Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
054124
Nº Convencional: JSTJ00008192
Relator: CAMPELO DE ANDRADE
Descritores: ACÇÃO DE DESPEJO
ARRENDAMENTO
CUMPRIMENTO DO CONTRATO
RESCISÃO DE CONTRATO
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ195006290541241
Data do Acordão: 06/29/1950
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Referência de Publicação: DG IªS 13-07-1950; BMJ 19, 274
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO
Decisão: UNIFORMIZADA JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO 8/1950
Área Temática: DIR PROC CIV. DIR CIV - DIR CONTRAT / TEORIA GERAL.
Legislação Nacional: CPC39 ARTIGO 29 PARUNICO ARTIGO 199 ARTIGO 274 ARTIGO 765 ARTIGO 766 ARTIGO 767 PARUNICO ARTIGO 977 PAR1.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1948/10/12 IN BMJ N9 PAG189.
ACÓRDÃO STJ DE 1943/12/07 IN BOL OF ANO3 PAG501.
Sumário :
O processo especial de despejo e o meio proprio para se pedir a rescisão, por infracção das suas clausulas, de um contrato valido de arrendamento.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, em sessão plena:

A Companhia A, com sede nesta cidade, propos na comarca de Lisboa acção de processo ordinario contra a firma "B Limitada" que aqui tambem tem a sua sede, alegando essencialmente que, tendo dado de arrendamento a essa firma, por escritura publica de 13 de Dezembro de 1932, o terceiro andar de um predio urbano, sito em Lisboa, na Rua Nova do Almada, n. 53, a mesma firma, contrariando o estipulado naquela escritura, tem executado determinadas obras no aludido terceiro andar, sem autorização da autora.
E pediu em conclusão:


1 - Que se ordene a demolição dessas obras, repondo a re o mencionado terceiro andar no estado em que ele se encontrava a data do inicio das mesmas obras;


2 - Que a re seja condenada a indemnizar a autora pelos prejuizos causados, a liquidar em execução de sentença;


3 - Que se declare rescindido, por culpa da re, e com todas as consequencias legais, o contrato de arrendamento titulado pela referida escritura.
Tendo a re alegado, na contestação, alem do mais que aqui não interessa, a inviabilidade da acção, o Juiz, no despacho saneador, julgando viaveis os dois primeiros pedidos, nada obstando a que eles possam cumular-se, entendeu, porem, quanto ao pedido formulado em terceiro lugar, isto e, quanto ao pedido de rescisão do contrato de arrendamento com todas as consequencias legais, que, cabendo aos dois primeiros pedidos a forma do processo comum, e correspondendo ao terceiro o processo especial do artigo 977 do Codigo de Processo Civil, por força do disposto no paragrafo 1 desse artigo, e inadmissivel a cumulação desse terceiro pedido com os outros dois, visto o que se preceitua no paragrafo unico do artigo
29 e no artigo 274, ambos daquele Codigo.


Por isso, e tendo em conta o disposto no artigo 199 do Codigo citado, anulou o processo, incluindo a petição, na parte referente ao pedido de rescisão do contrato, e ordenou que a causa seguisse os seus termos quanto aos dois outros pedidos.


Agravou a autora desse despacho na parte desfavoravel, isto e, na parte em que nele se decidiu que o meio competente para se pedir a rescisão do contrato de arrendamento por infracção das suas clausulas e o processo especial do artigo 977 do Codigo de Processo Civil, por força do paragrafo 1 desse artigo, e não o processo comum, e naquela em que, como consequencia, se anulou o processo quanto a esse pedido.


Mas a Relação de Lisboa negou provimento ao agravo por seu acordão de folhas 106.


E, em agravo que desse acordão a autora interpos para este Supremo Tribunal, tambem não obteve provimento, como se ve do acordão de folhas 174.
Recorreu então a autora para o Tribunal Pleno do dito acordão de folhas 174, alegando haver oposição sobre a mesma questão de direito entre esse acordão e o acordão, tambem deste Supremo Tribunal, de 7 de Dezembro de 1943, publicado no Boletim Oficial do Ministerio da Justiça, ano III, pagina 501.


Admitido o recurso e observado o disposto nos artigos
765 e 766 do Codigo de Processo Civil, decidiu-se no acordão de folhas 214 que o recurso seguisse os seus termos, por se ter entendido que existe a alegada oposição entre o acordão recorrido e o de 1943.


Em seguida, alegaram as partes, sustentando a autora, recorrente, que e o processo comum e não o processo especial de despejo, o meio proprio para se pedir a rescisão de um contrato de arrendamento com base na infracção das suas clausulas, e defendendo a re, recorrida, tese oposta, isto e, a de que e o processo especial de despejo e não o processo comum o meio competente para se pedir a rescisão dum tal contrato com esse fundamento.
E o digno Magistrado do Ministerio Publico, no seu douto parecer de folhas 233 e seguintes, tambem entende, como a recorrida, que e o processo especial de despejo o meio a empregar quando se peça rescisão em tais condições, devendo, por isso, proferir-se assento nesse sentido.
Nada impedindo que do recurso se tome conhecimento, passemos a aprecia-lo.
O ponto de direito sujeito a apreciação deste Tribunal consiste em decidir, como se ve do precedente relatorio, qual o meio competente para se decidir a rescisão de um contrato de arrendamento por infracção das suas clausulas, isto e, se esse meio e o processo comum, como entende a recorrente, ou o processo especial de despejo, como se resolveu no acordão recorrido, e conforme entende a recorrida e tambem o digno Magistrado do Ministerio Publico.


Antes, porem, de prosseguirmos, cumpre verificar se existe ou não a oposição invocada pela recorrente entre o acordão de 1943 e o acordão recorrido, visto que, nos termos do paragrafo unico do artigo 767 do Codigo de Processo Civil, o facto do acordão de folhas 214 ter reconhecido a existencia da oposição não obsta a que em Tribunal Pleno se decida o contrario.
Vejamos, pois:


Na hipotese do acordão de 7 de Dezembro de 1943, tratava-se de uma acção de processo ordinario em que a autora nessa acção, alegando que a re infringira uma clausula do contrato entre ambas celebrado por escritura publica de 14 de Janeiro de 1941 (contrato que nessa escritura era referido como de arrendamento) pediu em conclusão:


1 - Que se mantivessem umas providencias cautelares que haviam sido ordenadas;
2 - Que se julgasse rescindido e de nenhum efeito aquele contrato, condenando-se a re a abrir mão e a entregar a autora as dependencias que estava ocupando por força de tal contrato;


3 - Que se condenasse a re a pagar a autora determinada indemnização.
E decidiu-se nesse acordão julgar valido o processo para os fins indicados na petição inicial.


Como se ve, no citado acordão de 1943 julgou-se competente o processo comum para se pedir a rescisão de um contrato de arrendamento por infracção de uma das suas clausulas.


Ora, no acordão recorrido versa-se hipotese identica.
A autora, invocando um contrato de arrendamento celebrado com a re, e alegando que esta infringiu algumas clausulas desse contrato, pede, alem do mais que não interessa, que se declare rescindindo o aludido contrato por virtude de tal infracção.


Mas nesse acordão, em oposição ao acordão de 1943, julgou-se que o meio proprio para se pedir a rescisão de um contrato de arrendamento por infracção das suas clausulas e o processo especial de despejo e não o processo comum.


E, assim, evidente que em ambos os acordãos - o recorrido e o de 1943 - se decidiu a mesma questão de direito, mas em sentido oposto.
Assente, portanto, que existe entre os dois acordãos oposição sobre a mesma questão de direito, e sendo inegavel que eles foram proferidos em processos diferentes e no dominio da mesma legislação, cumpre agora apreciar e resolver o conflito, fixando em assento a melhor doutrina, aquela que melhor se ajuste a letra e ao espirito da lei.


O Codigo de Processo Civil estabelece e regula no Capitulo II do Titulo IV do seu Livro III o processo especial de cessação do arrendamento.
E, ao indicar na Secção I do Capitulo II os meios de que pode servir-se o senhorio para fazer cessar o arrendamento, estabelece no artigo 977 o processo a seguir quando o senhorio queira obter o despejo imediato, preceituando-se no paragrafo 1 desse artigo que tal processo e aplicavel em todos os casos em que se pretenda fazer cessar imediatamente o arrendamento, seja qual for o motivo.


Como se ve, a acção prevista nesse artigo 977 tem de ser proposta pelo senhorio contra o arrendatario, com base num contrato de arrendamento e tendo por fim o despejo imediato.


Ora, a autora, recorrente, invoca um contrato de arrendamento cuja validade não e posta em duvida.


Apresenta-se na qualidade de senhoria do andar arrendado, e dirige a acção contra a re, como arrendataria.


Tanto basta para estarmos perante uma acção de despejo.
E certo que a autora não pede abertamente o despejo imediato, nem tão-pouco pede claramente que se faça cessar imediatamente o arrendamento.
Mas pede a rescisão do contrato de arrendamento, não porque este não seja valido, mas porque a re, segundo a autora alega, infringiu algumas clausulas desse contrato.


Ora, pedir a rescisão de um contrato cuja validade não e posta em duvida, não e mais que pedir a cessação imediata de tal contrato.
E, no caso dos autos, pedir que se faça cessar imediatamente o arrendamento, o que e o mesmo que pretender o despejo imediato.
Em tais condições, ao pedido de rescisão do contrato de arrendamento por infracção das suas clausulas corresponde o processo especial de despejo referido no artigo 977 do Codigo de Processo Civil, por virtude do disposto no paragrafo 1 desse artigo.


Por tudo quanto fica exposto, negam provimento ao recurso, mantem o acordão recorrido e estabelecem o seguinte Assento:


"O processo especial de despejo e o meio proprio para se pedir a rescisão, por infracção das suas clausulas, de um contrato valido de arrendamento".


E condenam nas custas a recorrente.



Lisboa, 29 de Junho de 1950


Campelo de Andrade (Relator) - Bordalo de Sa - A. Bartolo
- Jaime de Almeida Ribeiro - A. Cruz Alvura - Alvaro Ponces - Roberto Martins - Rocha Ferreira - Raul Duque - Artur A. Ribeiro - Antonio de Magalhães Barros - Pedro de Albuquerque - Jose de Abreu Coutinho - Lencastre da Veiga (Vencido: posta a acção na base de rescisão de contrato, entendi que o meio proprio era o do processo comum, não tendo, pois, aplicação o paragrafo 1 do artigo 977 do Codigo de Processo Civil).