Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
34/16.3T8PTG.E1.S2
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: REVISTA EXCEPCIONAL
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
Data do Acordão: 03/08/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA EXCEPCIONAL
Decisão: NÃO ADMITIDA A REVISTA EXCECIONAL .
Sumário :

I- O recorrente que invoca, como fundamento de uma revista excepcional, a alínea a) do nº 1 do artigo 672º do CPC, tem o ónus de indicar, sob pena de rejeição, “as razões pelas quais a apreciação da questão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”;


II - Não cumpre esse ónus o recorrente que se limita a invocar, de forma genérica, as disposições legais aplicáveis e a referir que o recurso recai “sobre a necessidade de uma melhor aplicação de direito”.

Decisão Texto Integral:

Processo 34/16.3T8PTG.E1.S2


Revista Excepcional


76/23


Acordam na Formação a que se refere o nº 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


AA intentou acção emergente de acidente de trabalho, sob a forma de processo especial, contra Junta de Freguesia de ..., formulando os seguintes pedidos:


NESTES TERMOS e nos melhores de direito, deve a presente acção ser julgada procedente por provada e, em consequência:


(I) ser reconhecido que o acidente sofrido pelo A. em 26/01/2015 é um acidente de trabalho;


(II) ser a R. condenada a pagar ao A.:


a) as despesas correspondentes ao tratamento médico adequado ao A., às intervenções cirúrgicas e às sessões de fisioterapia que o A. realizou ou venha a realizar e toda a medicação que for prescrita ao A.;


b) a importância global de €16.598,81 pelos 1.1167 dias de ITA;


c) o capital de remição da pensão anual de €366,72, devida a partir do dia seguinte à alta definitiva (06-04-2018);


d) a importância de €40.000,00, a título de danos não patrimoniais, por violação das mais elementares regras de segurança;


e) a importância de €40,00 que despendeu nas suas deslocações a este Tribunal e ao INML,


quantias essas acrescidas dos respectivos juros legais contados desde a data da citação até integral pagamento, assim como em custas e procuradoria”.


A Ré contestou, arguindo, além do mais, a excepção de ilegitimidade por preterição de litisconsórcio necessário passivo (relativamente ao IEFP e à Seguradora).


O Autor respondeu à matéria da excepção.


Foi proferido despacho saneador, no qual foi julgada improcedente a excepção de ilegitimidade passiva.


Foi realizada a audiência de julgamento.


Em 5.05.2022, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:


Pelo exposto, e ao abrigo das disposições legais supra mencionadas, decide-se:


A) Julgar a acção parcialmente procedente, e, em consequência condenar a Ré a pagar ao Autor:


- Uma indemnização por incapacidade temporária absoluta (ITA) correspondente a um período de 1.167 dias no valor de 22.604,79 € (vinte e dois mil, seiscentos e quatro euros e setenta e nove cêntimos) à qual deverá ser deduzida a quantia de 1.066,66 € já recebidos pelo Autor.


- O capital de remição da pensão, anual e vitalícia, por incapacidade permanente parcial (IPP) no valor de 523,89 € (quinhentos e vinte e três euros e oitenta e nove cêntimos), devida desde o dia 6 de Abril de 2018, data da alta.


- A quantia de 40,00 € (quarenta euros) referente a despesas já realizadas pelo Autor em deslocações, acrescida das despesas médicas, medicamentosas e de transporte do Autor em virtude de tratamentos de que venha a necessitar.


- Uma indemnização por danos não patrimoniais sofridos pelo Autor no montante de 15.000,00 (quinze mil euros).


- Juros vencidos e vincendos, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento das quantias mencionadas nos pontos anteriores.


B) Julgar a acção parcialmente improcedente, absolvendo-se a Ré do pagamento ao Autor do demais peticionado”.


A Ré interpôs recurso de apelação.


O Autor interpôs recurso subordinado.


Por acórdão do Tribunal da Relação de 27.10.2022 foi decidido: “Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção social do Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedentes a apelação principal e a apelação subordinada e confirmar a sentença recorrida”.


A Ré veio interpor recurso de revista, requerendo a fixação de efeito suspensivo, e com o seguinte introito:


“Junta de Freguesia ..., Ré nos autos à margem referenciados, notificada do aliás douto Acórdão proferido nos autos e não se conformando com a mesma, dela vem, muito respeitosamente interpor Recurso, nos termos e para os efeitos dos arts. 627.º, art. 637.º, art. 638.º, art. 639.º, art. 671.º 3, art. 672.º 1 al. a), art. 674.º, art. 675.º, art. 676.º, art. 677.º CPC, art. 80.º 2 CPT o qual é de Revista, a subir em separado, e art. 675.º n.º 2 do CPC, para o Supremo Tribunal de Justiça”.


E referindo na conclusão 2ª:


“2. Recai o presente recurso sobre a necessidade de uma melhor aplicação de direito, nos termos do art. 671.º 3 e art. 672.º 1 a) do CPC”.


O Autor contra-alegou.


Por despacho de 7.12.2022 do Tribunal da Relação foi admitido o recurso de revista com efeito devolutivo.


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Foi proferido despacho liminar, no qual se considerou: que, embora não o refira expressamente, se afigura que a Ré pretende interpor recurso de revista excepcional; que o recurso é tempestivo; que a Recorrente tem legitimidade; que estão preenchidas as demais condições gerais relativas à admissibilidade do recurso, bem como a existência de dupla conforme.


O processo foi distribuído a esta Formação, para se indagar se estão preenchidos os pressupostos para a admissibilidade da revista excepcional referidos na alínea a) do nº 1 do artº 672º do Código de Processo Civil.


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Cumpre apreciar e decidir:


A revista excepcional é um verdadeiro recurso de revista concebido para as situações em que ocorra uma situação de dupla conforme, nos termos do artigo 671º, nº 3, do Código de Processo Civil.


A admissão do recurso de revista, pela via da revista excepcional, não tem por fim a resolução do litígio entre as partes, visando antes salvaguardar a estabilidade do sistema jurídico globalmente considerado e a normalidade do processo de aplicação do Direito.


De outra banda, a revista excepcional, como o seu próprio nome indica, deve ser isso mesmo- excepcional .


O recorrente invoca como fundamento da admissão do recurso o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 672º do Código de Processo Civil, que refere o seguinte:


“1 - Excecionalmente, cabe recurso de revista do acórdão da Relação referido no n.º 3 do artigo anterior quando:


a) Esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;


Relativamente a esta excepção à regra da irrecorribilidade em situações de dupla conforme, prevista na referida alínea a), pode ler-se em anotação ao artº 672º do CPC, anotado por Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís F. P. Sousa (Almedina Vol. I, 2018), “Para esta primeira exceção são elegíveis situações em que a questão jurídica suscitada apresente um carácter paradigmático e exemplar, transponível para outras situações, assumindo relevância autónoma e independente em relação aos interesses das partes envolvidas. Na verdade, a intervenção do Supremo apenas se justifica em face de uma questão cujo relevo jurídico seja indiscutível, embora a lei não distinga entre questões que emergem do direito substantivo ou do direito adjetivo. Não bastará, pois, o mero interesse subjetivo da parte.»


Com maior desenvolvimento, Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2018, 5.ª Edição, pág. 381) refere: “Outra linha de força aponta para a recusa da pretensão quando a decisão recorrida se enquadrar numa corrente jurisprudencial consolidada, denotando a interposição de recurso mero inconformismo perante a decisão recorrida.


As expressões adverbiais empregues na formulação normativa (“excecionalmente” e “claramente necessária”) não consentem que se invoque como fundamento da revista excecional a mera discordância quanto ao decidido pela Relação. Tão pouco bastará a verificação de uma qualquer divergência interpretativa, sob pena de vulgarização do referido recurso em situações que não estiveram no espectro do legislador.


Constituindo um instrumento processual em que fundamentalmente se pretendem tutelar interesses ligados à “melhor aplicação do direito”, a intervenção do Supremo apenas se justifica em face de questões cujo relevo jurídico seja indiscutível, o que pode decorrer, por exemplo, da existência de legislação nova cuja interpretação suscite sérias divergências, tendo em vista atalhar decisões contraditórias (efeito preventivo), ou do facto de as instâncias terem decidido a questão ao arrepio do entendimento uniforme da jurisprudência ou da doutrina (efeito reparador)”.


Importa, no entanto e à partida, ter em conta que decorre do nº 2 do artigo 672.º do CPC que o recorrente tem o ónus de indicar na sua alegação, sob pena de rejeição, “as razões pelas quais a apreciação da questão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”, caso invoque a alínea a) do nº 1 do artigo 672º.


Como se decidiu no Ac. deste Supremo Tribunal de 29/09/2021, proc. n.º 2948/19.0T8PRT.P1. S2, no recurso de revista excepcional devem ser indicadas razões concretas e objectivas reveladoras de eventual complexidade ou controvérsia jurisprudencial ou doutrinária da questão, com a consequente necessidade de uma apreciação excepcional com o objectivo de encontrar uma solução orientadora de casos semelhantes.


Ora, é manifesto que, no caso em apreço, a Recorrente não deu cumprimento a esse ónus de indicar as razões pelas quais é necessária a intervenção deste STJ.


Com efeito, limita-se a invocar as disposições legais e a referir, na conclusão 2ª do seu recurso, que o mesmo recai “sobre a necessidade de uma melhor aplicação de direito, nos termos do art. 671.º 3 e art. 672.º 1 a) do Código de Processo Civilseus direitos”.


Alegações meramente genéricas, não identificando a Recorrente, com as necessárias concretização e especificação, a questão ou as questões que pretende submeter ao STJ, que justifiquem a intervenção deste, em sede de revista excepcional, de modo a identificar, com as indispensáveis clareza e segurança, a questão ou questões cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, sejam claramente necessárias para melhor aplicação do direito.


É jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal que não bastam afirmações efectuadas de uma forma genérica e vaga, sendo necessário explicitar, com argumentação sólida e convincente, as razões concretas e objetivas, susceptíveis de revelar a alegada relevância jurídica e social, não relevando o mero interesse subjectivo do recorrente, sendo necessário que o mesmo concretize com argumentos concretos e objectivos- cfr., entre outros, os acórdãos deste STJ de 11/05/2022, proc. 1924/17.1T8PNF.P1.S1, de 30/03/2022, Proc. n.º 5881/18.9T8MAI.P1.S2, de 17/03/2022, Proc. n.º 28602/15.3T8LSB.L2.S2, e de 11/05/2021, Proc. n.º 3690/19.7T8VNG.P1.S2


Assim, e por não ter sido dado cumprimento ao ónus do nº 2 do artigo 672.º do CPC, não é admissível a revista excepcional.


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Decisão


Pelo exposto, acorda-se em indeferir a admissão da revista excepcional, interposta pela Ré / recorrente, do acórdão do Tribunal da Relação.


Custas pela Recorrente.


Lisboa, 08/03/2023


Ramalho Pinto (Relator)


Mário Belo Morgado


Júlio Gomes





Sumário (elaborado pelo Relator).