Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
654/07.7TBCBT.G1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FERNANDES DO VALE
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
LESADO
DEVER DE ASSISTENCIA
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
FIXAÇÃO DA INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 09/09/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA PRINCIPAL E CONCEDIDA EM PARTE A REVISTA SUBORDINADA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO.
DIREITO ESTRADAL - TRÂNSITO DE VEÍCULOS / CEDÊNCIA DE PASSAGEM / MANOBRAS EM ESPECIAL / MUDANÇA DE DIRECÇÃO.
Doutrina:
- Antunes Varela, Das Obrigações, 6ª Ed, Vol. I., pp.571, 599, 600; Das Obrigações, 7ª Ed., pp. 591, 906; Das Obrigações em Geral, Vol. I, pp. 898-900, 10ª Ed..
- Filipe Albuquerque Matos, In "R. L. J.", Ano 143º, pp. 21, 194 e segs..
- Galvão Telles, Direito das Obrigações, p. 387, 4ª Ed./375 e segs..
- I. Galvão Telles, Manual de Direito das Obrigações, n.º 229.
- M. Andrade, Teoria Geral das Obrigações, p. 355 e segs..
- Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, Vol. II, p. 288.
- Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, 6ª Ed., pp. 299, 345/346.
- Mota Pinto, Teoria Geral da Relação Jurídica, 3ª Ed., p. 115.
- Pinto Monteiro, “Sobre a Reparação dos Danos Morais”, RPDC, nº1, 1ºano, Setembro, 1992, p. 21.
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil”, Anotado, Vol. I, 4ª Ed., pp. 579, 500.
- Vaz Serra, in “R.L.J.”, Ano 113º/96, 194 e 105.
-Ennecerus-Lehmann, Recht der Schuldverhaltnisse, 14ª ed., 1954, p. 63.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 4.º, AL.A), 483.º, N.º1, 496.º, N.º4, 494.º, 562.º, 563.º, 564.º, N.º2, 566.º, N.ºS 2 E 3.
CÓDIGO DA ESTRADA (CEST): - ARTIGOS 3.º, N.º2, 29.º, N.º2, 35.º, N.º1, 44.º, N.ºS 1 E 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-26.06.91, BOL. 408.º/538
-DE 18.03.97, COL/STJ – 2.º/24
-DE 11.11.97, COL/STJ – 3.º/132
-DE 10.02.98, COL/STJ – 1.º/65
-DE 11.06.02, PROC. N.º 02B1750, EM WWW.DGSI.PT
-DE 27.01.04, COL/STJ, 1.º/46
-DE 07.04.05, PROC. N.º 05B294, EM WWW.DGSI.PT
-DE 05.05.05, PROC. N.º 05B839, EM WWW.DGSI.PT
-DE 20.06.06, COL/STJ -2.º/119
-DE 06.03.07, PROC. N.º 07A138, EM WWW.DGSI.PT
-DE 03.03.09, EM WWW.DGSI.PT
Sumário :

I - O facto de serem familiares do lesado quem, conjunturalmente, presta a este a assistência tornada imprescindível apenas em consequência do acidente não justifica que aquele não deva ser indemnizado do correspondente dano, certo como é que, além do mais, aquela pode cessar a qualquer momento, quer por causas naturais (morte ou impossibilidade de quem a presta), quer por esmorecimento ou apagamento do inerente afecto e solidariedade familiar, repugnando, por outro lado, ao sentimento dominante da colectividade que, em tal situação, o lesado fique privado dos meios materiais que lhe permitam retribuir, minimamente, os serviços de que beneficia.

II - Na fixação do montante compensatório dos danos não patrimoniais associados à violação de certos tipos de bens pessoais (v. g. vida, integridade física, honra, personalidade moral), os ditames da equidade devem sobrepor-se aos dimanados da necessidade de salvaguarda da segurança jurídica implicada na sua correspondente e rígida parametrização.

Decisão Texto Integral:

Proc. nº 654/07.7TBCBT.G1.S1[1]

               (Rel. 172)

                             Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça

1AA instaurou, em 30.10.07, na comarca de ..., acção declarativa, com processo comum e sob a forma ordinária, contra “BB – Companhia de Seguros, S. A.”, agora denominada “CC – Companhia de Seguros, S. A.”, pedindo a condenação desta a pagar-lhe:

                                                     /

  I – A quantia de € 313 560,98, a título de indemnização pelos danos patrimoniais, designadamente os emergentes da incapacidade parcial permanente;

 II – A quantia de € 300 000,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais;

III – Os demais danos não patrimoniais e patrimoniais emergentes do acidente, ainda não susceptíveis de quantificação nesta data, a liquidar em execução de sentença; e

 IV – Juros, à taxa legal de 4% ao ano, desde a citação até integral pagamento.

       Fundamentando a respectiva pretensão, alegou, em resumo e essência, a ocorrência, em 25.08.05, pelas 19H15, de um acidente de viação devido ao comportamento culposo do condutor do veículo automóvel ligeiro de passageiros, matrícula ...TZ..., então seguro na seguradora “DD”, de que a R. é representante em Portugal, em consequência do que lhe advieram danos do peticionado montante e cuja obrigação de ressarcimento impende sobre a R.

       A R. contestou, deduzindo a excepção dilatória da sua própria  ilegitimidade, a determinar a respectiva absolvição da instância, impugnando, em qualquer caso, a relevante factualidade aduzida pelo A. em apoio do respectivo pedido, no qual não pode deixar de ser repercutida a contribuição do próprio A. para o agravamento dos danos por si sofridos, já que, no momento do acidente, circulava sem capacete de protecção.

       Na réplica, sustentou o A. a legitimidade da R., na sua qualidade de verdadeira correspondente, em Portugal, da seguradora francesa, pedindo, não obstante e para a hipótese de assim não vir a ser entendido, a intervenção principal, como R., do “EE”, com sede em Lisboa.

       Admitido o incidente, apresentou contestação o interveniente, impugnando, em termos coincidentes com a contestação da R.-seguradora, a relevante factualidade alegada pelo A. em apoio do respectivo pedido.

       O A. replicou, reiterando a factualidade, inicialmente, alegada e contrapondo que, no momento do acidente, fazia uso do respectivo capacete de protecção.

       Dispensada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador que, além do mais tabelar, julgou improcedente a deduzida excepção dilatória da ilegitimidade da R., com subsequente e irreclamada enunciação da matéria de facto tida por assente e organização da pertinente base instrutória (b. i.).

       Na sequência do cumprimento do preceituado no nº2 do art. 1º do DL nº 58/89, de 22.11, formulou o “Instituto de Segurança Social” pedido de reembolso pela R. da importância de € 15 716,76, por si despendida em consequência do acidente de viação versado nos autos.

       Tal pedido do ISS não foi objecto de qualquer contestação.

       Prosseguindo os autos a sua tramitação, veio, a final, a ser proferida (em 11.05.12) sentença que, julgando, parcialmente, procedente a acção:

                                                     /

  I – Absolveu o “EE” do pedido;

 II – Condenou a R. “BB – Companhia de Seguros, S. A.” a pagar ao A.:

----- A quantia de € 52 057,87, a título de indemnização por perda de salários e futura capacidade de ganho, acrescida dos respectivos juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, desde 06.11.07 até integral cumprimento;

----- 50% dos valores que vierem a apurar-se, relativamente à reparação do motociclo, às despesas de tratamento e de deslocação, assim como as inerentes à contratação de terceira pessoa para lhe prestar cuidados em substituição da progenitora e dos irmãos, quando estes deixarem de poder fazê-lo; e

----- A quantia de € 25 000,00, a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescida dos respectivos juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, desde 11.05.12 até integral cumprimento.

       Paralelamente, julgando, parcialmente, procedente o pedido de reembolso formulado pelo Instituto de Segurança Social – Centro Distrital de Segurança Social de Braga, I. P., condenou a R. “BB” a pagar àquele a quantia de € 11 787,57.

       Por acórdão de 15.10.13, a Relação de Guimarães, julgou procedente a apelação do A., em consequência do que, revogando, parcialmente, a sentença recorrida:

                                                     /

 I – Condenou a R. “BB” a pagar ao apelante-A.:

                                                     /

----- A quantia de € 444 115,75, a título de indemnização pela perda de salários, perda de capacidade para o trabalho e assistência de terceira pessoa; e

----- A quantia de € 100 000,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais;

                                                     /

II – Manteve, no mais – parte remetida para liquidação em decisão ulterior e juros de mora (taxa e data do vencimento) – a decisão impugnada.

       Daí a presente revista interposta pela R. (ora) “CC – Companhia de Seguros, S. A.”, visando a revogação do acórdão recorrido, conforme alegações culminadas com a formulação das seguintes e relevantes conclusões:

                                                   /

1ª – A recorrente não pode conformar-se com o douto acórdão recorrido, uma vez que, tendo em conta o que realmente ocorreu e à matéria de facto dada como provada, entende que o A. também contribuiu para a ocorrência do acidente, pelo que nunca poderá ser a ora recorrente responsável pela totalidade dos danos por ele sofridos;

2ª – O A., ao não ceder a passagem ao condutor do veículo TZ, violou o disposto nos arts. 29.º e 30º do CE, sendo também ele culpado pela ocorrência do acidente descrito nos autos;

3ª – Caso o A., ao aproximar-se do entroncamento descrito nos autos, tivesse reduzido a velocidade de modo a conseguir imobilizar o seu motociclo, caso avistasse algum veículo no entroncamento, conforme prescreve o art. 29º do CE, o acidente não teria ocorrido;

4ª – Deste modo, deve ser atribuído ao A. 50% da culpa pela ocorrência do acidente descrito nos autos, o que, diga-se, apenas poderá pecar por defeito, reduzindo- se, pelo menos, nessa proporção, a indemnização a pagar pela ora recorrida;

5ª – De todo o modo, e ainda que se considerasse que a culpa do acidente

tinha pertencido em exclusivo ao condutor do veículo por si seguro, entende a ora recorrente que a compensação atribuída ao A.  por alguns dos danos por si sofridos é superior ao que vem sendo decidido para situações similares;

6ª – Atendendo à idade do A. à data do acidente, 27 anos, ao salário mensal de € 900,00, à IPG 39 pontos de que o A. padece e ao facto de o mesmo se

encontrar totalmente incapaz para sua profissão, será justa e equitativa compensação não superior ao montante de € 250 000,00 para compensar a perda da capacidade de ganho;

7ª – Frequentemente, tem-se visto os nossos tribunais fixarem a compensação, a título de danos morais, longe do montante de € 50 000,00, mesmo para casos em que o lesado ficou incapacitado para a sua profissão e impedido de prosseguir uma vida social e familiar com normalidade;

8ª – Atendendo às lesões e às sequelas de que ficou a padecer o A., é justa e equitativa uma compensação pelos danos morais sofridos em montante não superior a € 75 000,00;

9ª – Ao decidir como decidiu, o douto acórdão recorrido não teve na devida conta o direito aplicável, tendo violado o disposto nos arts. 562º, 563º, 564º e 566º do Código Civil.

       Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida e proferindo- se acórdão nos termos atrás expostos, como é de JUSTIÇA.

       Contra-alegando, defende o recorrido a manutenção do julgado, com excepção do montante fixado para a indemnização a si devida, a título de danos não patrimoniais, que, em recurso subordinado, pugna dever ser de montante não inferior a € 175 000,00, conforme correspondentes conclusões que seguem:

                                                     /

10ª – A compensação arbitrada no douto acórdão de € 100 000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos e de que continuará a padecer o A., atento todo o quadro de vida deplorável e de enorme infelicidade a que ficou sujeito após o acidente, abundantemente provado nos autos, não só não é exagerada, como deve ser alterada para mais por este Venerando Tribunal;

11ª – Ficou demonstrado à saciedade nos autos todo o enorme sofrimento do recorrente, que ficou parcialmente disforme, sofreu a perda do relacionamento amoroso que mantinha com estabilidade, incapaz de se expressar, necessitando de terapia da fala previsivelmente até ao final dos seus dias e com perda da sua autonomia como pessoa, necessitado de consultas e acompanhamento médicos contínuos também na área de oftalmologia, psiquiatria e, a cada 6 meses, de neurologia, incapaz agora de se reger sem ajuda de terceiros, ou seja, uma vida de padecimento e de tristeza profundos a partir dos 27 anos de idade;

12ª – Uma apreciação e um julgamento segundo a equidade impõe que haja uma compensação condigna a um ser humano como o A. vítima de acidente, que se vê na contingência de viver até à morte privado das suas plenas faculdades mentais e físicas, irremediavelmente arredado de todos os projectos que enformam o pensamento e a alma de um homem comum de 27 anos, nomeadamente de constituição de família e paternidade, impedido de exercer a sua actividade profissional ou qualquer outra, de jogar ou praticar desporto, de conviver normalmente em comunidade e família, truncado nos seus projectos e normal devir como pessoa, numa completa e terrível transformação da sua realidade de vida pelo acidente;

13ª – Viver nas condições do recorrente não é em bom rigor sequer viver na plenitude do termo, viver no quadro de padecimentos, incapacidades, necessidades e derrotas físicas e psíquicas diárias, ademais para sempre, do recorrente, num quadro seriíssimo de dano funcional, psíquico e biológico, desfigurado, tendo sofrido e continuado a sofrer fortíssimas dores, com episódios de epilepsia, com perda de visão, com perda de faculdades mentais, dependente de 3º/s para tarefas básicas, adstrito a consultas e acompanhamento médico até final dos dias, impõe uma quantia indemnizatória que não deve ficar aquém de € 175 000,00;

14ª – O douto acórdão deve assim ser alterado quanto ao valor arbitrado como compensação por todos os danos não patrimoniais que advieram para o recorrente do acidente dos autos, de harmonia com o princípio da equidade e com as normas legais, mormente art. 496º do CC.

       Corridos os vistos e nada obstando ao conhecimento dos recursos, cumpre decidir.

                                                    *

2 – A Relação teve por provados os seguintes factos:

                                                    /

1 – Cerca das 19 horas e 15 minutos do dia … de Agosto de 20…, na Estrada Municipal …, no lugar de ..., …, ..., ocorreu um embate entre o motociclo marca ..., matrícula -GU (que passamos a designar como GU), propriedade do A. e por este conduzido e o veículo ligeiro de passageiros marca Nissan, matrícula ...TZ... (que passamos a designar por TZ), propriedade de FF e por este conduzido (A);

2 – O A. circulava pela Estrada Municipal …, no sentido … - ..., conduzindo o indicado motociclo, tipo "C..." ou de passeio, pela metade direita da faixa de rodagem, próximo da berma, atento o dito sentido de marcha (B);

3 – O veículo ligeiro de passageiros matrícula TZ circulava num caminho, o qual, atento o sentido de marcha do A., entronca pela direita da EM …, caminho este com dois sentidos de circulação (C);

4 – O condutor do TZ, ao chegar ao entroncamento referido em 3, mudou de direcção para a sua esquerda, para passar a circular na EM …, no sentido ... - … (D);

5 – O condutor do TZ, antes de efectuar a manobra referida em 4, não se aproximou do eixo da via (2°);

6 – Entrou na EM … a circular na hemi-faixa de rodagem do lado esquerdo do caminho por onde transitava, atento o seu sentido de marcha, próximo da borda que ladeia, desse lado, este caminho (3°);

7 – E sem se certificar se circulava algum veículo na EM … (4°);

8 – A via por onde seguia o TZ tem a largura de 17,80 metros, no local de intersecção com a EM … (6°);

9 – O condutor do TZ entrou na EM …, na hemi-faixa direita atento o sentido …-..., no momento em que o GU aí circulava a 4 a 5 metros de distância do entroncamento (7°);

10 – O condutor do TZ, face à manobra referida em 4, barrou a passagem do condutor do GU (8°);

11 – O TZ e o GU bateram entre si, respectivamente, com a frente, lado esquerdo, na zona do farol e a zona direita do guiador (9°);

12 – Na confluência do caminho onde circulava o ...TZ... com a EM …, a berma do lado direito desta estrada, atento o sentido de marcha do A., e a berma do lado esquerdo do caminho são ladeadas por um talude com a altura aproximada de 2 metros, coberta de vegetação (10°);

13 – Face à situação referida em 9 e 12, ao condutor do GU só foi possível avistar o condutor do TZ quando este entrou na EM (11°);

14 – O embate referido em 1 ocorreu na hemi-faixa de rodagem direita na EM …, atento o sentido de marcha do GU (12°);

15 – O A. circulava com o capacete de protecção na cabeça (85°);

16 – O A. tinha a percepção da existência do entroncamento, a 33 metros de distância deste (88°);

17 – Antes do acidente, o A. era saudável, bem disposto e dinâmico (13°);

18 – Após o embate e face aos ferimentos que tinha, foi transportado ao Hospital de Fafe e, de seguida, para o serviço de Urgências do Hospital de S. Marcos, em Braga (14°);

19 – Em consequência do acidente, o A. sofreu traumatismo crânio-encefálico grave, com hematoma sub-dural agudo, no hemisfério esquerdo, e contusão expansiva temporal esquerda (15°);

20 – Foi assistido e internado, no Serviço de Neurocirurgia no Hospital de São Marcos, em Braga (16°);

21 – Foi, ali, submetido a TAC cerebral que revelou a existência das lesões descritas em 19 (17°);

22 – Foi operado, nesse mesmo dia, e submetido a craniectomia descompressiva fronto-temporo-parietal esquerda, com drenagem do hematoma sub-dural e aspiração da contusão temporal esquerda (18°);

23 – E colocou um sensor da pressão intra-craniana (PIC) (19°);

24 – Permaneceu, 11 dias, na Unidade de Cuidados Intensivos Polivalente (UCIP), tendo registado períodos de instabilidade da hemodinâmica cerebral (20°);

25 – E pneumonia, por aparente aspiração de vómito (21°);

26 – E síndrome febril com hemocultura com estafilococos hominis (22°);

27 – O A. [esteve] com ventilação mecânica, por 8 dias (23°);

28 – Em 05.09.05, foi transferido para o Serviço de Neurocirurgia, apresentando as seguintes lesões:

a. afasia de expressão;

b. hemiparesia direita de predomínio braquial e

c. Glasgow 15/15 (24°);

29 – Em 28.09.05, teve alta do internamento hospitalar, medicado com Hidantina "per os" 100 mgs de 8/8 horas (25°);

30 – Na altura, apresentava disfasia motora em evolução, hemiparesia direita discreta e Glasgow 15 (26º);

31 – Em 20.10.05, foi observado na Consulta Externa de Neurocirurgia (27°);

32 – Nessa ocasião, registou melhoria da disfasia e apresentava marcha independente (28°);

33 – Apresentava hemianópsia homónima esquerda, pelo que foi pedida a colaboração de Oftalmologia (29°);

34 – Em 27.12.05, foi operado, em Neurocirurgia, e submetido a cranioplastia com Bioplate (30°);

35 – No pós-operatório imediato, desenvolveu crise convulsiva generalizada (31º);

36 – Em 06.01.06, teve alta do internamento hospitalar e foi medicado com Hidantina (32°);

37 – Foi observado, na consulta externa, em 27.02.06 e 15.05.06, apresentando melhoria progressiva da disfasia e síndrome pós-traumático com irritabilidade, ansiedade, cefaleias, tonturas e alterações de memória (33°);

38 – Na segunda data, continuava a registar crises convulsivas (34°);

39 – Também apresentava dor local, a nível da cranioplastia (35°);

40 – Em Março de 2006, o A. mantinha os tratamentos de terapia da fala, em Fafe (37°);

41 – O A. apresentava afasia anónima com comprometimento da leitura, da escrita, da fala e da compreensão de material verbal complexo (38°);

42 – O quadro descrito em 41 dificultava-lhe a comunicação e, logo, a conversação (39°);

43 – Em 22.11.06, foi internado, no Serviço de Oftalmologia do Hospital de São Marcos, tendo sido submetido a Vitrectomia total do olho esquerdo por hemovítreo (40º);

44 – Em 28.11.06, teve alta do internamento hospitalar para a Consulta Externa de Oftalmologia (41°);

45 – O A. foi-se mantendo em observação e vigilância, nas Consultas Externas das Especialidades de Neurocirurgia, Neurologia, Oftalmologia e Fisiatria, no Hospital de S. Marcos (42°);

46 – Em 13.11.06, teve alta da Consulta de Neurocirurgia, apresentando-se na altura:

a. muito melhor da disfasia, mantendo a terapia da fala;

b. hemiparésia direita mínima de grau 4+;

c. mantinha crises de epilepsia e vem sendo vigiado por Neurologia (43°);

47 – Nessa data, ainda se mantinha nas consultas externas de Neurologia, Oftalmologia e Fisiatria, no Hospital de São Marcos (44°);

48 – Mantém-se também em observação, na Consulta de Psiquiatria, no Hospital de S. Gonçalo de Amarante, por maior proximidade do local da sua residência (45°);

49 – Após a consolidação médico-legal das lesões, em 22 de Janeiro de 2007, o A. apresenta como sequelas:

- epilepsia pós-traumática controlável com terapêutica, embora fazendo crises convulsivas periódicas;

- perda parcial da visão do olho esquerdo - acuidade visual de 4/10 com correcção;

- alteração dos campos visuais - quadrantanopsia inferior direita bilateral e aumento de mancha cega do olho esquerdo;

- dificuldade de expressão verbal e de compreensão de mensagens orais;

- desnivelamento ao nível da cranioplastia fronto-parietal esquerda com dor local;

- reflexos osteotendinosos ligeiramente diminuídos dos membros superior e inferior direito em relação com o membro contra-lateral;

- síndrome pós-traumático com labilidade emocional e tendência agressiva;

- dificuldades de memorização e evocação;

- diminuição da capacidade de adquirir novos conhecimentos ou para estabelecer raciocínios;

- tempo de reacção lento e inadaptado (47°);

50 – As lesões referidas em 49 incapacitam o A. de gerir situações, desde as mais simples, como fazer compras, recados e necessita de ser acompanhado no seu dia a dia, bem como nas suas deslocações (48°);

51 – Apresenta períodos de agressividade e grande irritabilidade, que obrigam a que mantenha a medicação adequada instituída pelo médico psiquiatra (49°);

52 – Futuros tratamentos destinam-se apenas a evitar um agravamento das sequelas (51°);

53 – As sequelas de que o A. é portador em consequência do acidente referido em 1 determinam uma incapacidade permanente geral de 39 pontos (52°);

54 – À data do acidente, o A. exercia a profissão de encarregado de construção civil de 2ª, na sociedade “GG - Construção Civil e Obras Públicas, Ldª”, com sede em ..., auferindo uma retribuição média mensal de cerca de € 900,00 (53°);

55 – A incapacidade referida em 53 impede o A. de desempenhar as suas funções profissionais e quaisquer outras (54°);

56 – Desde o acidente e até à data da entrada da acção (30.l0.07), o A. tem uma incapacidade absoluta para o trabalho (56°);

57 – No período compreendido entre 26 de Agosto de 2005 e 11 de Agosto de 2008, o A. recebeu o montante de € 15 716,76, a título de subsídio de doença (57°);

58 – Em consequência do embate, o motociclo do A. ficou danificado, importando a sua reparação valor não concretamente apurado (58°);

59 – O A. continua a deslocar-se, uma vez por semana a tratamentos de terapia da fala, de três em três meses a consultas de psiquiatria, em …, e, com regularidade, pelo menos, anual, a consultas de neurologia e oftalmologia (59°);

60 – Nas deslocações e tratamentos referidos em 59, o A. suporta despesas (60º);

61 – O A., face às sequelas de que é portador, está dependente de terceira pessoa para o acompanhar no dia-a-dia e nas deslocações, até ao final dos seus dias (61°);

62 – Actualmente, é ajudado pela progenitora, pessoa idosa com quem vive, que cozinha, trata da limpeza da casa e acode às demais necessidades do A. (62º);

63 – É também ajudado pelos irmãos, HH e II, que integram o mesmo agregado (63°);

64 – O auxílio referido em 61 implicará uma despesa para o A., quando a mãe e os irmãos deixarem de poder ajudá-lo (65°);

65 – Devido às lesões e tratamentos, o A. sofreu dores de grau 6, numa escala de 1 a 7, e irá continuar a sofrer dores e incómodos no seu dia a dia (66°);

66 – Viu-se forçado a diversos e prolongados períodos de internamento hospitalar, o que o perturbou (67°);

67 – Esteve dependente na execução das tarefas diárias, designadamente para se alimentar, vestir e para a higiene diária, durante 54 dias (69°);

68 – Está impedido de jogar futebol ou outros desportos ou actividades similares, como andar de bicicleta (70°);

69 – Antes do acidente, nos tempos livres, jogava futebol na companhia de amigos (71°);

70 – O A. tem desgosto por não poder trabalhar, não poder conduzir, não se reger ele próprio, sequer, em tarefas banais do dia a dia (72°);

71 – O desnivelamento ao nível da cranioplastia importa para o A. um dano estético de grau 2, numa escala de 1 a 7 (74°);

72 – Perdeu parte das suas faculdades e a capacidade de fazer projectos (75°);

73 – À data do acidente, o A. namorava, há mais de um ano, com uma jovem de nome JJ que não suportou as sequelas por aquele sofridas e optou por acabar com a relação (76°);

74 – O termo da relação provocou tristeza e revolta no A., tornando-o, posteriormente, uma pessoa mais reservada (77°);

75 – Eliminado;

76 – O proprietário [do TZ] havia firmado o contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, pela apólice nº …, com a seguradora DD (E);

77 – A “BB - Companhia de Seguros” representou a seguradora DD, procedendo a averiguações sobre a responsabilidade pela ocorrência do embate (F);

78 – À data do acidente, o A. tinha a idade de 27 anos (G);

79 – O A. é beneficiário da Segurança Social, através do Centro Distrital da Segurança Social de Braga, com o nº … (H);

80 – Enquanto beneficiário da Segurança Social e em consequência do sinistro descrito em 1, o A. esteve com incapacidade temporária para o exercício da actividade profissional, no período de 26.08.05 a 11.08.08 (I);

81 – Em consequência do referido em 79 e 80, o ISS pagou ao A., a título de doença, a quantia de € 15 716,76, no período de tempo acima assinalado (J).

                                                     *

3 – Face ao teor das conclusões formuladas pelos recorrentes e não havendo lugar a qualquer conhecimento oficioso, são as seguintes as questões que, no âmbito das revistas, demandam apreciação e decisão por parte deste Tribunal de recurso:

                                                     /

  I – Determinação da responsabilidade pela eclosão do acidente, sustentando a recorrente-seguradora que ao A.-recorrido deve ser imputada tal responsabilidade, na percentagem ou proporção de 50%;

 II – Quantificação da indemnização por danos patrimoniais sofridos pelo A., sustentando aquela recorrente que a mesma não deve exceder € 250 000,00;

III – Quantificação da compensação por danos não patrimoniais suportados pelo A., defendendo a recorrente-seguradora a respectiva fixação em montante não superior a € 75 000,00 e propugnando o A., subordinadamente, por que a mesma não seja de montante inferior a € 175 000,00.

       Apreciando:

                                                    *

4I – A primeira das supra enunciadas questões interfere com a complexa temática da denominada “causalidade adequada”, conferindo oportunidade para uma sua breve rememoração.

       Como textua o art. 563º do CC, “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”. Trata-se da consagração, no nosso direito constituído, da denominada doutrina ou teoria da causalidade adequada, sustentando o insigne e saudoso Prof. Antunes Varela[2], que a mesma deve ser entendida na sua formulação negativa, na senda de ENNECERUS-LEHMANN ( “Recht der Schuldverhaltnisse”, 14ª ed., 1954, pags. 63): “A condição deixará de ser causa do dano, sempre que, segundo a sua natureza geral, era de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele, em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, sendo portanto inadequada para este dano”.

       Ainda segundo aquele insigne Mestre (“Ob. e loc. citados”, pags. 898/899), no mencionado art. 563º, faz-se “apelo ao prognóstico objectivo que, ao tempo da lesão (ou do facto), em face das circunstâncias então reconhecíveis ou conhecidas pelo lesante, seria razoável emitir quanto à verificação do dano. A indemnização só cobrirá aqueles danos cuja verificação era lícito nessa altura prever que não ocorressem, se não fosse a lesão. Ou, por outras palavras: o autor do facto só será obrigado a reparar aqueles danos que não se teriam verificado sem esse facto e que, abstraindo deste, seria de prever que não se tivessem produzido”.

       Em diferente formulação, e em anotação ao citado art. 563º[3], defendem, por seu turno, os Profs. Pires de Lima – Antunes Varela: “… não basta que o evento tenha produzido (naturalística ou mecanicamente) certo efeito para que este, do ponto de vista jurídico, se possa considerar causado ou provocado por ele; para tanto é necessário ainda que o evento danoso seja uma causa provável, como quem diz adequada desse efeito” (Remetendo-se para M. Andrade, “Teoria Geral das Obrigações”, pags. 355 e segs).

       Para o Prof. I. Galvão Telles[4], expendendo sobre a mencionada teoria ou doutrina, “Determinada acção ou omissão será causa de certo prejuízo se, tomadas em conta todas as circunstâncias conhecidas do agente e as mais que um homem normal poderia conhecer, essa acção ou omissão se mostrava, à face da experiência comum, como adequada à produção do referido prejuízo, havendo fortes probabilidades de o originar”.

       No ensino do Prof. Menezes Leitão[5], “…para que exista nexo de causalidade entre o facto e o dano não basta que o facto tenha sido em concreto causa do dano, em termos de conditio sine qua non. É necessário que, em abstracto, seja também adequado a produzi-lo, segundo o curso normal das coisas (…) A averiguação da adequação abstracta do facto a produzir o dano só pode ser realizada a posteriori, através da avaliação se seria previsível que a prática daquele facto originasse aquele dano (prognose póstuma). A doutrina da adequação aceita que essa avaliação tome por base não apenas as circunstâncias normais que levariam um observador externo a efectuar um juízo de previsibilidade, mas também circunstâncias anormais, desde que recognoscíveis ou conhecidas pelo agente”.

       Fazendo-se eco das transcritas posições doutrinais, entre muitos outros, os seguintes arestos deste Supremo, que, na parte pertinente da respectiva sumariação, de seguida, se transcrevem:

--- “ No que concerne à responsabilidade por facto ilícito culposo – contratual ou extracontratual – o facto que actua como condição só deixará de ser causa do dano desde que se mostre por sua natureza de todo inadequado e o haja produzido apenas em consequência de circunstâncias anómalas ou excepcionais (…) A doutrina da causalidade adequada não pressupõe a exclusividade da condição, no sentido de que esta tenha só por si determinado o dano” (Ac. de 11.06.02 – Proc. 02B1750/ITIJ/Net);

--- “O art. 563º do CC acolheu a doutrina da causalidade adequada (…) A fórmula aí usada deve interpretar-se no sentido de que não basta que o evento tenha produzido (naturalística ou mecanicamente) certo efeito para que este, do ponto de vista jurídico, se possa considerar causado ou provocado por ele: para tanto, é necessário ainda que o evento danoso seja uma causa provável, adequada, desse efeito (…) Sendo certo que o aludido preceito comporta qualquer das variantes da formulação da teoria da causalidade adequada, provindo a lesão de facto ilícito, deve ter-se por acolhida a sua formulação negativa, segundo a qual só deixará de haver nexo causal adequado se o facto que actua como condição, segundo a sua natureza geral, era de todo indiferente para surgir um tal dano e só se tornou condição dele em resultado de outras circunstâncias extraordinárias que intervieram no caso concreto”. (Ac. de 27.01.04 – COL/STJ – 1º/46);

--- O art. 563º do CC consagra a doutrina da causalidade adequada na sua formulação negativa, que não pressupõe a exclusividade do facto condicionante do dano, nem exige que a causalidade tenha de ser directa e imediata, pelo que admite: - não só a ocorrência de outros factos condicionantes, contemporâneos ou não; - como ainda a causalidade indirecta, bastando que o facto condicionante desencadeie outro que directamente suscite o dano”. (Ac. de 07.04.05 – Proc. 05B294.dgsi.Net – em termos coincidentes, Ac. de 06.03.07 – Proc. 07ª138.dgsi.Net);

--- O art. 563º do CC consagrou, quanto ao nexo de causalidade, a doutrina da causalidade adequada, na formulação negativa de Enneccerus-Lehman, nos termos da qual a inadequação de uma dada causa para um resultado deriva da sua total indiferença para a produção dele, que, por isso mesmo, só ocorreu por circunstâncias excepcionais ou extraordinárias (…) para a verificação do nexo não é necessária uma causalidade directa (do tipo causa-efeito), bastando-se a nossa lei com uma causalidade indirecta (o autor da lesão é responsável por todos os danos ulteriores que eram de esperar segundo o curso normal das coisas, ou foram especialmente favorecidos pela conduta do agente, quer na sua própria verificação, quer na sua actuação concreta em relação ao dano de que se trata”. (Ac. de 05.05.05 – Proc. 05B839.dgsi.Net); e

---“… Causalidade adequada essa que se refere – e não apenas ao facto ou dano isoladamente considerados – a todo o processo factual que, em concreto, conduziu ao dano (…) Muito embora sejam as circunstâncias a definir a adequação da causa, contudo, não se deve perder de vista, por um lado, que para a produção do dano pode haver a colaboração de outros factos, contemporâneos ou não, e, por outro, que a causalidade não tem necessariamente de ser directa e imediata, bastando que a acção condicionante desencadeie outra condição que, directamente, suscita o dano (causalidade indirecta (…) Sempre que ocorra um concurso de causas adequadas, qualquer dos seus autores é responsável pela reparação de todo o dano”. (Ac. de 20.06.06 – COL/STJ -2º/119).

                                                                /

II – Como decorre do já exposto, as instâncias divergiram no que concerne à imputação da responsabilidade pela eclosão/verificação do acidente em apreço nos autos: enquanto a 1ª instância imputou tal responsabilidade, em concorrência de culpas, ao próprio A. – na proporção de 25% – e ao condutor do veículo TZ – na proporção de 75% –, a Relação atribuiu a mesma responsabilidade, em exclusivo, a este último condutor.

       Considerou-se, a propósito, no douto acórdão recorrido: “…não podemos deixar de considerar que, contrariamente ao sinal STOP, que impõe uma regra absoluta – o condutor tem, obrigatoriamente, de parar, quer haja, ou não, trânsito à vista –, já a regra da prioridade é relativa visto ser imposto ao condutor com prioridade o dever de observar “as cautelas necessárias à segurança do trânsito” – cfr. nº2 do art. 29º do Cod. da Estrada (C.E.). O que significa que, mesmo tendo o direito de se antecipar na passagem, este condutor, antes de entrar na via que pretende tomar, terá de fazer uma avaliação prévia do risco que a sua manobra pode representar para quem nela circule, no que se inclui quem se lhe apresente pela esquerda (e, por isso, lhe deva ceder a passagem), impondo-se-lhe, designadamente, verificar se este condutor dispõe de espaço suficiente para parar se tiver necessidade de o fazer (…) Igual dever objectivo de cuidado é imposto a quem pretenda efectuar a manobra de mudança de direcção, que a tem de executar por modo a que dela não resulte perigo para o trânsito – cfr. nº1 do art. 35º do C. E. (…) Na situação sub judicio, porém, o condutor do veículo TZ não observou aquele dever de cuidado, já que, chegado ao entroncamento, entrou na estrada que pretendia tomar sem, sequer, abrandar, para se certificar se o podia fazer sem perigo e, o que é mais grave, não obedecendo aos comandos estradais, fê-lo totalmente encostado à esquerda do entroncamento, passando a circular pela faixa de rodagem contrária àquela que lhe cabia, em vez de a atravessar na vertical, como se lhe impunha. Com este modo de actuar o condutor do TZ não só encurtou o espaço em que podia ser avistado pelo apelante-A. (devido à existência de um talude que travava o horizonte de visibilidade), assim como, tomando uma rota de colisão com o GU (“barrou-lhe a passagem”), diminuiu drasticamente as hipóteses de sucesso de uma qualquer manobra para se evitar o embate que, assim, se tornou inevitável (…) Acresce que se o embate ocorreu quando o apelante-A vinha a “4 a 5 metros de distância do entroncamento”, não se tendo provado a velocidade a que ele circulava também se não pode afirmar que aquela distância era insuficiente para se imobilizar, sendo necessário, para dar passagem ao veículo TZ, caso este veículo obedecesse à trajectória que lhe impunha o nº2 do art. 44º do C. E., com o que a regra da prioridade se não pode ter por violada (…) De quanto acima vem referido e da facticidade provada impõe-se concluir que o acidente só ocorreu porque o condutor do TZ não executou a manobra de mudança de direcção observando a trajectória que lhe impõe o nº2 do art. 44º do C. E. – posto que a via de onde procedia é de dois sentidos de trânsito, assim como aquela onde pretendia entrar, devia dar a esquerda ao centro de intersecção das duas vias (…) Se o tivesse feito, não só aumentava o horizonte de visibilidade para o apelante-A., o que lhe permitiria adoptar os cuidados necessários para evitar o acidente, como lhe deixaria livre, na zona do entroncamento, espaço suficiente para se desviar para a direita, se tivesse necessidade de evitar colidir com a traseira  do veículo TZ”.

                                                        /

III – Os transcritos considerandos reclamam a nossa adesão e impõem, por si sós, que a controvertida responsabilidade deva ser imputada, em exclusivo, ao condutor do TZ.

       Na realidade, perante a provada e (aqui) imodificável factualidade, deve ser enfatizado que o A. e condutor do GU não violou, por qualquer forma, as normas regulamentares da condução estradal, porquanto nem sequer se pode ter como assente que o mesmo tenha inobservado o preceituado no art. 30º, nº1 do aplicável C. E., não cedendo a passagem ao TZ, que se lhe apresentava pela direita.

       Com efeito, o que se mostra provado é que “O condutor do TZ entrou na EM …” (por onde, relembre-se, circulava o GU, conduzido pelo A.) “na hemi-faixa direita atento o sentido Rego-...” (ou seja, no sentido em que circulava o A.) “, no momento em que o GU aí circulava a 4 a 5 metros de distância do entroncamento” (Cfr. 9 de 2 supra). Ou seja, neste circunstancialismo, não se mostra provado que o A. tenha inobservado a regra de cedência de passagem prioritária ao veículo TZ, o qual, não obstante provir da sua direita, foi com o mesmo embater, “na hemi-faixa direita atento o sentido Rego-..., no momento em que o GU aí circulava a 4 a 5 metros de distância do entroncamento”. Antes decorrendo da factualidade provada que o condutor do TZ, circulando pela hemi-faixa de rodagem do lado esquerdo do caminho (com dois sentidos de circulação) por onde transitava, atento o seu sentido de marcha, e próximo da borda que ladeia, desse lado, o mesmo caminho, entrou na EM …, nos termos que já ficaram referenciados, sem se certificar se, nesta, circulava algum veículo (Cfr. 6 e 7 de 2 supra). Com a agravante de que “Na confluência do caminho onde circulava o TZ com a EM …, a berma do lado direito desta estrada, atento o sentido de marcha do A., e a berma do lado esquerdo do caminho são ladeadas por um talude com a altura aproximada de 2 metros, coberta de vegetação” (Cfr. 12 de 2 supra), de tudo resultando que ao condutor do GU, (ou seja, o A.), só foi possível avistar o condutor do TZ quando este entrou na EM (Cfr. 13 de 2 supra).

       Violou, assim, o condutor do TZ o preceituado nos arts. 3º, nº2, 29º, nº2, 35º, nº1 e 44º, nº/s 1 e 2, todos do aplicável C. E., o que, nos termos que ficaram acentuados, foi causa exclusiva da eclosão/verificação do acidente de viação a que se reportam os autos, certo sendo que, no circunstancialismo ocorrente, só aquele condutor deveria admitir que a respectiva conduta era adequada à eclosão do verificado acidente, havendo fortes probabilidades de o originar, tanto mais que, se assim não sucedesse e tendo o caminho por onde seguia o TZ, no local de intersecção com a EM …, a largura de 17,80 metros (cfr. 8 de 2 supra), sempre disporia o A. da distância de 12,90 ou 13,90 metros para possibilitar a passagem prioritária do mesmo TZ.

       Improcedem, assim, as correspondentes conclusões formuladas pela R.-recorrente, nenhuma correspondente censura nos merecendo o douto acórdão recorrido.      

                                                     *

5 – Passando à suscitada questão da fixação do montante da indemnização devida ao A., a título dos danos patrimoniais por si sofridos em consequência do acidente:

                                                      /

I – A obrigação de indemnizar, a cargo do causador do dano, deve reconstituir a situação que existiria “se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” (art. 562º, do CC). Sendo que “dano” é a perda, “in natura”, que o lesado sofreu em consequência de certo facto nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar” (Prof. Antunes Varela, in “Das Obrigações”, 7ª Ed. – 591).

       Na definição do citado civilista, “o dano patrimonial é o reflexo do dano real sobre a situação patrimonial do lesado”, abrangendo não só o dano emergente ou perda patrimonial, como o lucro cessante ou lucro frustrado.

       E a indemnização pecuniária deve manifestamente medir-se por uma “diferença - «id quod interest», como diziam os glosadores – entre a situação (real) em que o facto deixou o lesado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria sem o dano sofrido” (Prof. Antunes Varela, in “Ob. citada”, pags. 906). A lei consagra, assim, a teoria da diferença, tomando como referencial “a data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que nessa data teria se não existissem danos” (art. 566º, nº2, do CC). Não podendo, assim, ser menosprezado o facto de um dos pressupostos da obrigação de indemnizar consistir, precisamente, na existência de um nexo de causalidade entre o facto gerador da responsabilidade civil extraobrigacional e o dano verificado (art. 483º, nº1, do CC).

       Manda, ainda, a lei – art. 564º, nº2, do CC – atender aos danos futuros, desde que previsíveis, fórmula que contempla a possibilidade de aplicação aos danos emergentes plausíveis. Sendo que, “Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados” (art. 566º, nº3, do CC).

       E, nesta sede, o recurso a fórmulas é meramente indiciário, não podendo o julgador desvincular-se dos critérios constantes do citado art. 566º, mormente do remissivo para a formulação de juízos de equidade (nº2 do mesmo art. e art. 4º, al. a), ambos do CC). Com efeito, as fórmulas usadas para calcular as indemnizações, sejam elas a do método do cálculo financeiro, da capitalização dos rendimentos, ou as usadas na legislação infortunística, não são imperativas, valendo como métodos indiciários. Como, lapidarmente, se decidiu no Ac. do STJ, de 18.03.97 – COL/STJ – 2º/24 – “os danos patrimoniais futuros não determináveis serão fixados com a segurança possível e temperança própria da equidade, sem aderir a critérios ou tabelas puramente matemáticas”.    

       Podendo, embora, incorrer no risco de indesejada repetição de quanto fica explanado, entende-se conveniente trazer, aqui, à colação as correspondentes directrizes dimanadas deste Supremo e cuja magistral síntese consta do Ac. de 03.03.09[6], de que foi relator o Ex. mo Cons. Nuno Cameira:

--- A indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida;

--- No cálculo desse montante interfere, necessariamente e de forma decisiva, a equidade, o que implica que deve conferir-se relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável;

--- As tabelas financeiras por vezes utilizadas para apurar a indemnização têm um mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo, de modo algum, a ponderação judicial com base na equidade;

--- Deverá ponderar-se o facto da indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros; e

--- Deve, preferencialmente, ter-se em conta, mais do que a esperança média de vida activa da vítima, a esperança média de vida, uma vez que as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma.

                                                     /

II – Como decorre das conclusões formuladas pela recorrente, pretende esta que a indemnização por si devida ao A., a título de danos patrimoniais por este sofridos em consequência do acidente seja fixada em montante não superior a € 250 000,00.

       Na Relação, fixou-se tal indemnização – para além da que foi remetida para liquidação em incidente ulterior – em € 444 115,75, sendo € 140 000,00 atribuídos para retribuição da assistência de terceira pessoa de que o A. necessitará para o acompanhar no dia-a-dia e nas deslocações, até ao final dos seus dias.

       Temos por correcto o fixado montante indemnizatório, o qual se mostra tributário dos correspondentes comandos legais e totalmente ajustado à situação emergente da pertinente factualidade provada, com expressa consideração da idade do A., tempo provável da vida deste, salário auferido à data do acidente, grau de IPP mas com impedimento do desempenho de quaisquer outras funções, rendimento do capital (taxa activa de capitalização de 3%), possível progressão na carreira contrabalançada com a antecipação do recebimento da indemnização, tudo iluminado por adequada consideração da prevalecente equidade.

       Aliás, tal montante nunca poderia considerar-se excessivo, já porque o A., para além da incapacidade permanente geral de 39 pontos (Cfr. 53 de 2 supra), ficou impedido de desempenhar quaisquer outras funções, já porque a conjuntural assistência de familiares (só tornada necessária por causa do acidente) pode cessar a qualquer momento, seja por razões naturais (morte da pessoa assistente), seja por esmorecimento ou apagamento da determinante ligação afectiva, sem que o A. a possa, legalmente, exigir. Não se mostrando, por outro lado, correspondente ao sentimento dominante na colectividade que o A. não tenha meios materiais para retribuir, minimamente (como implica o correspondente montante fixado), os serviços de assistência que lhe sejam prestados, mesmo que propiciados por afecto e solidariedade familiar.

       Improcedendo, pois, as correspondentes conclusões formuladas pela recorrente.

                                                    *

6 – Restando-nos, pois, a fixação do montante compensatório devido ao A. a título dos danos não patrimoniais por si sofridos também em consequência do acidente.

                                                        /

I – Os danos não patrimoniais correspondem aos prejuízos (como dores físicas, desgostos morais, vexames, perda de prestígio ou de reputação, complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a honra, o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização” (Prof. Antunes Varela, in “Das Obrigações”, 6ª Ed. – 1º/571).

     Conforme arts. 496º, nº4 e 494º, ambos do CC, em sede de danos não patrimoniais e apesar de se tratar de simples compensação – Cfr., neste sentido, designadamente, Prof. Mota Pinto, in “Teoria Geral da Relação Jurídica”, 3ª Ed., pags. 115 e Acs. do STJ, de 11.11.97 – COL/STJ – 3º/132 – e de 10.02.98 – COL/STJ – 1º/65 –, a indemnização não deve ser apenas simbólica e, na sua valorização, é também decisivo o recurso à equidade, sendo de atender ao grau de culpa (dolo ou mera culpa) do agente, à situação económica deste e do lesado e às demais circunstâncias do caso concreto, designadamente, flutuações do valor da moeda e gravidade do dano. Sendo que o recurso à equidade, por seu turno, não significa o puro arbítrio, mas apelo a “todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida” (Prof. Antunes Varela, in “Ob. citada” – I/599), ou seja, a justiça do caso concreto.

     Simultaneamente, não poderá deixar de ter-se, igualmente, presente a natureza mistareparação do dano e punição (no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado) da conduta do agente lesante – que caracteriza a indemnização por danos não patrimoniais (Neste sentido, Prof. I. Galvão Telles, in “Direito das Obrigações”, 4ª Ed./375 e segs.; Prof. Antunes Varela, in “Ob. citada”, pags. 601; Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, in “CC Anotado”, I – 4ª Ed./500; Prof. Vaz Serra, in “R.L.J.”, Ano 113º/96, 194 e 105; e Acs. do STJ, de 10.02.98 (supra citado) e de 26.06.91 (Bol. 408º/538). 

       Com efeito, diversos tratadistas acentuam a componente punitiva da compensação por danos não patrimoniais.

       Assim, o Prof. Menezes Cordeiro[7] ensina que “a cominação de uma obrigação de indemnizar danos morais representa sempre um sofrimento para o obrigado; nessa medida, a indemnização por danos morais reveste uma certa função punitiva, à semelhança, aliás, de qualquer indemnização”.

       O Prof. Galvão Telles[8] sustenta que “a indemnização por danos não patrimoniais é uma «pena privada», estabelecida no interesse da vítima – na medida em que se apresenta como um castigo em cuja fixação se atende ainda ao grau de culpabilidade e à situação económica do lesante e do lesado”.

       O Prof. Menezes Leitão[9] destaca a índole ressarcitória/punitiva da reparação por danos morais, quando escreve: “assumindo-se como uma pena privada, estabelecida no interesse da vítima, de forma a desagravá-la do comportamento do lesante”.

       O Prof. Pinto Monteiro, por seu turno, sustenta[10] que a obrigação de indemnizar é “uma sanção pelo dano provocado”, um “castigo”, uma “pena para o lesante”.

       Finalmente, em recente estudo publicado a pags. 194 e segs. da RLJ, Ano 143º, sustenta o Dr. Filipe Albuquerque Matos que “…a «indemnização» neste particular hemisfério dos danos não patrimoniais já foi perspectivada como uma pena privada, a qual não reverte a favor do Estado, mas antes em proveito da vítima”.

                                                                    /

II – No caso dos autos, constata-se que o controvertido montante foi fixado em € 25 000,00 e € 100 000,00, respectivamente, pela 1ª instância e pela Relação, aceitando a recorrente seguradora o montante de € 75 000,00 e pugnando o A., no respectivo recurso subordinado, por que o mesmo seja fixado em quantia não inferior a € 175 000,00.

       Ora, transpondo para o caso dos autos os transcritos ensinamentos doutrinais e jurisprudenciais e convocando para este efeito a factualidade que se mostra acolhida de 17 a 52, e em 55, 59, 61, 65 a 72 e 78, todos de 2 supra, tudo com a legal e prevalecente interferência da equidade, reputamos adequado o montante de € 150 000,00 para compensação dos danos não patrimoniais advenientes para o A. em consequência do acidente.

       Com efeito, no provado cosmos fáctico, consideramos que peca por defeito o correspondente montante de € 100 000,00 fixado na Relação, atentas as gravíssimas e definitivas sequelas danosas que o acidente causou ao A., quando tinha apenas 27 anos de idade e não olvidando, por outro lado, a oportuna ponderação de Filipe Albuquerque Matos[11], quando pondera: “…se, por um lado, a sensibilização do Supremo para a necessidade de nas hipóteses de violação de certos tipos de bens pessoais se fixarem determinadas quantias a título indemnizatório consideradas dignas vai de encontro a importantes exigências de segurança jurídica, por outro lado, uma tal parametrização pode coenvolver sacrifícios significativos para os ditames de justiça implicados na equidade, os quais apenas se revelam compreensíveis nos quadros de outro valor inelutável que se encontra em dialéctica antinómica com o atrás mencionado: o ideal de justiça”.

       Procedendo, pois, em parte, as conclusões formuladas pelo recorrente-A. e improcedendo as tiradas pela R.

                                                        *

7Na decorrência do exposto:

                                                        /

      I – Concede-se, parcialmente, a revista subordinada do A., alterando-se para € 150 000,00 (cento e cinquenta mil euros) o montante a este devido pela R., a título de compensação pelos danos não patrimoniais para este advenientes em consequência do acidente, mantendo-se, no demais, o decidido no douto acórdão recorrido;

      II – Nega-se a revista da R.

                                                    /

       As custas da revista principal serão suportadas pela R.

       As demais – da revista subordinada e das instâncias – serão suportadas por A. e R., na proporção do respectivo decaimento.

                                                   /

                                       Lx      09 /  09   /  2014   /

Fernandes do vale (Relator)

Ana Paula Boularot

Pinto de Almeida

       

______________________
[1]  Relator: Fernandes do Vale (11/14)
   Ex. mos Adjuntos
   Cons. Ana Paula Boularot
   Cons. Pinto de Almeida
[2]  In “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, pags. 900, 10ª Ed.
[3]  In “CC Anotado”, Vol. I, 4ª Ed., pags. 579.
[4]  In “Manual de Direito das Obrigações”, nº 229.
[5]  In “Direito das Obrigações”, Vol. I, 6ª Ed., pags. 345/346.
[6]  In “www.dgsi.pt.”
[7]  In “Direito das Obrigações”, 2º Vol. ,pags. 288
[8]  In  “Direito das Obrigações”, pags. 387.
[9] In “Direito das Obrigações”, Vol. I, pags. 299.
[10] In “Sobre a Reparação dos Danos Morais”, RPDC, nº1, 1ºano, Setembro, 1992, pags. 21.
[11]  In R. L. J., Ano 143º, pags. 217