Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1728/12.8TBBRR-A.L1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
DEVER DE COMUNICAÇÃO
DEVER DE INFORMAÇÃO
FIADOR
Data do Acordão: 07/09/2015
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / GARANTIAS ESPECIAIS DAS OBRIGAÇÕES / FIANÇA - CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS.
Doutrina:
- Almeida Costa e Menezes Cordeiro, Cláusulas Contratuais Gerais, 25.
- Almeno de Sá, Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva Sobre Cláusulas Abusivas, 189/193.
- Ana Prata, Contratos De Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, 206/251.
- Fernando Gravato de Morais, Contratos de Crédito ao Consumo, Almedina 2007, pp. 143 a 145.
- Pedro Caetano Nunes, “Comunicação de Cláusulas Contratuais Gerais”, Estudos De Homenagem Ao Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida, Separata, Almedina 2011, 507/534.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 627.º, N.ºS 1 E 2, 628.º, N.º2.
D.L. N.º 446/85, DE 25 DE OUTUBRO (LCCG): - ARTIGOS 1.º, 2.º, 5.º, 6.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
-DE 10 DE JANEIRO DE 2013.

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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 12 DE JANEIRO DE 2006 E DE 3 DE MAIO DE 2007, IN WWW.DGSI.PT .
-DE 20 DE JANEIRO DE 2010.
Sumário :

I. O fiador é devedor – embora a título acessório - do mutuante,  assumindo os direitos e obrigações decorrentes desse negócio, garantindo do pagamento da dívida, que o incumprimento contratual do mutuário venha eventualmente a gerar e tendo intervindo num contrato de adesão nessa qualidade são-lhe aplicáveis as normas decorrentes da LCCG.

II. A Recorrida, não é uma terceira estranha ao acordado com o credor principal, é antes um elemento da relação triangular que se formou entre mutuante, mutuários e fiadores, fornecendo a obrigação principal o objecto da fiança, constituindo esta um elo exclusivo entre credor e fiador.

III. Os deveres de comunicação e de informação decorrentes da LCCG (artigos 5º e 6º), abrangem as cláusulas das quais resultam obrigações para o fiador, sendo irrelevante que as mesmas tenham como destinatário principal e originário o devedor principal (no caso os mutuários).

IV. Tendo a Recorrida (fiadora) prescindido da leitura do documento complementar de fiança que fazia parte integrante da escritura de compra e venda do imóvel, tal comportamento faz supor que se assim se manifestou perante aquele que teria a obrigação de informar (o mutuante, igualmente presente na escritura), é porque se encontrava devidamente esclarecida acerca do conteúdo e alcance do clausulado que posteriormente veio a subscrever, não se podendo onerar o predisponente com a obrigação de proceder a explicações, mesmo que o aderente delas prescinda.

V. O artigo 5º da LCCG onera o predisponente com exigências especiais de comunicação, promovendo o efectivo conhecimento das cláusulas contratuais gerais, mas para que este dever possa ser completamente cumprido por parte daquele, exige-se também o cumprimento do dever de diligência por banda do aderente o qual lhe deverá pedir esclarecimentos, caso não se considere devidamente informado, sendo certo que no caso concreto a fiadora os recusou.

(APB)

Decisão Texto Integral:

ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

       

I D, nos autos de acção executiva que lhe move BANCO X, SA, deduziu oposição à execução, pedindo a extinção da execução no que a si respeita, com fundamento na nulidade da fiança prestada que determina a sua ilegitimidade, determinada pela falta de vontade ou vontade condicionada.

Para tanto, invoca, que foi forçada a assinar uns papéis, desconhecendo que estava assinar um contrato, e que o fazia na qualidade de fiadora.

Que não foi lido ou explicado à executada o sentido, alcance, significado jurídico e as consequências das expressões “fiadores”, “solidários”, “principais pagadores”, “benefício de excussão prévia”, assim como os efeitos da renúncia desses benefícios.

Expressões que diz só agora ter visto e só agora logrou o respectivo alcance pelo que o exequente violou o cumprimento do dever de informação do alcance ou sentido daquelas expressões inseridas no contrato.

Alega ainda, não ter sido notificada do incumprimento do crédito hipotecário quando o deveria ter sido, por ser uma prática instituída do Banco de Portugal, que se encontra vertida no ponto 4, alínea c) da instrução n.º 21/2008, que vincula todas as entidades financeiras. Não tendo a exequente cumprido o seu dever de comunicação violou o dever fundamental de boa-fé, donde resultou um prejuízo para os fiadores.

Por outro lado, atendendo a que o valor que falta pagar do imóvel é inferior ao valor do imóvel, deveria ter sido considerada a dação em cumprimento para extinção da dívida, ficando os fiadores exonerados da obrigação.

Que a perda do benefício do prazo, com vencimento antecipado de prestações não se estende aos fiadores.

O Exequente contestou, impugnando os fundamentos da oposição.

A final foi produzida sentença a julgar parcialmente procedente a oposição, tendo declarado que não verifica a perda do benefício do prazo,  e, em consequência, determinou que a execução prosseguisse contra a Opoente apenas relativamente às prestações vencidas, e não pagas, até à data de entrada do requerimento executivo, e juros respectivos.

Inconformada recorreu a Embargante, tendo a final sido julgada procedente a sua Apelação e revogada a sentença apelada, tendo-se declarado nulo o contrato dos autos quanto a esta, por violação do disposto nos artigos 5º e 6º e 12º todos da L.C.C.G. com a consequente extinção da execução quanto à mesma.

 

Não aceitando esta decisão, recorre agora de Revista o Exequente, Embargado, apresentando as seguintes conclusões:

- Não se pode o Recorrente conformar, particularmente, no que se refere à possibilidade de a Opoente Recorrida, enquanto fiadora, ver quanto a si o contrato dos autos nulo, por pretérita violação do disposto no artigo 5.° e 6.°, conforme artigo 12º da LCCG, com a consequente decisão de extinção da execução quanto à mesma.

- Atendendo ao exposto, não sendo aplicável à Opoente a LCCG, salvo melhor entendimento, andou mal o Tribunal a quo ao decidir pela aplicação do referido regime à relação entre o mutuante e a fiadora/Opoente.

- Pelo que, enferma de violação da lei substantiva por incorrecta interpretação da norma aplicável e consequentemente pela errónea determinação da norma aplicável, já que não o fiador não é devedor do mutuante, e logo não pode considerar-se aderente ou consumidor.

- Assim é plenamente válido, também quanto à Opoente, o contrato de mútuo dos autos, pelo que a execução deverá prosseguir quanto a esta igualmente, pelo que deverá a Oposição apresentada pela executada/fiadora ser julgada totalmente improcedente, com as demais consequências legais.

- A primeira questão a abordar no presente recurso prende-se, assim, com a aplicação da LCCG à Opoente Fiadora. - Conforme estipulado na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do DL 133/2009, de 02 de Junho, o devedor fiador não é consumidor.

- O fiador não é devedor do mutuante, não assumindo os direitos e obrigações decorrentes desse negócio, sendo, antes, um mero garante do pagamento da dívida, que o incumprimento contratual do mutuário venha eventualmente a gerar. Como é sabido, a fiança consubstancia uma garantia pessoal das obrigações (art. 627 e segs CC), cujos elementos essenciais se reconduzem à identificação da dívida garantida, ao devedor, ao credor e tempo de vinculação.

Atendendo ao exposto, não sendo aplicável à Opoente a LCCG, salvo melhor entendimento, andou mal o Tribunal a quo ao decidir pela aplicação do referido regime à relação entre o mutuante e a fiadora/Opoente.

- Pelo que, enferma de violação da lei substantiva por incorrecta interpretação da norma aplicável e consequentemente pela errónea determinação da norma aplicável, já que não o fiador não é devedor do mutuante, e logo não pode considerar-se aderente ou consumidor.

- Assim é plenamente válido, também quanto à Opoente, o contrato de mútuo dos autos, pelo que a execução deverá prosseguir quanto a esta igualmente, pelo que deverá a Oposição apresentada pela executada/fiadora ser julgada totalmente improcedente, com as demais consequências legais.

- Ainda que assim não se entenda - o que apenas por mera hipótese de raciocínio se concede - sempre se dirá o seguinte,

- As cláusulas contratuais gerais são um conjunto de proposições pré-elaboradas que proponentes ou destinatários indeterminados se limitam a propor ou aceitar. As cláusulas contratuais gerais destinam-se ou a ser propostas a destinatários indeterminados ou a ser subscritas por proponentes indeterminados;

- No caso em apreço estamos perante um contrato de mútuo, que contem as cláusulas enunciadas nos factos provados, tendo a Opoente, assim como o demais fiador, aposto a sua assinatura no final do contrato, bem o documento complementar, rubricando cada uma das suas páginas.

- Face aos termos dos contratos e à experiência comum de qualquer cidadão que contrata com instituições de crédito, poder-se-á concluir que se está perante um contrato de mútuo, por adesão, ou seja, perante um contrato que contem cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual pelo banco exequente e que os executados, em que se inclui a ora Opoente, se limitaram a subscrever.

- A esses contratos aplica-se então o regime das cláusulas contratuais gerais, pois tal regime aplica-se igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar (cf. DL 249/99, de 7 de Julho).

- Caso se entenda que o LCCG é aplicável à Opoente fiadora, a protecção legal conferida por este regime é estendida a esta, sendo considerada como efectiva aderente, pelo que haverá que analisar se foram cumpridos os deveres de comunicação e de informação consignados nos artigos 5.º e 6.º do LCCG.

- Assim, relativamente à comunicação à outra parte, especifica a lei que mesma deve ser integral (artigo 5.º, n.º 1 LCCG) e ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária, para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento efectivo por quem use de comum diligência (artigo 5°, n.º2 LCCG).

- O grau de diligência postulado por parte do aderente, e que releva para efeitos de calcular o esforço posto na comunicação, é o comum (artigo 5º, n.º 2, in fine LCCG).

- O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe à parte que utilize as cláusulas contratuais gerais (artigo 5º, n.º3 LCCG).

- Deste modo, o utilizador que alegue contratos celebrados na base de cláusulas contratuais gerais deve provar, para além da adesão em si, o efectivo cumprimento do dever de comunicar (cf. artigo 342º, n.º 1 CC), sendo que, caso esta exigência de comunicação não seja cumprida, as cláusulas contratuais gerais consideram-se excluídas do contrato singular (artigo 8°, alínea a) LCCG), considerando ainda a lei não terem sido adequada e efectivamente comunicadas as cláusulas que, pelo contexto em que surjam, pela epígrafe que as precede ou pela apresentação gráfica, passem despercebidas a um contratante normal, colocado na posição do contratante real (artigo 8°, alínea c) LCCG) e as cláusulas inseridas em formulários, depois da assinatura de uma das partes (artigo 8º, alínea d) LCCG).

- Para além da exigência de comunicação adequada e efectiva, surge ainda a exigência de informar a outra parte, de acordo com as circunstâncias, de todos os aspectos compreendidos nas cláusulas contratuais gerais cuja aclaração se justifique (artigo 6º, n.º 1 LCCG) e de prestar todos os esclarecimentos razoáveis solicitados (artigo 6º, n.º 2 LCCG).

- O utilizador das cláusulas contratuais gerais deve conceder a informação necessária ao aderido, prestando-lhe todos os esclarecimentos solicitados, desde que razoáveis.

- Caso não tenha sido cumprida a exigência de informação, em termos de não ser de esperar o conhecimento efectivo pelo aderente, as cláusulas contratuais gerais consideram-se excluídas dos contratos singulares (artigo 8°, alínea b) LCCG).

- O cumprimento desse dever prova-se através de indícios exteriores variáveis, consoante as circunstâncias.

- In casu, atendendo ao grau médio de instrução da Opoente, que possui o 4º ano de escolaridade (antigo regime lectivo), tendo sido lido o conteúdo da escritura na sua presença e tendo esta declarado entender e conhecer o seu conteúdo, encontra-se provado que o dever de comunicação foi preenchido.

- A presença dos contratos assinados pressupõe que a ora recorrida entendeu, pelo que a mutuante apenas teria que informar a outra parte dos aspectos cuja aclaração se justificasse e prestar os esclarecimentos solicitados.

- Saliente-se que, o contrato junto aos autos, além da identificação dos intervenientes, todas as cláusulas que os integram, antes da assinatura dos outorgantes, os quais rubricaram a primeira folha, como dela consta expressamente. Ou seja, as cláusulas do contrato, constavam dos mesmos, pelo que se a oponente tivesse tido o cuidado de olhar para o que estava a assinar, não podia deixar de se aperceber que estava a assinar um determinado número de cláusulas.

- O momento relevante para o cumprimento dos requisitos da inclusão das cláusulas é o da celebração do contrato, significando tal que quanto ao ónus de possibilitar ao cliente o conhecimento das condições gerais, deve ele seguramente cumprir-se antes que a contra parte se vincule de forma definitiva, o que não só é razoável, como se infere claramente da lei, nomeadamente, do estatuído no artigos 5.º, nº 2, e 8º al. d), do citado DL 446/85).

- E, não tendo sido provado que tivesse sido pressionada ou coagida a assiná-lo de imediato, a oponente, se tivesse agido com a devida diligência, teria dispendido algum tempo a ler as cláusulas que estava a subscrever, pedindo os esclarecimentos que entendesse necessários.

- Uma vez que a assinatura da oponente, que rubricou a 1ª folha, se encontra aposta no final dos contratos, dos quais constavam todas as cláusulas, mostra-se cumprido pela mutuante, o dever de comunicação a que alude o artigo 5.º da LCCG, na medida em que proporcionou à ora recorrida a possibilidade de ler e pedir os esclarecimentos que entendesse necessários e de, por esse modo, tomar real e efectivo conhecimento do seu teor.

- E se, lendo, não entendeu o significado da sua assinatura, impunha-se que, perante o mutuante, solicitasse os pertinentes esclarecimentos, antes de assinar.

- Embora considerando que o aderente está numa situação de maior fragilidade, face à superioridade e poder económico da parte que impõe as cláusulas, (por isso lhe concedendo protecção), o legislador não tratou o aderente como pessoa inábil e incapaz de adoptar os cuidados que são inerentes à celebração de um contrato e por isso lhe exigiu também um comportamento diligente tendo em vista o conhecimento real e efectivo das cláusulas que lhe estão a ser impostas.

- A Opoente fiadora, conforme os factos provados, esteve presente na escritura celebrada em 15 de Novembro de 1999, perante a Notária Paula Cristina Baptista Valentim, e a Opoente fiadora, após leitura e explicação do conteúdo da escritura, declarou conhecer perfeitamente o conteúdo do documento complementar, não tendo portanto requerido qualquer esclarecimento adicional, tendo, na qualidade de fiadora, aposto a sua assinatura quer na escritura, quer no documento complementar, rubricando todas as páginas.

- Em face do exposto, o contratante não pode invocar o desconhecimento dessas cláusulas, para efeitos de se eximir ao respectivo cumprimento, quando esse desconhecimento apenas resultou da sua falta de diligência, como acontece nas situações em que o contraente foi colocado em posição de conhecer essas cláusulas e assina sem ler o que estava a assinar e sem ter qualquer preocupação de se assegurar do respectivo teor.

- Saliente-se que, sendo dois os fiadores do devedor principal e todos subscritores do aludido contrato, apenas a recorrida, haja suscitado agora, a sua ignorância quanto ao significado da sua assinatura enquanto fiadora de um contrato de mútuo hipotecário celebrado perante notária e cujo conteúdo foi lido na sua presença, e a mesma declarou conhecer e entender. - Em face do exposto, se conclui que o ora Recorrente. demonstrou, como lhe competia, que cumpriu o dever de comunicação a que estava obrigado no que concerne às condições gerais insertas no sobredito contrato (cfr. artigos 5º e 6º do DL 446/85 e, factos n.ºs 2, 3, 4, 5, 8, 9 e10. que constam da matéria factual provada).

Nas contra alegações a Embargante, aqui Recorrida, pugna pela manutenção do julgado.

 

II As instâncias declararam como assentes os seguintes factos:

1. Banco X, S.A. intentou contra C, L, D e J, acção executiva para pagamento de quantia certa, peticionando o pagamento coercivo de € 55.348,77.

2. Como título executivo apresentou uma escritura pública, outorgada no Cartório Notarial de …, cuja cópia se encontra junta aos autos principais a fls. 6 e ss., cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, subscrita pela exequente e pela aqui opoente.

3. Na escritura referida em 2. figuram como primeiros outorgantes “F” e esposa, “M”, como segundos outorgantes “L”, e esposa, “C”, como terceiro outorgante “F”, na qualidade de procurador em representação do Banco X, S.A. e, como quartos outorgantes “J” e esposa, “”.

4. Na escritura referida em 2. ficou consignado, para além do mais, o seguinte:

“COMPRA E VENDA E MÚTUO COM HIPOTECA E FIANÇA:

No dia quinze de Novembro de mil novecentos e noventa e nove, em … e no Cartório Notarial, perante mil, Paula Cristina Baptista Valentim, respectiva notária interina, compareceram como outorgantes:

(…)

DECLARARAM OS PRIMEIROS OUTORGANTES:

Que pelo preço de treze milhões setecentos e cinquenta mil escudos, que estes já receberam dos segundos, a estes vendem, a fracção (...).

DECLARARAM OS SEGUNDOS OUTORGANTES:

Que aceitam a antecedente venda e que a fracção ora adquirida se destina exclusivamente a sua habitação própria e permanente.

Que se confessam devedores ao “Banco X, S.A.”, que o terceiro outorgante representa da quantia de treze milhões setecentos e cinquenta mil escudos que do Banco receberam a título deste empréstimo e que vai ser aplicada na precedente compra.

Que para garantia do pagamento e liquidação da quantia mutuada e bem assim dos respectivos juros à taxa anual de quatro vírgula novena e seis por cento, acrescidos de uma sobretaxa até quatro por cento ao ano em caso de mora, a título de cláusula penal e despesas judiciais e extrajudiciais fixadas para efeitos de registo em quinhentos e cinquenta mil escudos e do montante máximo de capital e acessórios na quantia de dezassete milhões novecentos e noventa e seis mil escudos, constituem a favor daquele Banco, HIPOTECA sobre a fracção supra identificada e ora adquirida.

(…)

Declararam os QUARTOS:

Que, se confessam e constituem fiadores e principais pagadores das dívidas contraídas pelos segundos outorgantes no âmbito deste contrato, renunciando expressamente ao benefício da excussão prévia.

Esta escritura foi lida aos outorgantes e feita a explicação do seu conteúdo, não tendo sido lido o documento complementar em virtude dos segundos, terceiro e quartos outorgantes terem declarado conhecer perfeitamente o seu conteúdo, em voz alta e na presença simultânea de todos.”, terminando com a assinatura de “D” e de “A Notária, Paula Cristina Baptista Valente”.

5. Em anexo à escritura referida em 2. encontra-se o documento complementar cuja cópia se encontra junta aos autos principais a fls. 12 e ss., que aqui se dá por integralmente reproduzido, onde se encontram as cláusulas do contrato de mútuo com hipoteca, que foi assinado pelas pessoas referidas em 3..

6. O marido da opoente pedia-lhe com frequência para assinar papéis, sem que lhe explicasse do que se tratava.

7. A opoente tem como habilitações literárias a quarta classe.

8. O contrato referido em 2. e 5. foi formalizado em 15.11.1999, efectuado pelo prazo de 25 anos, com término a 15.11.2024, tendo sido cumprido até 15.05.2011.

9. Os outorgantes da escritura referida em 2. compareceram perante a Exma Notária.

10. A escritura referida em 2. foi lida e explicado o seu conteúdo e, apenas depois, foram apostas as assinaturas.

11. A exequente enviou a L uma carta, com data de 30.06.2011, cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 39 e que aqui se dá por integralmente reproduzida.

12. A executada não foi notificada do incumprimento do contrato referido em 2. e 5. dos factos provados.

1. A Requerida, Embargante e Executada nos autos, interveio num contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança, como fiadora dos compradores, sendo o objecto do negócio um imóvel, invocando agora, cerca de treze anos decorridos sobre a data da sua celebração, a nulidade do acordo de fiança, porquanto não foi cumprido por banda do Exequente, aqui Recorrente, o dever de informação a que alude o artigo 5º da LCCG.

O Acórdão sob recurso decidiu a final pela nulidade do acordo de fiança nos seguintes termos:

«(…) No que à segunda questão colocada importa, ou seja  nulidade do contrato sub iudice por violação do dever de informação a que alude o artº 5º nº 3 da LCCG, vejamos:

Não está em causa que o contrato que serve de fundamento à execução é constituído por cláusulas contratuais gerais inseridas no corpo contratual individualizado e como tal sujeito às normas do dl 446/85 de 25.10, com as subsequentes alterações.

Os deveres de comunicação e de informação das, doravante, designadas, ccg, vêm consignados nos referidos artigos 5º e 6º do Dec.-Lei nº 446/85, com a redacção do DL 220/95 de assim redigidos:

Artº 5º (que descreve o dever do comunicação):

"1. As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las.

2. A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a sua extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência.

3. O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante determinado que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais".

Artº 6º: "1. O contratante determinado que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nela compreendidos cuja aclaração se justifique".

Nº2 "Devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados”

Para a concretização dos conceitos indeterminados das ccg  que o  artº 5º nº 1 enumera de  “comunicadas integra” e o nº 3 “ “conhecimento completo e efectivo”   o nº 2 ,  destaca critérios para avaliação, a saber : “modo e antecedência da comunicação”, “importância do contrato”, e a “extensão e complexidade  das cláusulas”

Será da ponderação conjunta destes elementos de facto que no final se decidirá pela existência ou não de violação da determinação legal.

E a ponderação global de tais factores terá de passar, designadamente, pela avaliação da extensão da própria  cláusula no contrato global, da redacção que lhe é dada, da forma como é inserida no contrato,  do respectivo contexto, e  bem assim o tempo e modo como é apresentada à contraparte mormente a sua antecedência relativamente ao momento da celebração .

(…)

E, que a comunicação deve ser “integral e adequada conducente a um conhecimento completo e efectivo de tais cláusulas “  decidiram os Ac do STJ de 8.07.2003 in www dgsi relatado por Araújo de Barros, deste TRL de 7.04.2005 in www dgsi,  relatado por Salazar Casanova, de 15.11.2005, relatado por Ana Grácio in CJ, V, 94; .

A “concessão de tempo suficiente” é um requisito do dever de informar que também é aludido no Ac do STJ de 12.12.2002 relatado por Silva Salazar, in www dgsi e ainda referindo-se à “antecedência necessária” decidiu o Ac do STJ de 23.10.2008, in www dgsi relatado por Salvador da Costa.

Sobre esta mesma questão discorreu o Ac do TRP de 24.04.08, in www dgsi relatado por Fernando Batista: "O exercício efectivo, eficaz, da autonomia privada impõe que a vontade de contratar por banda dos aderentes aos contratos se encontre bem formada, desde logo com completo conhecimento de todo o clausulado. É imperioso que os contraentes conheçam com rigor as cláusulas a que se vão vincular.

Por isso, devem as mesmas, ainda antes da subscrição ou outorga do contrato, ser dadas a conhecer aos aderentes. É, no fundo, uma elementar imposição do princípio da boa fé contratual, a impor a comunicação, na íntegra, dos projectos negociais (artº 227º, CC) (…) nem bastando, neste contexto, a pura notícia da existência de cláusulas gerais. Ao proponente cabe propiciar à contraparte a possibilidade de conhecimento das cláusulas contratuais gerais, em termos tais que esta não tenha, para o efeito, que desenvolver mais do que a diligência comum”

Também na doutrina Menezes Cordeiro destacou a relação entre estes deveres e os deveres pré contratuais de comunicação e informação a que alude o artº 227 do CC escrevendo in “Tratado de Direito Civil Português”, vol. I, pág. 370, que “o ponto de partida para as construções jurisprudenciais dos regimes das cláusulas contratuais gerais residiu na condenação de situações em que, ao aderente, nem sequer haviam sido comunicadas as cláusulas a que era suposto ter aderido. Foi também a partir daqui que a doutrina iniciou uma elaboração autónoma sobre as cláusulas contratuais gerais”. Temos, então, aqui em questão a análise dos deveres pré-contratuais de comunicação e de informação das cláusulas a inserir no negócio e de prestação dos esclarecimentos necessários a um exercício idóneo da autonomia privada - o que já resultava do citado artº 227º, nº1 do CC..

Finalmente no Ac do TRP, de 22.06.2009, in www dgsi da pena da aqui relatora decidiu, na mesma linha da jurisprudência citada que “A exigência de comunicação contida no artigo 5° do Diploma em apreço pressupõe, deste modo, a comunicação na íntegra e, para além disso, que tal comunicação seja adequada e atempada. Portanto, tal comunicação -- como exige o mencionado art. 5°-- tem de ser feita com a antecedência necessária ao conhecimento completo e efectivo do aderente”.

Este dever de comunicação atempada não é afastado pela declaração constante da escritura de que «Esta escritura foi lida aos outorgantes e feita a explicação do seu conteúdo, não tendo sido lido o documento complementar em virtude dos segundos, terceiro e quartos outorgantes terem declarado conhecer perfeitamente o seu conteúdo, em voz alta e na presença simultânea de todos.” (Facto 4º) uma vez que a ratio da norma não se satisfaz com a leitura do documento antes exige que o mesmo seja dado a conhecer com antecedência razoável (o que suporá quinze dias pelo menos) à contraparte a fim desta se inteirar devidamente do conteúdo do mesmo e suas implicações.

Cabia pois à exequente proceder de acordo com o exigido no citado preceito legal e bem assim o ónus de o demonstrar no processo (artº 5º do Dl 446/85 de 25.10)

Não o tendo feito a exequente violou com o seu comportamento aquele normativo legal pelo que no que diz respeito à executada há que declarar a respectiva nulidade.(…)».

Insurge-se o Recorrente contra o Acórdão impugnado uma vez que na sua tese não é aplicável à Opoente/Recorrida a LCCG, enferma de violação da lei substantiva por incorrecta interpretação da norma aplicável e consequentemente pela errónea determinação da norma aplicável, já que não o fiador não é devedor do mutuante, e logo não pode considerar-se aderente ou consumidor, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do DL 133/2009, de 02 de Junho.

Analisemos, em primeiro lugar, este argumentário conclusivo.

O DL 133/2009, de 2 de Junho, no seu artigo 1º define o seu objecto, âmbito de aplicação e definições, nos seguintes termos:

«1 - O presente decreto-lei procede à transposição para a ordem jurídica interna da Directiva n.º 2008/48/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Abril, relativa a contratos de crédito aos consumidores.

2 - O presente decreto-lei aplica-se aos contratos de crédito a consumidores, sem prejuízo das exclusões previstas nos artigos 2.º e 3.º».

Por seu turno no artigo 2º, estão elencadas as operações excluídas do âmbito de aplicação do diploma, estipulando a alínea a) do nº1 que «O presente decreto-lei não é aplicável aos: a) Contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre coisa imóvel ou por outro direito sobre coisa imóvel;».

Todavia, a circunstância de a Lei, naquele DL 133/2009, no que tange a estes específicos contratos incidentes sobre imóveis, caso dos autos, não os sujeitar à sua aplicação, não quer dizer que aos mesmos não seja aplicável a LCCG, porquanto esta outra tem plena aplicação no que tange a toda e qualquer contratualidade na qual estejam inseridas cláusulas contratuais gerais pré elaboradas e pré definidas, em relação às quais os destinatários indeterminados se limitam a assentir, estando completamente inibidos de participar quer na sua elaboração, quer condicionar a sua negociação, com a introdução de alterações, cfr artigo 1º, nº1 e 2 do DL 446/85, de 25 de Outubro.   

Uma coisa é o DL 133/2009, não se aplicar à compra e venda de imóveis a crédito, coisa diversa, é dizer-se que a LCCG não ter aplicação No caso sujeito, uma vez que a Recorrida é fiadora do devedor e por isso participou no contrato numa qualidade diversa da de consumidora.

De facto, a Recorrida não é consumidora, na verdadeira asserção do termo, por isso não lhe sendo aplicável, quer aquela específica legislação, porquanto a mesma afasta expressamente a compra e venda de imóveis, nem tão pouco lhe são aplicáveis as normas decorrentes da Lei de Defesa do Consumidor, Lei 24/96, de 31 de Julho.

No entanto, tendo a Recorrida intervindo como contraente num contrato de adesão, não se poderá dizer que a mesma não esteja protegida pela LCCG, nem tal decorre da leitura dos demais diplomas supra indicados.

Por outro lado e ex adverso do que vem defendido pelo Recorrente, o fiador é devedor – embora a título acessório - do mutuante,  assumindo os direitos e obrigações decorrentes desse negócio, garantindo do pagamento da dívida, que o incumprimento contratual do mutuário venha eventualmente a gerar, nos termos do artigo 627º, nº1 e 2 do CCivil e pode ser prestada mesmo sem o conhecimento e/ou consentimento do devedor, nº2 do artigo 628º do CCivil, daí não se ter como correcta a asserção de que não poderão ser aplicáveis à Recorrida as disposições da LCCG: a Recorrida negociou directamente com o mutuário, aqui Recorrente e predisponente das cláusulas em crise, embora em abono da tese desenvolvida pelo Recorrente encontremos os Acórdãos do STJ de 12 de Janeiro de 2006 (Relator Moitinho de Almeida) e de 3 de Maio de 2007 (Relator Pires da Rosa), in www.dgsi.pt, a qual não sufragamos.

A Recorrida, não é uma terceira estranha ao acordado com o credor principal, é antes um elemento da relação triangular que se formou entre mutuante, mutuários e fiadores, fornecendo a obrigação principal o objecto da fiança, constituindo esta um elo exclusivo entre credor e fiador.

Os deveres de comunicação e de informação decorrentes da LCCG, abrangem as cláusulas das quais resultam obrigações para o fiador, sendo irrelevante que as mesmas tenham como destinatário principal e originário o devedor principal (aqui os mutuários), cfr neste sentido Fernando Gravato de Morais, in Contratos de Crédito ao Consumo, Almedina 2007, pág.s 143 a 145 onde cita Januário Gomes no sentido de que «as razões que estão na génese da constituição de um regime específico para os contratos de adesão são inteiramente transponíveis para a fiança acoplada a tais contratos».

Claudicam pois as conclusões quanto a este particular.

2. Impugna ainda a Recorrente o Aresto sob censura, uma vez que não tendo sido provado que a Recorrida tivesse sido pressionada ou coagida a assiná-lo de imediato, se tivesse agido com a devida diligência, teria dispendido algum tempo a ler as cláusulas que estava a subscrever, pedindo os esclarecimentos que entendesse necessários. Por outro lado uma vez que a assinatura da Recorrida, que rubricou a primeira folha, se encontra aposta no final dos contratos, dos quais constavam todas as cláusulas, mostra-se cumprido pela mutuante, o dever de comunicação a que alude o artigo o artigo 5.º da LCCG, na medida em que se proporcionou àquela a possibilidade de ler e pedir os esclarecimentos que entendesse necessários e de, por esse modo, tomar real e efectivo conhecimento do seu teor e tendo a Recorrida, de acordo com os factos provados, estado presente perante a Notária Paula Cristina Baptista Valentim na escritura celebrada em 15 de Novembro de 1999, e após leitura e explicação do conteúdo da escritura declarou conhecer perfeitamente o conteúdo do documento complementar, não tendo portanto requerido qualquer esclarecimento adicional, não pode agora vir invocar o desconhecimento dessas cláusulas, para efeitos de se eximir ao respectivo cumprimento, quando esse desconhecimento apenas resultou da sua falta de diligência, como acontece nas situações em que o contraente foi colocado em posição de conhecer essas cláusulas e assina sem ler o que estava a assinar e sem ter qualquer preocupação de se assegurar do respectivo teor.

 

Quid inde?

Dispõe o artigo 5º do DL 446/85, de 25 de Outubro, o seguinte:

«1. As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las.

2. A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência.

3. O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante determinado que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais.»

Acrescenta o artigo 6º, daquele mesmo diploma:

«1. O contratante determinado que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique.

2. Devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados.»

Em abono da sua tese alegou a Embargante, aqui Recorrida,  não ter tido consciência/conhecimento que estava a assinar um contrato como fiadora, na medida em que diz ter apenas assinado uns papéis que o seu marido lhe deu para assinar, não lhe tendo sido explicado o que ia assinar nem em que qualidade o fazia. Mais alegou que não lhe foi lido ou explicado o sentido e alcance das expressões “fiadores”, “solidários”, “principais pagadores”, “benefício de excussão prévia”, assim como os efeitos da renúncia desse benefício, expressões que constam do contrato de mútuo com hipoteca, anexo à escritura pública.

Conforme resulta da matéria dada como assente, a Recorrida interveio na escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança e documento complementar, na qualidade de fiadora, e com renúncia ao benefício da excussão prévia, aí tendo declarado que se confessava e constituía fiadora e principal pagadora das dívidas contraídas pelos segundos outorgantes no âmbito desse contrato, renunciando expressamente ao benefício da excussão prévio.

Provou-se ainda que a referida escritura foi lida e explicado o seu conteúdo e subsequentemente foram apostas as assinaturas, sendo que em anexo à mesma encontra-se o documento complementar onde se encontram as cláusulas do contrato de mútuo com hipoteca, o qual também foi assinado pela Recorrida, tendo ficado expresso na escritura pública supra referida que o documento complementar não foi lido em virtude de todos os outorgantes terem declarado conhecer perfeitamente o seu conteúdo.

Prima facie, não resultou provado por um lado que tenha sido o marido da Recorrida a dar-lhe «uns papéis para assinar», porquanto o «papel» ora em causa é a escritura de mútuo com hipoteca e fiança, celebrada em Cartório Notarial no dia 15 de Novembro de 1999 - mais de treze anos antes da dedução dos presentes embargos diga-se en passant - onde a mesma esteve presente, e, de outra banda, não ficou provado que a Embargante, aqui Recorrida, não soubesse que estava a assinar o contrato como fiadora, nem que ignorasse o alcance dessa qualidade negocial, não se podendo retirar uma eventual «ignorância», do facto de apenas ter como habilitações literárias a quarta classe.

Aliás, se o marido da Recorrida lhe dava papéis para assinar e esta os assinava sem ler, sibi imputet, temática esta que transcende a questão que nos ocupa.

Por outro lado, tendo a Notária explicado o sentido e alcance do negócio em celebração – compra e venda de imóvel – e não tendo sido lido o documento complementar em virtude dos segundos, terceiro e quartos outorgantes (nos quais se incluía a Recorrida na qualidade de fiadora) terem declarado conhecer perfeitamente o seu conteúdo, parecem estar cumpridas as exigências no que tange ao dever de informação que impendem sobre o predisponente, isto é o aqui Recorrente, nos termos do artigo 5º, nº1 e 2, da LCCG, tendo em atenção o preceituado no artigo 6º da mesma Lei.

Se não.

O Recorrente, na qualidade de mutuante, interveio na escritura de compra e venda do imóvel com hipoteca e fiança, podendo na oportunidade, se houvesse alguma dúvida acerca de alguma ou algumas clausulas do contrato complementar de fiança, ser chamado a esclarecê-las, o que, nem sequer foi alegado pela Recorrida, não se podendo assim, sem mais, concluir-se pela omissão do dever de informação.

É que, tendo a Recorrida prescindido da leitura do documento complementar de fiança que fazia parte integrante da escritura de compra e venda do imóvel, tal comportamento faz supor que se assim se manifestou perante aquele que teria a obrigação de informar, é porque se encontrava devidamente esclarecido acerca do conteúdo e alcance do clausulado que posteriormente veio a subscrever, não se podendo onerar o predisponente com a obrigação de proceder a explicações, mesmo que o aderente delas prescinda.

Bem sabemos que o artigo 5º da LCCG onera o predisponente com exigências especiais de comunicação, promovendo o efectivo conhecimento das cláusulas contratuais gerais, mas para que este dever possa ser completamente cumprido por parte do predisponente, exige-se também o cumprimento do dever de diligência por banda do aderente o qual deverá pedir esclarecimentos àquele, cfr Pedro Caetano Nunes, Comunicação de Cláusulas Contratuais Gerais, Estudos De Homenagem Ao Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida, Separata, Almedina 2011, 507/534; Almeno de Sá, Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva Sobre Cláusulas Abusivas, 189/193; Ana Prata, Contratos De Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, 206/251; Ac STJ de 20 de Janeiro de 2010 (Relator Alves Velho).

Daqui resulta, que, se a Embargante, aqui Recorrida, estando em posição de pedir os esclarecimentos de que carecia, antes da outorga da escritura, o não fez e até deles prescindiu no acto da escritura, ao declarar que conhecia perfeitamente o conteúdo do documento complementar respeitante à fiança, não se pode dizer que foi violado o dever de informação, veja-se neste sentido e numa situação idêntica à dos presentes autos o Ac RP de 10 de Janeiro de 2013 em que foi Relator o agora Cons Pinto de Almeida, aqui primeiro Adjunto, Aresto esse citado na decisão de primeiro grau.

Queremos nós dizer que, não obstante sobre o predisponente impenda o ónus da prova sobre o cumprimento do dever de informação que sobre si impende, nº3 do artigo 5º da LCCG, não basta que o aderente venha a terreiro arvorando uma falta genérica por banda daquele da realização daquela incumbência, para que se possa dizer que estamos perante uma violação da Lei susceptível de nulidade, dependendo igualmente do ónus de alegação e prova, por parte do aderente, prejudicado com a omissão de cumprimento do sobredito dever, dos factos susceptíveis de integrar o vício em causa, o que no caso a Recorrida não logrou fazer.

Não se poderá «obrigar» nestas circunstâncias específicas que o predisponente, mesmo ao arrepio de uma vontade expressa do aderente, explique uma por uma as cláusulas insertas num contrato de adesão, sob a égide de uma eventual ameaça de uma possível futura acção com vista à declaração da nulidade do contrato por violação do dever de informação e na esteira de Almeno e Sá podemos dizer que «a imposição ao utilizador deste ónus tem como correlato, do lado do aderente, a necessidade de adopção de uma conduta que possa ter-se como razoável ou exigível (…) tal conduta é aferida segundo o critério abstracto da diligência comum, o que nos conduz ao cuidado ou zelo normal do tipo médio de agente pressuposto pela ordem jurídica, colocado na situação em causa»,  lc 61.

Tememos até, que uma tomada de posição deste jaez possa configurar uma violação dos direitos da personalidade, na vertente da autodeterminação das partes, porquanto o dever de informação deve ser prestado «de acordo com as circunstâncias», no dizer do segmento normativo a que alude o nº1 do artigo 6º da LCCG e se nestas constatamos que o aderente prescinde de todo e qualquer esclarecimento, não se poderá dizer que tenha havido o incumprimento daquela específica obrigação de comunicação e explicitação, «o dever dever de comunicação é uma obrigação de meios: não se trata de fazer com que o aderente conheça efectivamente as cláusulas, mas apenas desenvolver para tanto uma actividade razoável», apud Almeida Costa e Menezes Cordeira, in Cláusulas Contratuais Gerais, 25.

Acrescentamos ainda, ao arrepio do que se sustenta no Aresto em crise, que nunca a Recorrida questionou e/ou alvitrou sequer que lhe deveria ter sido dado um período de reflexão sobre o contrato que iria subscrever, daí não poder o Aresto decidir-se pela nulidade por omissão do disposto no artigo 5º da LCCG, maxime por via da não concessão de um prazo razoável (de quinze dias, nos termos do Acórdão) para que a mesma pudesse ponderar sobre o acordo gizado e delineado pelo Recorrente, em relação ao qual nenhuma alteração e/ou modificação poderia ser oposta.

Neste conspectu, procedem as conclusões do Recorrente.

III Destarte, dá-se provimento à Revista, revogando-se a decisão plasmada no Aresto recorrido, repristinando-se a sentença de primeiro grau.

Custas pela Recorrida.

Lisboa, 09 de Julho de 2015

(Ana Paula Boularot)

(Pinto de Almeida)

(Júlio Manuel Vieira Gomes, vencido nos termos da declaração que junto) 

Declaração de Voto

Voto vencido porquanto teria confirmado a decisão do Tribunal da Relação. Independentemente da questão de saber se um fiador poderá ser considerado neste contexto consumidor, pelo menos quando o devedor principal é, ele próprio um consumidor e o fiador presta a fiança fora de qualquer actividade profissional, a aplicação da lei sobre cláusulas contratuais gerais implica que ao banco caberiam, no caso, deveres de comunicação (artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 446/85 de 25 de outubro, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 323/2001; recorde-se que o n.º 2 desse artigo 5.º dispõe que “a comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efetivo por quem use de comum diligência”) e de informação (artigo 6.º) que este não provou ter cumprido. Os deveres de comunicação e de informação não se reduzem, estamos em crer, a um dever de prestar esclarecimentos se os mesmos forem solicitados (que corresponde apenas a uma faceta do dever de informação prevista no n.º 2 do artigo 6.º). Aliás sem essa comunicação prévia o leigo muitas vezes nem sequer sentirá necessidade de pedir mais esclarecimentos. Um exemplo: a exclusão do benefício da excussão prévia. Para um leigo - mormente com a 4.ª classe como a Autora - é apenas mais uma frase ininteligível, no meio da "algaraviada" jurídica. Em suma, o leigo muitas vezes não sabe sequer o suficiente para se aperceber das cláusulas ou de todas as cláusulas que lhe são prejudiciais. Acresce que o momento da escritura não é, na realidade o adequado para pedir grandes esclarecimentos. Não o é pela pressão social - se a Autora falasse e questionasse muito punha em risco a realização da escritura de que os devedores necessitavam - e porque é delicado nesse momento colocar os cenários do incumprimento em cima da mesa. A passagem de muitos anos de execução do contrato antes de a questão ser suscitada pela Autora não nos impressiona sobremaneira e não parece que corresponda a qualquer atitude abusiva porque, precisamente, só quando interpelada pelo banco para cumprir é que a Autora se pode ter apercebido da dimensão e reais contornos do encargo que assumiu. As cláusulas não comunicadas previamente deveriam, por conseguinte, ter-se por excluídas à luz da alínea a) do artigo 8.º.

(Júlio Manuel Vieira Gomes)