Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06A1701
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SOUSA LEITE
Descritores: ARRESTO
URGÊNCIA
DECISÃO JUDICIAL
RECURSO
FÉRIAS JUDICIAIS
INTERRUPÇÃO DO PRAZO DE RECURSO
Nº do Documento: SJ200609280017016
Data do Acordão: 09/28/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I - Os procedimentos cautelares, em toda a sua tramitação, incluindo os recursos, revestem carácter urgente.
II - Os prazos processuais a observar nos mesmos são contínuos, não havendo lugar à sua suspensão durante as férias judiciais.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I – ………… – MOBILIÁRIO E DECORAÇÃO, Ldª veio requerer nas varas cíveis da comarca de Lisboa o arresto de um imóvel pertença da requerida ……-INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, Ldª, o que lhe foi deferido.

Deduzindo esta última oposição à providência decretada, a mesma foi julgada improcedente, decisão esta revogada pela Relação de Lisboa, na sequência de agravo da requerida, com o consequente levantamento do arresto.

Tendo a requerente/agravada peticionado a reforma do Acórdão prolatado, foi decidido, em conferência, que o referido pedido havia sido apresentado extemporaneamente, uma vez que o prazo para requerer a referida reforma é contínuo, não se suspendendo durante as férias judiciais, pelo que, por tal motivo, foi decidida a sua não apreciação.

Desta decisão veio a requerente agravar para este Supremo, tendo, nas alegações apresentadas, concluído que deve ser fixada jurisprudência, no sentido de que a urgência dos procedimentos cautelares esgota-se com a decisão judicial em 1ª instância e a sua execução, passando, posteriormente, a correr termos normalmente, e como qualquer outro processo, suspendendo-se, por tal motivo, durante as férias judiciais, o prazo para alegar em recurso.

Contra alegando, a requerida, para além de sustentar a manutenção do decidido, veio suscitar a inobservância do preceituado nos arts. 688º e 686º do CPC, como circunstâncias impeditivas do conhecimento do objecto do recurso.

No seguimento de parecer do relator, o Exmº Conselheiro Presidente deste Supremo Tribunal emitiu decisão no sentido da denegação da pretensão da requerente, relativamente à fixação de jurisprudência uniformizadora.

Seguidamente, a requerente/agravante veio juntar aos autos o relatório a que se refere o art. 155º do CIRE, relativo à requerida.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II – QUESTÕES PRÉVIAS

Como se referiu no item antecedente, a recorrente, após a apresentação das respectivas alegações, veio juntar aos autos um documento.

Porém, e tendo em consideração o preceituado nos arts. 743º, n.º 3 e 760º do CPC, tal apresentação é extemporânea, por tardia.

A recorrida, na resposta que apresentou, veio alegar a violação pela requerente do preceituado no art. 688º do CPC, com o consequente não conhecimento do objecto do recurso, uma vez que, para reagir ao indeferimento e recusa de tal impugnação, a mesma apenas podia lançar mão da reclamação enunciada naquele normativo processual.

Todavia, não lhe assiste qualquer razão, relativamente a tal arguição.

Com efeito, na decisão proferida pela Relação, para além da sua natureza colectiva, que não de simples despacho, não se configura a ocorrência de uma situação em que se haja verificado a retenção de qualquer recurso, para além de que, a tal se verificar, sempre seria de aplicar o preceituado no n.º 5 do normativo nomeado pela requerida e não a pela mesma propugnada rejeição do recurso.

Por outro lado, e quanto à, também pela requerida, suscitada simultaneidade do decurso dos prazos processuais estabelecidos para a reforma da sentença e de interposição de recurso do mérito da mesma, igualmente tal questão se mostra votada ao insucesso, uma vez que, o estatuído no art. 686º, n.º 1 do CPC consagra um diferimento, tanto aplicável ao requerente da reforma, como à parte contrária, e não qualquer sobreposição, como vem defendido pela recorrida, relativamente aos prazos para a prática dos aludidos actos processuais.
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III – Temos, assim, que, o objecto do presente agravo se prende, única e exclusivamente, com a forma de contagem dos prazos processuais no âmbito dos procedimentos cautelares, já que, enquanto a Relação considerou que aqueles revestem natureza contínua durante o decurso de todo o processado a tal inerente, recursos incluídos, já, por outro lado, a requerente/agravante sustenta que a natureza urgente de tais medidas preventivas apenas decorre até à prolação do despacho judicial proferido pelo tribunal de 1ª instância.

Com efeito, dado que, através da reforma do processo civil de 1995/96, de cujo relatório do DL n.º 329-A/95, de 12/12, consta constituir uma das vertentes essenciais da justiça cautelar a urgência dos procedimentos destinados à sua efectivação, para a realização de tal desiderato foi consagrado, no n.º 1 do art. 382º da codificação

processual, o carácter urgente dos referidos meios de tutela provisória dos direitos dos requerentes lesados.

Assim, e referindo-se expressamente naquele indicado normativo, que os procedimentos cautelares revestem sempre carácter urgente, o emprego da referida expressão, sem quaisquer limitações relativamente à fase processual em que tenha tido lugar a decisão proferida, conduz, desde logo, a considerar a mesma extensível a todo o processado, sem quaisquer excepções.

E, se é certo que, embora o legislador, no n.º 2 do nomeado normativo processual, tenha apenas estabelecido um prazo limite para a prolação da decisão na 1ª instância, daí não pode extrapolar-se para a restrição que vem sustentada pela recorrente.

Na verdade, e se não sofre dúvidas, que, em caso de decisão favorável ao deferimento da providência requerida ou à manutenção da decretada, em caso de oposição do requerido, o efeito do recurso que seja interposto é devolutivo, permitindo, dessa forma, que seja conferida ao respectivo requerente a execução do direito que pretendia acautelar através do pedido formulado – arts. 47º, n.º 1, 388º, n.º s 1, al. b) e 2 e 738º, n.º 1, al. b) e 740º, n.º 1, a contrario, do CPC -, enquanto que, e por outro lado, o despacho que a não ordene ou que revogue, na sequência da aludida oposição do requerido, a antecedentemente ordenada tem, por seu turno, efeito suspensivo – - arts. 388º, n.º 2, 738º, n.º 1, al. a) e 740º, n.º 1 daquela codificação -, de tal disparidade de efeitos relativamente à impugnação da decisão proferida sobre o direito a acautelar, em conformidade com o vencimento ou o decaimento da pretensão deduzida em juízo, não pode, porém, concluir-se, que, na referida fase processual, deixe de haver lugar à qualificação, como urgente, da decisão a proferir pelas instâncias de recurso, já que, se na última daquelas indicadas situações, tal se coaduna, óbvia e inapelavelmente, com os interesses da parte vencida, que constituíram, aliás, a razão de ser da pretensão pela mesma requerida, e cuja satisfação viu denegada, na restante situação enunciada, a efectivação da

providência, ainda que com carácter provisório, constitui uma situação de manifesta instabilidade, e gravame, para a parte então também vencida, pelo que, a admitir-se uma diversidade temporal de regimes, consoante o efeito do recurso, tal sempre conduziria, quer ao impedimento, pelo seu arrastamento, da realização dos valores da celeridade e da eficácia que presidem à obtenção de uma decisão definitiva relativamente aos procedimentos cautelares, quer, sobretudo, à violação do princípio de igualdade das partes, ínsito no art. 3º-A do CPC, atenta a sempre de tal decorrente diversidade de tramitação aplicável à posição processual da parte vencida.

Assim, e atenta a referida natureza urgente dos procedimentos cautelares, os prazos processuais a observar na sua tramitação terão de obedecer ao preceituado no art. 144º, n.º 1, segunda parte, do CPC, não se suspendendo, portanto, durante as férias judiciais, como, aliás, vem sendo decidido por este Supremo – Acórdãos de 12/01/1999, de 28/09/1999, de foi relator o Cons. Francisco Lourenço, in BMJ 483º/157 e 489º/277 e de 21/12/2005 – Cons. Moitinho de Almeida – in Sumários 96º/47 – e propugnado na doutrina - Temas do Des. Abrantes Geraldes, vol. III, pág. 116/118 e Comentários do Dr. Lopes do Rego, vol. I, pág. 348.

Temos, portanto, que, na situação que ora nos vem presente, a recorrente formulou o pedido de reforma do Acórdão da Relação, para além do prazo consignado no n.º 1 do art. 153º do CPC, uma vez que considerou a sua suspensão durante o período de férias judiciais relativo à quadra natalícia, havendo, nomeadamente, a ressaltar, que a urgência da tramitação do requerido, e pela 1ª instância decretado arresto, sempre se consubstancia numa actuação totalmente dirigida à salvaguarda do interesse da agravante, uma vez que a Relação decretou o levantamento da referida providência cautelar.

Como corolário do que vem de explanar-se, podem formular-se as seguintes conclusões:

- os procedimentos cautelares, em toda a sua tramitação, incluindo os recursos, revestem carácter urgente;
- os prazos processuais a observar nos mesmos são contínuos, não havendo lugar à sua suspensão durante as férias judiciais.
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IV – Atento o exposto, nega-se provimento ao agravo.

Custas pela recorrente.
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LISBOA, 28 de Setembro de 2006

Sousa Leite
Salreta Pereira
João Camilo