Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
18930/16.6T8LSB.L2-A.S1.S1-A
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: BANCO
LIQUIDAÇÃO
INSOLVÊNCIA
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
RESOLUÇÃO BANCÁRIA
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
PRINCÍPIO DO ACESSO AO DIREITO E AOS TRIBUNAIS
INCONSTITUCIONALIDADE
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO
DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA
Data do Acordão: 02/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação:
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / GARANTIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / REALIZAÇÃO COACTIVA DA PRESTAÇÃO / ACÇÃO DE CUMPRIMENTO E EXECUÇÃO.
DIREITO FALIMENTAR – DECLARAÇÃO DA SITUAÇÃO DE INSOLVÊNCIA / SENTENÇA DE DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA E SUA IMPUGNAÇÃO / CONTEÚDO, NOTIFICAÇÃO E PUBLICIDADE DA SENTENÇA / MASSA INSOLVENTE E INTERVENIENTES NO PROCESSO / EFEITOS SOBRE OS CRÉDITOS / VERIFICAÇÃO DOS CRÉDITOS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 601.º E 817.º.
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 36.º, N.º 1, ALÍNEAS B), C) E F) A N), 90.º, 128.º, N.º 1 E 3.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 227.º.
DL N.º 199/2006 DE 25-10: - ARTIGOS 5.º, 8.º, 9.º, N.º 2 E 3 E 15.º,
B), C) E F) A N) DO N.º 1 DO ART.º 36.º DO CIRE, 90.º 128.º A 140.º;
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 2.º E 20.º.
Legislação Comunitária:
REGULAMENTO (UE) N.º 1024/2013, DE 15-10: - ARTIGOS 4.º, N.º 1, ALÍNEA A), E 14.º, N.º 5.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 08-05-2013, ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA (AUJ) N.º 1/2014, IN DR, 1.ª SÉRIE, DE 23-02-2014;
- DE 02-11-2017, PROCESSO N.º 11674/16.0T8LSB-S1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I. A deliberação definitiva do Banco Central Europeu, tomada ao abrigo dos artigos 4.º, n.º 1, alínea a), e 14.º, n.º 5, do Regulamento (UE) n.º 1024/2013 do Conselho, de 15/10/2013, no sentido de revogar a autorização para o exercício da atividade do Banco BB, S.A., como instituição de crédito, equivale a sentença transitada em julgado de declaração de insolvência da instituição visada, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 5.º e 8.º do Dec.-Lei n.º 199/2006, de 25-10, competindo em exclusivo ao Banco de Portugal requerer, no tribunal competente, a liquidação dessa instituição, no prazo máximo de 10 dias úteis após a revogação daquela autorização.

II. Instaurada tal liquidação, com no caso foi, pelo Banco de Portugal junto da 1.ª Secção de Comércio da Instância Central de Lisboa – J1, incumbe ao juiz desse processo verificar liminarmente o preenchimento dos requisitos exigidos pelo citado artigo 8.º, sendo que quaisquer questões sobre a legalidade da decisão de revogação da autorização apenas serão suscetíveis de ser invocadas em processo de impugnação contenciosa perante os tribunais administrativos, nos termos dos artigos 9.ºe 15.º do Dec.-Lei n.º 199/2006.

III. Proferido despacho de prosseguimento da liquidação judicial, no mesmo serão tomadas as decisões previstas nas alíneas b), c) e f) a n) do n.º 1 do art.º 36.º do CIRE, em que se inclui a designação do prazo até 30 dias para a reclamação de créditos (alínea j), sendo aplicáveis, com as necessárias adaptações, as demais disposições deste Código, como se preceitua no artigo 9.º, n.º 2 e 3, do Dec.-Lei n.º 199/2006.

IV. Significa isto que os credores da instituição insolvente apenas poderão exercer os seus direitos sobre esta em conformidade com os preceitos do CIRE, durante a pendência do processo de liquidação, como se dispõe no artigo 90.º deste Código.

V. Assim, nos termos do artigo 128.º, n.º 1 e 3, do CIRE, devem os credores do insolvente reclamar a verificação dos seus créditos, “qualquer que seja a sua natureza e fundamento”, no prazo para tal fixado, indicando, nomeadamente, “a sua proveniência, data de vencimento, montante de capital e juros”. A impugnação desses créditos, se for caso disso, será então apreciada e julgada no procedimento declarativo de verificação de créditos, que reveste natureza contraditória, regulado nos artigos 128.º a 140.º do referido Código.

VI. Considerando que os créditos peticionados pelo autor na presente ação são de natureza patrimonial, mais precisamente pecuniária, cuja satisfação coerciva implica a execução do património do devedor, nos termos dos artigos 601.º e 817.º do CC, tal execução coerciva contra o insolvente só pode ser efetivada através do processo de liquidação universal instaurado pelo Banco de Portugal, no âmbito do qual esses créditos devem ser reclamados pelo credor e aí apreciados, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, nos termos do artigo 128.º, n.º 1 e 3, do CIRE, aplicável por força do disposto no artigo 9.º, n.º 3, do Dec.-Lei n.º 199/2006, de 25-10.

VII. Ante o petitório formulado nesta ação contra o 1.º réu, BB, e respetivo contexto alegatório, na esteira do entendimento fixado no AUJ do STJ n.º 1/2014, deve entender-se que a definitividade da declaração de insolvência do BB resultante da deliberação do Banco Central Europeu referida em 1, com a subsequente instauração da liquidação judicial do insolvente instaurada pelo Banco de Portugal, tornou inútil a presente lide, implicando a extinção da instância quanto àquele réu, nos termos da alínea e) do art.º 277.º do CPC.

VIII. Uma tal consequência não é de molde a diminuir a garantia de tutela jurisdicional efetiva, no Estado de direito, para o autor, nos termos consagrados nos artigos 2.º e 20.º da Constituição, uma vez que este tem ao seu dispor um meio processual idóneo, adequado às circunstâncias do caso, para obter o reconhecimento e, quanto possível, a satisfação dos seus créditos através do referido processo de liquidação universal contra o insolvente.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:



I – Relatório


1. AA (A.) instaurou, em 2016, uma ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra o Banco BB (BB), S.A. (1.º R.), o Banco de Portugal (BP), 2.º R., o Banco CC, S.A. (3.º R.), o Fundo de Resolução (4.º R.), a CMVM – Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (5.ª R.) e DD (6.ª R.), alegando, em resumo, que:  

. O 1.º R. e a 6.ª R, esta na qualidade de gestora de conta, convenceram o A., como seu cliente, a subscrever os produtos financeiros que constam, atualmente, da sua “Carteira de Títulos Custódia”, a saber: Escom Série C, Es Int 4%, Es Tourism 2014, Esf 6,875%, Es Int 4%, tudo no valor de € 483.487,225, bem sabendo aqueles réus que o A. não queria aplicar o seu dinheiro em produtos com qualquer risco associado, mas apenas em produtos seguros com disponibilidade imediata do capital em caso de pedido de reembolso, o que não se verificava com os referidos produtos;

. Todavia o 1.º R. não celebrou, nem si nem por via da 6.ª R., qualquer contrato escrito de intermediação financeira com o A.;

. Nem foi celebrada escritura pública relativa ao contrato de mútuo entre o 1.º R. e o A.;

. Tendo o A. sempre referido à 6.ª R. que não queria qualquer dinheiro creditado pelo 1.º R., por ela lhe foi dito que toda a operação se encontrava assegurada pelo dinheiro do A. investido nos produtos seguros do 1.º R.; 

. Porém, em 03/08/2014, o Banco de Portugal, 2.º R., aplicou uma medida de resolução ao 1.º R., criando o Banco CC, 3.º R., cujo capital foi inteiramente detido pelo Fundo de Resolução, aqui 4.º R., transferindo a esmagadora maioria do património do 1.º R. para o 3.º R. e deixando um conjunto de ativos fortemente desvalorizados sob a gestão daquele;

. Assim, entre o A. e os 1.º, 3.º e 6.ª R.R., foi constituído uma relação bancária geral, no âmbito da qual lhe foram prestados serviço de consultoria de investimento e gestão de carteira, tendo o 1.º e 6.ª R.R., no âmbito dessa relação, usado os fundos do A. de forma não correspondente aos interesses deste;

. Os R.R., na medida das suas atribuições, praticaram atos e emitiram declarações públicas que levaram o A. a acreditar que iria, em breve tempo, obter o reembolso dos sobreditos produtos financeiros, o que não se verificou;

. Nesse contexto, o 2.º R. (BP) e a 5.ª R. (CMVM) incumpriram os deveres de supervisão que lhes estavam cometidos, e tanto eles como os 1.º, 3.º e 6.ª R.R. infringiram os deveres de informação, diligência e lealdade a que estavam obrigados para com o A..    

Nessa base, pediu o A.:

A – Em primeira linha, que os R.R. fossem solidariamente condenados a pagar-lhe, a título de responsabilidade civil, enquanto intermediários financeiros, por violação dos deveres de informação, diligência e lealdade, nos termos do artigo 304.º-A do CVM, o seguinte:

 a) - a quantia de € 483.487,225;

 b) - € 93.540,67, a título de juros vencidos, à taxa legal, desde a data da utilização ilícita desse capital;

c) – juros vincendos desde a citação;

B – Subsidiariamente, que fosse declarada a nulidade do contrato de intermediação financeira por inobservância de forma, nos termos do art.º 321.º do CVM, com a consequente condenação solidária dos R.R. nas mesmas quantias;

C – Em qualquer dos casos, que fosse declarada a nulidade do contrato de mútuo celebrado entre o A. e o 1.º R., por inobservância de forma, ou, caso assim se não entendesse, decretada a anulabilidade do mesmo, com fundamento em erro na declaração do A., com a consequente condenação solidária dos R.R. a ressarcir o mesmo A. em valor correspondente a todas as quantias por ele pagas no âmbito daquele contrato, a apurar em sede de posterior liquidação;

D – Que fossem ainda os R.R. condenados solidariamente a pagar ao A., a título de danos não patrimoniais, o que viesse a ser calculado em ulterior liquidação.

   2. O 1.º R. (BB) contestou, pedindo que se declarasse a inutilidade superveniente da lide, quanto a ele, em virtude da revogação da autorização para o exercício da sua atividade bancária, em 13/07/2016, e do subsequente prosseguimento da liquidação judicial em curso no processo n.º 18588/16.2T8LSB da 1.ª Secção do Comércio da Instância Central de Lisboa.

  3. Por sua vez, os R.R. Banco de Portugal, CMVM e Fundo de Resolução também contestaram, deduzindo a exceção de incompetência do tribunal judicial em razão da matéria, por entenderem serem competentes os tribunais administrativos.

  4. Após a realização de audiência prévia, foi proferida decisão a declarar a inutilidade superveniente da lide quanto ao 1.º R. (BB) e a julgar procedente a exceção dilatória de incompetência material com a consequente absolvição da instância dos restantes R.R..

 5. Inconformado com tal decisão, o A. apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa que, através do acórdão reproduzido a fls. 190/v.º a 204/v.º, datado de 27/02/2018, por unanimidade, julgou improcedente a apelação, mantendo a decisão da 1.ª instância.

  6. Mais uma vez irresignado, veio o A. interpor revista excecional com base nos pressupostos de admissibilidade constantes das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC, tendo a formação dos três juízes deste Supremo a que refere o n.º 3 do mesmo normativo proferido o acórdão reproduzido a fls. 205-206, de 27/09/2018, a admitir a revista quanto à parte em que foi julgada a inutilidade superveniente da lide, ao abrigo da indicada alínea a), não a admitindo quanto ao segmento respeitante à incompetência material.

 7. Posteriormente, veio ainda o A. pedir que, nesta parte da incompetência material, o recurso fosse convolado em recurso para o Tribunal de Conflitos, o que foi deferido pelo acórdão da formação reproduzido a fls. 215-216/v.º, de 22/11/2018, ali se determinando a remessa dos autos àquele Tribunal, ficando traslado para assegurar o prosseguimento da revista na parte sobrante.

8. Circunscrevendo-se, pois, o objeto da revista ao segmento em que foi julgada a inutilidade superveniente da lide quanto ao R. BB, importa reter as conclusões, a tal propósito, formuladas pelo Recorrente e que são as seguintes:  

1.ª – O acórdão recorrido incorre em erro de interpretação e de aplicação de lei processual, concretamente, do disposto na alínea e) do art.º 277.º, do CPC, já que não se verifica a inutilidade superveniente da lide, quanto ao R. BB, por duas ordens de razão;

2.ª - Em primeiro lugar, porque o pedido da presente ação declarativa não tem índole exclusivamente patrimonial, uma vez que o A. de entre outras questões trouxe à colação a questão da nulidade do contrato de intermediação financeira, pedindo em consequência a indemnização que por essa causa lhe entende ser devida;

3.ª - O Tribunal de 1.ª Instância responsável pelo processo de insolvência do R. BB, limitar-se-á a verificar e reconhecer créditos da insolvente, não lhe cabendo decidir sobre a constituição da obrigação de prestar;

4.ª - Resulta do acórdão-fundamento do TRE de 29/01/2015 que:

“Por causa da pendência de processo de insolvência não tem que ser julgada extinta uma ação que não visa a declaração de qualquer direito de crédito, mas em que se pede que sejam declarados nulos ou resolvidos os negócios jurídicos celebrados entre as partes, ou seja, em que só estão em causa efeitos reais inerentes à nulidade/resolução/ anulação peticionados”.

5.ª - Assim, discutindo-se a nulidade de negócios jurídicos celebrado entre as partes, a insolvência não determina a inutilidade superveniente da lide declarativa, ao contrário do decidido no acórdão recorrido;

6.ª - Em segundo lugar, no despacho de prosseguimento nos termos do art.º 9.º do DL n.º 199/2006, o Tribunal da 1.ª Instância responsável pelo processo de liquidação judicial do BB não declarou aberto o incidente de qualificação de insolvência, e tal significa, então, que ainda não é possível determinar se o património do devedor insolvente será suficiente para responder aos créditos reclamados.

7.ª - Resulta do acórdão-fundamento do Tribunal da Relação do Porto de 15-04-2013 que:

"A declaração de insolvência do empregador não conduz de imediato à inutilidade superveniente da lide da acção declarativa proposta pelo trabalhador quando na sentença de declaração de insolvência foi declarado aberto o incidente de qualificação da insolvência com carácter limitado e não veio a ser requerida a complementação da sentença."

8.º - Assim, não se encontrando aberto o incidente de qualificação da insolvência não se poderá concluir pela imediata inutilidade superveniente da lide e, em consequência, não será de absolver o Recorrido da instância declarativa, ao contrário do perfilhado no acórdão em recurso;

9.ª - Não está, assim, em causa a aplicação do entendimento sufragado no AUJ do STJ n.º 1/2014 [publicado no DR 1.a Série, n.º 39 de 25/02/2014], que serviu de base à decisão em apreço, tal como consta da proposta da Exm.ª Procuradora Geral Adjunta, transcrita naquele documento, já que o mesmo teve na base da sua construção e substância os casos em que seja  

"Certificado o trânsito em julgado da sentença declaratória e declarado aberto o incidente de qualificação da insolvência com carácter pleno e fixado o prazo para reclamação de créditos."

10.ª - Assim, ao declarar a inutilidade superveniente da lide e, em consequência, absolver o BB da instância, quando se tratava de apreciar também, mas não só, a nulidade de negócio jurídico e não tendo sido, ainda, aberto incidente de qualificação da insolvência, o acórdão em apreço violou a lei processual vertida na alínea e) do artigo 277.º do CPC;

11.ª - Tal demonstra, também no caso em apreço, a utilidade do prosseguimento da presente demanda para o A., que poderá pela mesma obter título do seu direito de crédito invocado, e só assim se garantindo o acesso do mesmo à defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos - constitucionalmente protegidos – art.º 20.º da CRP;

12.ª - Encontram-se reunidos os pressupostos da revista, designadamente, a relevância jurídica da questão, necessária para uma melhor aplicação do direito, revelando-se essencial determinar o sentido e alcance com que deve ser interpretado e aplicado o disposto na alínea e) do art.º 277.º do CPC em situações de insolvência e idênticas - o Tribunal da Relação de Lisboa já decidiu em sentido diverso, ordenando o prosseguimento dos autos para julgamento em 1.a instância relativamente aos R.R. BB, CC e DD, vejam-se os acórdãos da 6.ª Secção proferidos nos processos n.º 19125/16. 4T8LSB.L1 de 11/01/2018, n.º 18455/16.0T8LSB.L2, de 06/12/2017, n.º 19541/16.1 T8LSB e, ainda, acórdão proferido pela 2.a Secção no processo n.º 18595/16.5T8LSB.L1, de 01/02/2018, bem como a interpretação dada ao AUJ n.º 1/2014 de 25-02;

13.ª - Os interesses em causa são de particular relevância social, estando em causa a confiança no sistema bancário com todo o alarme social que os recentes acontecimentos têm causado;

14.ª - O acórdão sindicado encontra-se em contradição com o acórdão-fundamento proferido pelo TRE de 29/01/2015, porquanto decidiram diversamente a mesma questão de direito, a saber, num mesmo contexto de insolvência ou situação equiparada, perante o pedido de declaração de nulidade de negócio jurídico, o acórdão em apreço absolveu o BB da instância por inutilidade superveniente da lide, enquanto o acórdão-fundamento supra mencionado determinou o prosseguimento dos autos;

15.ª - No que respeita ao acórdão-fundamento do Tribunal da Relação do Porto, de 15/04/2013, verifica-se um tratamento jurídico diferente dado à situação jurídica de abertura de incidente de qualificação da insolvência, defendendo este acórdão-fundamento que a declaração de insolvência não conduz de imediato à inutilidade superveniente da lide da ação declarativa quando a abertura do incidente de qualificação da insolvência não tem carácter pleno, ao contrário do decidido no Acórdão recorrido.

9. A BB, ora Recorrido, contra-alegou, rebatendo ponto por ponto as razões do Recorrente e pugnando pela confirmação do julgado.


Cumpre apreciar e decidir.



II - Fundamentação   

 

1. Factos provados relevantes

        

   Vêm tidos como provados os seguintes factos:

  1.1. Por deliberação do Banco Central Europeu (BCE), de 13/07/ 2016, foi revogada a autorização para o exercício da atividade de instituição de crédito pelo Banco BB (BB), S.A., a partir das 19h00 desse mesmo dia;  

   1.2. Dessa deliberação não foi interposto recurso para o Tribunal Geral da União Europeia;

   1.3. Na sequência da comunicação daquela revogação, o Banco de Portugal requereu a liquidação do BB, tendo o respetivo requerimento sido distribuído à 1.ª Secção de Comércio da Instância Central de Lisboa – J1, com o n.º 18588/16.2T8LSB;

   1.4. Em 21/07/2017, foi proferido despacho de prosseguimento da liquidação judicial, fixando-se o prazo de 30 dias para a reclamação de créditos;

   1.5. No âmbito desse processo de liquidação, o ora A. deduziu reclamação dos seus créditos sobre o BB – facto tido como provado, conforme consta de fls. 196 do acórdão recorrido.


2. Quanto ao mérito do recurso  


A única questão a conhecer no âmbito da presente revista excecional consiste em saber se a revogação da autorização para o exercício da atividade de instituição de crédito pelo BB, ora 1.º R., deliberada pelo Banco Central Europeu, em 13/07/2016, a que se seguiu a instauração pelo Banco de Portugal de um processo de liquidação do património daquele R., constitui fundamento de extinção da instância na presente ação, quanto ao mesmo R., por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do CPC.

   As instâncias assim o entenderam, fundamentalmente na esteira do dispositivo uniformizador do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência (AUJ) n.º 1/2014, de 08/05/2013, publicado no Diário de República, 1.ª Série, de 23/ 02/2014.

   Todavia, o Recorrente vem sustentar que, dada a especificidade das pretensões deduzidas nesta ação, não é aqui aplicável aquele dispositivo uniformizador, pelas razões sumariadas nas conclusões acima transcritas, convocando, a tal propósito e a seu favor, jurisprudência das Relações no sentido de não se verificar a declarada inutilidade superveniente da lide sem risco de contradizer o referido dispositivo uniformizador.    

            

Vejamos.


Antes de mais, importa reter que, por deliberação do BCE, datada de de 13/07/2016, foi revogada a autorização para o exercício da atividade de instituição de crédito pelo Banco BB (BB), S.A., ora 1.º R., a partir das 19h00 desse mesmo dia, deliberação essa de que não foi interpôs-to o competente recurso para o Tribunal Geral da União Europeia.

 Trata-se, pois, de uma deliberação tomada nos termos dos artigos 4.º, n.º 1, alínea a), e 14.º, n.º 5, do Regulamento (UE) n.º 1024/2013 do Conselho, de 15/10/2013, publicado no Jornal Oficial da União Europeia L. 287/63, de 29/10/2013.

  A definitividade dessa deliberação revogatória equivale a declaração de insolvência da instituição visada, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 5.º e 8.º do Dec.-Lei n.º 199/2006, de 25-10, com as alterações introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 31-A/12, de 10-02, competindo em exclusivo ao Banco de Portugal requerer, no tribunal competente, a liquidação dessa instituição, no prazo máximo de 10 dias úteis após a revogação daquela autorização (o indicado art.º 8.º, n.º 3 e 4).

  Instaurada tal liquidação, com no caso foi, pelo Banco de Portugal junto da 1.ª Secção de Comércio da Instância Central de Lisboa – J1, correndo no processo n.º 18588/16.2T8LSB, incumbe ao juiz desse processo verificar liminarmente o preenchimento dos requisitos exigidos pelo citado artigo 8.º, sendo que quaisquer questões sobre a legalidade da decisão de revogação da autorização apenas serão suscetíveis de ser invocadas em processo de impugnação contenciosa perante os tribunais administrativos, nos termos dos artigos 9.ºe 15.º do Dec.-Lei n.º 199/2006.

   Proferido despacho de prosseguimento da liquidação judicial, no mesmo serão tomadas as decisões previstas nas alíneas b), c) e f) a n) do n.º 1 do art.º 36.º do CIRE, em que se inclui a designação do prazo até 30 dias para a reclamação de créditos (alínea j), sendo aplicáveis, com as necessárias adaptações, as demais disposições deste Código, como se preceitua no artigo 9.º, n.º 2 e 3, do Dec.-Lei n.º 199/2006.

   Significa isto, no que aqui releva, que os credores da instituição insolvente apenas poderão exercer os seus direitos sobre esta em conformidade com os preceitos do CIRE, durante a pendência do processo de liquidação, como se dispõe no artigo 90.º deste Código.

    Mais precisamente, nos termos do artigo 128.º, n.º 1 e 3, do mesmo Código, devem os credores do insolvente reclamar a verificação dos seus créditos, “qualquer que seja a sua natureza e fundamento”, no prazo para tal fixado, indicando, nomeadamente, “a sua proveniência, data de vencimento, montante de capital e juros”. A impugnação desses créditos, se for caso disso, será então apreciada e julgada no procedimento declarativo de verificação de créditos, que reveste natureza contraditória, regulado nos artigos 128.º a 140.º do CIRE.

         Por outro lado, segundo o artigo 85.º, n.º 1, do referido Código:

 Declarada a insolvência, todas as acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidas na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa, e todas as acções de natureza exclusivamente patrimonial intentadas pelo devedor são apensadas ao processo de insolvência, desde que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência, com conveniência para os fins do processo.

   Assim, como se observa a dado passo da fundamentação do AUJ n.º 1/2014, “tendo a verificação por objecto todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento – n.º 3 do art. 128.º - a jurisdição conferida ao Tribunal/decisor da insolvência, neste conspecto, tem necessariamente implícita uma verdadeira extensão da sua competência material”.


    Sucede que, no caso presente, se deu por provado que, em 21/07/ 2017, foi proferido despacho de prosseguimento da liquidação judicial, fixando-se o prazo de 30 dias para a reclamação de créditos, e que, no âmbito desse processo de liquidação, o ora A. deduziu reclamação dos seus créditos sobre o BB.

    Resta saber se, nessas circunstâncias, se verifica a inutilidade superveniente da lide desencadeada através da presente ação, por superveniência da falta de interesse em agir, determinativa da extinção da instância contra o BB, nos termos da alínea e) do art.º 277.º do CPC.  

    A solução a dar a tal tipo de questão dividiu a nossa jurisprudência, culminando no AUJ do STJ n.º 1/2014, no qual foi fixado o seguinte entendimento:

Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.º do CPC [correspondente ao atual art.º 277.º].    

 

   Pese embora a clareza deste enunciado, vem o Recorrente contrapor, em primeira linha, que foram aqui peticionados efeitos jurídicos que extravasam o mero reconhecimento dos créditos em causa - que compete ao juiz do processo de liquidação - e a sua dimensão não estritamente patrimonial, como sejam as questões suscitadas de nulidade formal do contrato de intermediação financeira e de nulidade formal e anulabilidade por erro de declaração do mútuo bancária em referência. Pretende, desse modo, o Recorrente contornar aquele segmento uniformizador.


   Ora o que o A. peticionou contra o R. BB, em sede de pedido principal, foi a condenação deste a pagar-lhe, a título de responsabilidade civil, enquanto intermediário financeiro, por violação dos deveres de informação, diligência e lealdade, nos termos do artigo 304.º-A do CVM, a quantia de € 483.487,225, acrescida de € 93.540,67, por juros vencidos, à taxa legal, desde a data da utilização ilícita desse capital, e de juros vincendos desde a citação.

   Depois, em via subsidiária, pediu a condenação do mesmo R. nas mesmas quantias com fundamento em nulidade do contrato de intermediação financeira por inobservância de forma, nos termos do art.º 321.º do CVM.

E, em qualquer dos casos, pediu ainda que fosse declarada a nulidade do contrato de mútuo celebrado entre o A. e o 1.º R., por inobservância de forma, ou, caso assim se não entendesse, decretada a anulabilidade desse contrato com fundamento em erro na declaração do A., com a consequente condenação solidária dos R.R. a ressarcir o A. em valor correspondente a todas as quantias por ele pagas no âmbito daquele contrato, a apurar em sede de posterior liquidação.

Por fim, pediu que a condenação do mesmo R., a título de danos não patrimoniais, o que viesse a ser calculado em ulterior liquidação.


Estamos assim, num primeiro plano, perante pretensões de reconhecimento e condenação em pagamento de créditos patrimoniais sobre o R. BB do crédito de € 483.487,225, acrescido de juros de mora, sob o fundamento, em via principal, de violação dos deveres de informação, diligência e lealdade como intermediário financeiro e, em via subsidiária, de nulidade formal do contrato de intermediação.   

Num segundo plano, vem deduzida pretensão de pagamento de quantia pecuniária ilíquida fundada na nulidade formal ou em anulabilidade do alegado mútuo bancário. 

E cumulada com todas essas pretensões, vem o pedido de condenação do mesmo R. em indemnização a liquidar, a título de danos não patrimoniais.

Todos esses créditos traduzem-se, ao fim e ao cabo, em créditos de natureza patrimonial mais precisamente pecuniária, cuja satisfação coerciva implica a execução do património do devedor, nos termos dos artigos 601.º e 817.º do CC, a qual, quando se trate de devedor insolvente, como é o caso, terá de ser realizada por via da execução universal desse património.

É certo que o A. funda tais créditos, subsidiária ou paralelamente, em títulos diversos, uns respeitantes às alegadas violações contratuais do negócio de intermediação financeira, outros relativos à nulidade formal deste negócio e à nulidade formal ou anulabilidade do contrato de mútuo bancário. Mas ainda assim, estas nulidades e anulabilidade vêm deduzidas como pressupostos lógicos dos créditos assim peticionados, sem que se divise qualquer outro alcance fora dessa relação creditícia entre o A. e o 1.º R..

Assim sendo, a execução coerciva de tais créditos contra o R. insolvente (BB) só pode ser efetivada através do processo de liquidação universal instaurado pelo Banco de Portugal, no âmbito do qual os mesmos devem ser reclamados pelo credor e aí apreciados, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, nos termos do artigo 128.º, n.º 1 e 3, do CIRE, aplicável por força do disposto no artigo 9.º, n.º 3, do Dec.-Lei n.º 199/2006, de 25-10.

Em tais circunstâncias, não se vê que outro efeito prático-jurídico peticionado contra o R. BB seja atendível fora do âmbito daquele processo de liquidação universal.   

Argumenta ainda o Recorrente que o entendimento fixado no AUJ n.º 1/2014 tem como pressuposto que, no processo de liquidação judicial, se declare aberto o incidente de qualificação de insolvência, tal como fora sustentado no parecer do MP dado no âmbito do respetivo recurso para uniformização de jurisprudência, considerando não ser possível, sem a abertura desse incidente, determinar se o património do insolvente é suficiente para responder aos créditos reclamados.

É certo que, naquele recurso, o parecer do MP apontava nesse sentido, mas não é menos certo que tal condicionamento não foi ali acolhido nem na fundamentação nem no segmento uniformizador adotado, que se mostra claramente taxativo em considerar o trânsito em julgado da sentença de declaração de insolvência.  


Não se ignoram as divergências que se têm suscitado, em especial nos Tribunais da Relação, sobre a questão da inutilidade superveniente da lide em casos similares ao deste processo, seja no sentido pugnado pelo Recorrente, conforme os arestos por ele convocados, seja, em não menor número, em sentido contrário, como também se tem presente a orientação adotada pelo acórdão deste Supremo Tribunal de 02/11/2017, proferido no processo n.º 11674/16.0T8LSB-S1[1], em que, perante situação análoga, se concluiu pela inutilidade superveniente da lide, na esteira da jurisprudência fixada no AUJ do STJ n.º 1/2014.    

 

Aqui chegados, ante o petitório formulado nesta ação contra o 1.º R., BB, e respetivo contexto alegatório, nos termos acima configurados, não obstante tal divergência jurisprudencial, na linha do entendimento adotado no referido AUJ n.º 1/2014, entende-se que a definitividade da declaração de insolvência do BES resultante da deliberação do Banco Central Europeu de 13/07/2016, que revogou a autorização para o exercício da atividade daquela instituição de crédito, tornou inútil a presente lide, importando a extinção da instância quanto àquele R. nos termos da alínea e) do art.º 277.º do CPC, para mais quando se prova que o ora A. deduziu reclamação de créditos no subsequente processo de liquidação instaurado pelo Banco de Portugal contra o mesmo.

Uma tal consequência não é de molde a diminuir a garantia de tutela jurisdicional efetiva, no Estado de direito, por parte do A., nos termos consagrados nos artigos 2.º e 20.º da Constituição, uma vez que este tem ao seu dispor um meio processual idóneo, adequado às circunstâncias do caso, para obter o reconhecimento e, quanto possível, a satisfação dos seus crédi-tos através do referido processo de liquidação universal contra o insolvente.

 

Termos em que deve ser negada a revista.


  III – Decisão


Pelo exposto, acorda-se em negar a revista, confirmando-se a decisão recorrida quanto ao segmento aqui impugnado, em que foi declarada extinta a instância quanto ao 1.º R., BES, por inutilidade superveniente da lide.

   As custas do recurso ficam a cargo do A./Recorrente.


Lisboa, 7 de fevereiro de 2019

Manuel Tomé Soares Gomes (Relatora)

Maria da Graça Trigo

Maria Rosa Tching

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[1] Relatado por Abrantes Geraldes, aprovado e assinada pelo ora relator e pela aqui 1.ª juíza-adjunta, acessível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj.