra comporta excepções, que o proprio artigo 763, n. 1, preve: a prestação deve ser realizada integralmente e não por partes, excepto se outro for o regime convencionado ou imposto por lei ou pelos usos. O direito de certas entidades efectuarem em prestações o pagamento das indemnizações devidas por expropriação por utilidade publica constituiria uma dessas excepções.
A Camara expropriante (era então a de Oeiras), ao requerer o pagamento da indemnização em prestações, alegando ser publica e notoria a insuficiencia dos meios financeiros das autarquias locais, disse que as prestações seriam garantidas, nos termos do artigo 87 do Decreto-Lei n. 845/76, "por consignação de receitas da expropriante, conforme declaração junta".
De tal declaração, emitida pela mesma Camara, consta que o pagamento do montante da indemnização "sera garantido pela consignação das suas receitas".
Por sentença que a Relação de Lisboa confirmou, o pedido de pagamento da indemnização em prestações foi indeferido. No acordão da Relação, depois de se considerar que "competia a apelante (a Camara) alegar e provar os encargos e as suas disponibilidades no sentido de se poder concluir que existia o direito de pagar a totalidade da indemnização apurada em prestações ou se apenas o poderia fazer em relação a uma parte dessa indemnização e que ela (apelante) se limitou a alegar ser "publica e notoria a insuficiencia dos meios financeiros das autarquias", acrescenta-se:

"Em primeiro lugar o que interessava não era que era publico e notorio que as autarquias locais padecem actualmente de insuficiencia ecomomica mas se ela existe. Em segundo lugar, o alegar-se "a insuficiencia dos meios financeiros das autarquias locais" não e mais do que uma conclusão insusceptivel de ser levada ao questionario e sujeita a qualquer meio de prova.
Tornava-se indispensavel que tivessem sido especificados factos concretos que nos permitissem chegar a conclusão de que a situação da autarquia local em causa, quer no que respeita a encargos, quer as disponibilidades, era de tal natureza que impunha que fosse autorizado o pagamento total de indemnização em prestações.
Para alem disso, não podemos deixar de reconhecer que e regra geral o pagamento das indemnizações a pronto e a dinheiro como alega a expropriada, e dai que tudo o que va contra esta regra tenha caracter excepcional, competindo a quem aproveita a alegação dos factos fazer a prova da sua existencia."
O que acaba de referir-se consta dos documentos ultimamente juntos aos autos (folhas 93 e seguintes e 105 e seguintes).
Daquele acordão da Relação e que foi interposto o recurso de revista julgado pelo acordão ora recorrido.
A recorrente, ao alegar na revista, indicou como violadas as disposições dos artigos 84 e 85 do Codigo das Expropriações e do artigo 342 do Codigo Civil.
E foi apenas por entender que, efectivamente, cabia a expropriante "o onus de prova sobre as circunstancias que a impediam de pagar imediatamente a totalidade da indemnização" que o Supremo negou a revista. Na declaração de voto do juiz vencido e que se afirma não corresponder "a exigencia de prova a que se refere o n. 2 do artigo 91 (do Codigo das Expropriações), quanto a garantia a que alude a alinea a) do n. 1 do artigo 87", "a simples declaração no sentido de que a Camara consignou receitas - sem indicar quais - ao respectivo pagamento", so por isso se tendo votado a negação da revista.
Sendo assim, isto e, não tendo a Relação (como, alias, a 1 instancia) indicado (tambem) como razão de decidir a falta de oferecimento de prova dos requisitos exigidos por lei (citado artigo 91, n. 2), o acordão recorrido, que julgou nos termos indicados, não pode manter-se, uma vez que o conflito de jurisprudencia vai ser resolvido em sentido oposto ao da doutrina que nele fez vencimento. O acordão, como a recorrente diz na sua alegação, "poderia ser fundamentado unicamente na violação do disposto no artigo 91, n. 2, do Codigo das Expropriações". Certo e, porem, que a sua fundamentação e outra. E não corresponde a verdade dizer-se que o acordão recorrido "igualmente analisou" aquela violação, pois não o fez, limitando-se a consignar que "o expropriante, nos termos do artigo
91, n. 2, do Decreto-Lei n. 845/76, deve referir o modo de satisfazer as prestações e oferecer prova dos requisitos exigidos pela lei" (folhas 16 e 25).
E claro que o tribunal pleno tem de restringir a sua actividade a apreciação do conflito cuja resolução lhe e pedida, não lhe sendo licito decidir questões que poderiam ter sido, mas realmente não foram, levantadas em sede de recurso de revista.
Em conclusão: ao contrario do que a recorrida pretende, não se verifica a hipotese prevista no artigo 768, n. 3, do Codigo de Processo Civil - não ter a resolução do conflito utilidade alguma para o caso concreto em litigio, por ter de subsistir a decisão do acordão recorrido, qualquer que seja a doutrina do assento.
Nestes termos, dando-se provimento ao recurso e revogando-se, por consequencia, o acordão recorrido e, com ele, as decisões das instancias, admite-se o pagamento em prestações da indemnização devida pela Camara Municipal da Amadora a Maria Efigenia Cardoso da Silva Sotto Mayor e lavra-se o seguinte Assento:
O exercicio da faculdade conferida pelo artigo 84, n. 2, do Codigo das Expropriações (Decreto-Lei n. 845/76, de 11 de Dezembro) não depende da alegação e prova da insuficiencia de meios financeiros para a entidade expropriante efectuar de imediato o pagamento da totalidade da indemnização.
Custas, tanto nas instancias como no Supremo (revista e recurso para o pleno) pela recorrida, a liquidar nos termos do artigo 126 do Codigo das Custas Judiciais.

Lisboa, 13 de Julho de 1988


Joaquim Augusto Roseira de Figueiredo (Relator) - Pedro Augusto Lisboa de Lima Cluny - Silvino Villa-Nova -
- Antonio Carlos Vidal de Almeida Ribeiro - Licinio Adalberto Vieira de Castro Caseiro - Augusto Tinoco de Almeida - Julio Carlos Gomes dos Santos - Jose Alfredo Soares Manso Preto - Manuel Augusto Gama Prazeres - Claudio Cesar Veiga da Gama Vieira - Antonio de Almeida Simões - João Alcides de Almeida - Manuel Alves Peixoto - João de Deus Pinheiro Farinha - João Augusto Pacheco e Melo Franco - João Solano Viana - Jose Manuel Meneres Sampaio Pimentel - Mario Sereno Cura Mariano - Joaquim Jose Rodrigues Gonçalves - Cesario Dias Alves - Jorge de Araujo Fernandes Fugas
- Antonio Alexandre Soares Tome - Salviano Francisco de Sousa - Abel Pereira Delgado - Jose Saraiva - Jose Isolino Enes Calejo - Antonio Poças - Jose Manuel de Oliveira Domingues - Eliseu Rodrigues Figueira Junior
- Adelino Barbosa de Almeida - Jose Alexandre Paiva Mendes Pinto - Vasco Eduardo Crispiano 0orreia de Lacerda Abrantes Tinoco - Mario Afonso - Afonso de Castro Mendes - Baltazar Coelho - Brochado Brandão (Vencido quanto a oposição relevante de julgados, conforme declaração anexa).
Declaração de voto:
Em ambos os acordãos confrontados se requereu o pagamento prestacional. Em ambos foi invocada a insuficiencia economica para basear as prestações. Em ambos, finalmente, indeferiu-se esse modo de pagamento.
No primeiro - acordão fundamento - a rejeição foi por violação do artigo 91, n. 2, do Codigo das Expropriações (vazia de sentido a consignação generica de receitas), sendo precisa a sua individualização (sentido restritivo).
No segundo - o recorrido - por a expropriante dever provar as circunstancias que impediam de pagar imediatamente (id. 84.2 e LLU., 342-1):
Logo, a mesma solução com apoios distintos. Num caso, decidiu-se o sentido de possibilidade - "poderão efectuar" (citado artigo 84, n. 2,); no outro, o modo de garantia de prestações possiveis (Codigo das Expropriações, artigos 87, n. 1, e 91, n. 2).
E certo que no primeiro - o fundamento - discorre contrariamente a solução do recorrido. Mas esse e um entendimento não decisorio, por indiferente a solução dada. Ja no segundo esse entendimento (diverso) fundamenta a decisão. E os tribunais comuns decidem causas (Constituição, artigos 205, 206, e 210, e Codigo de Processo Civil, artigos 156, n. 2, e 263, n. 1), e so reflexamente doutrinam.
Mais concretamente, a oposição da mesma questão fundamental (artigo 763, n. 1, citado) respeita a soluções (decisões) e seus fundamentos. E não a considerações sem alcance decisorio na hipotese onde foram produzidas.
Elucidativamente, bastava que o primeiro acordão invertesse a ordem da apreciação das duas questões sobre que se debruçou para ficar prejudicada a da prova das circunstancias impeditivas de pagamento imediato. E tanto assim e que o Excelentissimo Relator desse 1 acordão, dito em oposição, votou a decisão do segundo, demarcando-se naturalmente das razões deste, mas com apoio nos mesmos que o levaram a decidir no primeiro. Em abstracto a solução decisoria do
1 acordão (se posterior) deixaria intocada a do 2, so a consolidaria.
Para assim não ser, e salvo o devido respeito, foi-se buscar um "considerando" do acordão fundamento - agora erigido em "solução" para assento - não so para o emitir como para revogar.
No mais, estou de acordo com o Assento em si.
Brochado Brandão.