Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07B4242
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANOS FUTUROS
Nº do Documento: SJ200901220042427
Data do Acordão: 01/22/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
1. Na fixação da indemnização pela incapacidade parcial permanente de que ficou afectada a vítima de um acidente de viação devem ter-se em conta os danos futuros, desde que previsíveis.

2. Quando a responsabilidade assenta em mera culpa do lesante, ou quando não é possível averiguar o valor exacto dos danos, como tipicamente sucede quando estão em causa danos futuros, o tribunal recorrerá à equidade para julgar.

3. Nesse mesmo caso, a indemnização pode ser equitativamente reduzida em função do grau de culpabilidade do agente, da situação económica do lesante e do lesado e das demais circunstâncias do caso.

4. Tendo o lesado 19 anos à data do acidente; sendo uma pessoa saudável e com capacidade de trabalho; ficando a sofrer de uma incapacidade parcial permanente de 20%; resultando do acidente a perda de 10 meses de salário e a impossibilidade de cumprir o contrato de trabalho no estrangeiro que tinha celebrado e da sua renovação; tendo em conta as demais circunstâncias (trabalho futuro, esperança de vida, idade da reforma, gravidade da lesão), e as despesas já realizadas é adequado o valor de € 73.558,71 para indemnização por danos patrimoniais (€ 17.495,33 pelos salários perdidos, € 55.000 pela IPP e € 1.063,38 pelas despesas), fixado pelas instâncias.

5. A gravidade dos danos não patrimoniais sofridos justifica uma indemnização de e 9.975,95, também determinada pelas instâncias.
Decisão Texto Integral:


Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:



1. AA propôs contra BB, R... Seguros, SA, Companhia de Seguros B... e Fundo de Garantia Automóvel uma acção na qual pediu a sua condenação solidária no pagamento de uma indemnização, por danos morais e patrimoniais, de 38.737.334$00, acrescida de juros contados desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Para o efeito, e em síntese, alegou ter sido vítima de atropelamento ocorrido na sequência de um acidente de viação provocado pelo primeiro réu.
Todos os réus contestaram. O autor replicou.
No despacho saneador, foram absolvidos da instância, por ilegitimidade, BB e o Fundo de Garantia Automóvel, foi julgada improcedente a excepção de prescrição, oposta por R... Seguros, SA e procedeu-se à condensação do processo (fls.253).
Por sentença de fls. 723, a acção foi julgada parcialmente procedente. R... Seguros, SA foi condenada a pagar ao autor € 73.558,71 a título de danos patrimoniais e € 9.975,95 por danos não patrimoniais. A primeira quantia é a soma de três parcelas: de € 17.495,33, correspondentes aos salários dos 10 meses em que o autor esteve totalmente incapacitado para o trabalho, de € 55.000, como indemnização pela incapacidade parcial permanente de 20% de que ficou afectado e de € 1.063,38, por despesas já suportadas pelo autor em consequência do acidente.
Foi ainda determinado o pagamento de juros: quanto ao montante de € 17.495,33 e de € 1.063,38, contados desde a citação e até integral pagamento, à taxa de 7% até 30 de Abril de 2003 e de 4% a partir daí; quanto ao restante, contados desde a data da sentença, à taxa de 4%.
A Companhia de Seguros B... foi absolvida do pedido.
Por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de fls. 828, foi negado provimento à apelação interposta por e confirmada a sentença.
R... Seguros, SA vem agora recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça.

2. Nas alegações que apresentou no recurso, que foi recebido como revista e com efeito meramente devolutivo, a recorrente formulou as seguintes conclusões:
“1 – O tribunal a quo valorou de forma exagerada os danos patrimoniais e não patrimoniais provados.
2 – Deste modo, pensamos que se justificará, com o devido respeito, a atribuição de uma indemnização de € 8.000,00 por esta reflectir melhor (de forma equitativa) a importância dos valores não patrimoniais afectados com as lesões que o recorrido contraiu.
3 – A decisão recorrida violou, neste particular, designadamente, os artºs 496º, nº 2, 562º e nº 3 do 496º, 566º e 570º, todos do Código Civil.
4 – Quanto ao ressarcimento do A. quanto aos danos que para o mesmo resultaram em consequência de ter ficado temporariamente incapacitado para o trabalho, ou seja, entre 10.02.1996 (data do acidente) e até 08.04.1997 (data da alta), pensamos que neste particular esta situação constitui um dano indemnizável, o qual, do ponto de vista aritmético, se computa na quantia global de Esc. 3.507.750$00, ou seja, € 17.495,33, correspondente a 10 meses de salário mensal de Esc. 350.750$00 (9 meses do ano de 1996+1 mês – de Março – do ano de 1997, período durante o qual o A. esteve sem poder trabalhar.
5 – Pensamos que, neste caso, não poderia o Tribunal atribuir a fixação deste tipo de dano de forma completamente aritmética, atendendo as características do dano e a especificidade do contrato de trabalho.
6 – Recorrendo às regras de experiência de vida, sabemos que para auferir o montante referido, o lesado teria substanciais gastos ligados à sua obtenção, nomeadamente os ligados às deslocações – viagens para e da Suíça, assim como os gastos ligados com a normal vivência – alimentação e alojamento.
7 – E o Tribunal não se pode desligar nem afastar desta realidade, sob pena de provocar um enriquecimento injustificado do lesado. Não pode o Tribunal conceder um montante líquido igual àquele montante que o lesado auferiria, num contrato a termo com as presentes características.
8 – E nem se diga que esses factos careciam de ser alegados. De facto, dispõe o artº 514º do CPC, nº 1: Não carecem de prova nem de alegação os factos notórios, devendo considerar-se como tais os factos que são do conhecimento geral.
9 – Um facto é notório quando o juiz o conhece como tal, colocado na posição de cidadão comum, regularmente informado, sem necessidade de recorrer a operações lógicas a cognitivas, nem a juízos presuntivos (…).
10 – Deste modo, entendemos que, tendo em conta o supra alegado, a indemnização fixada no montante de € 17.495,33 deve ser reduzida para um montante não superior a € 10.000,00.
11 – Passando, agora, à quantificação do dano que para o A. representa a incapacidade permanente de 20%, considerando a sua idade de 19 anos à data do acidente e que nessa altura não auferia qualquer vencimento, muito embora tivesse um acordo de trabalho na Suíça onde pretendia trabalhar durante 10 anos no âmbito de contratos de 9 meses por ano, com o salário mensal de Esc. 350.750$00, e depois regressar a Portugal para aqui trabalhar até aos 65 anos de idade, onde ganharia pelo menos o salário mínimo nacional.
12 – Refira-se que do relatório médico consta que as sequelas descritas são, em termos de rebate profissional, compatíveis com as actividades que referiu desempenhar antes do acidente, que embora pouco definidas pressupunham trabalhos agrícolas, nomeadamente colheita de frutas e saladas, embora com algum esforço acrescido e também alguma limitação na carga de pesos que excedem cerca de 20 Kg, aliás como o próprio reconheceu e consta das queixas.
13 – A repercussão negativa da respectiva IPP centrar-se-á apenas na diminuição de condição física, resistência e capacidade de esforços por parte da requerente, o que se traduzirá numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das actividades pessoais em geral e numa consequente e igualmente previsível maior penosidade na execução das diversas tarefas que normalmente se lhe depararão no futuro.
14 – E é precisamente neste agravamento da penosidade (de carácter fisiológico) para a execução, com a regularidade e normalidade, das tarefas próprias e habituais de qualquer múnus que implique a utilização do corpo que deve radicar-se o arbitramento da indemnização por danos patrimoniais futuros.
15 – Deste modo, e atendendo ao supra alegado, reputa-se equitativo fixar em € 30.000,00 o montante referente aos danos de natureza patrimonial sofridos pelo A. em virtude da incapacidade permanente geral de 20% que lhe determinaram as sequelas do acidente, montante este devidamente actualizado até à prolação da sentença recorrida.
16 – O acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 483º, 562º e 564º, nº 2, todos do Código Civil.”

Contra-alegou o recorrido, defendendo a manutenção da decisão impugnada.

3. A matéria de facto que vem provada das instâncias é a seguinte:
“1. No dia 10 de Fevereiro de 1996, pelas 2h50m, BB conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula FF-...-....
2. Na ocasião mencionada em 1., BB saiu do parque de estacionamento da discoteca “The Day After” e entrou na EN n° 2, no sentido Castro Daire/Viseu.
3. Na ocasião mencionada em 1., circulava no mesmo sentido de marcha Castro Daire/Viseu o veículo ligeiro ...-...-BV, conduzido pelo seu dono CC.
4. Na ocasião mencionada em 1.o veículo ...-...-BV embateu no autor que, juntamente com mais dois peões, se encontrava na berma do 1ado esquerdo da EN n° 2, atento o sentido Castro Daire/Viseu.
5. Mediante acordo de seguro titulado pela apólice nº. ..., o proprietário do veículo de matrícula FF...-... havia transferido a responsabilidade civil decorrente da circulação de tal viatura para a ré “R... Companhia de Seguros, SA”.
5. Mediante acordo de seguro titulado pela apólice n° AU... o proprietário do veículo de matrícula ...-...-BV havia transferido a responsabilidade civil decorrente da circulação de tal viatura para a ré “Companhia de Seguros B..., SA” .
6. Na ocasião mencionada em 2., BB, entrou na EN n° 2 sem se certificar se algum veículo aí circulava no sentido Castro Daire/Viseu.
7. O veículo ligeiro de matrícula 38-22-BV circulava na EN Nº2 no preciso momento em que o condutor do veículo FF-...-...entrou, tripulando o mesmo, em tal via.
8. O condutor do veículo ...-...-BV não contava com qualquer veículo que lhe impedisse a passagem.
9. Após o descrito em 6. e 7. ocorreu um embate entre a parte lateral esquerda do FF-...-... e a frente do veículo ...-...-BV.
10. Após o embate mencionado em 9. o veículo ...-...-BV ficou com a direcção descontrolada e invadiu a semi-faixa esquerda da via, atento o seu sentido de marcha.
11. E foi colidir com o QH-...-....
12. O veículo QH-...-... circulava no sentido Viseu/Castro Daire.
13. O veículo QH-...-... seguia na semi-faixa direita da via atento o seu sentido de marcha.
14. Foi após o descrito em 11. que o ...-...-BV embateu no autor.
15. Depois de entrar na EN Nº2 o condutor do veículo FF--...-...percorreu nesta cerca de 2 metros desde a saída da discoteca “ The Day After “ até ocorrer o embate aludido em 9.
16. No momento mencionado em 15. o veículo FF-...-... circulava a velocidade não concretamente apurada.
17. Na ocasião mencionada em 1., o condutor do veículo ...-...-BV circulava com atenção ao trânsito que se fazia sentir na faixa da direita, atento o seu sentido de marcha.
18. Antes da entrada do veículo FF-...-... na EN Nº2 não circulavam na faixa de rodagem direita de tal via, atento o sentido de marcha Castro Daire/Viseu, outros veículos para além do ...-...-BV.
19. O condutor do veículo ...-...-BV circulava a uma velocidade não superior a 50 km/h.
20. E circulava a cerca de 0,5m da berma direita.
21. O condutor do veículo ...-...-BV circulava com as luzes do veículo ligadas e na posição de médios.
22. O condutor do veículo ...-...-BV era avistável a mais de 30 metros.
23. Na ocasião mencionada circulava numa recta com visibilidade superior a 200 metros.
24. Quando o ...-...-BV estava a 10 metros de distância da entrada para o parque de estacionamento da discoteca “The Day After”, sito à direita atento o sentido Castro Daire/Viseu, o seu condutor apercebe-se da entrada na EN n°. 2, do condutor do FF-...-....
25. E o condutor do FF-...-... tomou o sentido de marcha Castro Daire/Viseu.
26. E o condutor do FF-...-... ao entrar na EN n° 2 não deteve a sua marcha.
27. E o condutor do FF-...-... não se certificou se na hemi-faixa destinada à circulação no sentido Castro Daire/Viseu circulava algum veículo.
28. Ao aperceber-se da entrada na EN Nº2 do veículo FF-...-... pela forma referida em 24. a 27. o condutor do veículo ...-...-BV accionou o mecanismo de travagem e simultaneamente desviou a trajectória de tal veículo para a esquerda, para se tentar desviar do FF-...-....
29. Tal embate verificou-se a meio da faixa de rodagem da direita atento o sentido de marcha do ...-...-BV, sensivelmente a dois metros da berma direita.
30. No local do embate, cada uma das hemi-faixas de rodagem da EN n° 2 tem 3,75m.
31. O embate verificou-se quando o FF-...-... estava em posição perpendicular ao eixo da via e a realizar a manobra de entrada na EN N° 2.
32. Em consequência do embate entre o ...-...-BV resultou para o autor traumatismo da coluna lombo-sagrada.
33. E resultou fractura dos ossos do nariz.
34. O descrito em 32. e 33. causou ao autor intensas e prolongadas dores.
35. E determinou que o autor estivesse imobilizado durante quatro meses.
36. Durante os quatro meses mencionados em 35. o autor esteve sujeito a controlo e vigilância médica.
37. Durante o período mencionado em 35., o autor deslocou-se em ambulância ao Hospital Distrital de Viseu.
38. Posteriormente, e durante dois meses o autor foi obrigado a usar um lombostato.
39. Em 13/6/96 o autor deslocou-se aos Hospitais da Universidade de Coimbra.
40. O descrito em 39. ocorreu por o autor continuar a sentir dores.
41. Na ocasião mencionada em 39. foi diagnosticado ao autor Espodiloslistesis de L-5 S-l.
42. O autor foi novamente observado nos HUC em 19/9/96 e 9/1/97.
43. Na ocasião mencionada em 42. o autor realizou TAC lombar e RX dinâmico da coluna lombar.
44. Para além do já mencionado em 41., na ocasião referida em 43. foi detectada ao autor uma fractura da parte interarticularis de L-5.
45. Por força do descrito em 44. o autor foi internado nos HUC em 20/2/97 e operado em 12/3/97.
46. Na operação mencionada em 45. foi removido ao autor o arco posterior de L-5 e a artrodese postero-lateral com a fixação transpedicular L-4, L-5 S-1.
47. O autor teve alta em 8 de Abril de 1997.
48. O autor foi novamente obrigado ao uso de lombostato.
49. Em 19 de Agosto de 1997, o autor mantinha dores nas faces anteriores das coxas, bem como dores nas plantas dos pés, quando permanecia muito tempo de pé.
50. A situação descrita em 49. ainda hoje se mantém, principalmente quando o autor executa algum trabalho que o obrigue a estar muito tempo de pé.
51. À data do embate o autor era uma pessoa saudável e com capacidade de trabalho.
52. E era emigrante na Suiça.
53. À data do embate, o autor tinha um acordo com a sua entidade patronal para trabalhar de 1/3/96 a 30/11/96.
54. Por força do acordo mencionado em 53., o autor iria auferir a remuneração mensal de 2.875 Francos Suíços.
55. Por força do embate o autor não realizou, no ano de 1997, novo acordo de trabalho na Suiça.
56. O A. não terminou o contrato de trabalho referido em 55. em virtude de ter dificuldade em realizar os trabalhos agrícolas que esse contrato compreendia, por lhe faltar força e por não conseguir estar muito tempo de pé.
57. A entidade patronal do autor rescindiu o acordo mencionado em 56. por este ter dificuldades em realizar trabalhos agrícolas, faltando-lhe força e agilidade e não conseguindo estar muito tempo de pé.
58. Após o embate, em deslocações à Guarda e a Coimbra e consultas, o autor gastou Esc. 96.252$00.
59. Nos dias mencionados em 58., o autor gastou em alimentação a quantia de Esc. 80.000$00.
60. O A. gastou em material ortopédico e com um enfermeiro a quantia de Esc. 36.938$00.
61. Por força das lesões sofridas com o embate, o A. ainda hoje sofre dores quando faz esforços, nomeadamente, carregando pesos ou marchando em pisos irregulares, e quando permanece muito tempo de pé.
62. As dores que o autor sente actualmente agravam-se com as mudanças de tempo.
63. Por força das lesões sofridas em consequência do embate, o A. ficou com uma incapacidade permanente geral de 20%.
64. O autor pretendia permanecer e trabalhar na Suiça pelo menos mais l0 anos.
65. Após o que regressaria a Portugal aqui pretendendo trabalhar até aos 65 anos.
66. O A. nasceu em 10.07.1976.”

4. A recorrente questiona o montante da indemnização atribuída, que considera excessivo, quer quanto ao danos patrimoniais (não pondo em causa, de entre estes, a parcela de € 1.063,38, correspondente a despesas suportadas pelo autor), quer quanto aos danos não patrimoniais.
Começando pela apreciação da indemnização atribuída pela perda de salário durante os 10 meses em que o recorrido esteve impossibilitado de trabalhar e pela IPP de que ficou afectado, cumpre frisar que não está em causa que, para efeitos da indemnização em discussão, se devem ter em conta os danos futuros, desde que previsíveis (nº 2 do artigo 564º do Código Civil), quer correspondam a danos emergentes, quer se traduzam em lucros cessantes (nº 1 do mesmo preceito); nem tão pouco que a lei determina que, quando a responsabilidade assenta em mera culpa do lesante (artigo 494º do Código Civil), ou quando não é possível averiguar “o valor exacto dos danos” (nº 3 do artigo 566º do mesmo Código), como tipicamente sucede quando se pretende arbitrar uma indemnização por danos futuros, o tribunal recorrerá à equidade para julgar.
No caso da responsabilidade por mera culpa, a lei permite que a indemnização seja “equitativamente” reduzida em função do “grau de culpabilidade do agente”, da “situação económica” do lesante e do lesado e das “demais circunstâncias do caso”.
Quanto à hipótese de impossibilidade de avaliação exacta dos danos, o julgamento segundo a equidade tem de respeitar os “limites que [o tribunal] tiver por provados”.
Baseando-se em mera culpa a responsabilidade em que incorreu o causador do acidente e estando em causa a determinação do montante a pagar para ressarcimento de danos futuros, como aliás o Supremo Tribunal de Justiça tem repetidamente afirmado (cfr., a título de exemplo, os acórdãos de 22 de Fevereiro de 1999, proc. nº 28 de Outubro de 1999, de 2 de Fevereiro de 2002, proc. nº 01B985, de 25 de Junho de 2002, proc. nº 02ª1321, de 27 de Novembro de 2003, proc. nº 03B3064, de 15 de Janeiro de 2004, proc. nº 03B926, de 8 de Março de 2007, proc. nº 06B4320 ou de 14 de Fevereiro de 2008, proc. nº 07B508, disponíveis em www.dgsi.pt), a equidade desempenha um papel corrector e de adequação da indemnização decretada às circunstâncias do caso, nomeadamente quando, como é frequente, os tribunais recorrem a “cálculos matemáticos e [a] tabelas financeiras” (expressão do acórdão de 27 de Novembro de 2003 acabado de citar).
Esse recurso à equidade não afasta, todavia, a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, não incompatível, naturalmente, com a devida atenção às circunstâncias do caso.

5. Assim, e para o efeito de apreciar as críticas que a recorrente formula ao acórdão recorrido, quanto aos pontos agora em apreciação, tomar-se-á em conta o seguinte:
– Que ficou provado que o autor, nascido em 10 de Julho de 1976 (e, portanto, com 19 anos de idade à data do acidente) era uma pessoa saudável e com capacidade de trabalho e tinha celebrado um contrato para trabalhar durante 10 meses na Suíça auferindo a remuneração mensal de 2.875 francos suíços; que não pode cumprir esse contrato em consequência de ter ficado impossibilitado de trabalhar; que, ainda por causa do acidente, não celebrou novo acordo para o ano de 1997; que as lesões sofridas lhe causaram uma IPP de 20%; que tinha a intenção de trabalhar também na Suíça pelo menos por 10 anos; e que, regressado a Portugal, trabalharia até aos 65 anos;
– Que os danos futuros decorrentes do acidente se não limitam à redução da sua capacidade de trabalho, já que, antes do mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental à saúde e à integridade física do recorrido;
– Que, por isso mesmo, não pode ser arbitrada uma indemnização que só tenha em conta aquela redução. Nomeadamente, não pode ser considerada a relevância da lesão apenas com referência à vida activa provável do lesado; antes se há de considerar também o período posterior à normal cessação de actividade laboral, tendo em conta o “tempo provável de vida da vítima” (cfr. acórdãos deste Supremo Tribunal de 28 de Outubro de 1999, proc. nº 99B717, de 25 de Junho de 2002, proc. nº 02A1321, já citado, disponíveis em www.dgsi.pt), com referência à esperança média de vida, em 1996, dos indivíduos do sexo masculino nascidos em 1976;
– Que, com base em dados fornecidos pelo Instituto Nacional de Estatística para 2005-2007 (disponíveis em www.ine.pt), a esperança média de vida de um indivíduo do sexo masculino nascido em 1976 era de 78,20 anos;
– Que, recorrendo, agora, ao regime geral de segurança social em vigor à data do acidente, em particular do artigo 22º do Decreto-Lei nº 329/93, de 25 de Setembro, a idade “regra” da reforma era fixada em 65 anos;
– Que o autor ficou a sofrer de limitações para fazer esforços, carregar pesos, marchar em pisos irregulares ou permanecer muito tempo de pé, o que denota uma lesão significativa do direito à integridade física, tanto mais significativa quando tinha apenas 19 anos, à data do acidente;
– Que nada ficou demonstrado quanto a custos que o autor tivesse que suportar especificamente em virtude de o trabalho que deixou de fazer e que contava executar na Suíça, nomeadamente por confronto com as despesas que teria que realizar se o trabalho se desenrolasse em Portugal;
– Que, contrariamente ao sustentado pela recorrente, não é possível recorrer ao regime legalmente definido para os factos notórios para fazer baixar o montante de € € 17.495,33. Em abstracto, pode aceitar-se que trabalhar num país diferente da residência implique despesas de deslocação, e que será diferente o montante das despesas correntes de manutenção pessoal. Em concreto, não tendo sido alegados factos que a permitam avaliar, sujeitos a contraditório e na altura própria, não pode dar-se como assente nenhum efeito dessa diferença, desde logo por se desconhecer quem os suportaria.

Por todas estas razões, não se encontra motivo para diminuir a indemnização atribuída pelas instâncias, em nenhuma das parcelas agora em causa.

5. Relativamente aos danos não patrimoniais, a recorrente considera não ter sido fixado “de forma equitativa” o montante compensatório. No entanto, não concretiza por que motivo, no caso presente, se lhe afigura não ser equitativo tal montante, antes tecendo considerações abstractas sobre a função da indemnização e os factores a ter em conta em geral para a sua fixação.
Diferentemente, a decisão recorrida baseia-se nos factos que indica, nas conclusões do relatório médico de fls. 525, na jurisprudência e nos critérios que, por lei (nº 3 do artigo 496º e artigo 494º do Código Civil), devem ser aplicados, para confirmar o montante atribuído pela 1ª Instância.
Como se sabe, para a determinação da indemnização por danos não patrimoniais, ressarcíveis desde “que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito” (nº1 do artigo 496º do Código Civil), o tribunal há-de decidir segundo a equidade, tomando em consideração, também aqui, “o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso” (nº 3 do mesmo artigo 496º e artigo 494º do mesmo diploma).
Ficou demonstrado que o recorrido, que tinha 19 anos à data do acidente, para além de ficar afectado na sua capacidade de ganho e de ter limitações para trabalhos que impliquem esforço físico, nos termos da matéria de facto provada, sofreu com o acidente, esteve internado em hospital por mais de uma vez, foi submetido a intervenções cirúrgicas, sofreu diversos traumatismos, ficou afectado na sua mobilidade (esteve imobilizado durante um período de tempo significativo, 4 meses), sofreu e continua a sofrer dores que se agravam com alterações climatéricas.
A recorrente não questiona que se trata de danos que, pela sua gravidade, sejam indemnizáveis, apenas discorda do montante da indemnização arbitrada.
Recorrendo a jurisprudência deste Supremo Tribunal, com o objectivo de “não nos afastarmos do equilíbrio e do valor relativo das decisões jurisprudenciais mais recentes”, nas palavras do acórdão de 25 de Junho de 2002, podemos salientar os seguintes casos:
Neste mesmo acórdão de 26 de Junho de 2002, o Supremo Tribunal de Justiça confirmou o montante de 5.500.000$00 já definido pela Relação, para indemnizar os danos morais sofridos por um lesado de 32 anos, que ficou afectado de uma incapacidade parcial permanente de 40%, que foi vítima de um acidente de viação para o qual em nada concorreu, e que ficou afectado de forma significativa e permanente na sua qualidade de vida, tanto pessoal como desportiva e profissional.
Pelo acórdão de 20 de Novembro de 2003, proc. nº 03A3450 (www.dgsi,pt), foi atribuída a indemnização de € 32.421,86 a uma lesada que, tendo a idade de 25 anos no momento do acidente, ficou em estado de coma, foi submetida a diversas intervenções cirúrgicas e sofreu graves lesões por todo o corpo, que lhe provocaram cicatrizes profundas e visíveis;
No acórdão de 15 de Janeiro de 2004, proc. nº 03B926 (www.dgsi,pt), foi arbitrada uma indemnização de € 10,951,92 a uma lesada que tinha 24 anos à data do acidente, à qual foi atribuída uma IPP de 10%, mas que ficou a sofrer de lesões graves e visíveis.
No acórdão de 5 de Fevereiro de 2004, proc. nº 04B083 (www.dgsi,pt), foi atribuída a indemnização de € 24.939,89 a um lesado que, tendo 52 anos à data do acidente, ficou afectado de um IPP de 35% e sofreu lesões muito graves que o obrigaram a diversas intervenções cirúrgicas e implicaram limitações muito sérias à sua mobilidade.
No acórdão de 12 de Janeiro de 2006, proc. nº 05B4176 (www.dgsi,pt), considerou-se adequada a indemnização de € 12.500 (ou seja, o montante que, no caso, foi fixado pela Relação) a atribuir a uma lesada que sofreu várias lesóes corporais, dores persistentes e constantes, teve de se submeter a diversos exames e sessões de tratamento, ficou com um nódulo fibroso e hipotrofia numa das pernas de cerca de 2 cm, e à qual foi fixada 5% de IPP.
No acórdão de 4 de Dezembro de 2007, proc. nº 07A3836 (www.dgsi,pt), foi arbitrado o montante de € 35.000 por danos morais a um lesado com 44 anos à data do acidente, na sequência do qual esteve em coma e em perigo de vida durante vários dias e sofreu diversas sequelas, e ao qual foi fixada uma IPP de 47%.
Feita uma análise comparativa das diversas situações, não se pode de forma alguma considerar excessiva uma indemnização de € 9.975,95 pelos danos não patrimoniais sofridos, no caso, pelo recorrido.


6. Nestes termos, nega-se provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.

Supremo Tribunal de Justiça, 22 de Janeiro de 2009

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)
Salvador da Costa
Lázaro Faria