Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1965/18.1T8VIS.C1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEPÓSITO BANCÁRIO
VALORES MOBILIÁRIOS
DIRETIVA
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
DEVER DE INFORMAÇÃO
Data do Acordão: 11/09/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :

I- O AUJ obtido no Processo 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, datado de 6 de Dezembro de 2021, retirou o seguinte segmento iniformizador:

«1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.°, n° 1, 312° n° 1, alínea a), e 314° do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.°357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.°, n° 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2. Se o Banco, intermediário financeiro - que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em "produtos de risco" - informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o "reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco"), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.°, n.º 1, do CVM.

3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.».

II- Dispõe o artigo 314.º do CVM (versão do DL 69/2004 de 25 de Fevereiro), aplicável in casu ,no seu nº1 «Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.», acrescentando o seu nº2 que «A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.».

III- Como se extrai da materialidade supra apontada, mostra-se violado o dever de informação, já que os Autores aqui Recorridos não foram devidamente esclarecidos, com as observâncias legalmente impostas, sobre o produto que iriam adquirir, sendo certo que era do conhecimento do Recorrente que o Autor era um investidor particular de parcos conhecimentos na área financeira, não alcançando a dimensão dos riscos eventuais que poderia correr com a aquisição da obrigações em causa.

IV- Provada que se mostra a ilicitude do comportamento do Recorrente, e, presumindo-se a sua culpa, porquanto os danos apurados decorreram directamente da violação dos deveres de informação, resta-nos apenas aferir do nexo de causalidade entre o facto e o dano, o qual resulta do apuramento de que os Autores não autorizariam a subscrição de um produto de risco, sem capital garantido nos moldes transmitidos pelo banco, se tivessem sido advertidos anteriormente que tal capital não se encontrava garantido.

V- Se o Banco Recorrente não cumpriu os seus deveres de informação, houve falta de comunicação necessária para que o subscritor tomasse conscientemente uma decisão de investimento e mais, o investidor, nunca teria adquirido as obrigações SLN 2006 caso tivesse sido informado que as mesmas eram produto com risco de perda de capital, cujo reembolso o Banco, afinal, não garantia , o que conduz à responsabilização do Réu.

Decisão Texto Integral:


PROC 1965/18.1T8VIS.C1.S1

6ª SECÇÃO

ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I AA e BB, intentaram com processo comum contra BANCO BIC PORTUGUÊS, S A, pedindo a sua condenação no capital e juros vencidos e garantidos que, na data, perfaziam a quantia de € 57.000,00, bem como juros vincendos desde a citação e até integral pagamento ou, assim não se entendendo, seja declarado nulo qualquer eventual contrato de adesão que o Réu invoque para ter aplicado os € 50.000,00 que os Autores entregaram, em obrigações subordinadas SLN 2006, sendo declarada ineficaz em relação a si a aplicação que o Réu tenha feito desse montante, condenando-se o Réu a restituir-lhes a quantia de € 57.000,00, que ainda não receberam, dos montantes que lhe entregaram e de juros vencidos à taxa contratada, acrescidos de juros legais vincendos, desde a data da citação até integral cumprimento, condenando-se ainda o Réu a satisfazer-lhes a quantia de € 3.000,00, a título de dano não patrimonial.

Alegaram para o efeito:

- eram clientes do Réu (BPN), na sua agência de ..., com conta bancária à ordem, sendo que em 8 de Maio de 2006 o gerente daquela agência disse ao Autor marido que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo BPN e com rentabilidade assegurada;

- esse funcionário do banco Réu sabia que o Autor marido não possuía qualificação ou formação técnica que lhe permitisse, à data, conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente, com perfil conservador pois que até essa data, sempre o aplicou em depósitos a prazo;

- foi assim que € 50.000,00 da sua titularidade foram colocados em obrigações SLN 2006, sem que os Autores soubessem em concreto o que era, desconhecendo inclusivamente que a SLN era uma empresa;

- o que motivou a sua autorização foi o facto de lhes ter sido dito pelo gerente que o capital era garantido pelo banco éu., com juros semestrais e que poderiam levantar o capital e respetivos juros quando assim o entendessem, bastando avisar a agência com a antecedência de três dias;

- apenas o fizeram por o Autor marido estar convicto de colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as caraterísticas de um depósito a prazo, por isso, num produto com risco exclusivamente do banco, já que, se tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações SLN 2006, produto de risco, e que o capital não era garantido pelo BPN, não o autorizaria, nunca tendo sido sua intenção investir em produtos de risco, como era do conhecimento do gerente e funcionários do R., e sempre estiveram convencidos que o R. lhes restituiria o capital e os juros, quando os solicitassem;

- o Réu sempre assegurou que a aplicação em causa tinha a mesma garantia de um depósito a prazo, sendo que os juros foram pagos até novembro de 2015;

- o Autor marido assinou um documento (ordem de subscrição) sem perceber em concreto que ordem estava a dar, documento esse que nenhuma explicação transmite do produto financeiro em causa e nunca qualquer contrato lhes foi lido nem explicado, nem entregue cópia que contivesse cláusulas sobre obrigações subordinadas SLN, nem que contivesse prazos de resolução unilateral pelos Autores, sendo nulo o negócio;

- por efeito do incumprimento do Réu, ficaram impedidos de usar o seu dinheiro, o que os levou a um permanente estado de preocupação e ansiedade, tristeza e dificuldades financeiras.

O Réu contestou, excepcionando, a prescrição do crédito dos Autores e, no mais, impugnou  a factualidade invocada por estes, concluindo pela improcedência da acção.

Os AAutores, no exercício do contraditório, vieram pugnar pela improcedência da matéria de excepção.

Proferido despacho saneador, foi relegado para final o conhecimento da excepcção de prescrição.

Foi produzida sentença a julgar parcialmente procedente a acção com a condenação do Réu a pagar aos Autores a quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescida dos respectivos juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, contados desde o dia 8 de Maio de 2016 até efectivo e integral pagamento.

Inconformado, recorreu o Réu de Apelação, a qual veio a ser julgada improcedente, com a manutenção da sentença recorrida.

Irresignado, veio o Réu recorrer de Revista excepcional, a qual foi admitida pela Formação, apresentando o seguinte acervo conclusivo:

«[1.] O douto acórdão da Relação de Coimbra violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D e 327º do CdVM e 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE e 364º, 483º e ss., 563º, 628º e 798º e ss. do C.C.

2. Entende ainda a Recorrente que a Relação de Coimbra deveria ter analisado a impugnação da matéria de facto à luz da rectificação requerida através do requerimento apresentado pela Recorrente em 18.10.2019 com a referência ciJus ...31.

3. Ao não o fazer incorreu o Tribunal recorrido na nulidade prevista no artigo 615º, nº 1, alínea d) do Código de Processo Civil.

4. A putativa desconformidade entre o comportamento exigido ao Réu e o seu comportamento verificado tem que ver com o facto do Tribunal considerar que, a circunstância do funcionário do Banco Réu ter assegurado ao Autor (conforme ele próprio estava convencido) que a aplicação financeira era um produto sem risco e com capital garantido, similar a um depósito a prazo, não transmitindo a característica da subordinação ou a possibilidade de insolvência da emitente, configura a prestação de uma informação falsa.

5. Porém, tal realidade não configura qualquer violação do dever de informação por prestação de informação falsa.

6. Não adianta aliás o douto Acórdão qual o risco que associa às Obrigações SLN e que entende deveria ter sido informado ao A., sendo que não podemos deixar de entender que se refere ao verificado incumprimento do reembolso…

7. O único risco que percebemos existir na emissão obrigacionista em causa é exactamente o relativo ao cumprimento da obrigação de reembolso.

8. Este risco corresponde ao incumprimento da prestação principal da entidade emitente! Ou seja, corresponde ao chamado RISCO GERAL DE INCUMPRIMENTO!

9. A possibilidade deste incumprimento não corresponde a qualquer especial risco inerente

ao modo de funcionamento endógeno do instrumento financeiro... antes corresponde ao normal e universal risco comum a todos, repete-se... a todos, os contratos!

10. Do incumprimento da obrigação de reembolso da entidade emitente, em 2014, não podemos, sem mais, retirar que esse o risco dessa eventualidade fosse relevante – sequer concebível, à excepção de ser uma mera hipótese académica -, em 2004, dez anos antes!

11. A SLN era titular de 100% do capital social do Banco-R., exercendo, por isso o domínio total sobre este.

12. O risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da SLN.

13. E sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia, grosso modo, ao risco de solvabilidade do próprio Banco!

14. A segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela SLN seria correspondente à

segurança de um Depósito a Prazo no BPN.

15. O risco BPN ou risco SLN, da perspectiva da insolvência era também equivalente!

16. A única diferença consistiu no facto do Banco ter sido resgatado através da sua nacionalização, numa decisão puramente política e alicerçada num regime aprovado propositadamente para atender a essa situação e não em qualquer quadro legal previamente estabelecido.

17. A menção do dito risco praticamente inexistente, como de resto do capital garantido, não pode senão ser entendida no contexto da atribuição de uma segurança acima da média ao produto, de confiança no normal cumprimento de todas as obrigações da emitente, sustentada em factos e juízo objecJvamente razoáveis e previsíveis.

18. A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir

qualquer desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação…

19. A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do titulo e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!

20. A este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – ...! descreve as características de produtos financeiros, entre os quais as Obrigações, e explica a garantia de capital, exactamente nos termos que vimos de expor.

21. Ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá afirmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!

22. O Banco limitou-se a informar esta característica do produto, não sendo seu obrigações assegurar-se de que o cliente compreendeu a afirmação.

23. A interpretação das menções “sem risco” ou de “capital garantido” não é susceptível de ser feita apenas com recurso à impressão do destinatário, nos termos do previsto no artº 236º do CCiv. uma vez que esta disposição aplica-se, apenas e só, às declarações negociais.

24. A comercialização por intermediário financeiro de produto com a indicação de que o mesmo tem “capital garantido” não implica a corresponsabilização do referido intermediário pelo prejuízo decorrente da falta de reembolso por parte da entidade emitente.

25. O dever de informação ao cliente, não se trata de um direito absoluto do cliente à

prestação de informações exactas, mas apenas de um dever de esforço sério de recolha de informações o mais fiáveis possível pelo banco.

26. O grau de exactidão em relação às informações será variável, consoante o tipo de informação em causa.

27. No caso dos presentes autos, ficou demonstrado, e foi assumido pelo Autor, que era do seu interesse e vontade investir em produtos de com boa rentabilidade e de elevada segurança.

28. Apesar do autor não ser investidor com especiais conhecimentos técnicos na área

financeira o risco do produto em causa nos presentes autos era, pelas razões já várias vezes repetidas, baixo uma vez que nada fazia antever qualquer dificuldade futura do emitente.

29. Assim, não pode o Banco Recorrente senão concluir que foram salvaguardados os legíJmos interesses do cliente.

30. Resultou demonstrado que os funcionários, mais concretamente o funcionário que o colocou, sempre acreditaram - até praticamente ao momento do incumprimento - que se tratava de produto seguro e se preocupavam com os interesses dos clientes.

31. Dispunha sobre esta matéria o artigo 304º do CVM no sentido de que os intermediários

financeiros estão obrigados a orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado, devendo conformar a sua acJvidade aos ditames da boa-fé, agindo de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência. 32. E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea a) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”.

33. Tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução.

34. Tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si!

35. A informação quanto ao risco dos instrumentos financeiros propriamente dito apenas veio a ser exigida prestar aos intermediários financeiros com o D.L. 357-A/2007 de 31/10, que aditou o art. 312º-E nº 1, passando a obrigar o intermediário financeiro a informar o cliente sobre os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa.

36. O legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E.

37. São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação, mesmo na actual redacção do CdVM.

38. A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento.

39. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento

financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.

40. O investimento em causa foi feito em Obrigações não estando sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do titulo (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade.

41. Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do

investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso, pois que nunca resultaria do mecanismo interno do instrumento em causa!

42. A informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SÓ SE tais riscos de facto existirem!

43. Em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez financeira do emitente na actividade de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens.

44. E também em lado nenhum da lei resulta a obrigação de prevenir o investidor acerca das hipóteses de incumprimento das obrigações assumidas pelo emitente do instrumento financeiro ou até da probabilidade de insolvência do mesmo!

45. Esse hipotético incumprimento tem que ver com as qualidades ou circunstâncias do emitente (ou obrigado) do instrumento financeiro e não com o tipo do instrumento financeiro, conforme referido no art. 312º-E nº 1 do CdVM, que é expressão que aponta claramente para uma objecJvização do risco em função do próprio instrumento de investimento e não para uma subjectivação em função do emitente!

46. O artigo 312º, alínea e) do CdVM refere-se apenas aos riscos da actividade dos serviços de intermediação financeira. Os deveres de transparência, lealdade e defesa dos interesses do investidor que sobre o intermediário financeiro impendem, obrigam apenas à informação sobre os riscos endógenos ao mecanismo de funcionamento do concreto instrumento financeiro, não abrangendo o risco geral de incumprimento das obrigações. Neste sentido não estava o intermediário financeiro obrigado a informar especificamente sobre o risco de insolvência da entidade emitente de determinado produto. 47. Do elenco de factos provados não resultam factos provados suficientes que permitam estabelecer uma ligação entre a qualidade (ou falta dela) da informação fornecida ao A. e o acto de subscrição.

48. A nossa lei consagra essa perfeita autonomia de cada um dos pressupostos ou requisitos da responsabilidade civil, apresentando-os e regulando-os de forma perfeitamente estanque.

49. No que toca à causalidade não conseguimos sequer vislumbrar como passar da

presunção de culpa – juízo de censura ético-jurídico sobre o agente do ilícito, e expressamente prevista na lei – à causalidade – nexo factual de associação de causa-efeito, como se de uma inevitabilidade se tratasse!

50. Do texto do art. 799º nº 1 do C.C. não resulta qualquer presunção de causalidade.

51. E, de resto, nos termos do disposto no artº 344º do Código Civil, a inversão de ónus depende de presunção, ou outra previsão, expressa da lei!

52. Se em abstracto, e de jure condendo até se pode, porventura e em tese, perceber esta interpretação para uma obrigação principal de um contrato – tendo por critério o interesse contratual positivo do credor -, não se justifica já quando estão em causa prestações acessórias do mesmo contrato.

53. Analisado o fim principal pretendido pelo contrato aqui em apreço – contrato de execução da actividade de intermediação financeira, de recepção e transmissão de ordens por conta de outrem -, parece-nos evidente que o mesmo se circunscreve à recepção e retransmissão de ordens de clientes – no caso o A. É este o único conteúdo tipico e essencial do contrato e que é, portanto, susceptível de o caracterizar.

54. Não é por um dever de prestar ser mais ou menos relevante para qualquer parte, ou até para o comércio jurídico em geral, que será quantificável como prestação principal ou prestação acessória de um contrato. Releva outrossim se o papel de uma tal prestação na economia do contrato se revela como o núcleo tipico ou não do acordo contratual entre as partes.

55. A única prestação principal neste contrato será a de recepção e transmissão de ordens do cliente.

56. Sendo uma obrigação acessória, a prestação de informação não estaria nunca, nem no entender do Prof. Menezes Cordeiro, ao abrigo da proclamada presunção de causalidade.

57. Estamos perante uma situação em que e configuram dois contratos distintos e autónomos entre si: por um lado, (i) um contrato de execução de intermediação financeira, e por outro, (ii) a contratação de um empréstimo obrigacionista do cliente a entidade terceira ao primeiro contrato!

58. Neste caso, estaremos perante uma falta de resultado no âmbito da emissão obrigacionista e não do contrato de execução de intermediação financeira.

59. O contrato de intermediação financeira foi já cumprido no acto de subscrição, tendo-se esgotado nesse momento.

60. É esta uma óbvia dificuldade: como pode a falta do resultado normativamente prefigurado de um contrato desencadear uma presunção de ilicitude, culpa e causalidade no âmbito de um outro contrato?

61. O juízo de verificação de causalidade mecânica, aritmética ou hipotética tem inevitavelmente de se fundar em factos concretos que permitam avaliar da referida probabilidade, e não apenas em juízos abstratos ou meras impressões do julgador!

62. A causalidade resume-se a uma avaliação de um dano hipotético apenas em casos em que esse dano não seja efectivo, como é o caso do citado dano da perda da chance! Em todos os restantes casos, o juízo deverá ser feito, não numa perspectiva probabilidade, mas sim de adequação entre uma causa e um efeito.

63. No âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o

direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem!

64. O nexo causal sujeito a prova será necessariamente entre um concreto ilícito - uma concreta omissão ou falta de explicação de uma determinada informação - e um concreto dano (que não hipotético)!

65. Não basta afirmar-se genericamente que eles não foram informados do risco de insolvência ou da falta de liquidez das obrigações e que é essa causa do seu dano!

66. Num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou.

67. Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano.

68. E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada

daquele dano, segundo um juízo de prognose objectiva ao tempo da lesão.

69. E nada disto foi feito!

70. A origem do dano do A. reside na incapacidade da SLN em solver as suas obrigações, circunstância a que o Banco é alheio!

Nas contra alegações os Autores, ora Recorridos, pugnam pela manutenção do julgado.

O segundo grau produziu Acórdão a pronunciar-se sobre a arguida nulidade de omissão de pronuncia, pelo seu indeferimento.

II Põem-se como questões a resolver no âmbito da presente Revista, as de saber se o Acórdão recorrido sofre de alguma nulidade e, não sofrendo, se poderá ser assacada ao Recorrente a responsabilidade pelos danos sofridos pelos Recorridos com a subscrição das obrigações SLN 2006 emitidas por aquele.

As instâncias deram como assente a seguinte materialidade:

«1 Os AA eram clientes do R (BPN), na sua agência de ... com a conta à ordem nº ...01, onde movimentavam parte dos dinheiros, realizavam pagamentos e efectuavam poupanças.

2 Em Maio de 2016 o gerente do banco Réu da agência de ... contactou os AA propondo-lhes a subscrição de um produto, dizendo ao A marido que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo BPN e com rentabilidade assegurada.

3 Tal funcionário do Banco Réu sabia que o A marido não possuía qualificação, ou formação técnica que lhe permitisse à data conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente.

4 Até essa data sempre os Autores aplicaram o seu dinheiro em depósitos a prazo.

5 Nesse contexto os AA, em 8 de Maio de 2006, subscreveram o produto comercializado pelo BPN denominado “Obrigação SLN 2006”, no montante de € 50.000,00.

6 Esta subscrição ocorreu sem que os AA soubessem em concreto o que eram Obrigações SLN 2006, tal como desconheciam inclusivamente quer a existência quer que a SLN era uma empresa, associando a expressão “SLN” como equivalendo ao BPN.

7 A autorização, por parte dos AA, para tal subscrição decorreu do facto de lhes ter sido dito pelo gerente que o capital era garantido pelo Banco Réu, com juros semestrais e que poderiam “levantar” o capital e respectivos juros quando assim o entendessem - pela venda/”endosso” - bastando avisar a agência com alguns dias de antecedência, dado que a procura superava inúmeras vezes a oferta.

8 O A marido actuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, consequentemente num produto com risco exclusivamente do Banco sendo que, se tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações SLN 2006 produto de risco e que o capital não era garantido pelo BPN, não o autorizaria.

9 Nunca foi intenção dos AA investir em produtos de risco, como era do conhecimento do gerente e funcionários do Réu e sempre estiveram convencidos que o Réu lhes restituiria o capital e os juros, quando os solicitasse.

10 O Réu sempre assegurou aos AA que a aplicação em causa tinha a mesma garantia de um depósito a prazo e por isso os AA ficaram com a convicção plena da segurança da aplicação em causa.

11 Uma vez que os juros foram sendo pagos semestralmente, tal facto transmitiu segurança aos AA e nunca os alertou para qualquer irregularidade, face ao que lhes tinha sido dito, pelo referido gerente da agência de ....

12 Essa confiança manteve-se até Novembro de 2015, data em que o Banco Réu deixou de pagar os juros respectivos.

13 Os AA desconheciam - e nem podiam conhecer - que tinham adquirido uma aplicação com características diferentes de um depósito a prazo, pois que sempre pretenderam e estavam convictos que os € 50.000,00 era ou estava aplicado em depósitos a prazo, com capital e juros disponíveis de 6 em 6 meses.

14 Os AA nunca foram informados, pessoalmente, e de modo por si compreensível ou apreensível, sobre a compra das obrigações subordinadas SLN 2006.

15 Nunca o gerente ou funcionários do R, nem ninguém, leu ou explicou aos AA o que eram obrigações e, em concreto, o que eram obrigações SLN 2006.

16 O A marido assinou um documento - comunicação de cliente, a dar ordem de subscrição da referida obrigação - sem perceber em concreto que ordem estava a dar, tanto mais que o dito documento nenhuma explicação transmite do produto financeiro em causa.

17 E também nunca qualquer contrato lhes foi lido ou explicado, nem entregue cópia que contivesse cláusulas sobre obrigações subordinadas SLN, tão pouco que contivesse prazos de resolução unilateral pelos AA.

18 Os AA nunca conheceram qualquer título demonstrativo de que possuíam obrigações SLN, não lhes tendo sido entregue documento correspondente.

19 Os AA contrataram uma taxa de juro não concretamente aplicável e foram pagos juros variáveis, em período não apurado.

20 O Réu foi apresentado pelo seu gerente como garante da aplicação financeira em causa, ou seja, tratava-se de um investimento seguro e, por isso, aquele assegurava o reembolso do capital investido e juros, afirmação que decorre na sequência das orientações e comunicações internas existentes no BPN e que este transmitia aos seus comerciais nos respectivos balcões - incentivando os seus funcionários a terem especial empenho na colocação destes produtos - e que consistiam em afirmar a segurança da aplicação financeira em causa - não associados a quaisquer riscos quanto ao reembolso do capital e juros - a sua solidez, a boa rentabilidade e assegurar que o Banco garantia o capital investido.

21 A subscrição de Obrigações SLN correspondia a um contrato entre o subscritor e a SLN (não o Banco), sem corporização num qualquer escrito, mas apenas numa proposta da SLN, veiculada pelo Banco-R, com a subsequente aceitação do subscritor, corporizada numa ordem de subscrição de títulos.

22 Na sequência da subscrição do identificado produto em Maio de 2016, ou posteriormente, não se verificou o retorno do capital investido pelos AA os quais, por efeito do incumprimento do Réu, quanto à garantia de capital e juros que tinha dado para data certa, ficaram impedidos de usar o seu dinheiro como bem entendessem.

23 Os AA sentem-se desconfortáveis e aborrecidos com a não restituição do capital investido.

24 A presente acção foi interposta em 23 de Abril de 2018 e o Réu foi citado para a mesma em 27 de Abril de 2018.».

E persiste julgado como não provado:

«1 O A marido conheceria desde logo que havia subscrito obrigações SLN, por via dos extractos mensais periódicos, onde todas as suas aplicações financeiras apareciam discriminadas e separadas de acordo com a sua natureza, o que lhe permitia destrinçar que tinha produtos financeiros diferentes de Depósitos a Prazo, por um lado, e produtos consubstanciados em títulos, em valores mobiliários, por outro.

2 Desde sempre os AA demonstraram apetência por investimentos em aplicações financeiras, ainda que de baixo risco, nomeadamente em valores mobiliários e em valores relevantes, até superiores aos investidos nas Obrigações em causa, como sejam a subscrição de UP’s de Fundos de Investimento Imobiliário e papel comercial.

3 O gestor de conta dos AA explicou-lhes que se tratava da sociedade-mãe do Banco, pelo que se tratava de um produto seguro e apresentou as condições do produto, concretamente a sua remuneração- vantajosa relativamente aos DP’s -o seu prazo- 10 anos -as condições de reembolso e de obtenção de liquidez ao longo do prazo de 10 anos, que apenas seria possível por via de endosso.

4 Sempre que solicitado endosso de tais obrigações, era uma questão de minutos até obter um comprador.

5 Toda esta explanação foi acompanhada da respectiva nota técnica.

6 Nunca a Ré disse ao A marido que o Banco garantiria fosse o que fosse quanto ao cumprimento ou incumprimento das obrigações da SLN.

7 O Réu sempre explicou todos os formulários dados a assinar aos AA.

8 Com a descrita actuação o Réu colocou os AA num permanente estado de preocupação e ansiedade, com o receio de não reaver, ou de não saberem quando iam reaver o seu dinheiro e tem provocado neles ansiedade, tristeza e dificuldades financeiras para gerir a sua vida.

9 Os AA andam em permanente estado de “stress”, por terem sido desapossados das suas economias.».

1.Da nulidade por omissão de pronúncia.

O Recorrente imputa ao Acórdão recorrido o vício da nulidade, por no seu entender, ter ocorrido uma omissão de pronúncia, consistente na circunstância de o segundo grau não ter levado em conta o requerimento por si apresentado com vista à correção/substituição de diversos pontos das suas conclusões de recurso de Apelação, todos referentes à impugnação da decisão da matéria de facto).

Mas sem razão.

O Acórdão da Relação pronunciou-se no Acórdão produzido, tendo concluído que o Réu/Recorrente, não havia dado cabal cumprimento ao preceituado no artigo 640º do CPCivil «Assim sendo, a impugnação da decisão de facto tem de ser rejeitada por lacuna conclusiva quanto ao seu âmbito objetivo fáctico, por falta de indicação dos concretos pontos fácticos impugnados da concreta sentença em crise, sem possibilidade de suprimento (15). Mas mesmo que assim não se entendesse e se considerasse aproveitável o que consta da antecedente alegação recursiva, certo é que nesta o impugnante apenas motiva e concretiza o seu desacordo com base no depoimento de uma pretendida testemunha, conjugado com a prova documental junta.», não se verificando, pois a pontada nulidade, como decidido ficou no Acórdão da Conferência, embora por razões diversas das ali deixadas consignadas.

É que.

Uma coisa é o Tribunal da Relação face a um ensaio impugnatório da parte, sobre a materialidade assente e/ou não assente, entender que os ónus aludidos no artigo 640º, nº1 do CPCivil, não terem sido cumpridos como deveriam sê-lo, o que aconteceu no caso sub judice; coisa diversa, será a completa omissão de pronunciamento do Tribunal sobre as questões que lhe são colocadas, as quais poderão ser de facto e/ou de direito, sendo que ambas se incluem no thema decidendum, o que não aconteceu como se deixou assinalado, no caso sujeito, porque o segundo grau teve a rectificação em atenção, embora a tenha completamente desconsiderado.

O Acórdão não sofre, pois, de qualquer vício que o ponha em causa.

2.Do mérito.

Estamos em sede de um contrato de intermediação financeira cujo objecto eram “Obrigação SLN 2006”, produto esse comercializado pelo BNP (actual Banco BIC).

Como resulta da factualidade provada os Autores eram clientes do Réu Banco BIC (BPN), na sua agência de ... com a conta à ordem nº ...01, onde movimentavam parte dos dinheiros, realizavam pagamentos e efectuavam poupanças.

Designa-se por contrato de conta bancária (ou abertura de conta) o acordo havido entre uma instituição bancária e um cliente «através do qual se constitui, disciplina e baliza a respectiva relação jurídica bancária», cfr Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, 483.

Associado a essa abertura de conta, aparece-nos o depósito bancário (regulado pelo DL 430/91, de 2 de Novembro com as alterações introduzidas pelo DL 88/2008, de 29 de Maio), operação que se encontra indissociavelmente ligada à abertura de conta e que constitui um pressuposto sine qua non desta, já que nenhuma conta poderá ser aberta sem quaisquer fundos.

De qualquer modo, aquela abertura de conta constitui o ponto de partida para a vasta panóplia negocial que constitui a relação bancária, cfr Engrácia Antunes, ibidem, 484; Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, 6ª edição, 325/417.

Esta complexa figura contratual, tem sido subsumida a nível jurisprudencial e pela maior parte da doutrina na espécie negocial de depósito, tal como a mesma nos é definida pelos artigos 1185º e 1187º do CCivil, através do qual os Autores colocaram à disposição do Réu BIC (BPN) o seu dinheiro para que este o guardasse e restituísse quando fosse exigido, constituindo esta figura um depósito irregular ao qual se aplicam as regras do mútuo, com as necessárias adaptações, cfr Calvão da Silva, Direito Bancário, 2001, 347/351; Ac STJ de 22 de Fevereiro de 2011 (Relator Sebastião Póvoas); de 18 de Dezembro de 2013 e de 26 de Setembro de 2017, da aqui Relatora, in www.dgsi.pt.

As aludidas “Obrigações SLN 2006”, são valores mobiliários de natureza monetária, regulados pelo CVM, maxime no seu artigo 1º, nº1, alínea b) e abrangidos no seu âmbito de aplicação material, como deflui do seu artigo 2º, nº1, alínea a).

O Réu, no exercício das suas variegadas operações comerciais potencialmente integrantes do contrato de depósito havido com os Autores, apresentou-lhes, como intermediário financeiro, as preditas obrigações que o mesmo adquiriu nos termos negociados, mediados pelo depositário, de harmonia com o disposto nos artigos 289º e 293º, nº1, alínea a) do CVM, já que, por um lado, a Lei nos define como atividades de intermediação financeira, além do mais, os serviços e actividades de investimento em instrumentos financeiros, por outra banda, a mesma Lei impõe que apenas os intermediários financeiros podem exercer, a título profissional, actividades de intermediação financeira, actividade esta desempenhada pelo Réu, cfr José Engrácia Antunes, Os Contratos de Intermediação Financeira, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Vol. LXXXV, 280/282; Rui Pinto Duarte, Contratos De Intermediação No Código De Valores Mobiliários, Cadernos do Mercado dos Valores Mobiliários, N.º 7, 2000.

Os intermediários financeiros encontram-se sujeitos a um conjunto de princípios gerais atinentes ao exercício e à organização da sua actividade, os quais decorrem directamente do preceituado no artigo artigo 304º do CVM, no qual se preceitua:

«1 - Os intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.

2 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

3 - Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objectivos que prosseguem através dos serviços a prestar.

4 - Os intermediários financeiros estão sujeitos ao dever de segredo profissional nos termos previstos para o segredo bancário.

5 - Estes princípios e os deveres referidos nos artigos seguintes são aplicáveis aos titulares do órgão de administração do intermediário financeiro e às pessoas que efectivamente dirigem ou fiscalizam cada uma das actividades de intermediação.»

Embora no que tange à disciplina dos aludidos contratos de intermediação financeira, os mesmos se encontrem, prima facie, balizados por aqueles princípios gerais, existem outros deveres, nomeadamente «[o]s deveres de organização empresarial, incluindo a obrigatoriedade de sistemas de “compliance”, gestão de risco e auditoria interna (arts 305º e segs do CVM) (…), os deveres de prevenção de conflitos de interesse (arts 309º e segs do CVM), os deveres de defesa do mercado (arts 310º e segs do CVM), e os deveres de informação e publicidade (ats 312º a 316º do CVM)», cfr Engrácia Antunes, ibidem.

Todavia, o princípio dos princípios orientadores da actividade de intermediação, reside, indubitavelmente no nº1 do artigo 304º quando impõe aos intermediários financeiros que orientem a sua actuação no sentido da protecção dos interesses legítimos dos seus clientes, o qual se encontra complementado nas várias declinações previstas nos restantes segmentos normativos que enformam o preceito legal, nomeadamente os princípios da actuação de boa fé e o do conhecimento do cliente («know your costumer»), os quais pressupõem e impõem uma actuação por banda da instituição bancária que obedeça aos mais altos padrões de diligência e lealdade, bem como de exigência ética, conducente a uma negociação clara e transparente, tendo como objectivo principal a satisfação dos desígnios apresentados e, por isso, queridos, pelo cliente, cfr Engrácia Antunes, Deveres E Responsabilidade Do Intermediário Financeiro, in Cadernos do Mercado dos Valores Mobiliários, N.º 56, Abril 2017.

Tal princípio mais não é do que a imposição da expressão da Directiva 2004/39/CE de 21 de Abril, da qual decorre uma vinculação dos intermediários financeiros a orientar a sua actividade no sentido de assistir os seus clientes ao nível do seu plano de investimentos, informando-os e alertando-os para os possíveis riscos e chamando-lhes a atenção para eventuais prejuízos que deles possam advir; mais do que meros executantes formais dos serviços disponibilizados e/ou contratados, os intermediários financeiros devem funcionar em relação aos seus clientes/investidores, como verdadeiros garantes e guardiões dos réditos investidos zelando pela sua valorização.

Este comportamento negocial, traduzido na recepção, execução e transmissão de ordens, configura a pretação de um serviço por conta alheia, no caso, o Banco embora agindo por conta alheia no que se refere ao emitente das obrigações, actua por conta própria face ao seu cliente, na medida em existe uma internalização da ordem dada, salvaguardando a Lei a resolução de eventuais conflitos de interesses através da aplicação do disposto no artigo 347º, nº1, alínea a)do CVM (« 1 - O intermediário financeiro deve abster-se de: a) Adquirir para si mesmo quaisquer instrumentos financeiros quando haja clientes que os tenham solicitado ao mesmo preço ou a preço mais alto;»), que não se coloca no caso concreto, cfr Fátima Gomes, Contratos de intermediação financeira: sumário alargado, in Estudos de Homenagem ao Professor Doutor Mário Júlio Brito de Almeida Costa, 2002, 565/599; Paulo Câmara, Manual dos Valores Imobiliários, 3ª edição, 438; 

A questão solvenda nos presentes autos, carecida de maior explanação, incide na averiguação do cumprimento por parte do Réu/Recorrente do dever de informação que sobre si recaía aquando da feitura do contrato de intermediação, bem como do nexo de causalidade entre a violação daquele dever e a decisão de investir por banda do particular.

Para a resolução desta problemática temos de chamar à colação o que decido se mostra em sede de uniformização de jurisprudência, no Processo 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, datado d 6 de Dezembro de 2021:

«1.No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.°, n° 1, 312° n° 1, alínea a), e 314° do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.°357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.°, n° 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2.Se o Banco, intermediário financeiro - que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em "produtos de risco" - informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o "reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco"), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.°, n.º 1, do CVM.

3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.».

Fazemos igualmente aqui extractar a factualidade assente necessária para a subsunção normativa.

Resulta da matéria assente o seguinte, no que à economia da questão diz respeito:

«2 Em Maio de 2016 o gerente do banco Réu da agência de ... contactou os AA propondo-lhes a subscrição de um produto, dizendo ao A marido que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo BPN e com rentabilidade assegurada.

3 Tal funcionário do Banco Réu sabia que o A marido não possuía qualificação, ou formação técnica que lhe permitisse à data conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente.

4 Até essa data sempre os Autores aplicaram o seu dinheiro em depósitos a prazo.

5 Nesse contexto os AA, em 8 de Maio de 2006, subscreveram o produto comercializado pelo BPN denominado “Obrigação SLN 2006”, no montante de € 50.000,00.

6 Esta subscrição ocorreu sem que os AA soubessem em concreto o que eram Obrigações SLN 2006, tal como desconheciam inclusivamente quer a existência quer que a SLN era uma empresa, associando a expressão “SLN” como equivalendo ao BPN.

7 A autorização, por parte dos AA, para tal subscrição decorreu do facto de lhes ter sido dito pelo gerente que o capital era garantido pelo Banco Réu, com juros semestrais e que poderiam “levantar” o capital e respectivos juros quando assim o entendessem - pela venda/”endosso” - bastando avisar a agência com alguns dias de antecedência, dado que a procura superava inúmeras vezes a oferta.

8 O A marido actuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, consequentemente num produto com risco exclusivamente do Banco sendo que, se tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações SLN 2006 produto de risco e que o capital não era garantido pelo BPN, não o autorizaria.

9 Nunca foi intenção dos AA investir em produtos de risco, como era do conhecimento do gerente e funcionários do Réu e sempre estiveram convencidos que o Réu lhes restituiria o capital e os juros, quando os solicitasse.

10 O Réu sempre assegurou aos AA que a aplicação em causa tinha a mesma garantia de um depósito a prazo e por isso os AA ficaram com a convicção plena da segurança da aplicação em causa.».

Dispõe o artigo 314.º do CVM (versão do DL 69/2004 de 25 de Fevereiro), aplicável in casu ,no seu nº1 «Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.», acrescentando o seu nº2 que «A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.».

Como se extrai da materialidade supra apontada, mostra-se violado o dever de informação, já que os Autores aqui Recorridos não foram devidamente esclarecidos, com as observâncias legalmente impostas, sobre o produto que iriam adquirir, sendo certo que era do conhecimento do Recorrente que o Autor era um investidor particular de parcos conhecimentos na área financeira, não alcançando a dimensão dos riscos eventuais que poderia correr com a aquisição da obrigações em causa.

Provada que se mostra a ilicitude do comportamento do Recorrente, e, presumindo-se a sua culpa, porquanto os danos apurados decorreram directamente da violação dos deveres de informação, resta-nos apenas aferir do nexo de causalidade entre o facto e o dano, o qual resulta do apuramento de que os Autores não autorizariam a subscrição de um produto de risco, sem capital garantido nos moldes transmitidos pelo banco, se tivessem sido advertidos anteriormente que tal capital não se encontrava garantido (ponto 8.).

Claudicam, pois, as conclusões de recurso.

III Destarte, nega-se a Revista, confirmando-se a decisão plasmada no Acórdão sob impugnação.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 9 de Novembro de 2022

Ana Paula Boularot (Relatora)

Graça Amaral

Maria Olinda Garcia

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).