Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2927/18.4T8VCT.G1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: CONTRATO DE COMPRA E VENDA
VEÍCULO AUTOMÓVEL
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
DEFEITOS
VENDA DE COISA DEFEITUOSA
PREÇO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
MATÉRIA DE FACTO
ARTICULADOS
EXTEMPORANEIDADE
RECURSO DE APELAÇÃO
OBJETO DO PROCESSO
REDUÇÃO
Data do Acordão: 10/14/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. Declarada a resolução do contrato de compra e venda de veículo automóvel com fundamento em defeito que não foi reparado, em regra, o comprador tem o direito de receber a quantia correspondente ao preço que pagou, nos termos dos arts. 433º, 434º, nº 1, e 289º, nº 1, do CC.

II. A ponderação do eventual enriquecimento do comprador pela utilização do veículo não dispensa o vendedor da alegação oportuna da matéria de facto pertinente, o que deve ser feito nos articulados, sendo extemporânea a alegação dessa questão apenas no recurso de apelação.

III. A apreciação dessa questão por parte da Relação, com efeitos na redução do valor da prestação, afeta o acórdão proferido, na medida em que envolve uma pronúncia sobre matéria de que não podia conhecer, por não integrar o objeto do processo.

IV. A eventual ponderação das utilidades extraídas pelo comprador na vigência do contrato de compra e venda que é objeto de resolução não pode deixar de ter em conta as circunstâncias em que ocorreu a utilização e o comportamento do vendedor antes e na pendência da ação.

V. Deve ser recusada uma solução que reduza o valor da quantia a entregar ao comprador que exerceu o direito de resolução do contrato num caso em que a utilização do veículo automóvel foi marcada, desde o início, por sucessivas avarias que obrigaram a pelo menos 24 deslocações à oficina da vendedora que nunca permitiram nem permitem uma utilização normal do veículo e em que, além disso, o vendedor negou na ação qualquer responsabilidade e opôs-se ao pedido de resolução do contrato por fundamentos que não foram atendidos pelo tribunal.

Decisão Texto Integral:

I - AA

intentou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra

TEIXEIRA e MARTINS, AUTOMÓVEIS, Ldª, pedindo que seja:

a) Declarado resolvido o contrato de compra e venda do veículo identificado no art. 1º da petição inicial, celebrado entre A. e R.;

b) Condenada a R. a restituir à A. o valor que pagou pela compra do veículo identificado no art. 1º da petição inicial, no montante de € 26.750,00, acrescido de juros de mora calculados à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento;

Caso assim se não entenda:

c) Condenada a R. a substituir a viatura automóvel da A. por outra viatura, nova, da mesma marca, modelo, versão e ano;

Caso ainda assim se não entenda:

d) Condenada a R. a reparar definitivamente a avaria do veículo em apreço identificada no art. 34º da petição inicial e que gera os sinais identificados no art. 7º do mesmo articulado, sob pena de ficar obrigada a pagar uma sanção pecuniária compulsória nunca inferior a € 2.500,00 por cada vez que a mesma surgir, após cada reparação.

Em todo o caso:

e) Condenada a R. a pagar à A. uma indemnização a título de danos não patrimoniais nunca inferior a € 5.000,00, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Para tanto alegou que a R. é concessionária da marca ..., comercializando e prestando serviços de reparação e manutenção de veículos automóveis daquela marca, e em 1-12-15 vendeu à A. um veículo automóvel da marca ..., modelo ..., ..., ..., com a matrícula ..-QP-..., em estado novo, para seu uso pessoal, pelo preço de € 26.750,00, pago a pronto.

A R. concedeu uma garantia de 5 anos ao veículo em apreço, que cobria qualquer problema/defeito que o mesmo apresentasse, mas decorridos 2 meses após a compra, no dia 13-2-16, quando a A. circulava com o veículo, no painel de instrumentos por cima do volante acendeu-se a “luz indicadora de avaria no motor” e apareceu inscrita a menção “verificar sistema”, tendo a A. levado o veículo à oficina da R. para reparação de tal problema. Nessa altura o veículo tinha percorrido 4.480 Km, distância que marcava no respetivo conta-quilómetros.

Esta situação repetiu-se nos dias 4-4-16 (com 7.775 kms), 15-6-16, 8-9-16, 11-9-16 e 20-9-016, sendo que nesta última data, o chefe da oficina comunicou à A. que a marca ... iria enviar um “sensor melhorado” para resolver definitivamente o problema da viatura, tendo o veículo sido deixado na oficina da R. em 12-10-16 para esse fim.

Nos dias 26-12-16 e 12-1-17, o veículo voltou a exibir as mencionadas luzes no painel de instrumentos, sendo que nestes dias a A. voltou a levá-lo à oficina da Ré, que fez uma “reprogramação/reaprendizagem” do sensor colocado em 12-10-16 e as luzes desapareceram do painel.

No dia 22-4-17, o veículo voltou a apresentar os sinais de alerta e em 28-4-17 a A. voltou a conduzi-lo à oficina da R., onde permaneceu das 9h às 17h30, mas foi devolvido com as luzes acesas no painel de instrumentos. Nesse dia 28-4-17, a R. pediu à A. que voltasse a levar o veículo no dia 9-5-17, para tirar fotografias ao motor e ao sensor, bem como para reparar o problema que o veículo apresentava, o que ela fez.

Em 9-5-17, ao instalar o veículo no elevador, para o levantar e tirar fotografias, a Ré danificou a embaladeira, amolgando-a, por baixo da porta do condutor, mas entregou o veículo sem que o mesmo apresentasse os sinais de alerta.

No dia 7-7-17, o veículo voltou a apresentar as luzes no painel de instrumentos, a A. voltou a levá-lo à oficina da R. e recolheu-o no final do dia, tendo verificado que tais “sinais” haviam desparecido do painel. Em 9-8-17, o veículo voltou a apresentar os mesmos “sinais de alerta”, a A. levou-o à oficina da R., onde foi observado por um engenheiro, foi trocado o sensor e devolvido sem as luzes acesas no painel de instrumentos.

Em 4-9-17, a A. conduziu novamente o veículo à oficina da R. para que esta reparasse os danos que havia causado na embaladeira no dia 9-5-17, o que foi feito.

Nos dias 13-11-17, 11-12-17, 19-12-17, 26-12-17, 19-1-18, 25-1-18, 1-2-18, 5-2-18, 9-2-18, 13-4-18 e 12-6-18 (contando nesta última data com 50.870 kms), o veículo acendeu as ditas luzes no painel de instrumentos e, de todas essas vezes, foi levado à oficina da R. para reparação e devolvido supostamente com a anomalia resolvida, ou pelo menos, sem que os tais sinais de alerta aparecessem no painel de instrumentos.

Depois de ter sido sujeito a mais de 20 intervenções na oficina da R., o problema persiste, pois, o veículo da A. padece de uma incapacidade de regeneração do filtro de partículas diesel e dos orifícios das sondas de oxigénio do veículo, que quando colmatados por fuligem tornam impossível a viabilidade de utilização do veículo, circunstância de que a A. só veio a tomar conhecimento por carta que lhe foi enviada pela ... em finais de maio de 2018.

Na sequência desta comunicação e após o chefe da oficina da R. lhe ter dito que não tinha mais soluções para resolver o problema do veículo, em junho de 2018 a A. solicitou uma reunião com os responsáveis da R. e os representantes da ..., numa última tentativa de resolver definitivamente o problema do seu veículo, a qual teve lugar em 29-6-18, tendo a A. comparecido na esperança de que lhe fosse efetivamente proposta uma solução para o problema do veículo, seja através da substituição por um veículo idêntico ou através do reembolso do dinheiro que havia despendido com a compra.

Todavia, a única solução que a R. propôs à A., após vistoriar o veículo nas suas instalações, foi que esta colocasse um aditivo a cada cinco depósitos de gasóleo, a expensas suas, com o objetivo de dilatar o espaço de tempo entre avarias, tendo sido ainda informada pela R. que teria de suportar as reparações que se afigurassem necessárias daí para a frente, pois a ... já não as iria suportar mais.

Esta anomalia/avaria determina que, logo que as luzes de aviso apareçam no painel de instrumentos, o veículo não possa mais ser utilizado, sob pena de o sistema de controlo das emissões e o motor poderem ficar danificados.

Acrescenta que tendo a R. vendido à A. um veículo automóvel com deficiência ou defeito, que não apresentava nem apresenta as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, assiste à A. o direito a ver resolvido o contrato de compra e venda do veículo em apreço celebrado com a R. e peticionar o reembolso do dinheiro que pagou.

Refere, ainda, que por via de toda esta situação, a A. sofreu, como continua a sofrer, muitos incómodos e perdas de tempo em deslocações para tentar resolver esta situação, devendo ser-lhe atribuída quantia não inferior a € 5.000,00 para compensação dos danos não patrimoniais.

A R. contestou e começou por excecionar a sua ilegitimidade, por se tratar de uma concessionária da marca de automóveis Honda, representada em Portugal pela SÕZÕ Portugal, SA, a qual se dedica à importação para o território nacional de veículos novos da marca Honda, e também representa no território nacional para efeitos de garantia legal e/ou contratual de que beneficiam as viaturas novas comercializadas na rede de concessionários, pelo que caso haja defeito de fabrico deverá ser chamado o fabricante ou, no caso, o importador para território nacional dos veículos automóveis daquela marca.

Mais alega que mesmo que se considere que a viatura em causa padece efetivamente de um defeito, sempre se estará no âmbito da cobertura e aplicação da garantia legal de que a viatura beneficia e, no caso concreto, da garantia contratual de 5 anos de que o veículo da A. beneficia, sendo tal garantia da responsabilidade da marca ... e do seu representante em Portugal, não tendo a aqui R. qualquer responsabilidade na mesma.

Impugnou ainda a matéria de facto alegada na petição inicial, invocando que o defeito alegado pela A. resulta exclusivamente de uma utilização inadequada do veículo automóvel em causa por parte daquela, face às características técnicas e parâmetros de utilização definidos pela marca para o mesmo, sendo que a garantia ... (extensão 5 anos) exclui do seu âmbito a reparação de qualquer avaria causada pelo uso indevido ou negligente da viatura.

A R. sempre se disponibilizou a que a viatura fosse novamente inspecionada por técnicos da ... e pela representante nacional e na carta que enviou à A. manifestou igual disponibilidade, mas a A. não usou de tal faculdade.

A R. requereu a intervenção principal provocada de SÕZÕ PORTUGAL, SA, representante da marca ... em Portugal, a qual foi admitida, tendo a mesma apresentado contestação na qual impugnou os factos alegados pela A. na petição inicial e alegou que as ocorrências relatadas pela A. se devem a uma incorreta utilização do veículo. Por outro lado, a A., aquando da compra do veículo, foi aconselhada a adquirir uma viatura a gasolina, que não possui filtro de partículas, sendo mais compatível com uma utilização em percursos urbanos e/ou curtos, como eram os da A.

No despacho saneador foi julgada improcedente a exceção da ilegitimidade invocada pela R.

Foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência, decidiu:

- Declarar resolvido o contrato de compra e venda relativo ao veículo celebrado entre a A. e a R. Teixeira e Martins, Automóveis, Ldª;

- Condenar a R. a restituir à A. o valor pago pela compra do referido veículo, no montante de € 26.750,00, com juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal de 4%, desde a citação até efetivo pagamento;

- Condenar, solidariamente, a R. e a Interveniente Sõzõ, SA, a pagarem à A. a quantia de € 1.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais.

A R. interpôs recurso de apelação o qual foi julgado parcialmente procedente na parte respeitante à obrigação de restituição, sendo a R. condenada a restituir à A. o valor do veículo na data do trânsito em julgado da decisão de resolução, quantia essa a liquidar posteriormente, nos termos do disposto no art. 609º, nº 2, do CPC, até ao montante de € 26.750,00.

A A. interpôs recurso de revista em que concluiu que:

O acórdão recorrido é nulo nos termos dos arts. 661º, nº 1, e 668, nº 1, al. d), do CPC.

Com efeito, por efeito do princípio do dispositivo, o enriquecimento sem causa, nomeadamente quanto aos seus requisitos, carece de ser alegado e demonstrado.

Ora, perscrutada a contestação apresentação pela recorrida, não se vislumbram quaisquer factos alegados constitutivos do instituto do enriquecimento sem causa, mais concretamente, factos que suportem o enriquecimento da recorrente, factos que suportem o empobrecimento da recorrida e ainda factos que suportem a ausência de causa para tal locupletamento, nem consequentemente, perscrutada a douta sentença a quo, se vislumbram quaisquer factos provados constitutivos do enriquecimento sem causa.

Devendo o enriquecimento sem causa ser invocado nos articulados da ação, designadamente, através de factualidade que conduza à sua constituição, não pode a sua dedução ocorrer unicamente no momento das alegações de recurso, como sucedeu in casu, surgindo também como uma questão nova (neste sentido, Ac. do STJ, de 29-8-17, nº 10145/14, www.dgsi.pt.)

O recorrido é nulo, por se ter pronunciado por objeto diverso, relativamente a questão não suscitada pelas partes e que não é de conhecimento oficioso, nos termos do disposto nos arts. 661º, nº 1, e 668, nº 1, al. d), do CPC, nulidade que expressamente se argui.

Sem prescindir, entende a recorrente que não nos podemos distanciar da factualidade dada como provada na douta sentença proferida pelo tribunal de 1ª instância (e não impugnada ou alterada em sede de segunda instância), mais concretamente dos factos provados 7, 11, 33, 34, 35, 38, 39, 40 e 41, sob pena de o direito não ser aplicado ao caso concreto.

Com efeito, o que resulta de tal factualidade dada como provada é a retumbante realidade que o defeito do veículo em apreço surgiu logo dois meses após a sua compra, mais concretamente, a 13-2-16, e que, a partir daí, a recorrente deu mais de 20 oportunidades à recorrida para resolver o defeito do veículo, conduzindo o veículo à sua oficina para o efeito, mas sem que esta o conseguisse fazer. Sendo que, desde então, que o veículo não reúne condições para ser utilizado, mormente por falta de segurança e potência (não circula acima de 50kms/h).

Ora, é atentatório da boa-fé, a recorrente ser penalizada pela desvalorização do veículo sub judice, quando a mesma, a partir dos dois meses após a sua compra no estado novo, passou a ter um veículo insuscetível de utilização plena, com riscos de segurança e sem potência.

Sendo tal mais ostensivo, pelo facto de a recorrente ter dado todas as oportunidades à recorrida para que esta resolvesse o problema que o veículo padecia, como padece, e que a R. nunca resolveu ao longo dos anos, vindo agora prevalecer-se da sua própria inépcia e má-fé.

Conceder a redução do valor a restituir com base na desvalorização do veículo em benefício da recorrida será o mesmo que premiá-la por ter prolongado este assunto no tempo, ainda que o mesmo lhe tenha sido apresentado para solucionar apenas dois meses apenas após a compra do veículo.

Deste modo, por ser um claro abuso do eventual direito da recorrida, deve ser revogado parcialmente o acórdão recorrido e substituído por um outro que determine que, por força da resolução do contrato de compra e venda, o valor a restituir à recorrente corresponda ao preço contratual liquidado pela recorrente no montante de € 26.750,00.

Subsidiariamente, caso assim não se entenda, o que apenas por mera hipótese se concebe, a recorrente defende, à cautela, que, atenta a matéria de facto dada como provada, o valor a ser restituído pela recorrida à recorrente nunca pode ser inferior ao que o mesmo tinha a 29-6-18, por ser essa data em que a recorrida, mesmo sabendo que o veículo padecia de um defeito que tornava, como torna, impossível a viabilidade da sua utilização, declarou não assumir a sua responsabilidade sobre o mesmo.

Com efeito, por carta enviada em finais de maio de 2018, a ... comunicou à recorrente que o veículo padecia de avaria, avaria essa que o tornava, como torna, insuscetível de utilização.

E no dia 29-6-18, a recorrida, em reunião com a recorrente – apesar de saber estar perante um veículo que padecia de avaria que o tornava insuscetível de utilização - tomou a iniciativa de pôr cobro às reparações, bem como lhe transmitiu que a partir daí esta (recorrente) estava por sua conta, rejeitando qualquer outra solução proposta, designadamente, a reparação e a substituição do veículo ou até reembolso do dinheiro despendido na compra.

A recorrente foi assim forçada a recorrer à via judicial e a ver esta questão protelada no tempo por facto inteiramente imputável à recorrida que decidiu não assumir a responsabilidade que tinha, como tem, pela avaria que o veículo comprovadamente padece (o que está demonstrado), não podendo aquela ser penalizada pela inércia desta e pela demora inerente a um processo judicial, que implica o cumprimento de diversas fases processuais, a instrução, o julgamento, a interposição e decisão de recursos (neste sentido, Ac. do TRG no proc. nº 1725/12).

Assim, pelo menos a partir de 29-6-18, o risco da desvalorização do veículo tem necessariamente que correr por conta da recorrida, pois esta dispunha de todos os meios para impedir que este problema se prolongasse no tempo, só não o tendo feito, porque não quis assumir a responsabilidade, que comprovadamente tinha.

Por conseguinte, pelo menos a partir do dia 29-6-18, a recorrida, ao tentar prevalecer-se do instituto do enriquecimento sem causa, está a retirar vantagem patrimonial de uma situação jurídica para a qual contribuiu, à custa da recorrente, o que consubstancia um claro abuso de direito.

Assim, conceder à recorrida a redução do valor da indemnização com base na desvalorização do veículo à data do trânsito em julgado é, na verdade, premiar o infrator.

Neste contexto, no caso de não ser revogado parcialmente o acórdão recorrido e substituído por um outro que determine que por força da resolução do contrato de compra e venda, o valor a restituir à recorrente será o preço contratual liquidado pela recorrente no montante de € 26.750,00, deve então ser substituído por um outro que determine que por força da resolução do contrato de compra e venda, o valor a restituir à recorrente será aquele que o veículo sub judice tinha à data de 29-6-18, a liquidar posteriormente, nos termos do disposto no art. 609º, nº 2, do CPC, até ao montante de € 26.750,00.


Ainda subsidiariamente, e caso não se atenda aos argumentos supra aduzidos, não poderemos deixar de ter em atenção que para aplicar o instituto do enriquecimento sem causa, o acórdão ora recorrido, sustentou que “muito ou pouco, a A. acabou por beneficiar do uso do veículo, circulando e utilizando o mesmo, e que essa utilidade decorreu e foi proporcionada pela compra e venda em causa”.

Acontece que, neste caso concreto, a recorrente não beneficiou na sua plenitude do veículo, mas antes de um uso severamente amputado do mesmo, não tirando as utilidades que um veículo normalmente oferece no que respeita à sua circulação.

Com efeito, ficou demonstrado que o veículo é de inviável utilização, não está apto a circular em segurança, “o motor tem sérios riscos de gripar” (cf. conclusões do relatório pericial de fls..), não anda a mais de 50km/h e “engasga” (cf. sentença de fls.).

Deste modo, a utilização dada pela recorrente ao veículo nunca foi uma utilização plena e que se espera de um qualquer veículo, ou seja, uma utilização segura, que permita circular nas localidades, mas também fora delas (até à velocidade de 120kms/h) e que não “engasgue”, permitindo aceleração quando necessário, nomeadamente, em arranques e ultrapassagens.

Neste sentido, deduzir ao valor a restituir à recorrente, o valor que corresponde a uma utilização plena do mesmo, e que se traduz, na sua desvalorização comercial, implica uma desproporção grave entre o que aquela pagou pelo veículo e o benefício que dele retirou.

Pelo que, a ser deduzido um valor ao montante a restituir à recorrida por força da resolução do contrato de compra e venda do veículo, o mesmo não pode corresponder ao decorrente de uma utilização plena, mas sempre o decorrente de uma utilização amputada, atento o princípio da equidade previsto no art. 566º do CC.

Deste modo, atento o princípio da equidade, o custo da desvalorização do veículo deve, pelo menos, ser suportado em partes iguais, entre a recorrente e a recorrida, encontrando-se, assim, um ponto de equilíbrio entre o suposto enriquecimento de um e o suposto empobrecimento de outro que impeça que todo o prejuízo pelo veículo vendido com defeito pela recorrida impenda, única e exclusivamente, sobre a recorrente.

Neste contexto, caso não sejam merecem acolhimento os pedidos supra formulados, deve então revogar-se parcialmente o acórdão recorrido e substituído por um outro que determine que, por força da resolução do contrato de compra e venda, o valor a restituir à recorrente corresponda ao preço contratual por esta liquidado no montante de € 26.750,00, deduzido de metade do valor da desvalorização do mesmo à data do trânsito em julgado, a liquidar posteriormente, nos termos do disposto no art. 609º, nº 2, do CPC.


Não houve contra-alegações.

Cumpre decidir.


II – Factos provados:

1. A A. é dona e legítima possuidora de um veículo automóvel, da marca Honda, modelo ..., …, …, com a matrícula ..-QP-....

2. A 1ª R. é dona de um concessionário da marca Honda, comercializando e prestando serviços de reparação e manutenção de veículos automóveis de tal marca.

3. A A. comprou o referido veículo à 1ª R., novo, para seu uso pessoal, no dia 1-12-15, pelo preço de € 26.750,00, pago a pronto.

4. A A. optou comprar um veículo da marca ..., pois já antes tinha tido uma viatura automóvel de tal marca, durante 23 anos, que nunca apresentou problemas mecânicos ou elétricos, e, por isso, confiava na mesma.

5. A A. optou por comprar no estado de novo, para evitar ter quaisquer aborrecimentos ou transtornos com defeitos, reparações e vistorias, circunstâncias que os veículos com mais antiguidade e quilometragem têm mais probabilidade de apresentar.

6. Tal escolha da A. foi ainda determinada pelo facto de a 1ª R. conceder, como concedeu, uma garantia de 5 anos ao veículo em apreço, nos termos constantes do doc. junto a fls. 15.

7. Dois meses após a compra do referido veículo, mais concretamente no dia 13-2-16 (sábado), encontrava-se a A. a circular com o mesmo, quando no painel de instrumentos por cima do volante acendeu-se uma “luz indicadora de avaria no motor” e apareceu inscrita a menção “verificar sistema”.

8. De imediato, a A. encostou o seu veículo e contactou telefonicamente a 1ª R. para saber como proceder face a tais “avisos”, tendo a mesma informado que, na situação descrita, deveria desligá-lo, aguardar 15 minutos para o “motor arrefecer” e, voltar a ligá-lo.

9. A A. assim fez, aguardou 15 minutos, mas o referido sinal não desapareceu.

10. A A., decorrido tal período de 15 minutos, voltou a contactar telefonicamente a 1ª Ré para relatar que os “avisos” não tinham desaparecido, mas sem sucesso, pois já ninguém a atendeu.

11. No dia útil seguinte, mais concretamente no dia 15-2-16, segunda-feira, a A. conduziu o veículo em causa até à oficina da 1ª R., para reparação de tal problema.

12. Neste dia o veículo tinha dois meses e percorrido 4.480 kms, distância que marcava no respetivo conta-quilómetros.

13. A A. conduziu o veículo até à oficina da 1ª R., não só por causa da mensagem que aparecia no painel de instrumentos “verificar sistema”, mas ainda porque o manual do veículo em causa referia, como refere, que se a luz indicadora de avaria se acender ou ficar a piscar “o sistema de controlo das emissões e o motor poderão ser danificados”, bem como, referia e refere que “se a luz indicadora de avaria piscar novamente ao voltar a ligar o motor, conduza até ao concessionário mais próximo a uma velocidade de 50kms/h ou inferior. Solicite uma inspeção ao veículo”.

14. A 1ª R. informou a A. que no final desse mesmo dia, 15-2-16, a viatura em apreço já teria o problema para que alertavam os sinais supra identificados no ponto 7. resolvido, altura em que aquela o foi recolher, tendo verificado que os mesmos desapareceram do painel de instrumentos.

15. No dia 4-4-16, quando a A. conduzia o veículo em apreço, este voltou a apresentar os “avisos” supra descritos no ponto 7.

16. Nesse dia, a A. voltou a conduzir o veículo em apreço à oficina para reparação de tal problema, contava o mesmo com quatro meses e tinha percorrido apenas 7.775 kms, distância que marcava no respetivo conta-quilómetros.

17. A 1ª R. disse à A. que no final desse mesmo dia, 4-4-16, a viatura em apreço já teria o problema para que alertavam os sinais supra identificados em 7. resolvidos, altura em que aquela o foi recolher, tendo verificado que os mesmos desapareceram do painel de instrumentos.

18. No dia 15-6-16, quando a A. conduzia o veículo em apreço voltaram a surgir os “sinais” supra identificados em 7., motivo pelo qual, aquela conduziu-o novamente à oficina da 1ª R. para reparação, tendo a mesma dito que, desta feita, iria “reiniciar o sistema”, e o problema iria ficar resolvido.

19. No final do dia 15-6-16, a A. foi recolher o seu veículo à oficina da 1ª R., tendo verificado que os sinais em causa haviam desaparecido do painel de instrumentos.

20. Nos dias 8-9-16, 11-9-16 e 20-9-16, quando a A. conduzia o veículo em apreço, o mesmo voltou a apresentar os “avisos” supra identificados no ponto 7.

21. Nesses dias, a A. conduziu o veículo em apreço à oficina da 1ª R. para reparação de tal problema, e no final dos mesmos recolheu-o, verificando sempre que os sinais em causa haviam desaparecido do painel de instrumentos.

22. No dia 20-9-16, o chefe da oficina da 1ª R., Sr. BB, contatou telefonicamente a A. a informar que a marca Honda lhe iria enviar um “sensor melhorado” no fim-de-semana seguinte para resolver definitivamente o problema da viatura para que alertavam os avisos supra identificados no ponto 7.

23. No dia 12-10-16, a A., conduziu o veículo em apreço à oficina da 1ª R. para colocar o “sensor melhorado”.

24. Nos dias 26-12-16 e 12-1-17, o veículo voltou a apresentar os “sinais” supra identificados no ponto 7., a A. voltou a conduzi-lo à oficina da 1ª R. ambos os dias, tendo esta feito uma “reprogramação/reaprendizagem” do sensor colocado em 12-10-16.

25. No final de ambos os dias, a A. voltou a recolher a sua viatura, tendo verificado que os sinais em causa haviam desaparecido do painel de instrumentos.

26. No dia 22-4-17, o veículo voltou a apresentar os sinais supra identificados no ponto 7. supra e no dia 28-4-17 a A. voltou a conduzi-lo à oficina da 1ª R., onde permaneceu das 9h00 às 17h30, mas foi devolvido com os mesmos no painel de instrumentos.

27. Nesse dia (28-4-17), a 1ª R. pediu a A. que voltasse a levar o veículo à sua oficina no dia 9-5-17 para tirar fotografias ao motor e ao sensor, o que ela fez, bem como para reparar o problema que o veículo apresentava.

28. No dia 9-5-17 ao instalar o veículo nas suas máquinas, mais concretamente, no elevador, para o levantar e tirar fotografias, a 1ª R. danificou a embaladeira, amolgando-a, por baixo da porta do condutor, mas entregou o veículo sem que o mesmo apresentasse os sinais supra identificados no ponto 7.

29. No dia 7-7-17, o veículo voltou a apresentar os sinais supra identificados no ponto 7, a A. voltou a levá-lo a oficina, e recolheu-o no final do dia, tendo verificado que tais “sinais” haviam desparecido do painel de instrumentos.

30. No dia 9-8-17, o veículo voltou a apresentar os mesmos “sinais”, a A. voltou a levá-lo a oficina da 1ª R., o veículo foi observado por um engenheiro, o “sensor trocado” e, a A. recolheu-o no final do dia, altura em que verificou que tais sinais haviam desparecido do painel de instrumentos.

31. No dia 4-9-17, a A. conduziu novamente o veículo à oficina da 1ª R. para que esta reparasse os danos que havia causado na embaladeira no dia 9/05/2017, o que foi feito.

32. Nos dias 13-11-17, 11-12-17, 19-12-17, 26-12-17, 19-1-18, 25-1-18, 1-2-18, 5-2-18, 9-2-18, 13-4-18, 12-6-18 (contando nesta última data com 50.870 kms) o veículo apresentou os sinais supra identificados no ponto 7., sendo que, de todas essas vezes, a A. levou-o à oficina da 1ª R. para reparação e recolheu-o no final de cada um desses dias sem que os tais sinais aparecessem no painel de instrumentos.

33. Acontece que, após ter sido sujeito a mais de 20 intervenções na oficina da 1ª R., sempre para resolver o problema para que alertavam os sinais supra identificados no ponto 7., as mesmas não alcançaram sucesso definitivo.

34. Tal sucede porque o veículo da A. padece de uma incapacidade de regeneração do filtro de partículas diesel e dos orifícios das sondas de oxigénio do veículo, o que torna impossível a viabilidade de utilização do veículo.

35. O que a A., só veio a tomar conhecimento por carta enviada pela Honda – Sõzõ Portugal, SA, em finais de maio de 2018 –doc. de fls. 23 e 24.

36. Para tentar resolver o problema do veículo para que alertam os sinais supra identificados no ponto 7., a 1ª R. já sujeitou o veículo às seguintes intervenções: reinício do sistema, troca de sensores, regeneração de sensores, colocação de sensores melhorados, reaprendizagem dos sensores, verificações técnicas com recolha de dado e fotografias.

37. Sem que tenha alguma vez tido sucesso de forma definitiva, pois, aproximadamente, de dois em dois meses, o filtro de partículas diesel e os orifícios das sondas de oxigénio do veículo ficam colmatados com fuligem, gerando os sinais de alerta supra identificados em 7. no painel de instrumentos, e o veículo não pode ser, normalmente, utilizado, sob pena de avaria do sistema de emissões e do motor.

38. Após receber a carta acima referida em 35., em junho de 2018, a A. solicitou uma reunião com os responsáveis da 1ª R. e com os representantes da Honda.

39. Tal reunião foi marcada para o dia 29-6-18, sendo que a A. compareceu na mesma na esperança de que lhe fosse efetivamente proposta uma solução para o problema do seu veículo, seja através da substituição por um veículo idêntico ou através do reembolso do dinheiro que havia despendido com a compra.

40. Todavia, a única solução que lhe foi proposta, após vistoriar, mais uma vez, o veículo nas instalações da 1ª R., foi que esta colocasse um aditivo a cada 5 depósitos de gasóleo, a ser suportado por si (A.), com o objetivo de dilatar o espaço de tempo entre avarias.

41. A A. foi ainda informada pela 1ª R., que teria de suportar as reparações que se afigurassem necessárias daí para a frente, pois a Honda  já não as iria suportar mais.

42. A situação referida em 34. determina que logo que os sinais supra identificados no ponto 7. apareçam, e o veículo não possa mais ser utilizado, sob pena de o sistema de controlo das emissões e o motor poderem ficar danificados.

43. Por via de toda esta situação, a A. sofreu, como continua a sofrer, muitos incómodos, transtornos, chatices, aborrecimentos e perdas no seu tempo de lazer, nomeadamente em deslocações para tentar resolver esta situação, recolha de elementos, documentos, testemunhas, envio de cartas, consultas na Deco, em advogado e reuniões com a R.

44. A A. ficou limitada de utilizar o referido veículo na sua plenitude, pois sempre que surgem os “avisos” identificados no ponto 7. já não pode dirigi-lo para onde quer e tem de imediato de se deslocar ao concessionário/oficina, em velocidade não superior a 50 kms/h.

45. A A. teve ainda que despender tempo nas mais de 20 deslocações que teve de efetuar com o veículo automóvel à oficina reparadora para averiguar a causa da deficiência que o mesmo apresentava e apresenta, bem como, ficou privada do seu veículo nesses dias, o que condicionou o seu horário e agenda.

46. Com a proposta que lhe foi apresentada para “resolver” o problema do seu veículo a expensas suas, para espaçar o surgimento da avaria, a A. sentiu-se enganada, ludibriada, incomodada, desgostosa e passou muitas noites sem dormir, sofreu nervosismo, ansiedade.

47. A 1ª R. é, além do mais, concessionária, em ..., da marca de automóveis ..., comercializando os mesmos, bem assim como explorando uma oficina de reparação automóvel.

48. Neste estabelecimento comercializa, como concessionária, veículos automóveis da marca Honda, que é representada em Portugal pela sociedade SÕZÕ Portugal, SA.

49. A sociedade SÕZÕ, SA, dedica-se à importação para o território português de veículos novos da marca HONDA, peças sobresselentes, acessórios e respetivos equipamentos e sua distribuição, através de uma rede comercial constituída por concessionários independentes a qual a 1ª R. integra.

50. É também por intermédio da SÕZÕ Portugal, SA, que a HONDA é representada no território nacional para efeitos de garantia legal e/ou contratual de que beneficiam as viaturas novas comercializadas na referida rede de concessionários, como é o caso da viatura objeto dos presentes autos.

51. A 1ª R., se autorizada pela Honda e pelo seu representante nacional, efetua reparações “ao abrigo da garantia”, tal como qualquer outro concessionário da marca no território nacional.

52. A 1ª R., após análise do sistema, presta um serviço de limpeza conhecido como “regeneração do filtro”, bem como por simpatia comercial a substituição dos sensores de medição do oxigénio.

53. Por uma questão de política comercial como usual, a 1ª R., não se opõe ao exercício de direitos de reparação ou mesmo substituição por parte de adquirentes por via da invocação da má utilização desses veículos a não ser que possua já dados concretos, suficientemente sólidos e precisos que lhe permitam concluir nesse sentido.

54. Por essa razão a 1ª R., para excluir qualquer possibilidade de defeito do componente, consultou os serviços técnicos da Honda, que garantiram estar, no veículo da A., tudo em conformidade com as definições do produtor do veículo.

55. A 1ª R. substituiu a sonda de oxigénio e promoveu diversas sessões de regeneração ativa em oficina, com aumento mecânico da temperatura e limpeza térmica do filtro partículas e sua regeneração.

56. A A. recebeu todas as informações sobre as regras e normas de uso do veículo, conforme documento de garantia junto a fls. 15.

57. O veículo não foi adquirido apenas para uso pessoal da A., uma vez que o mesmo é, mormente, conduzido pelo seu cônjuge que o utiliza durante o dia, designadamente para levar/ buscar a A. ao seu local de trabalho.

58. A A. deu ao veículo, o uso habitual e por isso, faz, de forma habitual, percursos no meio urbano.

59. A 1ª R., apenas por cortesia comercial, efetuou por diversas vezes a limpeza ao DPF, sem custos para a A.

60. A A. adquiriu a viatura com dois tipos de garantia, a legal (geral) e a contratual (H+2).

61. A marca Honda, tal como o seu importador em Portugal, aqui 2ª R., dá 3 anos de garantia ou 100.000 kms, em todos os seus veículos, ao consumidor final.

62. A marca Honda, assim como o seu importador em Portugal, oferece uma garantia suplementar de 2 anos, perfazendo um total de 5 anos de garantia.

63. Em certo tipo de componentes, como a estrutura e o chassi, a garantia pode chegar até aos 12 e 10 anos, respetivamente, tudo cf. doc. de fls. 55, denominado Contrato de Garantia Suplementar entregue a todos os clientes, juntamente com o Manual de Manutenção e Garantia.


III – Decidindo:

1. O caso que se nos apresenta é verdadeiramente elucidativo dos obstáculos com que os consumidores se debatem quando procuram fazer valer os seus direitos, mesmo em situações, como a que os autos retratam, em que não existe a menor dúvida quanto à aplicabilidade do regime de proteção concedido em casos de compra e venda defeituosa de bens de consumo como é o veículo automóvel adquirido pela A.

No caso concreto, apesar das vicissitudes por que a A. passou e continua a passar relacionadas com o veículo que adquiriu à R., concessionária da marca Honda, com garantia de 5 anos e até 100.00 kms, ainda teve de defrontar uma forte barreira argumentativa, tanto na 1ª instância como na Relação, que passou pela recusa da R. em assumir qualquer responsabilidade, sob o pretexto de que tem a qualidade de concessionária, remetendo-a para a Interveniente, e até pela alegação de que a repetição da avaria se deve à má utilização do veículo automóvel feita pela A., culminando na recusa do direito de resolução do contrato de compra e venda que a A. formulou como pedido principal, apesar de não ter logrado a reparação definitiva da avaria.

Ocorre que nenhuma dessas questões obteve a eco nas instâncias, começando logo pela falta de prova de factos decisivos que a R. e a Interveniente alegaram, a saber:

a) Fruto do uso inadequado do veículo automóvel aqui em análise, face as características técnicas e parâmetros de utilização definidos pela marca para o mesmo, ou uso exclusivo do veículo a velocidades ou percursos que não permitem o catalisador existente e o DPF atingirem temperaturas entre os 600º e os 800º C, não é possível ao sistema efetuar a regeneração de partículas e o DFP e os orifícios dondas oxigénio ficam colmatados por fuligem, sem possibilidade de regeneração e leitura da densidade de oxigénio.

b) O que leva a que exista inviabilidade de utilização do veículo e a luz indicadora de anomalia bem como de DFP se iluminem indicando um hipotético problema no DFP.

c) Inexiste qualquer defeito e a luz avisadora apenas se acende por uso do veículo inadequado pela A., ou seja, provêm de uma utilização inadequada do veículo automóvel aqui em análise, face as características técnicas e parâmetros de utilização definidos pela marca para o mesmo.

d) A A. fez habitualmente uso do veículo a baixas velocidades e quase exclusivamente em circuito urbano, razão pela qual inclusive, aquando da compra da viatura foi aconselhada a adquirir uma viatura a gasolina e não gasóleo dado que as primeiras não têm DFP e assim são compatíveis com uma utilização quase exclusivamente em percursos urbanos ou curtos como a A. pretendia.

e) Não cumprindo as normas constantes do manual de instruções e recomendações da marca e que lhe foram efetuadas pessoalmente pelo responsável de oficina da 1ª Ré.


h) Dado que o funcionário da 1ª R. conhecia os hábitos e rotinas da aqui A. aconselhou-a a adquirir uma viatura a gasolina e não a gasóleo dado que a primeira não possui DPF (Diesel Particulate Filter), sendo assim mais compatível com uma utilização em percursos urbanos e/ou curtos, como eram os da A.

i) A A., contrariamente ao que lhe havia sido sugerido, insistiu na aquisição de um veículo a gasóleo, argumentando que tinha intenção de usar a viatura para realizar viagens de automóvel de longo curso, dado que o marido estava agora reformado, tendo por isso o casal maior disponibilidade para viajar.

j) O ocorrido com o veículo da A. deve-se a uma caraterística intrínseca a este e a outras viaturas a gasóleo que cumprem a norma Euro 6.

k) Tais ocorrências devem-se a uma incorreta utilização do veículo, por parte da aqui A., que foi aconselhada a adquirir uma viatura a gasolina, sem filtro de partículas, aquando da compra do veículo ou a fazer uma utilização da mesma, conforme as suas caraterísticas específicas.

l) A A. foi alertada para tal facto, de todas as vezes que levou o veículo ao concessionário.

Para além da falta de prova de factos alegados pela R. ou pela Interveniente, a  defesa apresentada cedeu ainda a respeito do direito de resolução que tanto a 1ª instância como a Relação acabaram por reconhecer à A. em resultado da integração jurídica dos factos apurados, tendo em conta o disposto no regime de venda de bens de consumo instituído pelo DL nº 67/03, de 8-4, alterado e republicado pelo DL nº 84/08 de 21-5, conjugado com a Lei de Defesa do Consumidor (Lei nº 24/96 de 31/7), regime que inequivocamente colocou em segundo plano o regime geral de compra e venda de coisas defeituosas previsto nos arts. 913º e ss. do CC.

Refere-se no acórdão recorrido, quanto aos defeitos, o seguinte:

“Ainda relacionado com esta matéria e na sequência do que é referido na sentença recorrida, analisando o regime jurídico aplicável ao contrato de compra e venda do veículo em causa e de acordo com a jurisprudência já consolidada, é aplicável ao presente contrato, em primeira linha, o regime jurídico da venda de bens de consumo previsto no DL nº 67/03 de 8-4, alterado e republicado pelo DL 84/08 de 21-5, em conjugação com a Lei nº 24/96 de 31-7 (Lei de Defesa do Consumidor) e só subsidiariamente as regras previstas no Código Civil para o mesmo tipo contratual (cf. acórdãos do STJ de 1-10-15, rel. Abrantes Geraldes, proc. nº 279/10.0TBSTR e de 31-5-16, rel. Maria Clara Sottomayor, proc. nº 721/12.5TCFUN, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).


Por sua vez, o comprador/consumidor, em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, tem direito a que aquela conformidade seja reposta, sem encargos para si, por meio de reparação ou de substituição, assim como poderá optar pela redução adequada do preço ou mesmo resolver o contrato (art. 4º, nº 1, do DL nº 67/03).

Por outro lado, nos termos do disposto no art. 12º, nº 1, da LDC (Lei nº 24/96 de 31-7), o consumidor tem direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestações de serviços defeituosos.

Resulta dos factos provados acima transcritos que em 1-12-15 a A. comprou à R. um veículo automóvel da marca ..., novo, para seu uso pessoal, pelo preço de € 26.750,00, pago a pronto, que teve de ser levado, pelo menos 24 vezes, à oficina da Ré para reparação do mesmo tipo de avaria, o que sucede porque aquele veículo padece de uma incapacidade de regeneração do filtro de partículas diesel e dos orifícios das sondas de oxigénio.

Resulta, ainda, da factualidade apurada que o problema se mantém e que todas as intervenções levadas a cabo no veículo não foram aptas a colmatar definitivamente este problema de funcionamento do filtro de partículas, tendo sido proposta à A. uma única solução que não resolve definitivamente o problema, mas apenas dilata o intervalo de tempo em que esta avaria surge, a expensas suas. Esta anomalia de que padece o veículo da A. determina que logo que os “sinais de alerta” da avaria apareçam no painel de instrumentos, o veículo não possa mais ser utilizado, sob pena de o sistema de controlo das emissões e o motor poderem ficar danificados, devendo de imediato deslocar-se à oficina do concessionário, em velocidade não superior a 50kms/h, ficando assim a A. limitada na utilização do veículo na sua plenitude.

Dúvidas não restam, pois, que o veículo vendido pela R. à A. não apresenta as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que a A. podia razoavelmente esperar.

Como bem se refere na sentença recorrida, a demonstração desse circunstancialismo fáctico, revelador do mau funcionamento do veículo (pois não é suposto que o filtro de partículas não cumpra a sua função), integra o facto-índice da transcrita al. d) do nº 2 do art. 2º do DL 67/03, que faz presumir a não conformidade do veículo vendido pela R. com o contrato celebrado entre esta e a A.


E quanto ao direito de resolução que foi exercido pela A. na presente ação, como pedido principal, referiu a Relação:

“Defende a recorrente que o credor não tem, em princípio, o direito de resolver o negócio em consequência da mora do devedor, mas tão só o de exigir o cumprimento da obrigação e a indemnização pelos danos sofridos, já que o direito potestativo de resolução só é concedido no caso de impossibilidade culposa, como sustenta o art. 801º, nº 2, do CC.

Sucede que não é isso que prescreve tal preceito legal, mas o contrário como segue: “tendo a obrigação por fonte um contrato bilateral, o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolver o contrato e, se já tiver realizado a sua prestação, exigir a restituição dela por inteiro”.

Deste modo, é destituída de qualquer fundamento a argumentação da recorrente no sentido de que a A. não tem direito à resolução com base no preceituado no art. 801º, nº 2, do CC.

Entende, ainda, a recorrente que só se pode pôr termo ao contrato quando não for viável recorrer à eliminação do defeito ou à substituição da prestação, o que sustenta nos arts. 913º e 914º do CC, concluindo que para se decidir como decidiu o Tribunal a quo e obter a pretendida resolução, impunha-se que a A./recorrida tivesse provado que a R. e a Chamada estavam em mora e que, por força desta, desaparecera o seu interesse na manutenção do contrato, ou então que a convertera em incumprimento definitivo, nos termos que se assinalaram (art. 342º, nº 1, do CC), facto que não foi alegado nem resultou provado na sentença sob censura.

Acontece que a recorrente sustenta tal tese no regime geral da compra e venda, quando é certo que, no caso sub judice, por estar em causa um contrato de compra e venda de bem destinado ao consumo, se aplica a legislação de defesa do consumidor que dispõe de normas especiais relativamente às regras gerais do Código Civil previstas para o contrato de compra e venda, que derrogam aquelas normas gerais com as quais se revelem incompatíveis no seu campo de aplicação – o da relação de consumo - o que, aliás, a própria recorrente reconhece nas suas alegações (cf. Ac. da RG de 1-2-18, proc. nº 783/15.3T8FAF, disponível em www.dgsi.pt).

Significa isto que as normas especiais da Lei nº 24/96 de 31-7 (LDC) e do DL 67/03 de 8-4 (regime jurídico da venda de bens de consumo), ao preverem que os meios que o comprador que for consumidor tem ao seu dispor para reagir contra a venda de um objeto defeituoso, não têm qualquer hierarquização ou precedência na sua escolha e que tal escolha apenas está limitada pela impossibilidade do meio ou pelo abuso de direito, derrogam o regime geral da compra e venda.

Perante um objeto defeituoso sobre que incide uma compra e venda integrada numa relação de consumo, o consumidor tem um leque de meios de reação previstos no art. 4º, nº 1, do DL nº 67/03, de 8-4.

Este preceito estipula que em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato. E o seu nº 5 prescreve que o consumidor pode exercer qualquer dos direitos referidos nos números anteriores, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito, nos termos gerais.

Deste modo, de acordo com este preceito legal, a escolha do meio legal para ser usado pelo consumidor em caso de desconformidade do objeto com o contrato, deixou de estar hierarquizado como resultava da Diretiva nº 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de maio e que o DL nº 67/03 transpôs para o nosso direito interno.

Sendo que tal divergência em relação ao teor da Diretiva é legal por o conteúdo desta constituir o mínimo de proteção legal aos consumidores, imposta pela mesma, mas os Estados Membros ficam com a liberdade de estabelecer regime mais favorável aos consumidores, o que é o caso do regime da não hierarquização – art. 8º, nº 2, da Diretiva.

Esta foi a opção do legislador português, ao transpor a referida Diretiva, de estabelecer um regime mais favorável aos consumidores, precisamente por serem a parte mais fragilizada da relação contratual, como aliás é reconhecido pela recorrente que, a propósito desta regulamentação de proteção do consumidor, refere nas suas alegações o seguinte: “a razão de ser desta regulamentação, claramente mais protetora do consumidor consiste em haver o legislador considerado o comprador – que seja consumidor – a parte mais fraca no respetivo negócio de compra e venda”.


Todavia, ainda que assim se não entenda, a verdade é que, analisado o presente caso, e face à factualidade dada como provada, evidente se torna que mesmo que se defenda uma hierarquização dos meios legais de reação ao dispor da A. - direito à reparação/substituição do componente defeituoso ou redução do preço antes do direito à resolução, como defende a recorrente - este caminho também já foi percorrido.

Para tanto, basta ver os factos dados como provados nos pontos 3, 7, 11, 13 a 34 e 38 a 42 - isto porque de tal factualidade apurada resulta a realidade de que a Ré/recorrente não consegue reparar com sucesso o veículo em apreço.

Com efeito, foram, pelo menos, 24 as vezes que a A. levou o veículo à oficina da recorrente para que esta o reparasse, sendo que a mesma o sujeitou a todo o tipo de intervenções, mas sempre sem sucesso definitivo. O veículo continuou sempre a apresentar o mesmo defeito.

Sendo que foi a própria recorrente quem pôs termo às reparações do veículo a expensas dela, propondo como única “solução” para o veículo em causa que a A. colocasse um aditivo a cada 5 depósitos de combustível, a ser suportado por si (A.), com vista a dilatar o espaço de tempo entre avarias.

Deste modo, a A. não só deu, pelo menos, 24 oportunidades à recorrente para resolver definitivamente o defeito do seu veículo, correspondente a todas as vezes que o conduziu à oficina da recorrente para reparação, como ainda foi esta quem não quis conceder mais oportunidades à A.

Neste contexto, vir agora a recorrente defender a reparação dos defeitos do veículo, ou a redução adequada do preço da aquisição em substituição da decretada resolução do contrato, consubstancia o abuso de direito previsto no art. 334º do CC, na modalidade de venire contra factum proprium.

Nesta conformidade, naufragam os argumentos aduzidos pela recorrente para substituir o direito à resolução do contrato da A./recorrida, pelo alegado direito à reparação/substituição do componente defeituoso do veículo, escorados no regime geral da compra e venda constante do Código Civil.


Com efeito, o veículo da A. continua a padecer do mesmo defeito, que é grave, na medida em que inviabiliza a utilização do referido veículo e pode determinar, a qualquer momento, a destruição integral do motor, colocando definitivamente em causa a circulação, em segurança, do veículo, o que, a nosso ver, torna inexigível a manutenção do contrato, atenta a natureza do mesmo e de acordo com os ditames de boa fé, tanto mais que as inúmeras tentativas de reparação da avaria pela Ré excederam em muito o período temporal legal previsto no art. 4º, nº 2, do DL nº 67/03 de 8-4, situação esta que se arrastou por mais de 2 anos.

Estão, pois, reunidos todos os pressupostos para a imediata resolução do contrato de compra e venda de bem de consumo celebrado entre a A. e a Ré/recorrente, sendo certo que igualmente não resulta dos autos que a R. vendedora tenha manifestado vontade em proceder à substituição do veículo em causa por outro de características similares ou, mesmo até, que tenha aceitado reduzir o preço que a A. pagou pelo referido veículo”.


2. Fruto da falta de prova dos factos que a R. e a Interveniente Principal alegaram, assim como da improcedência das objeções jurídicas que uma e outra opuseram ao direito potestativo de resolução invocado pela A., encontra-se definitivamente reconhecida a resolução do contrato de compra e venda, uma vez que, nesta parte, o acórdão da Relação não foi objeto de impugnação.

Por outro lado, tendo o recurso de revista sido interposto pela A., o seu objeto circunscreve-se à determinação dos efeitos da resolução do contrato, já que a Relação, contrariando o que fora decidido pela 1ª instância que condenou a R. na devolução da totalidade do preço pago pela A., limitou o valor da restituição àquele que o veículo tiver na data em que se tenha tornado definitiva a resolução do contrato de compra e venda.

A anterior transcrição dos motivos que levaram a Relação a confirmar o reconhecimento do direito de resolução, com os fundamentos de facto e de direito que foram arrolados, acaba por evidenciar o erro em que incorreu posteriormente quando, nas circunstâncias do caso, decidiu alterar a sentença na parte restante, penalizando a parte que, desde o princípio, sofreu as consequências do defeito do veículo que ainda persiste, em benefício da R., apesar de nesta ação ter recusado a resolução do contrato e de tanto a R. como a Interveniente se terem revelado incapazes de solucionar definitivamente a avaria que o veículo apresentava e continua a apresentar.


3. A respeito dos efeitos da resolução decidiu a Relação que:

“Neste âmbito, pretende a recorrente que, caso se decida manter a decisão de resolução do contrato nos termos plasmados na sentença sob escrutínio, seja levada em consideração a desvalorização do veículo durante o período em que o mesmo esteve na posse da A., invocando o instituto do enriquecimento sem causa.

Para tanto, argumenta que a decisão recorrida, condenando na restituição integral do preço pago pela A. (€ 26.750,00), configura um enriquecimento injustificado, porquanto a A. ainda circulou com o veículo e deu-lhe destino que se desconhece durante cerca de 5 anos, pelo que, em face da desvalorização do mesmo, o seu valor comercial ascende a quantia não superior a € 10.500,00.

Ora, a resolução do contrato, na falta de disposição especial, tem como efeito legal, nos termos do art. 433º do CC, a aplicação do regime da nulidade e da anulabilidade, salvo o disposto nos artigos seguintes.

Por seu lado, o nº 1 do art. 434º do mesmo Código prescreve que a resolução tem efeito retroativo, salvo se a retroatividade contrariar a vontade das partes ou a finalidade da resolução. E o seu nº 2 prescreve que nos contratos de execução continuada ou periódica, a resolução não abrange as prestações já efetuadas, exceto se entre estas e a causa de resolução existir um vínculo que legitime a resolução de todas elas.

O art. 289º, nº 1, do mesmo diploma legal estipula que tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.

Em face destes preceitos, numa primeira análise, a A. teria de devolver o veículo comprado e a Ré/recorrente teria de devolver o preço contratual daquele.

Porém, muito ou pouco, a A. acabou por beneficiar do uso do veículo, circulando e utilizando o mesmo – tendo-se apurado que em 12-6-18 (data da última deslocação à oficina da Ré para reparação da avaria, que consta provada nos autos) já havia percorrido 50.870 kms - e essa utilidade decorreu e foi proporcionada pela compra e venda em causa, pelo que deveria devolver o veículo no estado da aquisição, ou seja, novo, com zero quilómetros percorridos e sem qualquer desgaste adicional, o que não se pode verificar, como é óbvio.

Desta forma a devolução do preço contratual pedida pela A. e a correspondente devolução do veículo por esta, com o uso e desgaste entretanto sofridos, envolveria, de facto, um enriquecimento sem causa por parte do autor (art. 473º do CC), violador da boa fé contratual (no mesmo sentido, cf. acórdãos do STJ de 5-5-15 acima referido e de 30-9-10, proc. nº 822/06.9TBVCT, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).

No acórdão do STJ de 30-9-10 supra citado, aquele tribunal superior já se pronunciou sobre uma questão idêntica, tendo concluído que: “não sendo possível ao autor restituir o automóvel tal como lhe foi entregue (nº 1 do art. 289º do CC), a recorrente só pode ser condenada a restituir o valor que o veículo tiver à data do trânsito em julgado desta decisão, cuja determinação igualmente se remete para liquidação, conforme o disposto no nº 2 do art. 661º do CPC, até ao limite dos € 12.500,00 pedidos, acrescidos dos juros, à taxa legal, que se vencerem até efetivo e integral pagamento”.

Também o Prof. Calvão da Silva defende idêntica posição (in Venda de Bens de Consumo, 4ª ed. p. 109) onde refere: “no reembolso ao consumidor do preço por força da resolução potestativa do contrato ou da actio quanti minoris, a eventual utilização do produto pelo consumidor pode justificar uma redução do valor a restituir (cf. o espírito do art. 434º, nº 2, do CC)”.

Nesta medida, não acompanhamos a argumentação que, neste particular, é expendida na sentença recorrida, quando designadamente concluiu que a R. teria de ser condenada a restituir à A. o valor pago pela compra do veículo, no montante de € 26.750,00.

Como vimos, resultou apurado nos autos que o veículo, apesar dos defeitos referidos no ponto 34 dos factos provados, em 12-6-018 (cerca de 2 anos e meio depois da compra) já tinha percorrido 50.870 Km, com o uso e desgaste inerentes à sua utilização.

Por outro lado, apesar de se ter provado que os referidos defeitos inviabilizam a normal utilização do veículo, não ficou demonstrado nos autos que a A., desde então, tivesse mantido o veículo imobilizado em qualquer lugar, sem o poder utilizar.

Pelo que fica dito, e tal como foi decidido pela jurisprudência em casos análogos (cf. acórdãos do STJ de 5-5-15 e de 30-9-10 e acórdão da RG de 1-2-18 acima referidos), em termos habituais, conquanto o comprador continuaria com o uso e fruição do respetivo veículo, o vendedor apenas estaria vinculado a restituir o valor do veículo reportado à data do trânsito em julgado da decisão judicial que determine tal restituição.

Nesta parte, terá de proceder o recurso de apelação interposto pela R., alterando-se a sentença recorrida no sentido de que o valor que a R. vendedora terá de restituir à A. em consequência da resolução do contrato de compra e venda em apreço, será o valor que o veículo tiver à data do trânsito em julgado da decisão que determine essa restituição, a fixar em posterior liquidação nos termos do art. 609º, nº 2, do CPC, ainda que sempre limitado ao valor inicialmente pago pela A. de € 26.750,00”.


4. Contra tal posição, objeta a A. que a matéria do enriquecimento sem causa que serviu de mote à redução do valor da restituição a cargo da R. não foi debatida nos articulados e apenas surgiu nas alegações apresentadas pela R. no precedente recurso de apelação. Por conseguinte, em seu entender, ao apreciar positivamente tal questão, a Relação excedeu o objeto do processo, o que determina a nulidade do acórdão.

Já na perspetiva do mérito de tal questão, considera a A. que a redução do valor a restituir pela R. constitui um prémio que lhe é concedido, apesar dos factos que foram apurados nos autos, redundando sempre na violação das regras da boa fé.


4.1. A Relação, apesar dos argumentos que tecera acerca da legitimidade do exercício do direito potestativo de resolução do contrato de compra e venda e da recusa dos argumentos que em sentido contrário foram arrolados pela R., modificou a sentença de 1ª instância e reduziu o valor da restituição nos termos referidos (ainda assim, a liquidar posteriormente).

É de assinalar que apenas depois de ter sido confrontada com a sentença que reconheceu à A. o direito de resolução e determinou a sua condenação na devolução do preço recebido a R. veio alegar no recurso de apelação que a restituição integral do preço determinaria uma situação de injustificado enriquecimento da A., tendo em conta que a utilização que esta deu ao veículo desde que foi outorgado o contrato de compra e venda.

Como a A. alega, a questão do enriquecimento injustificado não foi suscitada pela R. na fase apropriada, o que teria permitido a sua discussão não apenas na perspetiva dos elementos normativos, como ainda dos factos pertinentes.

A matéria do enriquecimento injustificado envolve simultaneamente aspetos de ordem jurídica e questões de facto (arts. 473º e ss. do CC). E se é verdade que a matéria de direito é de conhecimento oficioso, atento o disposto no art. 5º, nº 3, do CPC, os poderes do juiz a tal respeito não são ilimitados. Por outro lado, em sede de recurso, hão de ser compaginados com o respetivo objeto que não coincide necessariamente com o objeto da ação.

Ora, a R., na sua contestação, não ofereceu defesa atinente ao alegado enriquecimento da A. decorrente da utilização que esta deu ao veículo automóvel antes e na pendência da ação, matéria que de modo algum dispensaria a alegação dos factos pertinentes, focando-se noutras questões que não obtiveram procedência.


4.2. A questão que a R. suscitou no recurso de apelação poderia e deveria ter sido apresentada no articulado de contestação, inserida ou não na formulação de um pedido reconvencional como o que foi deduzido no processo de que emergiu o Ac. da Rel. de Guimarães, de 12-7-16, 771/14, www.dgsi.pt.

Está jurisprudencial e doutrinalmente assente que os recursos e designadamente o de apelação se destinam a reapreciar o que foi decidido pelo tribunal a quo e não a inserir questões novas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso e que, além disso, estejam sustentadas em factos oportunamente alegados e relativamente aos quais tenha sido possível o exercício de um contraditório alargado.

Neste contexto, ao relevar a questão do alegado enriquecimento injustificado, a Relação extravasou o objeto do processo, pois atribuiu relevo positivo a uma questão que, prejudicando a A., não fora inserida nos autos na ocasião apropriada, impedindo que se estabelecesse o contraditório de facto e de direito.


4.3. Porém, independentemente da anterior objeção de caráter formal, também não se verificam circunstâncias que legitimem a fixação da obrigação de restituição a cargo da R. em quantia inferior à do preço que por esta foi recebido.

A matéria de facto apurada revela inequivocamente que a responsabilidade pela situação gerada é exclusiva da R., na medida em que, perante uma situação de compra e venda de coisa defeituosa que, além de outras perturbações, determinou cerca de 24 intervenções para reparação do defeito detetado, nunca conseguiu um resultado satisfatório para a A. na fase pré-judicial. Além disso, na presente ação opôs-se de uma forma extrema à pretensão que a A. deduziu por exceção e impugnação de facto e de direito.

Adquirido o veículo automóvel em 1-12-15, com uma garantia de 5 anos e até 100.000 kms, decorridos que foram apenas dois meses, a A. detetou um defeito que, apesar das repetidas intervenções da R. e até da Interveniente, não obteve resolução definitiva.

Como o revela a matéria de facto provada:

- Para tentar resolver o problema do veículo para que alertam os sinais, a 1ª R. já sujeitou o veículo às seguintes intervenções: reinício do sistema, troca de sensores, regeneração de sensores, colocação de sensores melhorados, reaprendizagem dos sensores, verificações técnicas com recolha de dado e fotografias.

- Sem que tenha alguma vez tido sucesso de forma definitiva, pois, aproximadamente, de dois em dois meses, o filtro de partículas diesel e os orifícios das sondas de oxigénio do veículo ficam colmatados com fuligem, gerando os sinais de alerta supra no painel de instrumentos, e o veículo não pode ser, normalmente, utilizado, sob pena de avaria do sistema de emissões e do motor.

- O veículo continua a padecer de uma incapacidade de regeneração do filtro de partículas diesel e dos orifícios das sondas de oxigénio do veículo, o que torna impossível a viabilidade de utilização do veículo.

- A situação referida determina que logo que os sinais apareçam, e o veículo não possa mais ser utilizado, sob pena de o sistema de controlo das emissões e o motor poderem ficar danificados.

- A única solução que lhe foi proposta, após vistoriar, mais uma vez, o veículo nas instalações da 1ª R., foi que esta colocasse um aditivo a cada 5 depósitos de gasóleo, a ser suportado por si (A.), com o objetivo de dilatar o espaço de tempo entre avarias.

- A A. foi ainda informada pela 1ª R., que teria de suportar as reparações que se afigurassem necessárias daí para a frente, pois a ... já não as iria suportar mais.

- A A. ficou limitada de utilizar o referido veículo na sua plenitude, pois sempre que surgem os “avisos” identificados no ponto 7. já não pode dirigi-lo para onde quer e tem de imediato de se deslocar ao concessionário/oficina, em velocidade não superior a 50 kms/h.


4.4. Ora, estabilizada que se encontra a decisão judicial (acórdão da Relação), na parte em que reconheceu à A. o direito potestativo de resolução do contrato, com efeitos extintivos do mesmo e com a obrigação de cada uma das partes restituir o que recebeu, nos termos dos arts. 433º, 434º, nº 1, e 289º, nº 1, do CC, não existe motivo algum para evitar o efeito jurídico que emana de tais normativos e que obriga a R. a restituir à A. o valor recebido por conta do preço do veículo automóvel.

A solução declarada pela Relação de circunscrever a obrigação de restituição a cargo da R. ao valor que o veículo tiver na data do trânsito em julgado da decisão sobre a resolução do contrato acabaria por constituir um benefício que nem as circunstâncias do contrato, nem a atuação posterior da R., nem sequer a atuação processual justificaria.

É verdade que o veículo automóvel foi utilizado pela A., tendo percorrido, até junho de 2018, mais de 50.000 kms, mas as vicissitudes que rodearam tal utilização não permitem que se estabeleça uma condenação em montante inferior ao preço que a A. pagou.

A natureza e a duração do defeito que afeta o veículo automóvel, associada à inexistência de qualquer alternativa definitiva que permita a sua utilização normal, faz com que o valor de uso seja afetado e que o valor comercial seja cada vez mais baixo, não havendo razão alguma para, neste quadro, fazer recair sobre a A. o risco inerente a tal defeito ou o decorrente da demora no julgamento definitivo da presente ação que foi instaurada em 2018, quando se verifica que desde essa data a R. recusou qualquer outra intervenção que não fosse suportada pela A. e confrontou-a com uma solução que de modo algum satisfaria o objetivo de ter nas suas mãos um veículo automóvel que servisse os seus interesses.

A solução assumida pela Relação, para além de se defrontar com a falta de qualquer preceito que inequivocamente permita estabelecer uma redução do quantitativo a restituir, resulta de um entendimento doutrinal e jurisprudencial que tem que ser contextualizado, evitando-se a sua aplicação automática a toda e qualquer obrigação de restituição decorrente do exercício legítimo do direito de resolução.

É verdade que Brandão Proença, A Resolução do Contrato No Direito Civil, Do Enquadramento e do Regime, p. 173, depois de assinalar que o exercício do direito de resolução desencadeia uma eficácia retroativa entre as partes contratantes, conclui que tal se traduz numa relação de liquidação e que se, em regra, a reposição da situação anterior envolve a mera restituição das coisas prestadas, pode desencadear, em certos casos, a restituição do valor correspondente (ou do equivalente) pelo contraente que exerce o direito de resolução, quando se verificar a impossibilidade material da restituição ou em face da natureza jurídica da prestação entretanto efetuada.

Também Vaz Serra, BMJ 102º, p. 68, assinalava que no exercício do direito de resolução “as coisas não podem passar-se inteiramente como se nunca tivesse existido o contrato, pois este existiu de facto e dele podem ter surgido obrigações, direitos e situações não abrangidas pela razão de ser da resolução e que esta, portanto, não elimina, subsistindo não obstante ela”, concluindo que o disposto quanto à restituição deve ser entendido de harmonia com as regras do enriquecimento sem causa.

Foi, aliás, este juízo que interferiu no julgamento de alguns litígios em torno da resolução, da nulidade ou da anulabilidade de contratos de compra e venda de veículos automóveis, mas daí não decorre que, sem outros elementos de facto e, além disso, sem que a questão tenha sido legitimamente inscrita no objeto do processo e no objeto do recurso, o tribunal de 1ª instância ou os Tribunais Superiores possam ou devam aplicar a figura do enriquecimento sem causa.

Nos casos em que isso tem ocorrido, constata-se que a ponderação dos benefícios (valor da utilização) auferidos pela parte que pretende a restituição do preço surge geralmente na decorrência da alegação dos factos pertinentes, em sede de defesa por exceção ou mesmo de defesa por reconvenção, como aconteceu designadamente nos Acs. da Rel. de Guimarães, de 12-7-16, 771/14, e de 5-6-14, 1725/12, sendo este que precedeu e foi confirmado pelo Ac. do STJ, de 5-5-15, 1725/12, todos em www.dgsi.pt.

Por outro lado, o valor da redução nunca deveria ser aferido pelo valor do veículo na data da resolução definitiva, antes em função do valor económico da utilização que deve foi feita pelo adquirente, pois de outro modo, poderia dar-se o caso de o estado de conservação do veículo, agravado pela manutenção do defeito que a R. não conseguiu reparar em termos definitivos, levar a que na ocasião em que viesse a ser avaliado, o seu valor comercial fosse praticamente nulo, esvaziando por completo o direito de restituição do preço que a lei inequivocamente reconhece à parte que aciona o direito de resolução do contrato.


4.5. As reservas que colocamos a uma solução que aplique de forma generalizada a redução do valor da restituição encontram justificados motivos.

Com efeito, a ponderação do uso da coisa restituída em casos de resolução de contratos apenas está expressamente prevista para os contratos de execução continuada ou periódica, nos termos do nº 2 do art. 434º do CC, não havendo motivos para aplicar de pleno (menos ainda sem o precedente contraditório operado na altura adequada) a contratos, como o de compra e venda de veículo automóvel. Menos ainda em casos, como o presente, em que a adquirente formulou oportunamente o pedido de resolução, mas este foi injustificadamente negado pela vendedora com argumentos que não colheram o reconhecimento judicial.

Também não encontra apoio direto na norma do art. 289º, nº 1, do CC, para onde remete o art. 433º, já que a restituição do valor correspondente que aí se prevê, em lugar da restituição em espécie, está prevista unicamente para os casos em que esta não seja possível, o que não ocorre em casos de obrigações de natureza pecuniária.

Ademais, a redução generalizada do valor a restituir à parte que declara a resolução do contrato de compra e venda contraria a solução expressamente consagrada para outros casos específicos, como o evidencia o art. 801º, nº 2, do CC, nos termos do qual, em casos de incumprimento contratual, a parte que tiver realizado a sua prestação pode exigi-la por inteiro.

Acresce ainda que a A. optou por formular como pedido principal o de resolução do contrato, com restituição do preço que pagou. De acordo com o regime de venda defeituosa de bens de consumo, poderia ter optado pela condenação da R. na substituição do veículo por outro do mesmo modelo e preço, pedido que formulou em termos subsidiários, apenas para o caso de improceder o pedido principal que se traduzia na restituição integral do preço que entregou à R.

Neste contexto, a solução que foi declarada pela Relação representaria, na prática, o esvaziamento do conteúdo económico da pretensão principal e, além disso, prejudicaria definitivamente a possibilidade que a lei substantiva e adjetiva conferiam de desistir daquele pedido e de optar pelo de condenação da R. na substituição do veículo por outro.


4.6. Nas circunstâncias do caso, deve, pois, ser adotada a solução que determina para o vendedor o risco inerente à deterioração ou ao uso do bem até à sua restituição, pois de outro modo poderia dar-se o efeito paradoxal de quanto mais longa fosse a demora na atuação da R. ou na estabilização da decisão que reconheceu o direito de resolução, menor seria o quantitativo a pagar à A., com tendência para a sua completa anulação.

Por outro lado, num caso em que notoriamente o veículo automóvel apresentou desde o início e continua a apresentar um defeito que põe em causa a segurança da circulação, defeito que nem a R. nem a representante da marca Honda conseguiram reparar, a aludida solução levaria a que fosse a A., sem qualquer responsabilidade no caso, a suportar a desvalorização praticamente absoluta do veículo automóvel, uma vez que perante aquele defeito e atenta a data de matrícula – agindo os interessados de boa fé – o seu valor comercial seria cada vez menor, numa curva descendente que tenderia para o valor zero.

O caso presente não encontra paralelo no que foi apreciado no Ac. do STJ, de 5-5-15, 1725/12, wwww.dgsi.pt, que foi mencionado pela Relação. Aí se concluiu que “apurando-se que o veículo vendido, apesar dos defeitos não eliminados, continuou a circular sem limitações na respetiva capacidade de circulação e sem afetar a segurança dos passageiros, percorrendo, em três anos e meio, 59.000 kms, a devolução do valor do veículo a efetuar pelo devedor, em consequência da resolução e como correspetivo da devolução do carro, deve limitar-se ao valor deste, na data do trânsito em julgado”. Todavia, em tal caso, para além de a questão da dedução ter suscitada na fase dos articulados, a solução adotada foi assim motivada:

“Também se provou que tais defeitos não põem em causa a segurança dos passageiros.

Apurou-se ainda que o veículo, apesar dos referidos defeitos, em 24-2-12 já tinha percorrido 37.639 kms e que o A. confessou em julgamento que continuava a usar o veículo e que em setembro de 2013 tinha já percorrido 59.000 kms.

Daqui resulta que apesar dos defeitos do veículo, este tem tido uma utilização intensa por parte do A., pelo que é razoável que essa utilização e subsequente desgaste ou desvalorização seja descontada no valor a devolver pela recorrente em consequência da resolução do negócio”.

As circunstâncias do caso também não se equiparam às que rodearam o que foi apreciado no Ac. do STJ 30-9-10, 822/06, www.dgsi.pt, igualmente citado pela Relação, já que em tal caso a redução do valor a restituir tinha subjacente uma situação em que o veículo fora utilizado normalmente pelo adquirente, situação bem diversa daquela que emerge dos factos que no caso presente se provaram.

Por fim, também não encontra paralelo na situação apreciada no Ac. do STJ, de 24-3-11, 52/06, para um caso de anulação do contrato de compra e venda em que a questão foi abertamente colocada pela R. na contestação. Além disso, em lugar de ser ponderado o valor do veículo na data da restituição, repercutindo no autor os efeitos da sua desvalorização, como a R. pedira, foi ponderado o valor da utilização que o A. lhe deu.


4.7. A solução adotada pela Relação poderia, porventura, justificar-se – ressalvado o necessário debate nos articulados – se acaso fosse evidenciado um desfasamento entre a amplitude da obrigação de restituição e as circunstâncias que rodearam o contrato ou a atuação da R. antes e ao longo do presente processo. De modo algum se justifica transferir para a A. o risco da persistência do contrato, depois de estoicamente ter aguardado pelo sucesso das 24 intervenções da R., durante mais de 2 anos, sem, no entanto, ter conseguido a reparação definitiva do defeito, antes de formular na presente ação o pedido de resolução que, apesar das circunstâncias referidas, se debateu com uma forte oposição por parte da R.

Pressuposto o mesmo debate, uma solução paliativa que, porventura, desagravasse a obrigação de restituição a cargo da R. poderia justificar-se se acaso a A. tivesse feito do veículo automóvel uma utilização normal, sem os sobressaltos decorrentes dos repetidos avisos de avaria que continuaram a surgir no painel de instrumentos e que obrigavam à imediata paralisação do veículo e condução do mesmo à oficina da R.

Naturalmente que, em função do que a matéria de facto revela e das regras de experiência, a operacionalidade do veículo ficou sempre condicionada quer pelas sucessivas avarias, quer pelo receio da sua ocorrência em qualquer momento, apesar de ter sido adquirido em estado novo, pago a pronto pagamento e com uma garantia de 5 anos ou de 100.000 kms.

Neste contexto, independentemente do excesso de pronúncia que foi assinalado, as circunstâncias objetivas e subjetivas do caso de modo algum justificariam qualquer redução do valor a restituir pela R.


IV - Face ao exposto, acorda-se em conceder a revista interposta pela A., revogando-se o acórdão recorrido e repristinando-se a sentença de 1ª instância.

Custas da revista e da apelação a cargo da R.

Notifique.

Lisboa, 14-10-21


Abrantes Geraldes (relator)

Tomé Gomes

Maria da Graça Trigo