Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08A3952
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: ALVES VELHO
Descritores: CONTRATO DE AGÊNCIA
COMISSÕES
PRESCRIÇÃO
PRAZO
Nº do Documento: SJ200902030039521
Data do Acordão: 02/03/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA REVISTA
Sumário :
No contrato de agência, os créditos do agente representativos de comissões directas não estão abrangidos pelo prazo de prescrição quinquenal, previsto na al. g) do art. 310º do C. Civil, sendo-lhes aplicável o prazo de prescrição ordinário.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. - AA intentou acção declarativa contra BB, pedindo que este seja condenado a pagar-lhe a quantia de € 342.202,00, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% até integral e efectivo pagamento.
Alegou para tanto, no essencial, que entre Janeiro de 1988 e Dezembro de 1993, promoveu e vendeu produtos comercializados pelo R., actuando na qualidade de comissionista, reportando-se o montante pedido a comissões que o R. ainda não lhe pagou.

O R. contestou, invocando, designadamente, que o peticionado crédito de comissões, que não reconhece, se encontra prescrito.

O A. replicou, dizendo, ao que aqui interessa referir que, embora o não refira, o R. invoca a prescrição presuntiva de dois anos, no caso inoperante.

No despacho saneador, conhecendo-se da excepção da prescrição, julgou-se extinto o direito invocado pelo Autor, com a consequente absolvição do R. do pedido, decisão que a Relação manteve.


O Autor pede ainda revista para peticionar a revogação do acórdão e a substituição da decisão por outra que julgue improcedente a excepção de prescrição ou, caso assim não se entenda, que difira a apreciação da excepção para a audiência de julgamento, tudo a coberto das seguintes conclusões:
a) - Entre os anos de 1988 e 1993, o A. promoveu e vendeu produtos comercializados pelo Réu;
b) - Entre o A. e o R. não foi celebrado qualquer contrato escrito;
c) - A natureza da relação jurídica subjacente só veio a ser definida no decurso da acção declarativa autuada sob o nº 417/95 no 2° Juízo do Tribunal Judicial de Santarém, transitada em julgado depois de proferido, em 16.11.2000, o acórdão do Tribunal da Relação de Évora - fls. 45 - da certidão judicial junta como doc. 1 da p.i ..
d) - Só no decurso desse processo se definiu a taxa das comissões a que o A. tinha direito e as condições do seu vencimento - só vencíveis após boa cobrança das vendas;
e) - Ao processo 417/95 seguiu-se o apenso 417/A/95 que originou os embargos, autuados por apenso sob o nº 417/B/95;
f) - Em todos estes processos constantes da certidão judicial o R. foi oportuna e devidamente citado, tomando assim conhecimento das pretensões do A.;
g) - O processo 417/B/95 só transitou depois da decisão nele proferida, em 25/1 0/04, ­fls. 59 da mesmíssima e citada certidão judicial;
h) - As citações judiciais ocorridas no decurso dos identificados processos interromperam o prazo de prescrição de todos os direitos de que o A. era eventual titular e que se baseavam na execução da relação jurídica estabelecida com o R.;
i) - A denegação destes efeitos no prazo de prescrição viola o n.º 1 do art. 323º do C.C.;
j) - Nem se argumente como o fazem as instâncias, com a falta de alegação, na réplica, destes factos, já que o conhecimento a que o Tribunal está obrigado, por força do artigo 496º do C.P.C., implica a necessidade de tomar em consideração toda a factualidade disponível nos autos, incluindo a que consta de certidões judiciais, tanto mais que são consideradas documentos autênticos que fazem prova plena - artigos 369º e 371º do C.C.;
1) - Assim, mesmo considerando que os direitos emergentes da relação jurídica em causa estariam sujeitos ao prazo de prescrição de 5 anos, o que só por mera hipótese se considera, sempre deveria concluir-se que o decurso do prazo foi interrompido, pelas citações efectuadas no decurso dos processos anteriormente desencadeados;
m) - Também deveria ter sido dado relevo pelas instâncias ao facto de os créditos do A. se vencerem após boa cobrança, o que se reflectiria na data de início da contagem do prazo de prescrição;
n) - Mais uma razão para, em última análise, a apreciação da excepção ser relegada para a audiência de julgamento;
o) - Não tendo sido diferida essa apreciação para o momento atrás referido, impunha-se considerar improcedente a excepção de prescrição, por aplicação ao caso do regime de prescrição ordinária - 20 anos;
p) - Com efeito e como já se referiu, os direitos reclamados pelo A. não são subsumíveis á alínea g) do art. 310º do C.C., já que se verificavam de forma autónoma e não correspondiam a prestações periodicamente renováveis.


O Réu ofereceu resposta defendendo a manutenção do julgado.





2. - Colocadas pela sua ordem lógica, as questões suscitadas no recurso continuam a ser as assim enunciáveis:

- Início do prazo prescricional do crédito reclamado na acção;

- Prazo de prescrição aplicável ao mesmo crédito; e,

- Efeito das citações efectuadas no processo n.º 417/95 e seus apensos, como actos interruptivos do prazo prescricional.





3. - Para conhecimento da matéria relativa à prescrição e ao recurso foi utilizada e vem assente a seguinte factualidade:

a) O Réu foi dono do estabelecimento designado por “C....”, sido em Costa do Valado, Aveiro.
b) Entre Janeiro de 1988 e Dezembro de 1993, o Autor promoveu e vendeu produtos comercializados pelo Réu, mediante o recebimento de uma comissão sobre o valor das vendas.
c) O pagamento era devido ao Autor após cobrança das facturas que o Réu apresentava aos clientes.
d) Em 1995, o A. instaurou, no 2.º Juízo do Tribunal de Santarém (processo 417/95), acção “para obter o reconhecimento do direito de peticionar o pagamento de comissões respeitantes a vendas que promovera e efectuara” (cfr. se alega no art. 4.º da PI), “relegando para liquidação em execução de sentença o apuramento das quantias respeitante às comissões” (cfr. se alega no art. 8.º da PI).
e) “Dando sequência à sentença condenatória constante dos autos 417/95 (transitada em julgado em 16/11/2000), o A. instaurou (em 22/01/2001) o processo de liquidação em execução de sentença que originou o apenso 417-B/95” (cfr. se alega no art. 10.º da PI).
f) “Aqui, no processo de liquidação em execução de sentença, foi fixada a percentagem de comissão a que o A. teria direito em 3%” (cfr. se alega no art. 11.º da PI) e “fixada a percentagem (…) apurou-se que o tinha direito a um total de 54.043.383$45” (cfr. se alega no art. 13.º da PI), pelo que “como o R. já tinha pago ao A. 45.000.000$00, conclui-se que o R. teria de lhe pagar 9.043.383$00, o que efectivamente acabou por suceder” (cfr. se alega no art. 14.º da PI).
g) “Porém, como dito e alegado, as comissões pagas ao Autor (…) apenas incidiram sobre as vendas listadas nos documentos de fls. 6 a 23 do processo 417/95” (cfr. o que se alega no art. 15.º da PI).
h) “Como decorre do processo 417/95, não foram contempladas as vendas processadas às A... C... de S. M... de V..., de Palmela, de Arruda dos Vinhos e do Bombarral.” (cfr. se alega no art. 18.º da PI).
i) “Acresce que a listagem constante de fls. 6 a 23 do processo 417/95 não abrange todas as vendas efectuadas pelo A. para as entidades ali relacionadas” (cfr. se alega no art. 19.º da PI).
j) “Para além destas ficaram ainda por liquidar as comissões respeitantes a vendas efectuadas entre 1988 e Dezembro de 1993, só contabilizadas em 1994, isto é, após o termo da relação profissional entre A. e R..” (cfr. se alega no art. 20.º da PI).
l) “Todas as vendas (referidas nos art. 21.º a 26.º da PI) efectuadas pelo A. ascendem ao montante global de 11 440 078,00 e foram de facto cobradas pelo R. sendo todas elas fruto da actividade comercial do A.” (cfr. se alega no art. 27.º da PI).
m) “As vendas constantes desta PI, no aludido montante global de 11 440 078,00 €, respeitam às matérias referenciadas nos processos 417/95 e 417-B/95 e não foram abrangidos por eles” (cfr. se alega no art. 14.º da PI).
n) A presente acção deu entrada em tribunal em 12 de Junho de 2007 (data do registo postal) e o Réu foi citado em 18 de Junho de 2007 (fls. 93, 95 e 96).





4. - Mérito do recurso.

4. 1. - Início do prazo de prescrição.

4. 1. 1. - O Recorrente sustenta que, porque as comissões de que beneficiava só se venceriam após a boa cobrança dos valores das vendas por ele promovidas, datas que o R. não provou ao invocar a excepção da prescrição, razão por que, não se conhecendo tais datas, deveria considerar-se invertido o ónus da prova.

Sobre a questão, a Relação considerou que, para além de não estar demonstrada a existência de diferenças temporais entre a data dos contratos e a da respectiva cobrança, matéria nem sequer alegada, a invocada dilação representaria facto impeditivo da excepção arguida, sendo, por isso, encargo probatório do Recorrente.



4. 1. 2. - Na prescrição, o prazo reflecte o período de tempo durante o qual perdura a negligência do credor, que faz presumir a sua vontade de renunciar ao direito ou não ser merecedor da sua tutela, prazo que, por representar o tempo de duração da negligência, deverá, naturalmente, iniciar-se com o vencimento, com exigibilidade, do crédito. É o que se encontra consagrado no art. 306º e 307º C. Civil.

A prescrição constitui um facto extintivo autónomo do direito do credor, a invocar pelo devedor interessado, facto esse que se traduz na oposição de uma não exigibilidade do crédito reclamado (recusa ou oposição ao exercício), operada pelo decurso do tempo – art. 304º-1 C. Civil.
Assim, enquanto facto autónomo e novo cujo reconhecimento e efeitos depende de alegação e prova do devedor – seja por via de excepção, como réu, enquanto demandado para pagar, seja por via de acção, como autor, em processo de apreciação negativa – a prescrição não escapa à regra segundo a qual os factos que a impeçam ou modifiquem devem ser alegados e provados por quem os invoca – art. 342º-2.


O A., ora Recorrente, alegou que as comissões cujo valor peticiona foram contabilizadas em 1994 e acrescentou que, pelo menos em grande parte, as vendas que as originaram foram cobradas em 94/95 (arts. 20º a 27º p.i.). O R. limitou-se a alegar estarem prescritas, por referentes a relação existente entre as Partes, cessada em 1993, em que o pagamento só era devido após a boa cobrança das facturas.

Nesta conformidade, não há qualquer dilação entre a celebração dos contratos e a cobrança do preço que se perfile como facto constitutivo da excepção da prescrição, antes sendo a sua eventual verificação, como elemento constitutivo da tempestividade – matéria não alegada para além do referido e só convocada em fase de recurso -, facto impeditivo ou modificativo da não exigibilidade que o decurso do prazo (facto extintivo) da prescrição gera, e como tal, a alegar e, depois, a demonstrar pelo Autor, como titular do direito às comissões, designadamente se houver desvio, na parte não imperativa, ao regime de aquisição estabelecido no art. 18º-1, 2 e 3 do DL n.º 176/86, de 3/7, redacção do DL n.º 118/93, de 13/4 (art. 342º-2 e 3 C. Civil).



4. 1. 3. - Sobre a invocada inversão do ónus da prova, dir-se-á apenas o seguinte:

Prevê-se no n.º 2 do art. 344º C. Civil que haja «inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, sem prejuízo das sanções que a lei do processo mande especialmente aplicar à desobediência ou às falsas declarações».

Em causa, pois, situações em que, no oferecimento e produção de provas, a parte tenha tido um comportamento culposo, sob a forma de dolo ou negligência, comportamento esse de que resulte a impossibilidade de utilização ou de produção de um meio de prova, o qual por sua vez, há-de ser o único possível ou, quando em concurso com outros, revelar-se essencial à formação da prova inviabilizada, de tal forma que, sem ele, os outros não possam atingir o objectivo probatório que só o conjunto permitiria.

Ora, como é evidente, pressupondo a inversão uma impossibilidade de produção de prova, não se está perante uma qualquer situação de inviabilização da mesma - que poderia colocar-se, por exemplo, se discutido o momento da cobrança das facturas, o R. recusasse a apresentação dos respectivos documentos -, mas, bem a montante de uma tal questão, perante consequências do (in)cumprimento do ónus de alegação, matéria que nada tem que ver com o estabelecido no art. 344º-2 C. Civil.


O início do prazo prescricional tem de reportar-se, pois, perante o alegado e não impugnado, ao termo inicial resultante do alegado na petição.




4. 2. - Prazo de prescrição dos créditos reclamados.

4. 2. 1. - O Recorrente mantém a tese de que, sendo as comissões de que beneficiava exigíveis após a concretização e boa cobrança das vendas por ele promovidas, venciam-se autonomamente negócio a negócio, não sendo, por isso, renováveis, o que afasta a prescrição de curto prazo.

No acórdão impugnado, para incluir as comissões em causa na previsão do art. 310º-g) C. Civil, argumentou-se que o agente é um trabalhador autónomo, por conta própria, que recebe periódica e renovadamente as suas retribuições/comissões, comissões estas que, sendo embora autónomas entre si, emergem e têm a sua fonte numa única relação jurídica – o contrato de agência – a qual não se extingue se e por as comissões serem pagas.


4. 2. 2. - A relação jurídica estabelecida entre as Partes, que vigorou entre o início de 1988 e o final de 1993, vem pacificamente qualificada como um contrato de agência.
Os créditos sub judicio representam a percentagem sobre o valor de negócios promovidos e concluídos pelo agente, correspondendo à sua retribuição, como, aliás, expressamente se prevê nos arts. 15º a 18º do citado DL n.º 178/86.
O agente adquire o direito à comissão, e no caso assim era, quando o terceiro cumpra o contrato ou devesse tê-lo cumprido, tendo o principal já cumprido, como resulta da factualidade provada e da norma imperativa do n.º 2 do aludido art. 18º, devendo a mesma ser paga até ao último dia do mês seguinte ao trimestre em que o direito houver sido adquirido (n.º 3 do mesmo preceito).

Estamos, assim, perante prestações, efectuadas no cumprimento de um contrato duradouro, que representam a remuneração do agente pelo resultado da sua actividade de promoção e celebração de contratos com terceiros, calculadas segundo uma percentagem sobre o valor de tais contratos, que são exigíveis até ao termo do mês seguinte ao do trimestre em que os contratos forem cumpridos.

4. 2. 3. - O prazo ordinário da prescrição é de 20 anos, mas a lei acolhe também prazos curtos, excepcionais, de cinco anos (arts. 309º e 310º C. Civil).
Assim, como se estabelece no art.º 310º, no prazo de cinco anos prescrevem as prestações periodicamente renováveis expressamente mencionadas nas suas alíneas a) a f) e, residualmente, quaisquer outras também “periodicamente renováveis” - (al. g)).

A fixação deste prazo, como é entendimento unânime, encontra fundamento no interesse de protecção do devedor, prevenindo que o credor, retardando a exigência dos créditos periodicamente renováveis, os deixe acumular tornando excessivamente oneroso o pagamento a cargo do devedor.
Destinada a “evitar que, pela acumulação de prestações periódicas, se produza a ruína do devedor, [a prestação quinquenal deverá] ser aplicável sempre que se trate de prestações periódicas derivadas de uma determinada relação jurídica”, escreveu VAZ SERRA, nos seus “Estudos” – Trabalhos preparatórios do C. Civil (BMJ 106º-119).


Situando-se o seu campo típico de aplicação aos frutos civis ou rendimentos de uma coisa ou a créditos emergentes de contratos de prestação de serviços - designadamente fornecimentos de bens essenciais, com vencimento periódico e reiterado, em regra representativos de contrapartidas de utilização de bens ou serviços -, a prescrição de 5 anos deve abranger, por via da citada norma residual, os casos em que a analogia se verifique, o que pode acontecer quando haja autonomia entre a prestação periódica e a relação jurídica unitária que a pressupõe, de forma que a última subsista sem a primeira e esta não importe pagamento parcial daquela, como acontece nas prestações fraccionadas de uma certa dívida previamente fixada.



4. 2. 4. - Aqui chegados importa, então, ir um pouco mais longe no sentido da indagação sobre se, no caso, as comissões cujo valor vem reclamado devem considerar-se “créditos periodicamente renováveis”, para efeito de subsunção à norma residual, em razão da situação de analogia.

Prestações periódicas, reiteradas, repetidas ou com trato sucessivo são prestações de natureza duradoura que, não sendo de execução continuada, se renovam em prestações singulares sucessivas, em regra ao fim de períodos consecutivos – verificando-se o cumprimento através de actos sucessivos com determinados intervalos - e de formação correspondente a esses períodos, indicando-se habitualmente como exemplos da espécie as prestações do locatário, do fornecedor de bens de consumo ao respectivo estabelecimento de venda, do consumidor de água ou electricidade.

Em regra, as prestações reiteradas ou repetidas são periódicas pois que se formam, como dito, com certa periodicidade, renovando-se.

A prestação de obrigação periódica, quer na formação, quer na determinação do respectivo objecto, anda ligada ao factor tempo, de que depende. (cfr., sobre o ponto, VAZ SERRA, BMJ-74º-39; A. VARELA, “Das Obrigações em Geral”, I, 9ª ed., 94 e ss.; MENEZES CORDEIRO, “ Direito das Obrigações, I, 357; GALVÃO TELLES, “Direito das Obrigações”, 4.ª ed., 31)



4. 2. 5. - Ora, perante estes elementos doutrinais, afigura-se-nos que as comissões em causa não são enquadráveis na previsão da al. g) do art. 310º.

Com efeito, as prestações peticionadas consistem em direitos a comissões directas, isto é, a percentagens sobre vendas efectuadas com os respectivos contratos cumpridos, nomeadamente quanto ao recebimento do preço pelo principal.
Não está em causa, designadamente, o direito ao pagamento periódico de uma quantia fixa, fosse a que título fosse (que, por vezes, surge convencionada nestes contratos).

Assim, o direito às comissões e respectiva exigibilidade depende do cumprimento pelo terceiro do contrato celebrado pelo agente e, obviamente, tudo precedendo, da celebração destes contratos.


Apesar de, como se disse, em regra, as prestações reiteradas serem também periódicas, por se formarem, renovando-se com certa periodicidade, tal não significa que uma tal sobreposição ou coincidência se verifique sempre, podendo ocorrer simples repetição ou reiteração de prestações, apesar de associadas a uma relação obrigacional básica complexa.

Será o que se passa quando a prestação depende da prática de certo acto em certas ocasiões não ligadas a certos períodos de tempo, regulares ou irregulares.
Efectivamente, não se encontra identidade entre uma prestação representativa de um crédito em relação cuja formação se funde num negócio já celebrado e cujo objecto possa ser determinado em virtude desse mesmo negócio, como sucede nos exemplos dados de prestações periódicas, e a prestação cuja formação e objecto dependem da realização de negócios a celebrar autonomamente pelo seu credor, como acontece com as comissões directas.

Pelas mesmas razões de indeterminabilidade em função do tempo e do contrato básico unitário, também não se vê como pudesse admitir-se, por exemplo, a formulação de pedido de condenação em prestações vincendas – sentença de trato sucessivo -, como previsto no art. 472º CPC para as prestações periódicas.

Deste ponto de vista, a situação, quanto confrontada com as hipóteses típicas de prestações periódicas surge mesmo invertida: - é que já não se está perante um crédito resultante da contrapartida do gozo ou utilização ou fornecimento regular de um bem ou serviço a pagar pelo utilizador (prestação de execução continuada), que se renova a cada período, mas antes perante um crédito resultante da prática de actos (negócios/contratos) em razão dos quais o respectivo agente, apesar de parte no contrato base (de agência) duradouro, actua com autonomia, que faz repercutir na formação e objecto das prestações que vêm a integrar os seus créditos, sem qualquer pré-vinculação a elementos temporais, cuja relação com os contratos que celebra e seu cumprimento nem sequer pode dominar (tudo dependendo de conseguir vendas e das que conseguir), isto é, em que a prestação do titular das comissões não apresenta relação de dependência da do principal ou do factor tempo.


De prestações repetidas, mas já não, cumulativamente, periódicas renováveis, se tratará, pois.



4. 2. 6. - Finalmente, também não parece que a sobredita ratio legis da prescrição quinquenal imponha a inclusão das comissões directas, como as dos autos, na respectiva previsão extintiva.


Apesar de derivarem de uma relação jurídica unitária complexa – o contrato de agência - e de deverem ser pagas repetidamente, tendencialmente mensal ou trimestralmente (art. 18º-3 do DL n.º 178/86), se e quando existirem, nada indica que, caso não sejam reclamados os créditos do agente por comissões, se verifiquem em relação ao principal razões para acautelar o risco de ruína devido à acumulação da dívida, pois que, aqui, ao menos em abstracto, como parte economicamente mais débil, diferentemente do que sucede, em regra, nas prestações periódicas, se apresenta o agente.


4. 2. 7. - Nesta conformidade, entende-se que os créditos por comissões directas do Recorrente (sem convenção de pagamento periódico de qualquer quantia fixa), como agente do Recorrido, não estão abrangidos pelo prazo de prescrição quinquenal, previsto na al. g) do art. 310º C. Civil e, como tal, enquanto dele excluídas, caem no prazo de prescrição ordinário de vinte anos (art. 309º).


Os créditos reclamados no processo não se encontram, por isso, extintos por prescrição.


4. 3. - O decidido quanto ao prazo de prescrição aplicável torna desnecessária, por inutilidade, a apreciação da terceira questão enunciada, que, tendo por objecto a verificação de actos interruptivos da prescrição, só assumiria relevância quando considerado aplicável o prazo curto de prescrição, por entretanto decorrido.

Consequentemente, julga-se prejudicado o conhecimento da última questão enunciada, a da interrupção da prescrição – art. 660º-2 CPC.


5. - Decisão:

Pelo exposto, acorda-se em:
- Conceder a revista;
- Revogar o acórdão impugnado;
- Julgar improcedente a excepção peremptória da prescrição dos créditos cujo pagamento se encontra peticionado pelo Autor; e,
- Condenar o Recorrido nas custas dos recursos.


Lisboa, 3 Fevereiro 2009

Alves Velho (relator)
Moreira Camilo
Urbano Dias