Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
99S128
Nº Convencional: JSTJ00038846
Relator: JOSÉ MESQUITA
Descritores: DESPEDIMENTO
JUSTA CAUSA
DEVER DE LEALDADE
BURLA
COACÇÃO
Nº do Documento: SJ199910130001284
Data do Acordão: 10/13/1999
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 6456/98
Data: 12/02/1998
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Área Temática: DIR TRAB - CONTRAT INDIV TRAB.
Legislação Nacional: CP82 ARTIGO 30 N2 ARTIGO 313 ARTIGO 314 C).
LCCT89 ARTIGO 9 N1.
Sumário : Provando-se que o trabalhador cometeu um crime de burla de que foi ofendida a sua entidade patronal existe, em princípio, justa causa para o seu despedimento, desde que se verifique uma culpa grave.
Provando-se que o trabalhador agiu sob coacção, ameaças, e que tinha um grande grau de dependência e influência do seu superior, a culpa tem de se considerar leve, não se justificando a justa causa de despedimento.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I - 1. A, com os sinais dos autos, propôs no Tribunal de Trabalho de Lisboa, 1º Juízo, a presente acção com processo ordinário, contra:
B, pedindo a sua condenação a reintegrá-lo no seu posto de trabalho com declaração da nulidade do seu despedimento e a pagar-lhe todas as prestações pecuniárias vencidas desde a data do despedimento, com juros de mora a contar da citação, a liquidar em execução de sentença, alegando como fundamento a não verificação de justa causa para esse despedimento.
2. Contestou a R. sustentando a existência de justa causa e a validade do despedimento decretado.
3. Prosseguindo o processo, foi proferido o despacho de fls 80, no qual se decidiu não ser aplicável a amnistia consagrada na Lei 23/91, de 4/7, do qual foi interposto recurso de agravo.
4. Proferido depois despacho saneador e elaboradas a especificação e o questionário, procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, no decurso da qual foi admitida a junção aos autos de dois documentos - relatórios médicos - por despacho constante de fls. 116, do qual o R. interpôs recurso de agravo.
Por fim, foi proferida sentença que, julgando a acção procedente, condenou a R. no pedido.
5. Desta sentença apelou a R. para o Tribunal da Relação de Lisboa, subindo também os agravos interpostos pelo Autor pela Ré, que mereceram as seguintes decisões:
- A apelação foi julgada no sentido da anulação de todo o processado a partir da acta de audiência de julgamento, baixando os autos à 1ª Instância para julgamento em conformidade com a decisão final da questão prejudicial de natureza criminal;
- Ao agravo interposto pela R. foi negado provimento, confirmando-se o despacho recorrido;
quanto ao agravo interposto pelo A. - aplicação da lei de amnistia - foi decidido que este agravo só deverá ser apreciado se a sentença recorrida não vier a ser confirmada, nos termos do n. 1 do art. 710 do Cód. Proc. Civil.
6. Deste acórdão foi interposto recurso de revista para este Supremo que, por acórdão não conheceu do objecto do recurso.
7. Baixados os autos à 1ª instância aguardou-se o julgamento do processo-crime a correr termos contra o A. e outros, sendo oportunamente junta cópia do acórdão da Secção Criminal deste Supremo - fls. 235 e segs. - confirmando a condenação do A. como co-autor material de um crime de burla agravada, na forma consumada e continuada, p. e p. pelos arts. 313, 314, a) e 30, n. 2 do Código Penal de 1982, na pena de um ano e nove meses de prisão.
8. Em seguida, procedeu-se a novo julgamento, realizado o qual foi proferida sentença julgando a acção procedente.
9. Foi dela interposto recurso da apelação, mas o Tribunal da Relação de Lisboa, por douto acórdão de fls. 292 e segs., confirmou a sentença recorrida e não conheceu do recurso de agravo do Autor.
II - 1. É deste aresto que vem o presente recurso de revista, interposto pela R. que, a final das suas doutas alegações, formula as seguintes
- CONCLUSÕES -
A) - A matéria de facto dada como provada pelo Tribunal da 1ª instância composta definitivamente pelo Tribunal da Relação de Lisboa teve em vista a absolvição do A. em relação à sanção de despedimento que lhe fora aplicada e ignorou totalmente a recomendação do Tribunal da Relação no seu Acórdão de 6-10-93, que mandou repetir o julgamento para ser tomada em consideração a decisão que viesse a ser proferida, sobre os mesmos factos, pelo Tribunal Criminal (condenação do A. como autor material de um crime de burla agravada, em que o lesado foi o ora recorrente).
B) - E não é verdadeira a afirmação do acórdão recorrido de que o Acórdão de 6-10-93 apenas tinha em vista a aplicação ou não da amnistia da lei 23/91 da 4/7, quando se lê neste último Acórdão que "... embora a existência de responsabilidade criminal não acarrete necessariamente a inexistência da responsabilidade disciplinar, o certo é que o resultado da apreciação do ilícito criminal pode fortemente influenciar a apreciação da responsabilidade disciplinar...", recomendando por isso, por uma questão de bom senso, que se aguardasse a decisão do Tribunal Criminal.
C) - Razão tinha o citado Acórdão, pois podia dessa forma ter-se evitado, se o bom senso imperasse, que depois de um tribunal pelos mesmos factos, ter condenado o A. por actuação dolosa, outro tribunal o viesse a "absolver" por ter agido sem culpa ou culpa leve.
D) - A qualificação disciplinar dos actos praticados pelo A., (única questão, afinal, a decidir definitivamente por este Supremo Tribunal), não pode, porém, ser a que é feita pelo Acórdão em apreço, ao considerar que o recorrido foi um mero autor material da falsificação, que agiu sempre no cumprimento de ordens do superior hierárquico e sob coacção deste, que ignorava o que o mesmo superior hierárquico pretendia fazer com os documentos falsificados, o qual lhe dizia que os documentos a elaborar visavam tornar estes mais legíveis.
E) - Com efeito, a conclusão que o Acórdão tira destes factos de que - "... não se mostra que o apelando tenha actuado com representação do resultado danoso no qual colaborou por ordem do seu superior hierárquico. Não há prova, pois, de o A. ter actuado com dolo, sequer na sua modalidade mais mitigada de dolo eventual, nem tão pouco culpa grave", - não é desde logo correcta em função das premissas.
F) - Na verdade, ser apenas o autor material da falsificação não isenta da responsabilidade quem a pratica; o cumprimento de ordens ilegítimas não pode isentar de culpa quem obedece; os factos que se admite fundamentam a coacção são claramente insuficientes para isentar de culpa o A. nos factos praticados; a ignorância, até certa altura, do que iria ser feito com os documentos falsificados também não releva naquele sentido, dada a natureza e gravidade dos factos (tratava-se de elaborar documentos falsos e não alterar documentos feitos).
G) - Por outro lado, ao dar-se como provado que o A. soube a que se destinavam os documentos falsificados ainda no decorrer da sua actuação continuada de falsificação, cai por completo toda a base de sustentação do acórdão.
H) - Só a inimputabilidade poderia manter essa sustentação.
I) - As atenuantes referidas no Acórdão não podiam pois ser consideradas suficientes para justificar uma sanção inferior ao despedimento.
J) - Na verdade, os factos praticados pelo A., de mais a mais ao longo de dois anos, tinham quebrado de tal forma a confiança necessária e indispensável à relação de trabalho que esta não podia mais manter-se.
K) - O acórdão recorrido viola pois a disposição legal do art. 9, n. 1 e 2, e) do DL 64-A/89, de 24/2.
Termina pedindo, em conformidade, a revogação do acórdão recorrido.
2. Contra-alegou o A., começando por suscitar a questão prévia do não conhecimento do recurso, por não estarem as alegações contidas no requerimento de interposição de recurso, nos termos do art. 76, n. 1, do Cód. Proc. do Trabalho e, no mais, sustentando a confirmação do acórdão recorrido.
Neste Supremo a Exma Procuradora Geral Adjunta emitiu o muito bem elaborado parecer de fls. 341 a 345 no sentido de ser negada a revista, fundamentalmente por se verificar uma causa de exclusão da culpa - o medo provocado pela actuação do superior hierárquico (coacção psicológica).
Notificado às partes, nada disseram.
III - Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
E comecemos pelo registo da
MATÉRIA DE FACTO:
São os seguintes os factos que se consideram provados:
1º) O A. foi admitido ao serviço do R. em 25-1-60 para lhe prestar serviço sob a sua direcção e autoridade.
2º) Em 10-3-89 foi o A. acusado em nota de culpa no âmbito de processo disciplinar que o R. anteriormente lhe havia instaurado.
3º) Em 25-7-89 foi o A. notificado do seu despedimento.
4º) O A. é delegado sindical, razão pela qual o banco enviou ao Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas cópia da nota de culpa e o processo disciplinar pedindo o respectivo parecer.
5º) Aquele Sindicato emitiu em 3 de Julho de 1989 o seu parecer contrário ao despedimento.
6º) Ao ficar na iminência do despedimento, o C veio, apressadamente, pedir a demissão do Banco, o que não lhe foi concedido, antes foi despedido.
7º) Foi por tudo isso, que várias dezenas de trabalhadores do banco fizeram e assinaram um abaixo-assinado pedindo compreensão para o A. e sua colega co-arguida.
8º) O A. não tem antecedentes disciplinares ao longo dos seus quase 30 anos de serviço.
9º) À data do despedimento, o A. encontrava-se no nível de retribuição 8 a que correspondia a quantia de 84220 escudos, tinha 5 diuturnidades no valor global de 15000 escudos e recebia subsídio trimestral de estudo para os seus dois filhos no valor de 6730 escudos para os dois.
10º) Neste momento e por força da entrada em vigor da nova tabela salarial para o sector bancário esses valores são os seguintes: 93560 escudos, 16700 escudos e 7490 escudos, com efeitos a 1 de Julho de 1989.
11º) Os factos que foram imputados ao arguido e que ficaram provados, de ter praticado, de forma continuada, no período de 1-1-87 até 31-1-89, em colaboração com o seu chefe de sector, C e a sua colega D, foram os seguintes:
"1º - Ter elaborado 12 facturas de fornecedores, usando papel timbrado desses fornecedores, facturas essas falsas, por não corresponderem a qualquer mercadoria entrada na despensa.
2º - Ter igualmente elaborado 66 documentos de "praça" falsos, por igualmente não corresponderem a quaisquer fornecimentos reais.
3º - Esta actuação do arguido levou o Banco a efectuar o reembolso de valores supostamente pagos, valores que na totalidade das irregularidades já apuradas, totalizam 4471015 escudos e noventa centavos.
4º - Proceder ainda à venda de senhas de refeição a dinheiro, em número e valores que não foi ainda possível identificar, contra as normas estabelecidas que apenas permitem o processamento por débito em conta, lesando com essa actuação o Banco, nos respectivos valores".
12º) Quanto aos factos de que o A. foi acusado a sua prática pelo A., na parte que lhe respeita, foi levada a cabo sob coacção do co-arguido C
13º) O co-arguido C, superior hierárquico directo e imediato do A., exercia sobre este um forte ascendente psicológico;
14º) O referido C tratava mal o A., ameaçando-o de que se não fizesse o que ele mandava o punha à disposição da Direcção de Pessoal, já que era tido como pessoa de grande influência junto do Banco.
15º) Tais ameaças criaram no A. um forte temor e medo do referido C.
16º) Tanto mais que o mesmo C entrava no Banco fora das horas do expediente com grande à-vontade, e movimentava-se no interior deste como pessoa de grande poder.
17º) Era convicção dos trabalhadores que trabalhavam sob as suas ordens, que era pessoa influente no Banco.
18º) De resto, o C tratava o A. como um criado mandando-lhe apanhar objectos do chão que ele próprio deixava cair desse modo procurando amesquinhar o A.
19º) Com estas ameaças visava o C manipular o A..
20º) O A. tem uma personalidade débil a ponto de ser facilmente manipulado como o foi pelo C.
21º) Em qualquer dos factos referidos na nota de culpa, o A. agiu sempre no cumprimento de ordens do seu superior hierárquico, Sr. C.
22º) Era ele quem lhe ditava os termos e as importâncias que deveriam constar das facturas, ignorando o A. o que pretendia fazer o referido C uma vez na posse de tais documentos.
23º) O A. não tinha na prática qualquer controlo sobre a hipotética entrada ou não de mercadorias pelo que não lhe era possível saber se aos montantes das mencionadas facturas correspondia ou não a entrada de produtos.
24º) Quanto aos documentos de "praça", era também o seu chefe, Sr. C, que ditava as quantidades e preços a incluir nos documentos.
25º) Igualmente o A. não tinha qualquer controlo sobre a eventual entrada de produtos fornecidos e provenientes da "praça".
26º) O A. desconheceu quase até final, o que pretendia fazer o Sr. C, uma vez na posse dos documentos.
27º) Nunca o A. foi posto ao corrente pelo Sr. C dos seus propósitos, antes este dizia-lhe que os documentos a elaborar visavam tornar-se mais legíveis.
28º) As senhas vendidas pelo A. e cujo pagamento era feito em numerário foram-no por ordem do Sr. C ao qual, no final de cada dia, entregava o dinheiro obtido na venda acompanhado das requisições.
29º) Ignorando o destino que, posteriormente, o referido C dava ao dinheiro.
30º) Por Acórdão do STJ de 5-5-97 foi confirmado o Acórdão proferido pelo Tribunal Criminal de Lisboa, 5ª Vara - 2ª Secção, que condenou o A., ali arguido, como co-autor material de um crime de burla agravada na forma consumada e continuada, p. e p. pelos arts. 313, 314 c) e 30, n. 2 do C. Penal de 1982, na pena de 1 ano e 9 meses de prisão, substituída pela de suspensão da sua execução pelo período de três anos e o condenou, ainda, a pagar solidariamente com os arguidos C e D a indemnização cível de 4824300 escudos, acrescida de juros de mora à taxa anual de 15% vencidos desde 1-1-89 até 14-9-95 e à taxa anual de 10% vencidos a partir de 15-9-95 e vincendos até integral pagamento.
IV - Estes os factos. Vejamos agora
O DIREITO
1. - Antes de apreciarmos a questão de fundo, impõe-se tratar a questão prévia suscitada pelo A. nas suas contra-alegações.
Sustenta-se aí que não tendo a Ré incorporado as suas alegações no requerimento de interposição de recurso, como o impõe o art. 76, n. 1 do Cód. P.Trabalho, o recurso deve ser julgado deserto, dele se não conhecendo.
Este Supremo tem jurisprudência de há muito firmada no sentido de que tal preceito não vale para o recurso de revista, o único que não tem qualquer tratamento no C. P. Trabalho, aplicando-se-lhe o regime do C. P. Civil - cfr. os acórdãos, entre muitos de 4-2-83 - 20-5-83 - 1-7-92 e 28-6-95, nos BMJ, 324, 490 - 327, 596 - nos Proc. 3386 e 4113.
Por isso e por lhe ser favorável, não foi ouvida a recorrente. Desatende-se, assim, a questão prévia invocada.
2. Apreciando agora a questão fulcral que no recurso se coloca - existência, ou não, de justa causa -, adiantar-se-á que se concorda com a solução das instâncias.
Em ambas as decisões o problema foi criteriosa e aprofundadamente analisado, em termos que se justifica o uso da faculdade concedida pelo n. 5 do art. 713, do C. Proc. Civil, fazendo remissão para a decisão e fundamentação do douto acórdão recorrido que - diga-se - constitui uma peça de assinalável mérito.
Há-de concordar-se, todavia, que o problema merece e reclama algumas considerações, que mais não seja pela circunstância de os factos constantes da nota de culpa, nos quais assentou a justa causa, terem também sido objecto de apreciação no foro criminal e aí merecido a condenação do arguido, aqui autor, como co-autor material de um crime de burla agravada, na forma consumada e continuada, R. e R. pelos arts. 313, 314, c) e 30, n. 2 do Código Penal de 1982, na pena de 1 ano e 9 meses de prisão, substituída pela de suspensão da sua execução pelo período de três anos.
Não é normal que a prática de um crime desta natureza - burla - em que é directamente ofendida e lesada a entidade patronal, não assuma gravidade e consequências que tornem imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Estamos já a entrar na análise do conceito de justa causa, no acórdão proficientemente tratado, importando aqui acentuar que o crime de burla será um dos que mais profundamente atinge a relação de fidutia que toda a relação de trabalho pressupõe e exige.
Na verdade, a burla, para além do prejuízo e da infidelidade, contém ainda o engano, o artifício ou a falsificação que inquinam a relação de confiança também para o futuro, afectando-a irremediavelmente.
Daí que só em circunstâncias muito excepcionais o comportamento que integre o crime de burla não preencha também o conceito de justa causa.
Mas a verdade é que essas circunstâncias ocorrem no caso em apreciação.
3. A matéria de facto dada como provada, e que a este Supremo cumpre acatar, fornece elementos que, se não autorizarem à exclusão da culpa, a diminuem consideravelmente em termos de se dever entender, como entendeu o acórdão recorrido que se não provou que o A. tenha "actuado com dolo, sequer na sua modalidade mais atenuada de dolo eventual, nem tão pouco culpa grave".
Recordemos os factos mais relevantes para este ponto: - (respeita-se a numeração do acórdão) -
12º - Quanto aos factos de que o A. foi acusado, a sua prática pelo A., na parte que lhe respeita, foi levada a cabo sob coacção do co-arguido C.
13º - O co-arguido C, superior hierárquico directo e imediato do A., exercia sobre este um forte ascendente psicológico.
14º - O referido C tratava mal o A., ameaçando-o de que se não fizesse o que ele mandava o punha à disposição da Direcção de Pessoal, já que era tido como pessoa de grande influência junto do Banco.
15º - Tais ameaças criaram no A. um forte temor e medo do referido C.
16º - Tanto mais que o mesmo C entrava no Banco fora das horas do expediente com grande à-vontade, e movimentava-se no interior deste como pessoa com grande poder.
17º - Era convicção dos trabalhadores que trabalhavam sob as suas ordens que era pessoa influente no Banco.
18º - De resto, o C tratava o A. como um criado, mandando-lhe apanhar objectos do chão, que ele próprio deixava cair, desse modo procurando amesquinhar o A.
19º - Com estas ameaças visava o C manipular o A.
20º - O A. tem uma personalidade débil, a ponto de ser facilmente manipulado, como o foi pelo C.
21º - Em qualquer dos factos referidos na nota de culpa, o A. agiu sempre no cumprimento de ordens do seu superior hierárquico, Sr. C.
22º - Era ele quem lhe ditava os termos e as importâncias que deveriam constar das facturas ignorando o A. o que pretendia fazer o referido C uma vez na posse de tais documentos.
26º - O A. desconheceu quase até final o que pretendia fazer o Sr. C, uma vez na posse dos documentos.
Impressiona, efectivamente, a profusão dos factos provados, a caracterizar as personalidades do A. e do C e a dar a dimensão e a intensidade do ascendente que este exercia sobre o A. e a justificar a obediência cega e o medo que o A. lhe tinha.
Perante este condicionalismo, não pode deixar de concluir-se que o A., personalidade débil e manipulável, foi um verdadeiro "joguete" nas mãos do C, resultando fortemente diminuída a culpa nos factos por si praticados.
Não cremos que a coacção exercida e o temor determinado sejam suficientemente intensos para poder afirmar-se a exclusão da culpa, até porque também vem provado que no final o A. se apercebeu dos propósitos do C, ao menos em relação a certos procedimentos, como resulta do transcrito Ponto 26º da matéria de facto - "o A. desconheceu quase até final, o que pretendia fazer o Sr. C, uma vez na posse dos documentos" .
Mas também não é exacto o que se afirma nas alegações de que - "só a inimputabilidade poderia manter essa sustentação"
A culpa sofre as conhecidas graduações e, concluindo-se como se concluiu pela não verificação de culpa grave, acabou por admitir-se a existência de culpa leve, na expressão corrente.
Só que um tal grau de culpa nunca pode sustentar a verificação da justa causa.
Definindo a lei - art. 9, n. 1 do DL 64-A/89 - a justa causa de despedimento como - "O comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torna imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho..." parece evidente que o elemento "gravidade" há-de perpassar pelos elementos "culpa" e "consequências"
4. Retornando ao processo crime e à condenação aí proferida, importa acrescentar ainda algumas considerações.
Uma primeira, respeita ao sentido a atribuir ao primeiro acórdão da Relação que mandou aguardar pela decisão do processo criminal.
Será certo que tal decisão não teve apenas em vista a lei da amnistia n. 23/91, de 4/7, a verdade é que não foi além de admitir que "o resultado da apreciação do ilícito criminal pode fortemente influenciar a apreciação da responsabilidade disciplinar" - asserção cujo bem fundado é inquestionável, até pela consideração dos efeitos do caso julgado penal em outras jurisdições - v. as novas disposições dos arts. 674-A e 674-B do Cód. Proc. Civil -.
Por outro lado, o R. desvalorizou injustificadamente as diferenças entre os factos provados no processo criminal e os factos aqui dados como provados,
De fls. 238 a fls. 240, o acórdão - crime enumera os factos que o Tribunal Colectivo deu como não provados, o que, naturalmente, significa que aí foram alegados.
Designadamente, não obter prova que:
- O arguido C sempre tratou mal o arguido A e ameaçou-o várias vezes de que o poria na rua, se lhe não fizesse o que era por si ordenado.
- Tais ameaças criaram no arguido A um forte temor e medo do C, nomeadamente acreditando que o mesmo o faria despedir.
- O arguido A agiu sempre em cumprimento de ordens do seu superior hierárquico, C.
- O arguido A ignorava o que pretendia fazer o C uma vez na posse das facturas.
Deste cotejo logo se vê que foram dados como não provados precisamente os factos mais relevantes para a forte diminuição da culpa nos termos antecedentemente ditos.
E apetece dizer que, afinal, se fica sem saber quem mais "compôs o ramalhete" na infeliz - (só isso) - expressão do recorrente.
Contingências da prova é a única conclusão e explicação válidas.
De todo o modo sempre à condenação criminal faltaram, precisamente para a apreciação da culpa, factos da maior importância, de tal modo que será legítimo perguntar-se qual teria sido a decisão-crime no caso de aí terem logrado provar-se os factos que aqui levaram à conclusão da ausência de dolo ou da culpa grave.
E já não causará agora tanta estranheza que as decisões apresentem, na aparência, conteúdos algo antagónicos.
Nesta conformidade e tomando o que no muito douto acórdão foi ponderado, e para onde se começou por fazer remissão, se conclui pela não verificação da justa causa invocada para o despedimento.

Termos em que se acorda na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça em negar a revista, confirmando o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 13 de Outubro de 1999.
José Mesquita,
Almeida Deveza,
Sousa Lamas.