Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2468/16.4T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: CABRAL TAVARES
Descritores: NEXO DE CAUSALIDADE
DEVER DE INFORMAÇÃO
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
OBRIGAÇÃO
APLICAÇÃO FINANCEIRA
ERRO
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
BANCO
INCUMPRIMENTO
ILICITUDE
TEORIA DA CAUSALIDADE ADEQUADA
PRESSUPOSTOS
GRUPO DE EMPRESAS
DEPÓSITO BANCÁRIO
BOA FÉ
DEVER ACESSÓRIO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Data do Acordão: 11/06/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO MOBILIÁRIO – INFORMAÇÃO / INTERMEDIAÇÃO / PRINCÍPIOS / CONFLITOS DE INTERESSES E REALIZAÇÃO DE OPERAÇÕES PESSOAIS / DEFESA DO MERCADO.
DIREITO BANCÁRIO – SUPERVISÃO COMPORTAMENTAL / REGRAS DE CONDUTA / COMPETÊNCIA TÉCNICA / OUTROS DEVERES DE CONDUTA.
Doutrina:
- Antunes Varela, Das Obrigações Em Geral, I, 10.ª Edição, p. 894;
- F. Canabarro Teixeira, Os Deveres de Informação dos Intermediários Financeiros em Relação a seus Clientes e sua Responsabilidade Civil, Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 31, 2008;
- Fátima Gomes, Contratos de Intermediação Financeira, Sumário Alargado, Estudos dedicados ao Prof. Doutor Mário Júlio Almeida Costa, UCP Editora, 2002;
- Gonçalo Castilho dos Santos, A responsabilidade civil do intermediário financeiro perante o cliente, Almedina, 2008;
- J. Fazenda Martins, Deveres dos Intermediários Financeiros, em Especial, os Deveres para com os Clientes e o Mercado, in Cadernos do Mercado dos Valores Mobiliários, n.º 7, 2000;
- José Engrácia Antunes, Deveres e Responsabilidade do Intermediário Financeiro, in Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 56, 2017, p. 41, 44 e 45;
- Menezes Cordeiro, Responsabilidade bancária, deveres acessórios e nexo de causalidade, parecer junto aos autos e publicado em Estudos de Direito Bancário, Volume I, Almedina, Fevereiro de 2018 ; Das Obrigações, p. 899;
- Menezes Leitão, Actividades de Intermediação e Responsabilidade dos Intermediários Financeiros, in Direito dos Valores Mobiliários, Volume II, Coimbra Editora, 2000;
- P. Miguel Rodrigues, A Intermediação Financeira: Em Especial, os Deveres de Informação do Intermediário Perante o Cliente, Data Venia, n.º 1, 2013;
- Paulo Câmara, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 3.ª Edição, 2016;
- Rui Pinto Duarte, Contratos de Intermediação Financeira no Código dos Valores Mobiliários;
- S. Nascimento Rodrigues, A Proteção dos Investidores em Valores Mobiliários, Almedina, Coimbra, 2001.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DOS VALORES MOBILIÁRIOS (CVM): - ARTIGOS 7.º, N.º 1, 304.º, N.ºS 1 E 2, 309.º, 310.º, 312.º, N.ºS 1 E 2
REGIME GERAL DAS INSTITUIÇÕES DE CRÉDITO E SOCIEDADES FINANCEIRAS (RGICSF): - ARTIGOS 73.º E 74.º.
Legislação Comunitária:
REGULAMENTO DA CMVM 12/2000: - ARTIGO 39.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 10-01-2013, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 06-06-2013, , IN WWW.DGSI.PT;
- DE 06-02-2014, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 17-03-2016, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 12-01-2017, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 10-04-2018, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 05-06-2018, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 13-09-2018, PROCESSO N.º 13809/16;
- DE 18-09-2018, PROCESSO N.º 20329/16, IN WWW.DGSI.PT;
- 18-09-2018, PROCESSO N.º 20403/16, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 04-10-2018, PROCESSO N.º 1236/15;
- DE 11-10-2018, PROCESSO N.º 2339/16.
Sumário :

I - A informação «constitui um pilar na avaliação do investimento em valores mobiliários e na própria eficiência do mercado», nela devendo cumprir-se os requisitos qualitativos estabelecidos no art. 7º do CVM, requisitos esses precisados, já no período de vigência do DL 357-A/2007, no art. 312º-A do mesmo código.

II - Os deveres de informação, a que o intermediário financeiro se encontra vinculado – com o correspondente direito à informação da contraparte, o investidor/cliente –, a par da assinalada eficiência do mercado, visam a proteção dos interesses do cliente/investidor, dando prevalência a estes, relativamente aos seus próprios interesses, ou com os mesmos relacionados, sendo a prescrita atuação, na observância do princípio da boa-fé, a de um diligentissimus pater familias (CVM, arts. 304º, nºs. 1 e 2, 309º, nº 3 e 310º).

III - Tais deveres, enquanto deveres de informação pré-contratual, podendo ser funcionalmente ordenados como deveres acessórios de conduta, relativamente ao dever de prestar emergente de determinado contrato de intermediação financeira, constituem, eles próprios, deveres de prestar, autonomamente valorados na disciplina da específica relação obrigacional, designadamente para efeitos do seu incumprimento, nos termos previstos no art. 314º do CVM (na redação originária do DL 486/99).

IV - O âmbito funcional do dever de informação é determinado por uma regra de proporcionalidade inversa entre a densidade daquele dever por parte do intermediário e o grau de conhecimentos e experiência do cliente (nº 2 do art. 312º do CVM).

V - Sendo de categorizar os Recorrentes como investidores não qualificados, o cumprimento do dever de informar demanda um mais elevado grau de extensão e densidade, a ser correlacionado com o dever da contraparte de adotar um comportamento diligente, visando o seu total esclarecimento, bem como o manifestado maior ou menor empenho com esse fim.

VI - Demonstrando-se que o Banco Réu, recorrendo «a técnicas agressivas de venda», numa «atuação deliberada e concertada para a venda deste produto o qual tinha um prazo de subscrição muito curto», apresentou aos Recorrentes as obrigações, informando-os de que se tratava, «em termos de segurança, de um produto semelhante a um depósito a prazo e que o respetivo capital se encontrava garantido pelo emitente», podendo eles «resgatar o capital investido, em qualquer altura», sem que lhes fosse explicado o que eram obrigações subordinadas, radicando nessas mesmas informações as representações erróneas por parte dos Recorrentes, os quais tinham os interlocutores como «pessoas íntegras», dotados de elevados níveis de competência técnica e atuando com diligência, neutralidade, lealdade (Arts. 73º e 74º do RGICSF), tendo o mantido relacionamento bancário entre eles há mais de 15 anos consolidado a base de confiança gerada para a prática de novos atos, não era, nestas circunstâncias, à luz do dever geral de diligência, que aos Recorrentes fosse exigida uma conduta de aprofundamento crítico das informações prestadas pelo Banco.

VII No circunstancialismo considerado, não observou o Banco os elevados padrões de diligência, lealdade e transparência que lhe eram legalmente exigíveis para a prestação de uma informação completa, verdadeira, clara e objetiva, relativamente às propostas de subscrição por si mesmo apresentadas, não facultando aos Recorrentes, seus clientes, investidores não qualificados, uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, desse modo tendo incorrido em violação dos deveres de informação, aos quais, na sua atividade de intermediação, se encontrava vinculado (arts. 7º, nº 1, 304º, 312º, nºs. 1 e 2 do CVM; art. 39º, nº 1 do Regulamento da CMVM 12/2000).

VIII – Não se verifica, no caso, o requisito relativo ao estabelecimento do nexo de causalidade, interpretado e aplicado o art. 563º do CC à luz da formulação negativa da teoria da causalidade adequada, conforme jurisprudência recorrente deste tribunal. Não resulta dos factos assentes pelas instâncias que os danos invocados pelos Recorrentes devam ser adequadamente imputados à violação do bem tutelado; para tanto, haveriam de demonstrar que, tendo o Réu inteira e claramente cumprido os seu deveres de informação (esclarecendo designadamente que as propostas tinham por objeto obrigações subordinadas, sendo o capital garantido não como um depósito a prazo, nem pelo Banco, mas – com sujeição de cláusula de subordinação – por terceira entidade), não teriam investido nas aplicações propostas.

Decisão Texto Integral:

Acordam, na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:


I

1. AA, BB e CC, Lda. (CC), intentaram ação contra DD, SA, pedindo a condenação deste a pagar-lhes a quantia de € 105.021,92, acrescida de juros de mora à taxa supletiva legal para as operações comerciais, contados sobre € 100.000,00, desde a citação e até integral pagamento.

Alegaram, em síntese, que o FF, à data dos factos, era detido totalmente pela EE, SA (EE) e tinham ambos o mesmo presidente do conselho de administração; desde pelo menos 1993 que o FF estava registado como intermediário financeiro, tendo o dever de categorizar os autores como investidores não qualificados; O 2º A. tinha no FF, em Outubro de 2004, um depósito a prazo no montante e € 50.000,00; O FF em 2004 lançou uma operação de emissão de obrigações subordinadas EE, a 10 anos, cujos valores captados serviram para reforçar os rácios de capital do FF, tendo sido dadas instruções aos funcionários para não ser entregue aos clientes a nota informativa do produto e para ser vendido como um sucedâneo de um depósito a prazo: O 2º A. acreditou tratar-se de investimento seguro, 100% garantido e em data indeterminada de Outubro de 2004 subscreveu o boletim de subscrição de uma obrigação EE Rendimento Mais 2004, no valor nominal de 50 000€, pensando tratar-se de um sucedâneo de depósito a prazo mas melhor remunerado; não foi dada ao autor nota informativa da operação, mas os funcionários do banco informaram que se tratava de produto sem qualquer risco, que o banco garantia o retorno dos valores em causa e que o podia resgatar em qualquer altura, o que convenceu o autor; ao mesmo não foi dito, nem o próprio sabia, que o empréstimo só poderia ser reembolsado a partir de Outubro de 2014; se o soubesse, não teria aceitado subscrever o produto, o que era do conhecimento dos funcionários do banco; em 30/06/2015, o 2º A. transferiu a titularidade da obrigação EE Rendimento Mais 2004 para a 1ª A.; em 2006, o FF voltou a realizar uma operação financeira nos mesmos moldes da de 2004; tratou-se da emissão de 1.000 obrigações subordinadas, no valor nominal de € 50.000,00 e global de € 50.000.000,00, com pagamento a 10 anos, denominadas EE 2006; tudo se passou como aquando da emissão da obrigação EE Rendimento Mais 2004, não tendo sido fornecida aos 2º e 3ª AA. a nota informativa do produto financeiro; a 3ª A., na pessoa do 2º A., foi seduzida a subscrever o boletim de subscrição de uma obrigação EE 2006, no valor nominal de € 50.000, o que teve lugar em Abril de 2006; em 15/03/2015, a 3ª A. transferiu a titularidade da obrigação EE 2006 para a 1ª A.; os títulos em causa encontram-se atualmente depositados na carteira de títulos da 1ª A. junto do Banco R.; os valores mobiliários em questão não estavam à data depositados em qualquer conta de valores mobiliários escriturais do FF ou da EE; o FF não forneceu informação sobre a relação que tinha com a EE; o FF violou os deveres de proteção e de informação, constituindo-se, assim, na obrigação de indemnizar os AA.; tal indemnização abrange o dano emergente e o lucro cessante, ou seja, os valores entregues pela A. e os juros de mora contados a partir da citação; os 2º e 3ª AA. são partes legítimas e têm interesse em demandar, pois, se o valor das obrigações e dos respetivos juros não for restituído pelo Banco R., terão aqueles que o fazer em relação à 1ª A.

O Réu contestou, por exceção, invocando a (i) ineptidão da petição inicial, (ii) ilegitimidade dos AA e (iii) prescrição do direito dos autores, ao abrigo do art. 324º do CVM; por impugnação, alegando que, quando os Autores subscreveram as obrigações, tinham perfeito conhecimento dos produtos em causa, tendo-lhe sido explicada a sua natureza, condições de remuneração, reembolso e liquidez; sabiam que não estavam a contratar um depósito a prazo ou sequer um produto equivalente; foi informado aos Autores que a única forma dos mesmos obterem liquidez antes do prazo de 10 anos seria através de cedência das obrigações a um terceiro; os Autores receberam sempre o extrato mensal no qual figuram as obrigações na sua carteira de títulos e receberam os cupões de juros e nunca efetuaram qualquer reclamação; negou que o banco réu tenha garantido o pagamento da emissão das obrigações.

Responderam os Autores responderam às exceções.

Foi realizada audiência prévia, tendo sido julgada improcedente a exceção de ineptidão da petição inicial e relegado para final o conhecimento das exceções de ilegitimidade dos AA. e da prescrição.

Foi proferida sentença julgando a ação improcedente e absolvendo o Réu do pedido.

2. Apelaram os Autores, impugnando a decisão em matéria de facto e de direito.

A Relação apenas aditou à matéria de facto fixada pela 1ª instância o nº 32, tendo no mais indeferido a impugnação, entendendo alguns dos factos que os AA. pretendiam provados, como redundantes ou prejudicados, relativamente aos já considerados assentes.

Julgou parcialmente procedente a apelação, condenando a Ré a pagar ao Autor BB a quantia de cinquenta mil euros, acrescida de juros à taxa legal de 4% desde a data da citação até integral pagamento, no mais julgando-a improcedente.

3. Pedem revista Autores e Réu.

3.1. Formulam os primeiros, a final da alegação, as seguintes conclusões:

«A. Entendeu o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, depois de percorrer todo um iter logico (ao contrário da 1ª instância), que o Banco recorrido violou os seus deveres enquanto intermediário financeiro, tendo agido ilicitamente e incorrendo por isso em responsabilidade.

B. Não obstante, acabou por concluir que, no caso em apreço, os fundamentos da indemnização são respeitantes apenas à pessoa da 3ª autora, pelo que, a ter-se consumado o dano, a 3ª autora seria a titular, única e originária, da indemnização peticionada a título de responsabilidade civil delitual.

C. O Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, pese embora tenha identificado as transmissões dos autos como "cessão de créditos", parece, contudo, ter entendido que, com estas, ocorreu também a transmissão da indemnização por incumprimento contratual ou por impossibilidade culposa da prestação, não tendo sido capaz de dar o passo lógico seguinte, que seja o de averiguar em cuja esfera jurídica se encontrava então o direito à indemnização pelo dano resultante da responsabilidade pré-contratual do Banco recorrido.

D. Ao contrário da cessão da posição contratual, de que se ocupam os artigos 424ª e ss. do CC, a cessão de créditos tem por conteúdo apenas os créditos (totais ou parciais) e não a totalidade da posição contratual, no conjunto dos seus direitos e obrigações.

E. No caso dos autos, considerou o Tribunal da Relação que não ocorreu e não existe qualquer transmissão da posição contratual do 2º ou da 3ª autores para a La autora, tão só a sucessão da 1ª autora num direito de crédito do 2º autor e num direito de crédito da 3ª autora sobre o Banco réu, sem que tal implique, por qualquer forma, o total abandono da relação obrigacional decorrente do contrato base, pelos cedentes, com transmissão para a cessionária, não apenas da titularidade dos direitos de crédito cedidos, individualmente considerados, mas de todo o complexo de direitos e obrigações, advindo para os cedentes da celebração dos contratos base.

F. O cedido (Banco réu) continua adstrito perante os cedentes (2º autor e 3ª autora), ao cumprimento das obrigações que tenha assumido no âmbito dos contratos base, sem que a cessionária (Iª autora) se substitua aos cedentes, como contraparte do cedido, nas relações contratuais base, tais como existiam à data da cessão, como acontece na cessão da posição contratual.

G. Se admitirmos que com a cessão de créditos ocorreu também a transmissão da indemnização por incumprimento contratual ou por impossibilidade culposa da prestação, de igual modo teremos forçosamente de reconhecer à lª autora a legitimidade e o direito de reclamar do banco réu a indemnização pelo prejuízo sofrido.

H. O Venerando Tribunal da Relação de Lisboa parece esquecer-se que tanto o 2º autor como a 3ª autora (na qualidade de cedentes) também demandam o Banco, nos presentes autos e que o fazem, justamente, por manterem nas suas esferas jurídicas os direitos inseparáveis da sua pessoa, que não foram, por isso, objeto da transmissão.

I. O direito à indemnização pela violação dos deveres de informação por parte do Banco réu (cedido) é, precisamente, um desses direitos.

J. A cessão de créditos está na livre disponibilidade das partes vinculadas por uma obrigação de natureza pecuniária e sem prévia dependência do consentimento do devedor, desde que entre este e o cedente não esteja consensuado ou convencionado que essa cessão ou cedência dos créditos que aquele (devedor) de cumprir perante este (cedente/credor) mereça restrição/consentimento.

K. A cessão da posição contratual implica a intervenção de três sujeitos - cedente, cessionário e cedido - e é privativa dos contratos sinalagmáticos ou bilaterais, supondo, pois, a existência de prestações recíprocas desde que não cumpridas, enquanto a cessão de créditos implica apenas a intervenção do cedente e do cessionário, sem necessidade de autorização do cedido.

L. Nos presentes autos, o Banco réu é apenas devedor e o que se verificou foi uma cessão dos créditos do 2° autor para a 1ª e outra da 3ª autora para a 1ª, ficando esta última titular dos créditos do 2° e da 3ª autores em relação ao recorrido.

M. Os direitos decorrentes dos contratos celebrados entre o 2° autor e a 3ª autora e o Banco réu (como o direito à indemnização pela violação do dever de informação), nunca chegaram a ser transmitidos, permanecendo na esfera jurídica daqueles, desde a génese dos contratos.

N. O direito de indemnização ficou sempre na esfera jurídica do 2° autor e da 3ª autora, nunca foi transmitido à 1ª autora, porque aqueles se limitaram a transferir os seus créditos e não a sua posição contratual.

O. Quando o dano se consumou (em 8.5.2016), a 3ª autora havia já transmitido o seu crédito sobre o Banco réu para a 1ª autora.

P. Mas o que ela nunca transmitiu foi o direito de indemnização resultante da responsabilidade civil do recorrido pelos danos decorrentes da violação dos deveres de informação aquando da celebração do contrato.

Q. Entendendo-se como se entendeu, que a responsabilidade do Banco réu perante a 3ª autora ocorreu na fase genética do contrato, é a esta que o recorrido terá de indemnizar.

R. É indiferente se os negócios em causa hajam assumido carater oneroso ou gratuito; se os negócios entre a 1ª autora e o 2° e entre aquela e a 3ª autora tivessem sido gratuitos, o prejuízo estaria sempre na esfera do doador; se se tivesse tratado de negócios onerosos, sendo certo que o prejuízo se teria verificado também junto da adquirente, esta sempre teria direito à repetição do indevido, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 473° do CC.

S. Note-se que os 2° e 3ª autores são parte nos presentes autos apenas por terem sido intervenientes nas cessões de créditos suprarreferidas e por as obrigações dos autos se encontrarem depositadas na carteira de títulos da 1ª autora, junto do Banco réu.

T. A questão à qual este sábio tribunal terá de responder é a seguinte: a cessão dos créditos (transmissão da obrigação EE 2006) do 2° autor para a 1ª e da 3ª autora para a 1ª teve por consequência a extinção da responsabilidade pré-contratual do Banco réu, ora recorrido? Constitui a cessão do crédito, de per si, um meio da extinção da responsabilidade contratual e pré-contratual?

U. O douto acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 227.°; 406.°; 424.° e ss.; 473°, nº 1, 577° e ss., 762°; 798° e 799° do CC.»

3.2. São as seguintes as conclusões da alegação do Réu:

«1) Dos factos provados, e em síntese, retirou o Tribunal a quo que: a. se encontram, em geral, preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil do intermediário financeiro, pela prestação de informação falsa, incompleta e obscura; b. no caso do 2º Autor, o dano consumou-se na sua pessoa, cabendo ao Banco-R. a prova de uma eventual remoção do dano, por a cedência do título não teve, sem mais, a virtualidade de afastar o dano e com isso a obrigação de indemnizar.

2) No que toca à responsabilidade civil do Banco-R., o Tribunal a quo entendeu que a conduta daquele réu foi ilícita por se ter reconduzido 'à prestação de informação falsa, incompleta e obscura. Ora,

3) A informação prestada foi normalmente completa e exaustiva, em face das circunstâncias pessoais e históricas, apenas não tendo sido fornecida anota informativa ou outra documentação técnica do produto por não ser então obrigatório.

4) É facto que não foi explicada aos AA. a característica da subordinação das Obrigações.

5) Todavia, bem cita a decisão recorrida SIMÃO SOUSA MENDES para afirmar que "a informação só é completa quando não omite dados informativos que, pela sua importância, devam ser tidos como essenciais por relevante no processo de tomada da decisão de investir".

6) A decisão recorrida acaba por não esclarecer de forma expressa qual a essencialidade da informação omitida para a tomada de posição, principalmente no dito contexto histórico e social, em que ninguém, absolutamente ninguém (nem os Autores que depois vem a citar a propósito da previsibilidade da crise de 2008) punham em causa a estabilidade do sistema financeiro como um todo e do FF em particular!

7) Da matéria de facto resulta igualmente que as Obrigações EE 2004 e 2006 eram efectivamente um produto com um nível de risco muito baixo - vide factos provados 20, 24,30 e 31-, sendo que a mesma conclusão resulta imediatamente e uma mera análise empírica, por um lado, e jurídica por outro, do produto. De facto, a simples circunstância das relações societárias entre o Banco e sociedade emitente sempre obrigaria a uma apreciação de risco semelhante entre elas!

8) Assim, apesar do Banco-R. admitir que a informação não for exaustiva, a verdade é que fica por determinar que a informação em falta fosse essencial à tomada de decisão de investir por parte dos AA. - prova que caberia aos AA.

9) Quanto à dita falsidade da informação prestada, funda-se a posição do douto acórdão recorrido na comparação abusiva entre o instrumento financeiro em causa e um DP.

10) Ora, a comparação a que alude a decisão recorrida, nos termos expressos dos factos provados 18 e 19, era apenas e só quanto à sua segurança.

11) Ora, a segurança própria de cada uma das figuras sob comparação corresponde apenas ao risco de incumprimento da obrigação de reembolso, sendo, em ambos os casos, esta obrigação garantida pela respectiva entidade emitente - no caso do depósito, o banco, e no caso da obrigação, a EE - mãe do banco! Nesta perspectiva não vemos qualquer relevante diferença entre uma obrigação da EE e um DP no FF, porquanto os riscos de solvência das entidades eram efectivamente os mesmos.

12) Sublinhe-se que não é crível que, em 2004 ou 2006, qualquer comum depositante confiasse nos bancos por causa do Fundo de Garantia de Depósitos - sendo certo que a grande maioria certamente o desconheceria à data! As pessoas confiavam nos Bancos per se, e pela supervisão a que estariam sujeitos - como estava igualmente sujeita a sociedade mãe do banco!

13) Prossegue a decisão recorrida afirmando que a informação prestada foi igualmente obscura, afirmando que com a informação dada nunca seria permitido aos clientes entender as especificidades do instrumento financeiro que estavam a subscrever, dando especial relevo a comparação com o Depósito a Prazo, fazendo relevar a pós-anunciada previsibilidade da crise de 2008.

14) Ora, Não deixa de ser sintomático da argumentação judicial quando é preciso ir "pescar "duas opiniões publicadas simplesmente confirmando que deveria ser previsível uma crise. Mas ao mesmo tempo, sem que se diga sequer quantas publicações e quantos autores e quantos artigos técnicos se manifestaram, na mesma época, desvalorizando quem anunciava a tal malfadada crise!

 15) Hoje também nós seríamos facilmente capazes de adivinhar tudo quanto se passou em 2007, 2008 e até 2012.

16) Mas acima de tudo, diga-se que os artigos citados são eles próprios posteriores ao início da crise, não apenas do sub prime em 2007, mas mesmo da falência do banco Lehman Brothers - ou seja, depois da crise começar, vieram afirmar que era previsível! Estranha-se, pois, que os mesmos autores não hajam avisado todos para o que aí viria!

17) Determinou a decisão recorrida que o Banco-R. agiu com culpa grave ou dolo, simplesmente por ter, supostamente atribuído vantagens patrimoniais aos seus funcionários pela venda do instrumento financeiro em causa. Todavia, não vislumbramos em qualquer elemento probatório menção a qualquer vantagem e de natureza patrimonial atribuída aos colaboradores do Banco.

18) A formulação negativa da teoria da causalidade adequada não tem, por si só, a virtualidade de afastar as regras de direito probatório material de distribuição do ónus da prova.

19) O que aliás violaria, como violou a decisão recorrida o disposto no artº 344º nº1 do Código Civil, bem como o artº 563º do mesmo diploma.

20) A determinação de uma causalidade adequada obriga primeiro à determinação de uma relação consequencial naturalística típica ou normaI, para que, em momento subsequente, essa normalidade seja reavaliada em face da possibilidade de intervenção de circunstâncias excepcionais decisivas para a produção do dano.

21) De todo o modo, a prova da causalidade adequada sempre recai necessariamente sobre os AA., sob pena de se ver na causalidade adequada, sob esta figura da formulação negativa nesta concreta interpretação, um verdadeiro seguro sempre recaindo sobre os devedores o ónus da contraprova.

22) Neste mesmo sentido, e concluindo pelo ónus da prova dos AA., veja-se, também de forma absolutamente eloquente, o Acórdão deste STJ de 6 de Junho de 2013, onde se discorre exactamente também sobre esta matéria, ou parecer do Prof. Doutor Pinto Monteiro, adiante junto.

23) Independentemente do negócio de suporte à transmissão da obrigação entre 2ª e 1º A., o certo é que a sua natureza, onerosa ou gratuita, sempre seria indiferente à efectiva remoção do dano, ou sua consumpção, se se preferir.

24) Não é a compensação monetária de um preço fixado ente partes ao título que removeria, de per se o dito dano produzido.

25) No caso de um negócio oneroso o cessionário paga o preço (ou efectua uma outra prestação de valor equivalente) como compensação da transferência de propriedade, ao passo que no negócio gratuito o cessionário nada presta em contrapartida.

26) No negócio gratuito, por definição, existe sempre um benefício patrimonial do cedente ao cessionário, equivalente ao valor do bem cedido! O que não é concebível é que o 2ª A. haja cedido gratuitamente o título à 1ª A. sem que lhe tenha pretendido atribuir um benefício pela liberalidade.

27) Essa liberalidade não poderia nunca ter a virtualidade de ceder uma posição creditícia, gratuita ou onerosamente, mantendo para si um dano correspondente ao risco em que havia incorrido com a sua aquisição daquela posição contratual que cedeu. Ou seja, o dano do 2º A. consumir-se-ia sempre não pela percepção do preço, mas pela atribuição do benefício patrimonial à 1ª A. - atribuição essa que ocorreu efectivamente!

28) Nos termos do artº 358º do Código Civil, a confissão judicial, se escrita, e só se escrita, tem força probatória plena. Todavia, a mesma norma também acrescenta, no seu nº 4, que a confissão judicial não escrita será apreciada livremente pelo Tribunal!

29) O Tribunal a quo reconhece as declarações dos AA. em juízo, tendo inclusivamente transcrito as partes de onde resulta claro o negócio entre si celebrado quanto à transmissão da Obrigação.

30) Todavia, o Tribunal não tomou sobre tais declarações qualquer juízo de valor, pelo que, ao reconhecer a existência dos meios de prova, e sobre eles se abstendo de tomar posição, violou o Tribunal o disposto no 358º nº 4 do Código Civil, e bem assim os arts. 5º nº 1 aI. b) e 607º nº5 do CPC. Acresce que,

31) Se é verdade que a informação tem que ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (art, 7º CdVM), não é menos verdade que o cumprimento desse dever de transmissão da informação não se compadece com qualquer conceptologia idílica e de delimitação difusa quanto ao seu inadimplemento, sendo que o CctVM estabelece objectiva e precisamente qual a informação que tem de ser prestada quanto a cada um dos contratos de intermediação financeira e até - em alguns casos -, quanto aos instrumentos financeiros objecto dessa intermediação.

32) A menção do artº 312 nº 1 aI. e) do CdVM aos "riscos especiais envolvidos nas operações a realizar" refere-se claramente ao negócio de intermediação, ao dito negócio de cobertura, sob pena de redundância da al. d) da mesma disposição - essa sim referente aos instrumentos financeiros envolvidos nos serviços de intermediação.

33) A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento. Aliás como também o denota a necessidade de informação acerca da volatilidade do preço do instrumento financeiro, igualmente prescrita na alínea b) deste preceito e com a qual este risco de perda está umbilicalmente ligado. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do mecanismo do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.

34) Ora, o investimento efectuado foi feito em Obrigações, não sujeitas a qualquer volatilidade, sendo o respectivo retorno do investimento certo no fínal do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de "capital garantido"), acrescido da respectiva rentabilidade. Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso!

35) Todo e qualquer investimento em todo e qualquer instrumento financeiro acarreta a possibilidade inerente de perda de total de capital... basta verificar-se, com neste caso, um incumprimento! Aliás, qualquer contrato, seja qual for a sua natureza, apenas um de dois destinos: o cumprimento ou incumprimento.

36) O risco de incumprimento não constitui qualquer risco especial da operação!

37) A ser alguma coisa, o risco de incumprimento de uma obrigação de compra é um RISCO GERAL de qualquer obrigação!

38) Não se pode confundir a advertência sobre o risco de perda do investimento com a análise de qualquer qualidade e robustez (ou falta dela) do emitente do título!

39)  É que a este respeito, impõem-se clarificar que, em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analísar ou avaliar a robustez financeira do emitente na actividade de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens.

40) E também em lado nenhum da lei resulta a obrigação de prevenir o investidor acerca das hipóteses de incumprimento das obrigações assumidas pelo emitente do instrumento financeiro ou até da probabilidade de insolvência do mesmo!

41) O Banco-R. forneceu à A. todas as informações adequadas e necessárias à compreensão do produto financeiro em causa.

42) O risco de insolvência da entidade emitente é sempre e invariavelmente inerente a qualquer instrumento financeiro e a qualquer contrato.

43) Não existia, no caso, qualquer especial risco de incumprimento de que o Banco-R. devesse ter advertido os AA.

44) A douta decisão recorrida violou, por errónea interpretação o disposto no artQ 314Q e 312º do CdVM.

Diga-se, ainda, sobre o nexo de causalidade,

45) Sobre esta matéria, refere-se a decisão recorrida da dita presunção de ilicitude, culpa e causalidade que vislumbra em citação do Prof. Menezes Cordeiro.

46) Mas do texto do art. 799º nº 1 do c.c. não resulta qualquer presunção de causalidade. E, de resto, nos termos do disposto no artº 344º do Código Civil, a inversão de ónus depende de presunção, ou outra previsão, expressa da lei!

47) Não se alcançam razões (que o acórdão recorrido também não adianta ... ) que justifiquem que a presunção própria da censura ético-jurídica da conduta do agente deva ser estendida à relação consequencial entre o facto e o dano.

48) Ainda que se admitisse a solução de extensão de presunção de culpa à causalidade, a verdade é que não é adequada aos casos de incumprimento de prestações contratuais acessórias, apesar do cumprimento da prestação principal.

49) De todo o modo, no âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem!

50) Mesmo que se admitisse a dita presunção, toda a qualquer presunção é teoricamente passível de ser levada a cabo no âmbito do contrato em que se verifique o incumprimento - dito de outro modo, não se pode, nem tanto defende qualquer Doutrina, partir do incumprimento de um contrato para presumir a ilicitude e causalidade da responsabilidade no âmbito de outro contrato, distinto daquele efectivamente incumprido.

51) Ora, o que assistimos é que a decisão recorrida parte do incumprimento da obrigação de reembolso pela entidade emitente da emissão obrigacionista, para depois fazer presumir a ilicitude, culpa e causalidade no âmbito de um diferente contrato - o de intermediação financeira! Vale isto por dizer que o incumprimento alegado não é apto a desencadear a tão desejada presunção!

52) Em face de tudo o exposto, não podemos senão concluir pela prestação de informação pelo Banco-R. aos AA., de forma correcta, clara e suficiente aquando da subscrição das Obrigações EE 2004 e 2006.

53) Impondo-se a revogação da decisão recorrida na parte condenatória e sua substituição por outra que absolva integralmente do pedido o Banco-R.»

3.3. Houve contra-alegações e o 2º Recorrente juntou dois pareceres de jurisconsultos (CPC, art. 651º, nº2).

4. Vistos os autos, cumpre decidir.


II


5. Consideradas as transcritas conclusões das alegações dos Recorrentes (CPC, arts. 635º, nºs. 2 a 4 e 639º, nºs 1 e 2), são questões a decidir (i) relativamente ao recurso dos Autores, efeitos da transferência da titularidade das obrigações para a 1ª A. (do 2º A., em 30.6.2015; da 3ª A., em 11.3.2015) sobre o invocado direito de indemnização e (ii) relativamente ao recurso do Réu, violação dos deveres de informação e responsabilidade do Réu, nuclearmente reportados ao contrato de intermediação financeira celebrado com o 2º e 3º Autores (é no âmbito da responsabilidade como intermediário financeiro que o R. vem condenado pela Relação, sendo no acórdão incidentalmente referenciados os arts. 74º, 76º e 77º do RGICSF).

Começar-se-á, por prejudicial, pelo exame da questão suscitada no recurso do Réu.

6. Os factos.

6.1. Vem fixada pelas instâncias a seguinte matéria de facto (transcreve-se do acórdão recorrido):

«1- A primeira autora é médica e faz da medicina, em exclusivo, a sua profissão e o seu modo de vida.

2- O réu é um Banco comercial que girava anteriormente sob a denominação “FF – ..., S.A.”.

3- Até à nacionalização do “FF - ..., S.A.”, operada pela Lei n.º 62-A/2008, de 11-11, a totalidade do capital social do Banco em causa era detida, na íntegra, pela sociedade “FF, SGPS, S.A.”, a qual, por sua vez, era detida, também na íntegra, pela sociedade então denominada “EE – ..., SGPS, S.A.”.

4- A “EE – ..., SGPS, S.A.”, a “EE, SGPS, S.A.” e o “FF – ..., S.A.”, à data dos factos relatados neste processo, tinham por Presidente do Conselho de Administração a mesma pessoa, GG

5- O Banco réu era também um intermediário financeiro em instrumentos financeiros estando, como tal, registado na Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), desde, pelo menos, o ano de 1993.

6- BB não tinha realizado no FF quaisquer operações de volume significativo nos mercados de valores mobiliários, com a frequência média de, pelo menos, 10 operações por trimestre ao longo dos últimos 4 trimestres, nem tinha uma carteira de valores mobiliários de montante superior a €500.000,00, nem tinha, por último, prestado funções, pelo menos durante 1 ano, no sector financeiro, numa posição profissional em que seja exigível o conhecimento do investimento em valores mobiliários.

7- CC., Lda., não tem e nunca teve, um número médio de trabalhadores igual ou superior a 250, nem um ativo total superior a 43 milhões de euros, nem, por último, um volume de negócios líquido superior a 50 milhões de euros.

8- BB e CC., Lda. são clientes do Réu há mais de quinze anos.

9- BB subscreveu, em Outubro de 2004, o boletim de subscrição de uma obrigação EE Rendimento Mais 2004, no valor nominal de €50.000,00 (documento de fls. 89, cujo teor se dá por reproduzido).

10- Em 30.6.2015, BB transferiu a titularidade da obrigação EE Rendimento Mais 2004 para a Autora AA.

11- O referido título encontra-se, ainda hoje, depositado na carteira de títulos da primeira autora, junto do Banco réu.

12- Em Abril de 2006, CC., Lda. subscreveu o boletim de subscrição de uma obrigação EE 2006, no valor nominal de € 50.000 (documento de fls. 95, cujo teor se dá por reproduzido).

13- O referido título encontra-se, ainda hoje, depositado na carteira de títulos da primeira autora, junto do Banco réu.

14- No Processo nº 23449/15.0T8LSB da Instância Central, 1ª Secção Comércio, J4, foi proferida, em 29.6.2016, sentença que decretou a insolvência de Galilei SGPS, SA, NIF 504265369, anteriormente designada EE –..., SGPS, SA.

15- Em 2006, o Réu emitiu 1.000 obrigações subordinadas, no valor nominal de €50.000,00 e global de €50.000.000,00 (cinquenta milhões de euros), com pagamento a dez anos, denominadas EE 2006.

16- BB tinha no Banco réu, em Outubro de 2004, um depósito a prazo no montante de € 50.000,00 (cinquenta mil euros).

17- Os AA. BB e CC. tinham confiança nos seus interlocutores do Banco, por acharem que eram pessoas íntegras, que se preocupavam com os interesses dos clientes do Banco e que, especialmente no que toca ao seu gestor de conta, lhes prestavam aconselhamento profissional quanto à gestão das suas poupanças.

18- Foi declarado ao A. BB que a Obrigação EE Rendimento Mais 2004 se tratava, em termos de segurança, de um produto semelhante a um depósito a prazo e que o respetivo capital se encontrava garantido pelo emitente.

19- Foi declarado à A. CC. que a Obrigação EE 2006 se tratava, em termos de segurança, de um produto semelhante a um depósito a prazo e que o respetivo capital se encontrava garantido pelo emitente.

20- Os funcionários do balcão em que os autores tinham depositado as suas quantias acreditavam que as Obrigações EE Rendimento Mais 2004 e EE 2006 que vendiam eram produtos seguros e não ofereciam risco para os subscritores.

21- BB e a A. CC. tinham como objetivo aquando da subscrição das aplicações assegurar uma maior rentabilidade para o seu dinheiro sem correr o risco de virem a perder o mesmo.

22- O que era do conhecimento dos funcionários do Banco réu que lidavam com BB e com a A. CC.

23- Foi dito aos AA. BB e CC. que poderiam resgatar o capital investido, em qualquer altura, mediante a cedência, respetivamente, da Obrigação EE Rendimento Mais 2004 e EE 2006 a terceiros.

24- Aquando da subscrição das obrigações as mesmas tinham muita procura por os juros serem superiores aos dos depósitos a prazo.

25- Não foi explicada aos autores a característica da subordinação das obrigações EE Rendimento Mais 2004 e EE 2006.

26- Em Novembro de 2008, na sequência da “crise do subprime”, da consequente falência do Banco norte-americano “Lehman Brothes” e com o conhecimento pelo público da situação em que se encontrava o FF e que determinou a sua nacionalização, muitos clientes do mesmo que eram detentores de Obrigações EE Rendimento Mais 2004 e EE 2006 dirigiram ao FF a fim de resgatarem as mesmas.

27- Em 11/03/2015, a A. CC. transferiu a titularidade da obrigação EE 2006 para a A. AA.

28- O R. enviou mensalmente aos AA. BB e CC, Lda., um extrato mensal onde lhe apareciam as obrigações como integrando a sua carteira de títulos, não tendo os AA. efetuado qualquer reclamação relativamente ao que constava dos extratos em causa.

29- Os AA. BB e CC, Lda., receberem, respetivamente, em cada semestre, a remuneração dos cupões das obrigações.

30- Os autores subscreveram as obrigações EE Rendimento Mais 2004 e EE 2006 Obrigação EE 2006 por, na altura, se tratarem de produtos seguros e bem remunerados.

31- Aquando da subscrição das obrigações, a cedência das Obrigações EE Rendimento Mais 2004 e EE 2006 a terceiros era fácil por a procura superar a oferta.

32- Não foram entregues a BB e à A. CC as notas informativas das operações» [aditado pela Relação].

6.2. A Relação manteve como não provados os seguintes pontos, objeto de impugnação pelos Apelantes:

«a) O documento referido em 9 dos factos Provados, denominado “Comunicação de Cliente” tenha sido colocado na frente do BB, já preenchido à mão e que este se tenha limitado a assiná-lo, julgando que se tratava de uma variante de um depósito a prazo, só que melhor remunerado.

b) O documento referido em 12 dos factos Provados, denominado “Comunicação de Cliente” tenha sido colocado na frente do gente da A. CC já preenchido à mão e que este se tenha limitado a assiná-lo, julgando que se tratava de uma variante de um depósito a prazo, só que melhor remunerado.

c) BB e a A. CC sejam por natureza avessos a qualquer tipo de jogo ou de risco.

d) BB e CC só tenham subscrito a “Comunicação de Cliente” dos títulos aqui em causa por que lhes ter sido afiançado pelo Banco réu que o retorno das quantias subscritas era garantido pelo próprio Banco, uma vez que se tratava de um sucedâneo melhor remunerado de um depósito a prazo, com semelhantes características.

(…).

f) Apenas a palavra empenhada de todos os funcionários do Banco, que actuaram em representação e sob as ordens do réu, de que se tratava de um produto sem qualquer risco e que podia ser resgatado a qualquer altura, tenham convencido os AA. BB e CC a subscrever as mesmas.

g) Tenha sido assegurado ao BB e à A. CC que, não obstante se tratarem de obrigações a dez anos, estes poderia, querendo, resgatá-las em qualquer altura, com o que apenas sofreriam, como sucede nos depósitos a prazo, uma penalização nos juros.

(…)

j) O autor BB desconhecesse que o empréstimo (obrigacionista) relativo à Obrigação EE Rendimento Mais 2004 só poderia ser reembolsado a partir de Outubro de 2014 e que a A. CC desconhecesse que o relativo à Obrigação EE 2006 só poderia ser reembolsado a partir de 08/05/20016;

k) BB e A. CC não teriam aceitado subscrever uma obrigação “EE Rendimento Mais 2004” e uma obrigação “EE 2006” se lhe tivessem sido bem explicadas as características do produto que lhe estava a ser vendido e, sobretudo, se lhe tivessem sido mostrados os documentos n.ºs 7 e 8 juntos com a petição inicial, nomeadamente nos capítulos “REEMBOLSO ANTECIPADO”; “LIQUIDEZ” e “SUBORDINAÇÃO”, bem como a ausência de garantia do Banco à subscrição, ainda por cima estando em causa uma diferença de menos de 2% na taxa de juro nominal.

(…)

m) Os gestores de conta oferecessem o produto aos clientes sem terem a noção de que produto se tratava;

n) Os autores não tivessem intenção de adquirir Obrigações Rendimento Mais EE 2004 e EE 2006;

(…)».

7. Do Direito.

7.1. Deveres de informação e responsabilidade do Banco Réu, no quadro do contrato de intermediação financeira celebrado com o 2º e 3º Autores.

7.1.1. Deveres de informação do intermediário financeiro (âmbito, natureza e alcance da vinculação).

7.1.1.1. O conhecimento, como objeto do presente recurso, da responsabilidade do Réu vem nuclearmente delimitada à sua responsabilidade enquanto intermediário financeiro (supra, 5), legalmente autorizado, nos termos dos arts. 4º, nº 1, alíneas e) e f) do RGICSF e 293º, nº 1, alínea a) do CVM, encontrando-se, como tal, registado na CMVM, pelo menos desde 1993.

Responsabilidade, no caso respeitante ao limiar mínimo dos serviços prestados, à receção e a transmissão de ordens de investimento em instrumentos financeiros por conta dos 2º e 3º Autores [CVM, arts. 289º, nº 1, alínea a) e 290º, alínea a)], respetivamente, em Outubro de 2004 e em Abril de 2006.

Não devendo, naturalmente, no enquadramento da situação, deixar de ser ponderada a relação bancária que, à data da propositura da ação, perdurava há mais de 15 anos entre o Réu e os 2º e 3º Autores, com a consequente consolidação da base de confiança entre eles estabelecida, importa assinalar que o dever específico que sobre aquele impendia, no âmbito dessa relação, de «informar com clareza os clientes sobre (…) os elementos caracterizadores dos produtos oferecidos» apenas ficou estabelecido no nº 1 do art. 77º do RGICSF com o DL 1/2008, de 3 de Janeiro (o dever de informação, na redação originária do 298/92, de 31 de Dezembro, estava contido no art. 75º, tendo aí o nº 1 apenas expresso como objeto «a remuneração que [as instituições de crédito] oferecem pelos fundos recebidos e sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos suportados por aquele»).

Importa, ainda, considerar que o Réu, enquanto instituição de crédito, deve assegurar, designadamente quanto aos clientes, «elevados níveis de competência técnica (…) condições apropriadas de qualidade e eficiência», atuando «com diligência, neutralidade, lealdade (…) e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados», «com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com o princípio da repartição de riscos e da segurança das aplicações e ter em conta o interesse» dos mesmos (RGICSF, art. 73º, 74º e 75º[1]).

7.1.1.2. A violação dos deveres de informação do intermediário financeiro e os termos em que se deve estruturar a responsabilização deste tem sido objeto de diversos acórdãos deste tribunal e tema de estudo e debate doutrinário, conforme naqueles se dá conta, bem como nos dois pareceres juntos aos autos.[2]

Na jurisprudência deste tribunal, podendo corresponder as diferentes decisões às diferentes situações que lhes subjazem, revelam aquelas, no entanto, no tratamento da questão, diversos cambiantes.

Vejam-se, entre outros, acórdãos de 10.1.2013, de 6.6.2013, de 6.2.2014, de 17.3.2016, de 12.1.2017, de 10.4.2018, de 5.6.2018, de 18.9.2018-Procs. 20329/16 e 20403/16, todos disponíveis em www.dgsi.pt e, ainda por publicar, de 13.9.2018-Proc. 13809/16, de 4.10.2018-Proc. 1236/15, de 11.10.2018-Proc. 2339/16.

7.1.1.3. Prosseguindo no exame do regime dos deveres de informação contido no CVM, cuja violação constitui pressuposto da responsabilidade em causa.

Interessam, designadamente, as seguintes disposições do CVM, nelas as incluídas as citadas pelo Recorrente, que, para facilitação, a seguir se transcrevem, com referência à redação do DL 486/99, de 13 de Novembro (com as Retificações 23-F/99, de 31.12 e 1-A/2000, de 10.1[3]), indo, em vista à decisão do caso, realçados determinados segmentos:


Artigo 7.º

Qualidade da informação


1 - Deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a actividades de intermediação e a emitentes que seja susceptível de influenciar as decisões dos investidores ou que seja prestada às entidades de supervisão e às entidades gestoras de mercados, de sistemas de liquidação e de sistemas centralizados de valores mobiliários. (…)

Artigo 304.º

Princípios


1 - Os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado. [4]

2 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

3 - Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objectivos que prosseguem através dos serviços a prestar. (…)


Artigo 312.º

Deveres de informação


1 - O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a: [5] [6]

a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar; [7]

(…)

2 - A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente. (…)

7.1.1.4. A informação «constitui um pilar na avaliação do investimento em valores mobiliários e na própria eficiência do mercado»[8], nela devendo cumprir-se os requisitos qualitativos estabelecidos no art. 7º do CVM, requisitos esses precisados, no período de vigência do DL 357-A/2007, no art. 312º-A do mesmo código.

A enquadrar teleonomicamente o dever de informação, a que o intermediário financeiro se encontra vinculado – com o correspondente direito à informação da contraparte, o investidor/cliente –, a par da assinalada eficiência do mercado, a enunciada proteção dos interesses do cliente/investidor, dando prevalência a estes, relativamente aos próprios interesses daquele ou com eles relacionados e a prescrita atuação, na observância do princípio da boa-fé, de um diligentissimus pater familias (CVM, arts. 304º, nºs. 1 e 2, 309º, nº 3 e 310º).

Devendo, no caso, considerar-se a categorização do cliente como investidor não qualificado (factos provados 6 e 7), prescreve-se ao intermediário financeiro que, em função do adequado cumprimento dos seus deveres, se deverá informar dos conhecimentos e experiência do cliente, em matéria de investimentos, bem como dos objetivos por ele prosseguidos (CVM, art. 304º, nº 3).

Quanto ao teor e finalidade dos deveres de informação ao cliente/investidor por parte do intermediário financeiro, dispõe o nº 1 do art. 312º do CVM,: o intermediário financeiro deve prestar todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, no caso, a respeitante ao instrumento financeiro, cuja subscrição é proposta.

Interessa à decisão do caso a consideração de tais deveres enquanto deveres de informação pré-contratual: podendo ser funcionalmente ordenados como deveres acessórios de conduta relativamente ao dever de prestar emergente de determinado contrato de intermediação financeira, constituem, eles próprios, deveres de prestar, autonomamente valorados na disciplina dessa específica relação obrigacional, designadamente para efeitos do seu incumprimento, nos termos previstos no art. 314º do CVM (na redação originária do DL 486/99), adiante examinado.[9]

7.1.1.5. Presente a categorização do 2º e 3º Autores como investidores não qualificados [10], «a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente» (nº 2 do art. 312º do CVM).

Relativamente ao desenho do âmbito funcional do dever de informação, refere a doutrina o estabelecimento na lei de uma regra de proporcionalidade inversa entre a densidade daquele dever por parte do intermediário e o grau de conhecimentos e experiência do cliente (falando em geometria variável no cumprimento do dever em causa, acórdão de 4.10.2018, cit.).

7.1.2. Violação dos deveres de informação e responsabilidade do Banco Réu, intermediário financeiro.

7.1.2.1. Violação dos deveres de informação – ilicitude e culpa.

7.1.2.1.1. A imputada violação dos deveres de informação ao Banco Réu terá, naturalmente, de ser aferida de modo casuístico, a partir do quadro factual apurado pelas instâncias, tendo-se já a esse respeito deixado anotada a exigibilidade, em vista do princípio do conhecimento do cliente, de um mais elevado grau elevado de extensão e densidade no cumprimento, no caso, do dever pré-contratual de informação, atenta a categorização do 2º e 3º Autores como investidores não qualificados (supra, 7.1.1.5).

É certo que o referido dever pré-contratual de informação há de ser correlacionado com o dever da contraparte de adotar um comportamento diligente, visando o seu total esclarecimento, bem como o manifestado maior ou menor empenho com esse fim; ademais, no período subsequente, durante a execução do contrato, os 2º e 3º Autores recebiam «o extracto mensal onde apareciam as Obrigações como integrando a carteira de títulos. (…) nunca efectuou [efetuaram] qualquer reclamação» e, semestralmente, «os juros (cupão) que vinham referidos no extracto de conta» (factos 28 e 29).

Ver-se-á, no caso dos autos, de que modo e com alcance esse genérico dever de diligência da contraparte deverá ser correlacionado com o dever pré-contratual de informação exigido ao Banco Réu, presentes os concretos termos do seu alegado cumprimento.

7.1.2.1.2. Deve, no enquadramento da situação, reter-se o que vem consignado e factualmente inferido no acórdão da Relação, com base em documento junto aos autos, embora não autonomizado na enunciação dos factos assentes: «o Réu recorreu a técnicas agressivas de venda, sendo que os funcionários tinham um ganho suplementar com a venda deste produto (cf. documento de fls. 69 v., Nota Interna, sob o título “Integração do EE Rendimento Mais no Campeonato FF 2004”, sendo este produto uma “Super Prova Especial”), o qual era superiormente considerado como assumindo “importância estratégica para o Grupo” (“Nota Interna” a fls. 68 v.). Ou seja, ocorreu uma atuação deliberada e concertada para a venda deste produto o qual tinha um prazo de subscrição muito curto (de 11 a 22 de outubro de 2004)». [11]

De considerar, por outro lado, a relação de confiança estabelecida entre os 2º e 3º Autores e o Réu, expressa no relacionamento bancário que, há mais de 15 anos, à data da propositura da ação, entre uns e outro perdurava (supra, 7.1.1.1), sendo os interlocutores no Banco por aqueles considerados como «pessoas íntegras, que se preocupavam com os interesses dos clientes do Banco e que, especialmente no que toca ao seu gestor de conta, lhes prestavam aconselhamento profissional quanto à gestão das suas poupanças» (factos 8 e 17).

Foi dado como provado que o Banco Réu propôs ao 2º e 3º Autores a subscrição de obrigações, respetivamente, EE 2004 e EE 2006, apresentando-as para tanto como tratando-se, «em termos de segurança, de um produto semelhante a um depósito a prazo e que o respetivo capital se encontrava garantido pelo emitente», podendo «resgatar o capital investido, em qualquer altura, mediante a cedência, respetivamente, da Obrigação EE Rendimento Mais 2004 e EE 2006 a terceiros», sendo que «Não foi explicada aos autores a característica da subordinação das obrigações EE Rendimento Mais 2004 e EE 2006» e «Não foram entregues a José Manuel dos Santos Morais e à A. CEGEID as notas informativas das operações» (factos 18, 19, 23, 25 e 32). 

O Banco Réu, através dos seus funcionários – não estando em causa a boa-fé destes, os quais acreditavam que as obrigações do grupo, à data, eram produtos seguros e não ofereciam risco para os subscritores (facto 20) –, face a clientes não qualificados, não objetiva e clarifica a distinção entre os produtos propostos e os depósitos a prazo, não esclarece as diferenças de natureza e dos riscos associados, nestes incluídos a possibilidade de «resgatar o capital investido, em qualquer altura», antes ambos aglutina, insistentemente, fazendo ao cliente compreender os primeiros como um produto seguro, como um depósito a prazo.

As representações erróneas, por parte dos 2º e 3º Autores, acerca dos produtos financeiros por eles subscritos, radica e reflete os próprios termos das informações prestadas pelo Réu, construidamente dirigidas à captação do cliente, identificando tal produto como um depósito a prazo, com o mesmo risco fornecendo superior taxa de juro (não quantifica o Réu tal alegada bem-aventurança), apresentando-se o Réu, relativamente aos Autores, dotado de elevados níveis de competência técnica e atuando com diligência, neutralidade, lealdade (Arts. 73º e 74º do RGICSF), tendo o mantido relacionamento bancário entre eles consolidado a base de confiança gerada para a prática de novos atos, não sendo, nestas circunstâncias, à luz do apontado dever geral de diligência, que aos Autores fosse exigido uma conduta de aprofundamento crítico das informações prestadas pelo Banco.

Não observou o Banco Réu, no circunstancialismo considerado, os elevados padrões de diligência, lealdade e transparência que lhe eram legalmente exigíveis para a prestação de uma informação completa, verdadeira, clara e objetiva, relativamente às propostas de subscrição por si mesmo apresentadas, não facultando aos 2º e 3º Autores, seus clientes, investidores não qualificados, uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada.

Verifica-se, como anteriormente julgado pela Relação, violação dos deveres de informação, aos quais, na circunstância, na sua atividade de intermediação, o Banco se encontrava vinculado (arts. 7º, nº 1, 304º, 312º, nºs. 1 e 2 do CVM; art. 39º, nº 1 do Regulamento da CMVM 12/2000).

7.1.2.1.3. Dispõe o art. 304º-A do CVM (art. 314º, na redação originária do DL 486/99 [12]):


Artigo 304.º-A

Responsabilidade civil


1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.

Estabelece-se no preceito o regime de responsabilidade civil do intermediário financeiro, naturalmente a ser completado pela convocação das normas gerais reguladoras do instituto, constantes do Código Civil.[13]

Interessa, agora, o nº 2 do preceito que, presente a crucial importância da informação no mercado de valores mobiliários (supra, 7.1.1.4), nucleariza a violação dos deveres a ela respeitante por parte do intermediário financeiro, associando-lhe a presunção de culpa.

Verificado o pressuposto relativo à ilicitude, justamente integrada pela violação dos deveres de informação – no caso, como referido, no âmbito pré-contratual.

Consequentemente, por presunção legal não ilidida, verificada a culpa.

7.2.2.2. Violação dos deveres de informação – nexo de causalidade.

O acórdão da Relação deu, igualmente, como provado o nexo de causalidade, com base, referenciando anterior acórdão da Relação do Porto, no seguinte entendimento (haja, embora, nos considerandos alusão à tese da presunção da causalidade): «(…) o nexo causal entre o facto, no caso a informação falsa prestada pelo recorrente sobre a segurança do reembolso do produto financeiro subscrito pelo recorrido e o dano, ou seja, o não reembolso do capital investido, afere-se com recurso à denominada formulação negativa da causalidade, ou seja, o facto que atuou como condição do dano só deixará de ser considerado causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo em todo indiferente para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excecionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que intercederam no caso concreto. Aplicando-se a formulação negativa do nexo de causalidade, compete ao lesante/réu demonstrar a completa inadequação do facto para a ocorrência (futura) do dano (…), o que o Réu não logrou fazer». [14]

Na verdade, a jurisprudência deste tribunal, na interpretação e aplicação do art. 563º do CC, tem, recorrentemente, por mais criteriosa, adotado a formulação negativa da teoria da causalidade adequada. [15]

Tal adoção não conduzirá à verificação, no caso, do estabelecimento de nexo de causalidade.

As normas consideradas do CVM, que prescrevem os deveres de informação por parte do intermediário financeiro, visam a proteção do investidor, designadamente do investidor não qualificado e tutelam a formação de uma decisão esclarecida e fundamentada (supra, 7.1.1.4) – todavia, não resulta dos factos assentes pelas instâncias que os danos invocados pelos Autores devam ser adequadamente imputados à violação do bem tutelado.

Com efeito, para tanto (art. 563º do CC), haveriam os Autores de demonstrar que, tendo o Réu inteira e claramente cumprido os seu deveres de informação (esclarecendo designadamente que as propostas tinham por objeto obrigações subordinadas, sendo o capital garantido não como um depósito a prazo, nem pelo Banco, mas – com sujeição de cláusula de subordinação – por terceira entidade), não teriam investido nas aplicações propostas – neste sentido, acórdãos de 17.3.2016, 5.6.2018 e 18.9.2018-Proc. 20403/16, cits.

Tal demonstração não foi produzida pelos Autores [alínea K) dos factos não provados].

7.2.3. Não se podendo dar por verificado o pressuposto relativo ao nexo causal, falece a pretendida responsabilização do Réu.

7.3. Prejudicado o exame do recurso dos Autores.


III


Nos termos expostos, acorda-se em conceder a revista ao Réu, julgando-se a ação improcedente e absolvendo-se o mesmo do pedido.

Custas de ambos os recursos pelos Autores.


Lisboa, 6 de Novembro de 2018

J. Cabral Tavares (Relator)

Fátima Gomes

Acácio das Neves


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[1] Art. 76º, na redação originária (DL 486/99).

[2] Entre outras publicações: Rui Pinto Duarte, Contratos de Intermediação Financeira no Código dos Valores Mobiliários e J. Fazenda Martins, Deveres dos Intermediários Financeiros, em Especial, os Deveres para com os Clientes e o Mercado, in Cadernos do Mercado dos Valores Mobiliários, nº 7 (2000); Menezes Leitão, Actividades de Intermediação e Responsabilidade dos Intermediários Financeiros, in Direito dos Valores Mobiliários, Volume II, (Coimbra Editora, 2000); S. Nascimento Rodrigues, A Proteção dos Investidores em Valores Mobiliários, Almedina, Coimbra, 2001; Fátima Gomes, Contratos de Intermediação Financeira, Sumário Alargado, in Estudos dedicados ao Prof. Doutor Mário Júlio Almeida Costa (UCP Editora, 2002); Gonçalo Castilho dos Santos, A responsabilidade civil do intermediário financeiro perante o cliente (Almedina, 2008); F. Canabarro Teixeira, Os Deveres de Informação dos Intermediários Financeiros em Relação a seus Clientes e sua Responsabilidade Civil, in Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, nº 31 (2008); P. Miguel Rodrigues, A Intermediação Financeira: Em Especial, os Deveres de Informação do Intermediário Perante o Cliente, in Data Venia, nº 1 (2013); Paulo Câmara, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 3ª ed (2016); José Engrácia Antunes, Deveres e Responsabilidade do Intermediário Financeiro, in Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, nº 56


(2017); Menezes Cordeiro, Responsabilidade bancária, deveres acessórios e nexo de causalidade, parecer junto aos autos e publicado em Estudos de Direito Bancário, Vol. I (Almedina, Fevereiro de 2018).

[3] As modificações sofridas pelo diploma, até Março de 2006, não afetaram as disposições transcritas.
[4]  Quanto à prevalência aos interesses dos clientes (nº 3 do art. 309º), designadamente dispõe o nº 1 do art. 310º, sob a epígrafe Intermediação excessiva, que «O intermediário financeiro deve abster-se de incitar os seus clientes a efetuar operações repetidas sobre instrumentos financeiros ou de as realizar por conta deles, quando tais operações tenham como fim principal a cobrança de comissões ou outro objetivo estranho aos interesses do cliente». Sobre a defesa do mercado, além do art. 310º, cit., art. 311º.

[5] Precisava o nº 1 do art. 39º do Regulamento da CMVM 12/2000, de 10 de Fevereiro (revogado pelo Regulamento 2/2007, de 9 de Novembro e vigente desde 11 de Dezembro) que «Antes de iniciar a prestação de um serviço, o intermediário financeiro: a) fornece ao investidor informação adequada sobre a natureza, os riscos e as implicações da operação ou do serviço em causa, cujo conhecimento seja necessário para a tomada de decisão de investimento ou de desinvestimento, tendo em conta a natureza do serviço prestado e o conhecimento e a experiência do investidor em causa; (…)» (realces acrescs.).

[6] Acrescem, no decurso da execução do contrato, os deveres de informação referidos no art. 323º (objeto de sucessivas redações legais).

[7] Na redação dada ao artigo pelo DL 357-A/2007, de 31 de Outubro, a previsão genérica contida nesta alínea passou a constar da alínea e), dela se tendo especificamente destacado, na alínea d), a referência aos instrumentos financeiros, aí aprofundada em termos de compreensão e finalidade; mostra-se, pois, diacronicamente infundada a crítica expressa na conclusão nº 32 da alegação do Recorrente.

[8] Preâmbulo do Regulamento da CMVM 12/2000, cit.

[9] Infra, 7.1.2.1.3.

[10] «Questão distinta, embora conexa, é a relativa ao perfil do investidor: ao passo que a categorização como investidor assenta em tipologias legais e corresponde a um dever imposto por lei (arts. 30.º e 317.º do CVM), a definição do perfil de investidor assenta em tipologias puramente comerciais ou negociais, desenvolvidas na “praxis” bancária e financeira – cujo relevo jurídico é indiscutível, todavia, quer por força do princípio geral do conhecimento do cliente (art. 304.º, nº 3 do CVM), quer em virtude de numerosas normas legais que pressupõem a definição desse perfil do investidor (v.g., arts. 312.º e segs., 314.º e segs., etc.). Entre estas, tornou-se bastante usual a classificação quadripartida daqueles em perfil “conservador” ou “prudente” (investidor avesso ao risco de capital, de rendimento, de crédito e de liquidez, que procura produtos financeiros de capital e rentabilidades garantidas, sobretudo de curto prazo: v.g., depósitos bancários a prazo), (…), perfil “equilibrado” ou “moderado” (…), perfil “dinâmico” (…) e perfil “arrojado” (…)» (Engrácia Antunes, cit., pág. 41, realces acrescs.).


[11] Tal enquadramento global vem igualmente invocado em alguns dos diferentes processos contra o mesmo Réu, nos quais foram proferidos acórdãos por este tribunal (supra, 7.1.1.2). No acórdão de 18.9.2018-Proc. 20403/16, v. g., deu-se como provado que, pelo menos em Fevereiro de 2006 foi gizado um plano pelas administrações do FF e da EE, SGPS, S.A., com vista ao reforço de fundos próprios do Grupo EE, através da captação, pelo FF, de grande parte das quantias que os seus clientes ainda ali tinham depositadas, plano esse assente em três pilares fundamentais e transmitido aos Diretores de Zona que, por sua vez, o transmitiram aos gerentes de cada um dos balcões distribuídos de norte a sul do país.

[12] Supra, nota nº 13.

[13]  Não interessa à decisão do caso concetualmente fixar o quadro jurídico do regime em causa, com apelo, seja (i) à responsabilidade extracontratual, fundada em normas gerais de proteção, (ii) à responsabilidade contratual, (iii) a uma responsabilidade mista ou intercomunicante, (iii) a uma responsabilidade intermédia ou de terceira via – questão doutrinariamente debatida (V. brevíssima resenha em Engrácia Antunes, cit., pp. 44/5).

[14] Radica a exposição, relativamente à formulação negativa da teoria da causalidade adequada, no ensinamento de Antunes Varela: «Desde que o devedor ou o lesante praticou um facto ilícito, e este atuou como condição de certo dano, (…) se justifica que o prejuízo (embora devido a caso furtuito ou, em certos termos, à conduta de terceiro) recaia, em princípio, não sobre o titular do interesse atingido, mas sobre quem, agindo ilicitamente, criou a condição do dano» (Das Obrigações Em Geral, I, 10ª ed., pág.894).

[15] Menezes Cordeiro, no parecer já citado, deixa anotado que a adequação não foi acolhida na letra do CC, mas apenas nos trabalhos preparatórios, referindo Antunes Varela, defensor da tese (Das Obrigações, cit. pág. 899).