Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
26439/93.8TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FERNANDES DO VALE
Descritores: DOAÇÃO
NEGÓCIO GRATUITO
TESTAMENTO
LEGADO
BEM IMÓVEL
REVOGAÇÃO
PROVA COMPLEMENTAR
Data do Acordão: 12/09/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL - DIREITO DAS SUCESSÕES / REVOGAÇÃO DAS DISPOSIÇÕES TESTAMENTÁRIAS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
- I. Galvão Telles, Manual dos Contratos em Geral, 2002, p. 481.
- Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III, 4ª Ed., p. 175.
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil”, Anotado, Vol. II, 4.ª Ed., pp. 237, 268/269, 498.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 219.º, 238.º, 940.º, N.º1, 947.º, N.º1, 963.º, 2316.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 641.º, N.º5, 665.º, N.º2, 674.º, N.º3, 679.º, 682.º, N.º1.
LEI Nº 52/2008, DE 28-08 (LEI DE ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DOS TRIBUNAIS JUDICIAIS – LOFTJ): - ARTIGO 33.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
- DE 14.12.06, PROC. N.º 06B3487, E DE 19.12.06, PROC. N.º06B4112, EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - O contrato de doação tem, perante o vigente Código Civil, natureza gratuita, mesmo que a doação seja onerada com encargos – cláusulas modais –, nos termos previstos no art. 963.º daquele Código.

II - Sendo efectuados legados de prédios que, no momento da outorga do testamento, gozavam de autonomia, a qual, posteriormente, cessou, por tais prédios autónomos passarem a integrar, a requerimento da respectiva proprietária, a descrição predial de diverso prédio, ocorre revogação tácita daqueles legados em consequência da superveniência de válida doação deste último prédio, efectuada pela testadora a terceiro, sem que haja sido produzida a prova complementar prevista no art. 2316.º, n.º 3, do CC, cujo ónus impende sobre os legatários.
Decisão Texto Integral:

Proc. nº 26439/93.8TVLSB.L1.S1[1]

                 (Rel. 182)

                        Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça

1AA, agora representado pelos seus herdeiros habilitados, BB, CC e DD, (todos ...) e Cruz Vermelha Portuguesa, com sede em Lisboa, instauraram, no longínquo ano de 1993, no Tribunal Cível da comarca de Lisboa, acção declarativa, com processo comum e sob a forma ordinária, contra EE e mulher, FF, pedindo que:

                                                    /

   I – Seja (judicialmente) declarado que a doação efectuada, por escritura de 14.02.79, pela Sra. D. GG ao R. EE se circunscreve à “... e seus pertences”, nos quais se incluem as parcelas de terreno descritas na 2ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob os nº/s ... e ... e que foram anexadas a outros prédios, formando, actualmente, o prédio nº ... da freguesia de ..., com as exactas delimitações e confrontações datadas de 1867 e de 1928[2];

  II – Seja, igualmente, declarado que, consequentemente, se mantêm os legados nos precisos termos que a testadora deixou consignados no testamento outorgado em 22.11.65; e

III – Se ordene o cancelamento do averbamento de registo nº..., a fls. ... do Livro ... da 2ª Conservatória do Registo Predial de ..., efectuado em 18.10.68, e de todos quantos estejam na dependência deste.

       Contestada a acção e após admissão da interveniente principal, como co-R., de “HH – …, Lda”, veio a ser proferida sentença que, julgando improcedente a acção, absolveu os RR. e esta chamada do pedido, o que veio a ser confirmado por acórdão da Relação de Lisboa de 29.05.13, proferido na apelação interposta pelos AA.

       Daí a presente revista interposta pelos apelantes-AA., visando a revogação do acórdão recorrido, conforme alegações culminadas com a formulação das seguintes conclusões:

                                                   /

A - DO OBJECTO E ALCANCE DO TESTAMENTO, DE 1965.11.25

                                                   /

1ª – À data da celebração do testamento de 1965.11.25, D. GG era proprietária de diversos imóveis, nomeadamente da ... (v. n.o s 4 e 5 dos FP – Factos Provados). bem como dos demais prédios autónomos, identificados nos n.o s 19 a 35 dos FP, que aqui se dão por integralmente reproduzidos;

2ª – No testamento outorgado, em 1965.11.25 (v. fls. 32 e segs. dos autos), D. GG identificou clara e especificadamente e pelos respectIvos nomes, seis dos prédios independentes e autónomos de que era proprietária, relativamente aos quais expressou claramente a sua vontade, instituindo oito legados distintos (v. arts. 2380 e 21870 do C. Civil);

3ª – D. GG referiu-se no seu testamento, de 1965.11.25, ao "remanescente da sua herança" (v. fls. 39 dos autos) que, com excepção dos bens e prédios que especiflcadamente identIficou nos demaIs legados (v. fls. 39 e 40 dos autos; cfr. prédios identificados nos nº/s 18 a 35 dos FP), deverá "ser vendido e o produto da sua venda ser entregue à Cruz Vermelha Portuguesa"(v. fls. 40 dos autos), declarando também, com o especial cuidado que sempre revelou, a sua vontade real de revogar anterior testamento - intencão e declaração revogatória (v. arts. 217°, 220°,2380 e 2187° do C. Civil);

4ª – Como sempre defenderam os ora recorrentes, "não existe qualquer dúvida em considerar que D. GG quis, de facto, instituir herdeira testamentária a Cruz Vermelha Portuguesa e instituir os legados, tal como consta do testamento junto aos autos. Era seguramente essa a vontade de D. GG expressa de forma inequívoca no texto do testamento"(v. fls. 3196 do acórdão recorrido);

5ª – Face ao critério legal estabelecido no art. 2187° do C. Civil, é manifesto que nunca poderia ser desconsiderada e postergada a vontade declarada por D. GG, nem a existência e destinações distintas atribuídas a cada um dos prédios independentes e autónomos, de que a testadora era proprietária;

6ª – A decisão do douto acórdão recorrido implicaria o esvaziamento do objecto e a exaustão dos legados constituídos a favor da Cruz Vermelha Portuguesa, do Património dos Pobres de Lisboa e do falecido A. Eng. AA (v. nº/s 18 a 35 dos FP), o que é inadmissível (v. arts. 2187° e 2370 do C.Civil);

7ª – À escritura de doação celebrada, em 1997.02.14 (deveria querer dizer-se “1979”, em vez de “1997”), é aplicável o Código Civil de 1966 (v. art. 12° do C. Civil), que não refere, nem prevê "doações onerosas";

 

B - DA NATUREZA JURfDICA DA DOAÇÃO, DE 1979.02.14 - NEGÓCIO GRATUITO

8ª – À escritura de doação celebrada, em 1997.02.14 (deveria querer dizer-se “1979”, em vez de “1997”), é aplicável o Código CIvil de 1966 (v. art. 12° do C. Civil), que não refere, nem prevê "doações onerosas";

9ª – A escritura de doação, de 1979.02.14(v. f1s. 92 e segs dos autos), tem assim que ser qualificada e interpretada de acordo com as normas dos arts. 237°, 940° e 9630 do Código Civil de 1966 (v. arf. 12° do C. Civil), não sendo convocável in casu "a redacção enganadora do artigo 14550 do Código de 1867" (v. Pires de Lima e Antunes Varela, C. Civil Anotado, II/289);

10ª – Contrariamente ao decidido no douto acórdão recorrido, a referida doação integra claramente um negócio jurídico gratuito (v. arts. 9400 e 9630 do C. Civil), pois o ónus ou encargo a que o donatário ficou obrigado não constitui verdadeira contraprestacão, integrando mera cláusula ou elemento acessório do contrato de doação, que se configura como simples limitação ou restrição à prestação da doadora (v. Pires de LIma e Antunes Varela, C. Civil Anotado, II/289 e segs.; Vaz Serra, BMJ 75/269 e 275; Menezes Leitão, Direito das ObrIgações, 2013, III/164; Rosário Palma Ramalho, Sobre a Doacão Modal, in revista O Direito, Ano 122, 1990. III-IV /; Batista Lopes, Doacões, p.p. 112);

                                                      /

C – DO OBJECTO E ALCANCE DA DOACÃO, DE 1979.02.14.

11ª – Dos termos do negócio solene e formal, em que se concretizou a escritura de doação celebrada em 1979.02.14, não resulta qualquer referência ao testamento, de 1965.11.25(v. fls. 32 dos autos· Vol. I), nem à sua alteração ou revogação, ainda que parcial (v. orts. 217°, 2360 e 2380 do C. Civil), limitando-se D. GG a declarar doar ao ora recorrido EE a "... e seus pertences",que, no testamento, de 1965.11.25, deixara à sua prima II, falecida, em 1978.11.03, apenas quatro meses antes da doação (v. nº 71 dos FP);

12ª – Na escritura de doação, de 1979.02.14, os outorgantes não indicaram a área da parte rústica que efectivamente consideravam pertencer ao prédio doado, nem sequer os respectivos limites, tendo-o identificado pela denominação que dispunha e constava do testamento, de 1965 – "... e seus pertences" (v. fls. 70-71 e 92-93 dos autos);

13ª – No testamento e na doação D. GG referiu sempre o mesmo prédio - "... e seus pertences" –, encontrando-se provado no presente processo que a doadora nunca requereu, nem alguma vez promoveu que os prédios autónomos que integravam os legados constituídos no testamento de 1965.11.25 (v. fls. 32 dos autos), fossem anexados à referida Quinta. nem que as respectivas descrições fossem também canceladas ou inutilizadas (v. relatório pericial a fls. 1793 dos autos· Vol. IX),"sendo certo que este seria o procedimento legal adequado, caso se pretendesse efectivamente realizar a referida unidade predial"(v. fls. 1715 e 1793 dos autos), mantendo-se actualmente inscritos em nome da testadora (v., além do mais, nº/s 19 e segs. dos FP);

14ª – No texto da referida escritura de doação, de 1979.02.14, D. GG não aludiu também a qualquer rectificação registral, sendo qualquer pretensa revogação ficta claramente incompatível com a subsistência actual dos prédios que integram os legados, constituídos no testamento, de 1965.11.25 (v. arts. 236°, 237°, 2380 e 342° do C. Civil), e identificados nos nº/s 19 a 36 dos FP cuja existência sempre foi conhecida e expressamente afirmada pela própria doadora. nomeadamente em diversos processos e procedimentos judiciais que instaurou em 1960 e em 1962 contra terceiros (v. fls. 43 a 45, 2271 e segs. e 2385 e segs. dos autos; cfr. nº/s 36 e 37 dos FP);

15ª – Estando assente que D, GG "sempre quis, quer em vida quer post mortem, valer a sua determinação de ser grande benemérita"(v. nº 10 dos Factos Provados), dos termos da escritura de doação. 1979.02.14 (v. fls. 92 e segs. dos autos), e das provas produzidas não resulta, nem pode resultar que o doadora tenha alterado radicalmente o seu querer e vontade, cuidadosamente expressos no testamento, de 1965.11.25, revogando e exaurindo de qualquer conteúdo os legados constituídos no testamento, a favor do Património dos Pobres de LIsboa, da A. Cruz Vermelha Portuguesa e de pessoa, que de tal forma considerou da sua confiança, que nomeou como testamenteiro: o falecido A., Eng. AA (v. arts. 217D, 220°, 236°, 238D e 2187° do C. Civil);

16ª – No presente processo não se provaram quaisquer factos materiais simples de que possa resultar tal conjectural alteração de vontade e respectiva formalização, inexistindo no texto da escritura de doação, de 1979,02.14, qualquer declaração ou intenção de revogação do testamento, de 1965.11.25 (v. arts. 237°, 2380 e 342°/2 do C. Civil);

17ª – No douto acórdão recorrido reconheceu-se expressamente que "os únicos elementos de prova de que o Tribunal se pode socorrer são os próprios documentos em discussão" (v. fls. 3194v. dos autos), tendo-se provado factos incompatíveis e inconciliáveis com tal putativa intenção revogatória, que não foram considerados no aresto em análise (v., nomeadamente, nº/s 11, 36, 37, 40, 49 e 58 dos FP; cfr. arts. 217°, 218°, 236° e 237° do C. Civil; Ac. STJ de 2008.05.27, Proc. 08B655; Ac. Rei do Porto de 2011.02.17, Proc. 564/06.5, in www.dgsi.pt);

18ª – Não pode assim atribuir-se à escritura de doação, de 1979.02.14, alcance revogatório do testamento, de 1965.11.25, pois, por um lado, tal sentido não tem a mínima correspondência no texto da escritura, e, por outro, do respectivo contexto resulta claro que D. GG não revogou, nem alterou o testamento de 1965.11.25, sendo o sentido que foi atribuído àquele negócio jurídico gratuito o mais gravoso para a disponente, violando-se frontalmente o disposto no art. 237º doC.Civil;

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D - DA VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NOS ARTS. 3710 e 3420 DO C. CIVIL

19ª – A escritura de doação, de 1979.02.14, e demais documentos constantes dos autos não assumem forca probatória relativamente a declarações que neles não constam ou a fados do conhecimento íntimo, convicção e intenção da doadora - D. GG -, ex vi do disposto nos arts. 237°, 2380 e 371 ° do C. Civil;

20ª – Contrariamente ao decidido no douto acórdão recorrido, nunca se poderia, com base naquele documento, "concluir-(se) pela revogação do testamento nessa parte" e dar-se como assente que D. GG "declarou fazer a doação ( ... ) com conhecimento dos limites e área do prédio aí identificado" (v. n. ° 76 dos FP), quando naquela escritura não se fez qualquer referência a esses elementos (v. arts. 2370 e 2380 do C. Civil);

21ª – A força probatório da referida escritura de doação respeita, apenas e tão só, "à matéria ou realidade das declarações (e) não à exactidão ou verosimilhança das mesmas" (v. Acs. STJ de 2002.04.18, Proc. 02B8717; de 2005.12.09, Proc. 08A3665; de 1977.05.03, BMJ 267/125), tanto mais que as instâncias sempre reconheceram que "os próprios documentos em discussão" se "prestam a várias interpretações"(v, fls. 26 do acórdão recorrido), tendo sido frontalmente violado o disposto nos arts. 371° e 376° do C. Civil;

22ª – A intenção revogatória do testamento, de 1965.11.25, e o conhecimento por D. GG dos concretos "limites e área do prédio aí identificado" (v. n.o 76 dos FP) integram matéria de facto que nunca podia resultar provada da escritura de doação, de 1979.02.14, que não refere tais declarações (v. art. 237° do C. Civil):

23ª – O ónus da prova competia e compete in casu aos ora recorridos (v. art. 342Q do C. Civil; cfr. arts. 130Q e 131° da contestação de fls. 175 e segs. dos autos e quesitos 124° e 1250 do Questionário), e foi totalmente incumprido (v. arts. 342° e segs. e 376° do C. Civil; ctr. arts. 264°, 513° e segs. e 516° do CPC), reconhecendo-se expressamente no douto acórdão recorrido que "os próprios documentos em discussão" se "prestam a várias interpretações"(v. fls. 26 do acórdão);

24ª – Concluindo-se, corno se concluiu, no douto acórdão recorrido que não foi produzida prova sobre a efectiva vontade e conhecimento da doadora - inexistem "elementos que permitissem indicar a real intenção da doadora" (v. fis. 26 do acórdão) -, e não se dispondo de meios complementares de prova (v. fls. 2797 dos autos), nunca poderia "concluir-(se) pela revogação do testamento nessa parte", tanto mais que qualquer eventual dúvida tinha que ser resolvida considerando o sentido menos gravoso para a disponente, tendo o douto acórdão recorrido violado os arts. 217°, 237°, 342°/2 e 3710 do C. Civil (cfr, art. 516º do CPC);

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E - DA IRRELEVÂNCIA DO AVERBAMENTO REGISTRAl. DE 1968

25ª – A descrição registral da Quinta ... (v. fls. 70-71 dos autos - VoI. I), e o averbamento, de 1968.10.18(v. fls. 85-86 dos autos - Vol. I) não comprovam qualquer alteração ao testamento de fIs. 32 e segs. e ao âmbito territorial da referida Quinta, sendo absolutamente irrelevantes, não podendo aceitar-se a sua qualificação como "alteração ou modificação informal do próprio testamento" (v. neste sentido, Ac. STJ de 2005.01.13, Proc. 04B3607;

26ª – O requerimento de fls. 85 e 86 dos autos não determinou o desaparecimento dos demais prédios autónomos de que a D, GG era proprietária e que integravam o objecto dos legados (v. fls. 32 e segs. dos autos), constituídos a favor de D. II, do R. EE e do A. Eng. AA, bem como do Património dos Pobres de Lisboa (v. nº/s 18 a 35 dos FP);

27ª – A descrição registral do prédio denominado Quinta ..., constante da escritura de doação, de 1979.02.14, sem qualquer referência aos "limites e área do prédio" (v. fls. 92 e segs. dos autos), não assume eficácia constitutiva, nem sequer integra presunção de que o referido prédio dispõe dos elementos de identificação fiscal, área e limites nela identificados (v. art. 7° do Código do Registo Predial; cfr, art. 3500 do C. Civil);

28ª –  O simples averbamento registral, de 1968.10.18 (v. fls. 70-71 e 85-86 dos autos - I Vol.), nunca seria ainda susceptível de determinar qualquer alteração ao âmbito territorial do referido prédio, nem podia aumentar a ''verdadeira área do prédio" (v. Ac. Rel. de Lisboa de 2Q04.10.28, Proc. 7629/2004.6; cfr. Ac. STJ de 2008.02.12, Proc. 08A055);

29ª – Contrariamente ao decidido no douto acórdão recorrido, D. GG tinha inequivocamente perfeito conhecimento de que era proprietária de outros prédios autónomos, que integravam o artigo 1020 da matriz (v. nº/s 18 a 35 dos FP), conforme se demonstrou;

30ª – 0s elementos que constam da descrição predial da denominada ... não assumem assim qualquer relevância, maxime quanto à intenção revogatória da testadora (v. arts. 3420 e segs. e 3760 do C. Civil; cfr. arts. 2640 e 5130 e segs. do CPC), sendo manifesto que o respectiva área integra muitos outros prédios (v. nº/s 18 a 35 dos FP), que tinham sido legados e cuja existência sempre foi conhecida, reconhecida e, como tal, expressamente declarada e reivindicada por D. GG (v. Ac. STJ de 2002.04.18, Proc. 02B8717; cfr. Acs. STJ de 2005.11.29, Proc. 05A3283; de 1977.05.03, BMJ 267/125).

       NESTES TERMOS, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o douto acórdão recorrido, com as legais consequências.

Só ASSIM SE DECIDINDO SERÁ CUMPRIDO O DIREITO E FEITA JUSTiÇA.

       Contra-alegando, defendem os recorridos – que juntaram com as respectivas contra-alegações um parecer de insigne Professor de Direito – a manutenção do julgado, sustentando, “subsidiariamente, se necessário”, que “deve ser atendida a prova pertinente produzida e ser decidida a aquisição pelos ora recorridos do prédio doado por escritura de 14.02.1979, em discussão nos autos, por via do decurso do prazo da usucapião e da consequente consolidação do direito de propriedade no património dos recorridos, com a consequente improcedência de todos os pedidos e da acção”.

       Os recorrentes sustentaram, em resposta, a inadmissibilidade da pedida ampliação do âmbito do recurso, devendo, em qualquer caso, improceder a correspondente pretensão dos recorridos.

       Corridos os vistos e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.

                                                     *

2 – A Relação teve por provados os seguintes factos:

                                                     /

1 – Em 3 de Setembro de 1889, nasceu a Srª Dª. GG, que veio a falecer a 29 de Setembro de 1979, com 90 anos de idade, no estado de solteira, filha legítima de D. ... e de KK (A);

2 – Em 25 de Novembro de 1965, Dª. GG, celebrou o testamento que consta de fls. 32 a 42, no décimo quinto Cartório Notarial de Lisboa, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (B);

3 – O A. foi designado testamenteiro de Dª. GG (C);

4 – A ... e também as áreas anexas, encontravam-se registadas na 3ª e 6ª Conservatórias do Registo Predial de Lisboa (sob os nº/s de registo … e 2 …, respectivamente), com matrizes rústica e urbana próprias (D);

5 – Em 1928, o n° de registo era o mesmo e as inscrições matriciais rústica e urbana mantinham os mesmos números cadastrais (E);

6 – Por averbamento de 18.10.68, procedeu-se à correcção da descrição predial do imóvel n° …, a fls. ... do livro … na 2ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras, denominado, desde 1867, "... (F);

7 – Através do testamento referido em B), a testadora deixou metade da terra do ..., ao A. Eng. AA (G);

8 – Ainda nos termos do referido testamento deixou à A. Cruz Vermelha Portuguesa todo o remanescente da sua herança com excepção dos referidos a fls. 39 e 40 (H);

9 – Posteriormente ao averbamento de 1968 e dele se servindo, na escritura outorgada em casa pelo notário do 7º Cartório Notarial de Lisboa em 14 de Fevereiro de 1979 a Sra. Dª. GG, com 89 anos de idade opera uma doação onerosa a favor de sr. EE R. (I);

10 – A Srª Dª GG sempre quis, quer em vida quer "post-mortem ", manter a sua determinação de ser grande benemérita (J);

11 - A referida Senhora teve cerca de 14 anos para alterar o testamento, o que não fez, a despeito de todos os pedidos e influências do R., reveladas por ele na já referida oposição (L);

12 – A sociedade “HH, Lda" foi constituída em 17 de Fevereiro de 1984 tendo a sua sede na Rua …, nº …°, em Lisboa, endereço do escritório da firma do agora R. (M);

13 – Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor do doc. de fls. 115 a 119 que constitui a descrição da ficha nº … e nº …, da freguesia de ... (N);

14 – Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor do doc. de fls. 125 a 133 que constitui o registo de constituição da sociedade "HH - …, Lda” (O);

15 – Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor do doc. de fls. 134 a 199 que constitui uma escritura de rectificação da escritura (de compra e venda) que consta de fls. 120 a 124 e que aqui também se dá por reproduzida (P);

16 – Após o óbito da testadora foi instaurado processo de inventário, que correu pela 1ª secção do 5° Juízo Cível de Lisboa, com o n° 41/82. ­A respectiva partilha fez-se, neste processo de inventário, por conferência de interessados ocorrida em 27.02.92, homologada por sentença que transitou em julgado no dia 11.03.92 (Q);

17 – Dª. GG outorgou outra escritura de doação dum terreno para construção com a área aproximada de 1 160 m2 à fabrica da Igreja Paroquial da freguesia de ..., a destacar da parte rústica do artigo 102 secção 30-37 ou seja da "…", confrontando, do norte, com caminho público, do poente e sul, com JJ e, do nascente, com a propriedade denominada "quintinha" ­parcela esta que se denomina "P...." - P... de ....

       Esta escritura foi outorgada em 07.03.69, no 3° Cartório Notarial de Lisboa a fi. … a … do livro … de Escrituras Diversas. Nesta escritura, a doadora refere expressamente a área total da quinta, de 456 420 m2 (R);

18 – Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor do documento de fls. 262 a 265 que constitui procuração outorgada pela Dª. GG ao R., em 13.04.73 (S);

19 – O prédio rústico denominado "…", sito em ..., matriz nº …, proveniência .., ..., 6a Conservatória e ..., 3a Conservatória, encontra-se registado na 2a Conservatória do Registo Predial de ... sob o n" … e a sua aquisição registada a favor de GG, pela Ap. 3, de 21.06.1954 (T);

20 – O prédio rústico denominado "…", sito em ..., matriz nº …, proveniência …, ..., 6a Conservatória e ..., 3a Conservatória, encontra- se registado na 2ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o n° … e a sua aquisição registada a favor de GG, pela Ap. 3, de 21.06.1954 (U);

21 – O prédio rústico denominado "…", sito em ..., matriz n" …, proveniência ..., ..., 6a Conservatória e 218, 3a Conservatória, encontra-se registado na 2a Conservatória do Registo Predial de ... sob o n" … e a sua aquisição registada a favor de GG, pela Ap. 3, de 21.06.1954, (V);

22 – O prédio rústico denominado "…", sito em ..., matriz nº …, proveniência …,..., 6a Conservatória e …, 3ª Conservatória, formado pela reunião dos descritos sob os nº/s … e …, ..., 6a Conservatória, encontra-se registado na 2a Conservatória do Registo Predial de ... sob o n" … e a sua aquisição registada a favor de GG, pela Ap. 3, de 21.06.1954 (X);

23 – O prédio rústico denominado "...", sito em ..., matriz n° ..., proveniência …, ..., 63 Conservatória e …, 3a Conservatória, formado pela reunião dos descritos sob os nº/s ...,..., ..., ..., ... e ...., 6a Conservatória, encontra-se registado na 2a Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº … e a sua aquisição registada a favor de GG, pela Ap. 3, de 21.06.1954 (Z);

24 – O prédio rústico denominado "…", sito em ... de ..., omisso na matriz, encontra-se registado na 2a Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº … e a sua aquisição registada a favor de KK , pela Ap. 7, de 07.04.1927 (AA);

25 – O prédio rústico denominado "…", sito em ..., matriz nº …, proveniência .., ..., 6a Conservatória e …, 3a Conservatória, formado pela reunião dos descritos sob os nrs ...,... e ..., 6a Conservatória, encontra-se registado na 2a Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº … e a sua aquisição registada a favor de GG, pela Ap. 3, de 21.06.1954 (AB);

26 – O prédio rústico denominado "...", sito em ..., matriz nº …, proveniência ..., ..., 6a Conservatória e 216, 3ª Conservatória, encontra-se registado na 2a Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº … e a sua aquisição registada a favor de GG, pela Ap. 3, de 21.06.1954 (AC);

27 – O prédio rústico denominado "...", sito em ..., matriz nº …, proveniência ...,..., 6ª Conservatória e …, 3a Conservatória, formado pela reunião dos descritos sob os nº/s... e ..., 6ª Conservatória, encontra-se registado na 2a Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº … e a sua aquisição registada a favor de GG, pela Ap. 3, de 21.06.1954 (AD);

28 – O prédio rústico denominado "…", sito em ..., matriz n° …, proveniência ..., ...., e ..., 3ª Conservatória, encontra-se registado na 2ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o n° …. e a sua aquisição registada a favor de GG, pela Ap. 3, de 21.06.1954 (AE);

29 – O prédio rústico denominado "...", sito em ..., matriz nº …, proveniência ...., ..., 6ª Conservatória e …, 3ª Conservatória, encontra-se registado na 2ª Conservatória do Registo Predial de ... sob o n° … e a sua aquisição registada a favor de GG, pela Ap. 3, de 21.06.1954 (AF);

30 – O prédio rústico denominado "…", sito em ..., matriz nº …, proveniência …, ..., 6ª Conservatória e …, 3ª Conservatória, formado pela reunião dos descritos sob os nº/s … e …, 6ª Conservatória, encontra-se registado na 2ª Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº … e a sua aquisição registada a favor de GG, pela Ap. 3, de 21.06.1954 (AG);

31 - O prédio rústico denominado "…", sito em ..., matriz nº …, proveniência …, ..., 6ª Conservatória e …, 3ª Conservatória, formado pela reunião dos descritos sob os nº/s …, …, … e …, 6ª Conservatória, encontra-se registado na 2ª Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº … e a sua aquisição registada a favor de GG, pela Ap. 3, de 21.06.1954 (AH);

32 – O prédio rústico denominado "…", sito em ..., matriz n° …, proveniência …,..., 6ª Conservatória e …, 3ª Conservatória, formado pela reunião dos descritos sob os nº/s … e …, ..., 6ª Conservatória, encontra-se registado na 2ª Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº … e a sua aquisição registada a favor de GG, pela Ap. 3, de 21.06.1954 (AI);

33 – Encontra-se registado na 3a Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n° …, de 1867, o prédio urbano, sito no Lugar da ..., freguesia de …, que forma com os prédios descritos até ao n° ... o casal denominado "…" (AJ);

34 – Encontram-se registados na 3a Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob os nº/s …. a …, … a …, … a …, …, … e … os prédios, sitos no lugar de ..., descritos na certidão de fls. 1389 a 1407 (AL);

35 – Encontram-se registados na 6a Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob os nº/s … a …, … a …, … a …, …, …, …, … a … e …, os prédios, sitos no lugar de ..., descritos na certidão de jls. 1409 a 1456 (AM);

36 – O A. AA prestou colaboração à Srª Dª GG, no início da década de 1960, como engenheiro agrónomo, a propósito de um processo de restituição de posse, que correu os seus termos pela 1ª Secção da 3ª Vara Cível do Tribunal da Comarca de Lisboa, sob o nº 1498/1960 (1°);

37 – A Dª GG obteve procedência na acção identificada em 1º (ou seja, no ponto anterior), reconhecendo o Tribunal a sua qualidade de proprietária do prédio denominado "...", conforme documento de fis. ... e seguintes, que se dá por reproduzido, sendo mencionado no seu testamento o legado «de metade da ..., freguesia de ... de ..., concelho de Oeiras» ao A. e ao R., em partes iguais (3°);

38 – O R. era afilhado de baptismo de Dª. GG (5°);

39 – O relacionamento entre a Dª. GG e o A. AA manteve-se casual, mas amistoso (7°);

40 – No seu testamento, a Dª. GG impôs aos legatários da ... o encargo «de mandarem rezar anualmente uma missa por alma de KK, outra por alma da família LL e da família  MM, e outra no dia quinze de Agosto ou outro dia em Agosto, por alma de sua mãe, missas estas que serão ditas na Capela da ..., em ...» (14° e 15°);

41 – Dos ramos familiares do lado materno da Dª GG, famílias LL e MM, provieram, em três gerações, todos os prédios urbanos sitos em Oeiras/... (16°);

42 – Os aspectos estruturais dos conjuntos das propriedades não diferiam do que é tradicional na zona saloia dos arredores de Lisboa e daí a existência dos "Casais" abrangendo terrenos rústicos de pequena e média dimensão, contíguos ou não, cada terreno com o seu nome e nº de matriz, possuindo na sua área o centro de lavoura de conjunto (19°);

43 – E as "quintas" que se implantaram em terrenos mais mimosos, mais afectos para pomares e hortas, possuindo água de poços ou de minas, onde se inseriam a habitação do proprietário ou senhorio mais as dependências de serviços domésticos, quase sempre, de fácil acesso, a estradas e caminhos (20°);

44 – Foi esta estrutura fundiária que Dª GG herdou (21°);  

45 – O conjunto de propriedades de Dª GG na área definida nos quesitos 19° e 20° (ou seja, nos pontos 42 e 43) compunha-se de uma casa senhorial, apalaçada e de estilo, com capela própria devotada a Nossa Senhora …, possuindo outras construções de serviço, tudo implantado em terreno de pequena dimensão, murado, com horta e pomar, água de poços e de mina, e com acesso à estrada que liga ... a ... (22°);

46 – Dª GG era também dona de um conjunto de terrenos, representando uma área de cerca de 50 hectares, alguns deles confrontando com a casa senhorial e seus pertences, também produto de legados das famílias de sua mãe (23° e 25°);

47 – Na descrição nº 3734, de 21 de Setembro de 1867, identifica-se um «prédio urbano e rústico - ... ou da Fábrica, freguesia de ..., consta de casas de habitação com jardim, casa para caseiro e malta, abegoaria, palheiro, telheiras e celeiro, pomares de espinho e caroço e outras árvores e terras de semeaduras ( ... )» (24°);

48 – A ... era uma unidade predial de interesse social da região de ... (26°);

49 – A ... e seus pertences sempre se encontrou individualizada relativamente aos prédios rústicos contíguos, que, por sua vez, com matrizes diferentes, consistiam em propriedades individualizadas com nome próprio (27º);

50 – O averbamento referido em F) (ponto 6, supra) foi efectuado 18 anos depois da implantação do cadastro e três anos após a outorga do testamento, tendo Dª GG, na altura, cerca de 80 anos de idade (31°);

51 – No documento de fis. 88 e 89 incluem-se, entre as 19 terras das que foram nomeadas no testamento, as "...", "…" e "…", que foram incluídas no averbamento mencionado em F) (35º e 36º);

52 – O teor do documento de fls. 46 a 80 que aqui se dá por reproduzido (trata-se de certidão emitida pela 1ª Conservatória do Registo Predial de ... do teor da descrição 3734 (39º e 40º);

53 – No documento que deu origem ao averbamento manteve-se a sua antiga morada, quando, em 1968, a Srª Dª GG já tinha residência na Rua …, nº …, …., em Lisboa, onde veio a falecer (44°);

54 – A Srª Dª GG declarou o que consta da escritura de fis. 91 a 94 (escritura de doação onerosa) (47°);

55 – A doadora procedeu à escritura, com 90 anos de idade, sete meses antes de falecer com um tumor maligno do estômago (48° e 51°);

56 – Não consta da escritura de doação que a doadora estivesse apoiada, no acto, por qualquer médico ou testemunhas, incluindo a antiga criada (490 e 500);

57 – Somente um mês depois do óbito da Srª Dª GG, o, ora, R. apresentou, em 02.11.79, ao testamenteiro, os elementos justificativos da doação e do testamento (52°);

58 – Na data da outorga da escritura de doação referida em I (ou seja, no ponto 9 supra) a Srª Dª GG teve o notário em casa, na data da doação, e não alterou o testamento (19°);

59 – A doação efectuada teve por base a descrição nº ..., com o averbamento de 1968 (56° e 57º);

60 – O A. AA nunca foi informado da doença da Srª. Dª GG (60°);

61 – O R. não informou o A. do dia do falecimento da Srª Dª GG, mas somente 30 dias depois (62º);

62 – O R. só comunicou ao A. que este era testamenteiro, 30 (trinta) dias após o falecimento da Srª Dª GG (63°);

63 – O âmbito da doação, tal como declarado na respectiva escritura, importa a exclusão do testamento, como legatários da testadora, da Sra. D. NN, com o legado de 16 092 m2 de terreno em ..., o testamenteiro, de um legado de 57.890 m2, o Património dos Pobres de Lisboa, 54.628 m2 e o herdeiro do remanescente Cruz Vermelha Portuguesa, de um legado de 235.260 m2 (72°);

64 – O R. tinha o seu escritório na Rua …, n0 … - …° andar (79°); 65 – O R. EE era sócio da firma “OO, Lda” (80°);

66 – Tendo em conta a citada escritura de 31 de Maio de 1989, rectificada a 23 de Agosto de 1984 e a análise da certidão da 2a Conservatória do Registo Predial de ..., foram efectivadas dádivas e vendas de 4 973 m2 antes da doação e do falecimento da Srª ­GG (81º);

67 – O Sr. EE vendeu 121 419 m2, antes de vender, em 23 de Agosto de 1984, as terras à “HH, Lda” (82°);

68 – A superfície dos terrenos incluídos na matriz predial rústica nº …, secção 30/37, era, a 31 de Maio de 1989, de 348 672 m2, que é, efectivamente, o valor rectificado na escritura, naquela data (83°);

69 – O teor do documento de fls 88 e 89 que aqui se dá por reproduzido (85º);

70 – Pelo menos até Junho de 1979, a doadora emitiu e assinou com a sua letra normal os recibos referentes à pensão mensal e vitalícia que onerava a doação, relativos aos meses de Fevereiro a Junho de 1979 (99°);

71 – D. II, irmã do R., faleceu, a ........78, aos 59 anos de idade, devido a cancro da mama (102° e 103°);

72 – O R. auxiliava a Dª. GG na administração dos seus bens e tratava-lhe de assuntos pessoais, sempre que esta entendia necessário (1040);

73 – O R., logo após a doação e ainda em vida de Dª. GG, e posteriormente, através da “HH, Lda”, considerou a casa e todas as terras envolventes como de sua pertença, administrando-as, ocupando-as, fazendo limpezas, reparações e cultivos, colhendo os respectivos frutos e pagando os encargos inerentes, ininterruptamente, à vista de toda a gente e sem violência (1050, 1070 e 109°);

74 – Sem que, desde 1979 e até ao surgimento do presente litígio, tivesse existido oposição, dúvida ou disputa sobre as referidas terras (106° e 1080);

75 – A Dª GG, na qualidade de proprietária, tinha acesso à caderneta predial correspondente ao artigo de matriz …º, secção 30-37 da freguesia de ... (1150 e 1180);

76 – A Dª GG nunca alterou a composição deste artigo (1160 e 117°);

77 – A Dª GG declarou fazer a doação, nos termos constantes do documento 92 a 94, com conhecimento dos limites e área do prédio aí identificado (124º e 125°).

                                                       *

3 – Na respectiva resposta ao pedido de ampliação do âmbito do recurso, formulado pelos recorridos, sustentaram os recorrentes que tal pedido de ampliação é, processualmente, inadmissível, ao que aqueles nada vieram objectar.

       Apreciando:

                                                        /

       Dir-se-á, antes de mais, que, atento o preceituado no art. 641º, nº5 do CPC e por maioria de razão ou, pelo menos, por analogia, o despacho de admissão da sobredita ampliação, constante de fls. 3471, não nos vincula.

       Isto dito, tem de reconhecer-se que os recorrentes têm razão quando defendem a inadmissibilidade da mencionada ampliação.

       Na realidade, os recorridos não decaíram em qualquer fundamento da sua defesa, pela simples razão de que as instâncias nem chegaram a conhecer da questão da invocada usucapião a favor daqueles, por a haverem tido por prejudicada pelas decisões finais proferidas.

       Acresce que, a admitir-se a ampliação, seria este Supremo colocado na heterodoxa posição de vir a conhecer “ex novo” duma questão não apreciada e decidida nas instâncias, com indevida supressão de dois graus de jurisdição e frontal violação ulterior do que decorre do preceituado no art. 679º, com referência ao nº2 do art. 665º, ambos do CPC.

       Termos estes em que não se admite a pedida ampliação do âmbito do recurso.

                                                *

                                                *

                                                *

                                                *

4I – O litígio que opõe as partes, não obstante a sua aparente complexidade, resume-se, em última análise, a determinar se os legados constantes do testamento efectuado, em 25.11.65, por Dª GG, foram objecto de tácita revogação através da doação em que a mesma interveio, na qualidade de doadora, na escritura pública outorgada, em casa, pelo notário do 7º Cartório Notarial de Lisboa, em 14.02.79.

       Na apreciação e decisão duma tal questão, terá de ser tida, exclusivamente, em consideração a factualidade provada tal qual nos chega das instâncias, certo como é que o Supremo Tribunal de Justiça é, essencialmente, um tribunal de revista, que apenas conhece de matéria de direito (art. 33º da Lei nº 52/2008, de 28.08 – L. O. F. T. J.Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais) e que aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado (art. 682º, nº1, do CPC), só podendo alterar a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto no caso excepcional – que, aqui, não ocorre – previsto no nº3 do art. 674º do mesmo Cod., ou seja, no caso de haver ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova. Dito de outro modo e como, impressivamente, se decidiu nos Acs. deste Supremo, de 14.12.06 – Proc. 06B3487.dgsi.Net – e de 19.12.06 – Proc. 06B4112.dgsi.Net –, a mencionada faculdade excepcional encontra-se limitada à matéria sujeita a prova vinculada ou ao caso de desconsideração do valor legal das provas, o que, como já se referiu, aqui não ocorre.

       Improcedendo, pois, as correspondentes conclusões formuladas pelos recorrentes.

                                                    /

II – Como emerge da factualidade provada – e, como referido, aqui imodificável – complementada e integrada com o teor do testamento efectuado por Dª GG, em 25.11.65, teor do averbamento efectuado, a requerimento daquela, em 18.10.68, à descrição predial do imóvel nº …, da 2ª Conservatória do Registo Predial de ... e, finalmente, do teor da escritura pública outorgada, em casa da doadora, pelo notário do 7º Cartório Notarial de Lisboa, em 14.02.79:

--- D. GG outorgou, em 25.11.65, um testamento (fls. 32 a 42);

--- Através de tal testamento, a testadora deixou metade da terra do ... ao Eng. AA e deixou à A. “Cruz Vermelha Portuguesa” todo o remanescente da sua herança com excepção de alguns bens identificados no mesmo testamento;

--- Em 18.10.68, Dª GG requereu a rectificação da descrição predial nº … correspondente à “...”, que destinara, em testamento, a II (respectivo usufruto vitalício) e, sucessivamente quanto à respectiva propriedade, aos filhos desta “se os tiver” ou a NN;

--- Por virtude de tal correcção, passaram a estar abrangidos na descrição predial em causa prédios que tinham sido mencionados no testamento como destinados a integrar o objecto de legados efectuados;

--- Em 14.02.79, Dª GG declarou em escritura pública, entre o mais, “Que é proprietária da ..., constituída pelo prédio rústico inscrito na matriz cadastral da freguesia de ..., concelho de Oeiras, sob o art. 102, secção 30 – 37, com o rendimento colectável de Esc. 24 877$00…e também pelo prédio urbano…inscrito na matriz da freguesia de ... sob o art. 2056, com o rendimento colectável de Esc. 6 124$00…, propriedade essa que no seu conjunto se encontra descrita, sob o nº …, a fls. 176 do Livro ..., na Conservatória do Registo Predial de Oeiras e, aí, inscrito a seu favor sob o nº …, a fls. … do Livro … (…) Que…faz doação ao segundo outorgante, EE, da supracitada propriedade da ... e seus pertences, constituída pelos arts. matriciais acima indicados…ficando contudo o mesmo donatário, ou seus herdeiros, com a obrigação de lhe dar, enquanto viva for, a pensão mensal de Esc. 18 000$00, que lhe será paga , nos primeiros dez dias do mês a que disser respeito, na sua residência”;

--- Na mesma escritura, foi feito, igualmente, constar “PELO SEGUNDO OUTORGANTE” – o mencionado EE – “FOI DITO…que aceita esta doação nos termos em que é efectuada e se obriga ao pagamento da pensão supra indicada”;

--- Através do mencionado averbamento de 18.10.68, procedeu-se à correcção, a requerimento de Dª GG, da descrição predial do imóvel nº …, a fls. ... do Livro … da 2ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras, denominado, desde 1867, “...” e que, anteriormente ao averbamento, constava como correspondendo ao prédio urbano inscrito na matriz urbana sob o art. …º e rústica sob o art. …º;

--- Em consequência de tal averbamento, ficou, correspondentemente, a constar: “A descrição supra nº … é mais exactamente composta de: a) – Prédio rústico com a área de 456 450 m2, denominado Quinta …, inscrito na matriz cadastral rústica no art. …º - Secção 30 – 37, com o rendimento colectável de Esc.13 093$00; e b) – Prédio urbano, sito em …, ..., a confrontar…Inscrito na matriz sob o art. …, com o rendimento colectável de Esc. 6 124$00.

                                                               /

III – Aqui chegados, cumpre, antes de mais, observar que, não sendo colocadas quaisquer dúvidas, por qualquer das partes, quanto à interpretação do testamento efectuado por Dª GG, não se justifica, salvo o devido respeito, que nos debrucemos sobre a correspondente temática.

       Por outro lado, entendemos – também sem quebra do respeito devido – que o contrato de doação não pode, à sombra do vigente CC, deixar de ser considerado e qualificado como um contrato de natureza gratuita: é o que, sem dúvida, decorre da correspondente definição constante do art. 940º, nº1, do CC, sendo, por outro lado, a posição sustentada, designadamente, pelo Prof. I. Galvão Telles (“Manual dos Contratos em Geral”, 2002, pags. 481), pelo Prof. Menezes Leitão (“Direito das Obrigações”, Vol. III, 4ª Ed., pags. 175) e pelos Profs. Pires de Lima e Antunes Varela (“CC Anotado”, Vol. II, 4ª Ed., pags. 268/269).

       Na lição destes insignes Mestres civilistas, em anotação ao art. 963º do CC, epigrafado de “Cláusulas modais”: “Entende-se por cláusula modal a determinação do doador que impõe ao donatário um ónus ou encargo. As doações modais tinham no código de 1867 o nome de onerosas (art. 1454º, § 3º), designação infeliz pela confusão a que podia dar lugar. A designação sugeria, na verdade, que o encargo transformava em oneroso o contrato gratuito, quando o modo é, por conceito, incompatível com a ideia de onerosidade. Nos contratos onerosos, as prestações que incumbem às partes constituem as suas prestações correspectivas – são partes integrantes e obrigatórias do negócio realizado –, enquanto que, nos contratos gratuitos, os encargos (modo) impostos ao beneficiário, sendo meras cláusulas acessórias, funcionam como simples limitações ou restrições à prestação do disponente (liberalidade) e não como seu correspectivo (…) Afirmando explicitamente que as doações podem ser oneradas com encargos, o art. 963º, nº1, quer precisamente realçar o facto de a atribuição donativa não deixar de ser liberalidade pelo facto de o donatário assumir a obrigação de realizar certa prestação: concepção muito diferente da que exprimia a redacção enganadora do art. 1455º do Código de 1867, quando, inspirada na teoria savignyana das duas causas, afirmava que «a doação onerosa só pode ser considerada como doação, na parte em que exceder o valor dos encargos impostos».     

       Não obstante, a qualificação que acaba de ser efectuada não assume qualquer relevância, no caso dos autos. É que, estando em causa um negócio de natureza formal, como é o caso da doação de imóvel (Cfr. arts. 947º, nº1 e 219º, ambos do CC), nunca a declaração negocial poderá valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso, podendo, no entanto, valer um tal sentido se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade (Art. 238º do CC).

       Ora, sem curar, por desnecessário, desta última exigência legal, impõe-se-nos consignar, em matéria de direito da competência deste Supremo, que as instâncias não violaram, na fixação da correspondente matéria de facto, o critério interpretativo dimanado do invocado preceito legal: não só a posição a propósito sustentada pelos recorrentes não tem no texto da respectiva escritura pública qualquer correspondência, ainda que imperfeitamente expressa – antes pelo contrário –, como também se mostra ocioso acentuar que não pode vislumbrar-se, a esse mesmo propósito, qualquer coincidência entre a vontade real das partes, a qual é totalmente antagónica, como os presentes autos evidenciam, à saciedade.

                                                     /

IV – Devendo, assim, manter-se a factualidade fixada pelas instâncias e extraída do que o texto da mencionada escritura evidencia, tem de ser trazido à colação o preceituado no art. 2316º do CC, epigrafado de “Alienação ou transformação da coisa legada”.

       Dispõe-se, com efeito, em tal preceito legal:

       “A alienação total ou parcial da coisa legada implica revogação correlativa do legado; a revogação surte o seu efeito, ainda que a alienação seja anulada por fundamento diverso da falta ou vícios da vontade do alheador, ou ainda que este readquira por outro modo a propriedade da coisa (1)

       …(2)

       É, porém, admissível a prova de que o testador, ao alienar…a coisa, não quis revogar o legado (3)”.

       No caso dos autos, constata-se que a testadora Dª GG, através da escritura pública outorgada em 14.02.79, transmitiu, validamente, para o donatário e R., EE, o direito de propriedade incidente sobre um prédio que abrangia o objecto de alguns dos legados efectuados no testamento por si lavrado em 25.11.65, certo como é que a doação é “o contrato pelo qual uma pessoa, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um direito, ou assume uma obrigação, em benefício do outro contraente”, exigindo o mesmo três requisitos, na lição dos Profs. Pires de Lima e Antunes Varela[3]: a) – Disposição gratuita de certos bens ou direitos, ou assunção de uma dívida, em benefício do donatário, ou seja, a atribuição patrimonial sem correspectivo; b) – Diminuição do património do doador; e c) – Espírito de liberalidade.

       Ainda segundo estes renomados civilistas[4], a mencionada alienação “revela, no entender da lei, desde que se trate do legado de coisa determinada, a vontade de revogar a disposição” (testamentária) “por forma não menos relevante ou convincente do que a efectuada por meio de escritura pública”.

       Houve, pois, nos termos assinalados pelas instâncias, correspondente revogação tácita dos legados antes efectuados pela doadora e abrangidos ou integrantes do prédio doado, nos termos que emergem da factualidade provada, certo como é, ainda, que dos autos resulta que não foi efectuada nenhuma da prova prevista no nº3 do citado art. 2316º, por forma a poder atribuir-se à sobredita doação um significado e alcance diferentes dos que decorrem do estipulado no nº1 do mesmo art. e foram – bem – captados pelas instâncias.

       Devendo, finalmente e a este propósito, salientar-se que este último ónus de prova impendia sobre os AA., porquanto a existência do correspondente facto só aos mesmos, que não aos RR., traria proveito: o donatário só sairia prejudicado com tal prova, porquanto a respectiva ocorrência poderia determinar a subsistência dos legados tacitamente revogados pela doação (Cfr. arts. 414º do vigente CPC e 516º do CPC na pregressa redacção).

       Improcedendo, assim, as, não obstante, doutas conclusões formuladas pelos recorrentes.

                                                       *

5 – Na decorrência do exposto, acorda-se em negar a revista, confirmando-se, pois, o douto acórdão recorrido.

      Custas pelos recorrentes.

                                                       /

                                          Lx      09 /   12  /2014     /     

Fernandes do Vale (Relator)

Ana Paula Boularot

Pinto de Almeida

________________________
[1]  Relator: Fernandes do Vale (06/14)
   Ex. mos Adjuntos
   Cons. Ana Paula Boularot
   Cons. Pinto de Almeida
[2]  Com a alteração operada pela redução do pedido (a fls. 452/454), admitida a fls. 484.
[3]  In “CC Anotado”, Vol. II, 4ª Ed., pags. 237.
[4In “CC Anotado”, Vol. VI, pags. 498.