Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3304/06.5TTLSB.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO
ÍNDÍCIOS DE SUBORDINAÇÃO JURÍDICA
ACTIVIDADE DE NATUREZA TÉCNICA
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 05/04/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO DO TRABALHO - PRESTAÇÃO DO TRABALHO
Doutrina: - Maria do Rosário Palma Ramalho, ‘Direito do Trabalho’, Parte II, 3.ª Edição, pg. 32.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 1152.º E 1154.º.
CÓDIGO DO TRABALHO: - ARTIGOS 252.º, 253.º, N.º3.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 2.º, 13.º, 18.º E 53.º.
DL N.º 49.408, DE 24.11.1969 (LCT): - ARTIGOS 1.º, 85.º, N.º3.
LEI N.º 99/2003, DE 27 DE AGOSTO: - ARTIGO 8.º, N.º1.
Legislação Estrangeira: DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM: - ARTIGOS 7.º, 23.º
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 9.9.2009, REVISTA NºS 3246/06, 4.ª SECÇÃO,
-DE 4.11.2009, REVISTA N.º 322/06, 4.ª SECÇÃO
-DE 15.9.2010.
Sumário : I -   O contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviço distinguem-se, basicamente, pelo objecto e pelo tipo de relacionamento entre as partes: enquanto no primeiro se contrata a actividade subordinada, no segundo visa-se a prossecução de um determinado resultado, em regime de autonomia.

II -  Sempre que a actividade desenvolvida seja de natureza eminentemente técnica, é mais no âmbito do relacionamento entre as partes que hão-de buscar-se os indícios reveladores da matriz que os diferencia, a subordinação jurídica típica da relação juslaboral.

III - Perante a dificuldade probatória na identificação dos elementos de facto que integram a subordinação jurídica – consubstanciada no poder de conformação da prestação, orientação, direcção e fiscalização da actividade laboral em si mesma, com o correspondente poder disciplinar – a distinção faz-se pelo método tipológico, deduzindo-se dos factos indiciários, em juízo de aproximação, a qualificação que se demanda.

IV - Incumbe ao trabalhador o ónus de alegação e prova dos factos reveladores da existência de uma relação de natureza jurídico-laboral, porque constitutivos do direito que vem exercitar (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).

V - Na operação de apreciação e qualificação dos factos-índice é essencial averiguar qual a vontade das partes revelada quando procederam à definição dos termos do contrato.

VI - Na ponderação global dos indícios disponíveis, o convénio celebrado pelas partes, por escrito, titulado como “contrato de prestação de serviços”, não é susceptível de ser perspectivado como um contrato de trabalho quando, nos termos clausulados e na sua subsequente execução, se constata que o Autor era pago mediante uma prestação mensal variável, calculada em função do número de equipamentos assistidos, inexistindo qualquer retribuição fixa; era o Autor que escolhia fazer férias, quando e como, impondo-lhe a Ré apenas que se fizesse substituir por outro técnico, conquanto que avalizado por esta; as férias não eram remuneradas pela Ré, que também nunca entregou ao Autor qualquer quantia a título de subsídios de férias e de Natal; não se demonstrou que o Autor cumprisse efectivamente algum horário de trabalho; o Autor sempre emitiu os chamados “recibos verdes”, com eles titulando o recebimento das importâncias que lhe eram pagas pela Ré.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I –
1.
AA, devidamente identificado, intentou, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato de individual de trabalho, contra «BB – Equipamentos de Escritório, Ld.ª», pedindo que a acção seja julgada procedente e, em consequência, a ré condenada a:
a) Reconhecer o contrato de trabalho existente com o A.;
b) Efectuar os descontos para a Segurança Social desde a data de admissão do A.;
c) Atribuir ao A. a antiguidade e categoria que lhe pertenciam se tivesse sido contratado nos termos legais;
d) Pagar ao A. as seguintes quantias:
i. € 23.000,43,a título de compensação devida pela falta de gozo de férias;
ii. € 5.466,40, a título de subsídio de férias do período gozado;
iii. € 4.050,04, a título de retribuição e subsídio de férias do período gozado nos anos de 1993 a 1996;
iv. € 13.470,92, a título de subsídio de Natal;
v. € 30,093,49, a título de prejuízo sofrido pelo pagamento das despesas de deslocação abaixo do valor legal e pela falta de atribuição de veículo automóvel;
vi. € 1.352,34, a título de prejuízo sofrido por falta de pagamento de chamadas telefónicas;
vii.€ 2.400, a título de comparticipação para estudos;
viii.€ 1.144,37, a título de despesas de saúde por falta de atribuição do direito ao subsídio de doença;
ix. € 3.104,48, a título de juros vencidos por falta de pagamento atempado de subsídios de férias e de Natal;
x. Juros vincendos até efectivo e integral pagamento.
Alegou para o efeito, em resumo útil, que:
-Trabalha sob as ordens, direcção, e autoridade da R., como técnico de equipamentos, dedicando-se à assistência técnica e reparação de equipamentos comercializados pela R., desde 07 Agosto de 1992;
- Não obstante o contrato que vigorou entre A. a R. fosse um verdadeiro contrato de trabalho, foi-lhe conferida a aparência de um contrato de prestação de serviços, nomeadamente através da subscrição de dois acordos escritos com essa designação, o primeiro celebrado aquando da sua admissão, e o segundo em 02/09/1996, ambos elaborados pela R.;
- A R. nunca permitiu ao A. o gozo de mais de duas semanas de férias por ano, obstando ao gozo dos demais 12 dias úteis do ano;
- A R. nunca pagou ao A. subsídios de férias, nem subsídios de Natal;
- A R. tem técnicos ao seu serviço, com quem outorgou contratos de trabalho, e fornece a estes viatura e telemóvel de serviço, custeando todas as despesas inerentes aos mesmos, ao contrário do que sucede com o A., que tem que utilizar automóvel e telemóvel próprios;
- O A. efectua as deslocações em serviço com viatura própria, mas a R. tem reembolsado tais despesas com montantes inferiores aos legalmente estabelecidos;
- Apesar de até Dezembro de 2002 a R. ter suportado a totalidade das facturas de telemóvel do A., a partir dessa data deixou de o fazer, passando a pagar apenas uma parte das mesmas;
- A R. não atribuiu ao A. as regalias que proporciona aos seus empregados, a saber, seguro de saúde (abrangendo cônjuge e filhos), e comparticipação de despesas de estudo dos filhos.

A ré foi citada e contestou, dizendo, no essencial, que:
- Este Tribunal carece de competência, em razão da matéria, para apreciar o pedido de condenação da R. a pagar à Segurança Social as quantias correspondentes aos descontos para esta entidade;
- Ainda que assim se não entendesse, os créditos relativos a contribuições para a Segurança Social vencidos até 03/10/2001 encontram-se prescritos;
- O vínculo que vigorou entre A. e R. não é de qualificar como contrato de trabalho, mas sim como um contrato de prestação de serviços.

O A. respondeu às excepções, pugnando pela sua improcedência.
Proferido despacho saneador, foi a excepção de incompetência absoluta julgada improcedente, tendo o conhecimento da excepção de prescrição sido relegado para a sentença final.
Foi ainda dispensada a realização da audiência preliminar bem como a selecção dos factos assentes e controvertidos.

A R. agravou do despacho saneador, na parte em que julgou improcedente a excepção de incompetência absoluta.
Admitido o recurso foi o mesmo julgado procedente, tendo a R. sido absolvida da instância relativamente ao pedido de condenação na efectivação de descontos para a Segurança Social, bem como no pagamento dos respectivos juros de mora.

O A. apresentou articulado superveniente, alegando que a R. lhe comunicou a cessação o contrato, prescindindo do seu trabalho com efeitos a partir do dia 02/03/2007, pelo que considera que foi ilicitamente despedido.
Em consequência, pede que para além dos pedidos inicialmente formulados, a R. seja ainda condenada a:
- Pagar ao A. as retribuições vencidas e vincendas até à data do trânsito em julgado da sentença;
- Pagar ao A. todos os danos patrimoniais que lhe causou;
- Reintegrar o A. no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, podendo o A. optar, em substituição da reintegração, por uma indemnização não inferior a 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade;
- Pagar ao A. juros de mora sobre as quantias acima referidas.

A R. respondeu ao articulado superveniente, sustentando que se limitou a denunciar o contrato de prestação de serviços, nos termos previstos na sua cláusula décima primeira.

Admitido o aditamento de novos pedidos e causa de pedir, nos termos expostos no articulado superveniente, realizou-se a audiência de julgamento.
A final, veio a ser proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolveu a R. de todos os pedidos formulados.

2.
O autor, inconformado, interpôs recurso de Apelação, sem sucesso, já que a Relação de Lisboa, julgando improcedente a impugnação, manteve a sentença recorrida.

Ainda irresignado, insurge-se ora mediante o presente recurso de Revista, cujas alegações remata com este quadro conclusivo:
1 - Refere o douto acórdão que a factualidade apurada é escassa para poder concluir pela existência de um contrato subordinado; no entanto, fez um raciocínio a contrario sensu, não dando relevância a factos e indícios que claramente revelam a existência de um contrato de trabalho.
2 - E fundamenta tal decisão no facto de não ter ficado provado se o A. cumpria efectivamente algum horário, com o facto da retribuição ser variável, não haver retribuição de férias e demais subsídios, nada se provou quanto ao regime de faltas e (poder) disciplinar, indica a emissão de recibos verdes como outro indício de prestação de serviços e refere que o local de trabalho no caso dos autos não é factor de distinção.
3 - Ora, trata-se de indícios com cariz meramente formal; estes factos afiguram-se nada decisivos em face da divergência que está na origem do presente litígio.
4 - Os factos mencionados, nomeadamente, a falta de retribuição de férias e demais subsídios, a fixação da forma de retribuição, emissão de recibos verdes, são destinados a disfarçar a natureza da relação de trabalho e resultam de uma contratação que pretende fugir às obrigações legais, laborais e fiscais.
5 - Quanto ao horário de trabalho, ficou provado que a R. fixou ao A. o horário de trabalho das 9h às 12h30, das 14h às 18h que consta dos acordos por aquela elaborados, que não admitiu quaisquer sugestões quanto ao seu teor (cfr. factos 3, 4 e 5).
6 - Ora, salvo melhor opinião, o que constitui indício de subordinação jurídica é o facto de ter sido fixado um horário de trabalho dentro do qual o A. tem que prestar a sua actividade, por contraposição à prestação de serviços que é livremente prestada sem sujeição a horário, e não o facto de o A. cumprir ou não o horário.
7 - Justifica ainda o Douto Acórdão que o local de trabalho no caso dos autos não é factor de distinção; mais uma vez não se vê razão em tal ilação, pois a zona geográfica como local de trabalho foi definido pela R., e obviamente no interesse desta, não podendo o A. livremente fixar os locais onde prestar a actividade.
8 - Quanto ao facto da retribuição ser variável, está longe de ser uma característica do contrato de prestação de serviços, pois a retribuição variável, não raro surge como fórmula especial de pagamento da actividade do trabalhador, exercida em termos de subordinação jurídica (vd. António Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 13.a Edição, pag.142).
9 - No âmbito das relações laborais é cada vez mais frequente o pagamento de retribuição variável, calculada em função dos resultados do trabalho (vide art.252.0 CT), considerada como um incentivo à produção.
10 - Irrelevante se mostra, o facto de não de "nada se provou quanto ao regime de faltas e disciplinar", pois tal só se verificaria caso o A. tivesse incumprido, faltasse ou tivesse desobedecido e, atento este comportamento do recorrente, tivesse sido ou não aplicada qualquer sanção por parte da Ré.
11 - O raciocínio do tribunal a quo, sem qualquer razão de ciência, foi feito a contrario: não existe subordinação jurídica porquanto a actividade foi desenvolvida com autonomia; logo, não estamos perante um contrato de trabalho, devendo a destrinça assentar em raciocínio diverso, ou seja, caso o poder directivo seja ténue (o que não acontece no caso em apreço pois desde o início da celebração dos contratos a R. demonstrou fortemente o seu poder directivo), a subordinação jurídica afere-se com recurso a outros indícios, os quais se encontram explanados infra, de onde claramente resulta que a situação jurídica mantida entre o ora recorrente e a Ré, era de natureza laboral, atenta a posição de supremacia do credor da prestação de trabalho e a correlativa posição de sujeição do trabalhador, cuja conduta pessoal, na execução do contrato, está necessariamente dependente das orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem.

12 - Por conseguinte, ao contrário do decidido no Douto acórdão, que contraria a tendência legislativa actual, bem como a maioria da jurisprudência e doutrina, a factualidade é efectivamente escassa para poder concluir pela existência de um contrato de prestação de serviços.
13 - Para distinguir o contrato de trabalho do contrato de prestação de serviços a jurisprudência e doutrina têm-se socorrido de dois critérios: o da actividade e o da subordinação jurídica.
14 - Um dos critérios de distinção entre contrato de trabalho e de prestações de serviços é a contraposição do resultado do trabalho (como objecto do contrato) à actividade, em si mesma, que caracterizava o contrato de trabalho.
15 - No trabalho autónomo o objecto do compromisso é o resultado da mesma actividade, sendo os meios necessários para o tornar efectivo de livre escolha e organização por parte do trabalhador.
16 - No contrato de trabalho, pelo contrário, o objecto do compromisso é a própria actividade do trabalhador, que a entidade patronal organiza e dirige no sentido de um resultado que está fora do contrato.
17 - Sendo que o que está aqui em causa é a actividade do trabalhador, citando António Lemos Monteiro Fernandes in Noções Fundamentais de Direito de Trabalho I, Almedina, pág. 34 " … que a outra parte organiza e dirige no sentido de um resultado que está por seu turno fora do contrato" mais adiante, pág. 36 e 37 refere que "o trabalhador obriga-se a colocar e manter aquela força de trabalho disponível pela entidade patronal enquanto o contrato vigorar ", o recorrente obrigou-se a manter com a R./Recorrida disponibilidade diária "o trabalhador não se obriga apenas a despender mecanicamente certa "quantidade" de energia, cuja aplicação compete ao empregador determinar em cada momento, (…): ele deve, antes do mais, colocar e manter à disposição da entidade patronal a disponibilidade da sua força de trabalho (…); o fim da actividade só é relevante se e na medida em que for ou puder ser conhecida pelo trabalhador (…); o processo em que a actividade do trabalhador se insere é naturalmente pontuado por uma série de objectivos ou, na terminologia dos autores Alemães, fins técnico-laborais, os quais, ou uma parte dos quais, se pode exigir e presumir sejam nitidamente representados pelo trabalhador. "
18 - "A relevância do fim da actividade comprometida pelo trabalhador manifesta­-se, antes de tudo, no elemento diligência que integra o comportamento por ele devido com base no contrato", citando o supra citado Autor.

19 - Ora a actividade desenvolvida pelo ora recorrente, a par dos demais técnicos, foi desenvolvida com zelo e diligência, com o intuito de reparar as avarias nos equipamentos dos clientes da Ré.
20 - "A colocação do acento tónico no resultado do trabalho significa, além do mais, que o processo conducente à produção dele, a organização dos meios necessários e a ordenação da actividade que o condicionam, estão, em princípio, fora do contrato, não são vinculados, mas antes determinados pelo próprio fornecedor do mesmo trabalho."
21 - Assim, a doutrina e a jurisprudência entendiam, de forma pacífica, que o elemento que permite distinguir o contrato de trabalho de outros contratos afins, nomeadamente do contrato de prestação de serviços, é o da subordinação jurídica.
22 - Citando António Lemos Monteiro Fernandes in Noções Fundamentais de Direito de Trabalho I, Almedina, pág. 54 e 55: " o saber-se se existe ou não contrato de trabalho depende, (...) de se saber se, na relação jurídica em causa, o trabalhador está ou não subordinado; mas para se chegar a tal conclusão, é necessário recorrer a outros meios, quer dizer, a elementos concretos que constituem indícios de subordinação ou da existência de contrato de trabalho. (...) Em termos gerais serão aspectos parcelares da relação de trabalho, presentes na sua normal conformação concreta, os quais funcionarão assim como índices da existência do correspondente contrato. Citaremos, entre outros que a doutrina e a jurisprudência têm proposto, a propriedade dos instrumentos de trabalho (se pertencerem ao empregador, presumir-se-á a existência de subordinação), a natureza do local de trabalho (...), a natureza da prestação, a fórmula da remuneração (sugere contrato de trabalho a remuneração certa, em função do tempo, quer dizer semanal, quinzenal ou mensal...), a existência de horário de trabalho. Como se verá nenhum destes índices é absolutamente conclusivo, já que correspondem apenas ao esquema típico da relação de trabalho subordinado".
23 - "No elenco dos indícios de subordinação, é geralmente conferido ênfase particular aos que respeitam ao chamado "momento organizatório" da subordinação: a vinculação a horário de trabalho, a execução da prestação em local definido pelo empregador, a existência de controlo externo do modo de prestação, a obediência a ordens, a sujeição à disciplina da empresa – tudo elemento tirados da situação típica de integração numa organização técnico-laboral predisposta e gerida por outrém."
24 - "A subordinação pode não transparecer em cada instante do desenvolvimento da relação de trabalho. Antes de mais, porque é suficiente um estado de dependência potencial (conexo à disponibilidade que o patrão obteve pelo contrato); não é necessário que essa dependência se manifeste ou explicite em actos de autoridade e direcção efectiva. Isto é tanto mais real quanto mais se avança na sofisticação e diferenciação das qualificações profissionais. Muitos trabalhadores conhecem melhor o trabalho que têm a fazer do que o próprio empregador. "
25 - "Esta é a noção adquirida em todos os sistemas. Entre nós já se recolhia de um Ac. S.T.A. de 22/6/43, segundo o qual "existe subordinação jurídica do trabalhador para com um patrão logo que este tenha o direito de lhe dar ordens ou de dirigir ou fiscalizar o seu serviço, não se exigindo que de facto e permanentemente o faça".
26 - "Um trabalhador subordinado, coberto pelo Direito do Trabalho, pode não ter ordens para cumprir e ser economicamente independente (que como ficou provado não é o caso do Recorrente). Que resta então? Resta o elemento-chave que é o facto de o trabalhador não agir no seio de uma organização própria – antes se integrar numa organização de meios produtivos alheia, dirigida à obtenção de fins igualmente alheios, o que implica, da sua parte, a submissão às regras que exprimem o poder de organização do empresário – à autoridade deste, em suma, derivada da sua posição nas relações de produção." (Fernandes, António Monteiro, Direito do Trabalho, 13.a Edição, Almedina).
27 - Efectivamente, no caso em apreço, o certo é que a actividade era desenvolvida pelo A. no seio de uma organização de meios produtivos alheia e não própria.
28 - Vejamos os factos provados caracterizadores da existência de um contrato de trabalho:
3- Em 07/08/1992 o A.,...e a R. celebraram o acordo escrito..., nos termos do qual, ficou estipulado que o R. se compromete a prestar "tarefas de manutenção aos equipamentos BB"; ... "A CC pagará por cada tarefa executada";
4- Em 02/09/1996 o A. e a R. celebraram o acordo escrito... e que estabelece nomeadamente que:
Cláusula segunda:
O Trabalho Contratado, Horário, Reporte e Nível de Serviço.
1. "O técnico prestará a sua assistência com autonomia mas em conformidade com o determinado nos manuais fornecidos pela CC e como tenha sido instruído pelo seu pessoal, tanto técnico como administrativo. (...)
3. O técnico compromete-se a efectuar os serviços que lhe competem de modo a que dê inteira satisfação à CC e aos seus clientes, segundo as boas regras do seu ofício, de acordo com os manuais referidos no ponto 1. desta cláusula(...)
4...compromete-se a colaborar com o pessoal da CC, fornecendo-lhe informações e aceitando sugestões que, no seu conjunto, tendem a aperfeiçoar a assistência convencionada ... "
5. A assistência será … prestada dentro do horário normal de trabalho do técnico, que fica estabelecido como das 9h às 12,30 e das 14h às 18h.
7...seguindo as instruções que receba para reporte da actividade desenvolvida, elaborando relatórios que enviará para o centro de assistência CC...
Cláusula Oitava
1. "O técnico não poderá em circunstância alguma e enquanto vigorar o presente contrato:
a) Celebrar com empresas do mesmo ramo de actividade (...) contratos iguais ou congéneres;
b) Divulgar informações escritas ou verbais ou pormenores relativos ao funcionamento dos equipamentos e às suas condições de comercialização (...);
5 - O texto dos acordos escritos, referidos em 3- e 4-, foi redigido pela R., que não admitiu que o A. fizesse quaisquer sugestões quanto ao seu teor, e lhe transmitiu que só outorgaria tal acordo nos exactos termos em que o redigiu;
- O Recorrente prestava a sua actividade de acordo com as orientações da R. e fazia relatórios diários da actividade prestada (factos 3-, 4-, 7-);
6 - Na sequência da celebração dos acordos referidos em 3- e 4-, desde 7/8/1992 até 23/01/2007 o A. prestou assistência técnica a clientes da R., mediante remuneração que esta lhe entregava mensalmente;
7 - A R. indicava diariamente ao A., através de telemóvel, quais os clientes e equipamentos a visitar para proceder a assistência técnica, por vezes dava indicação ao autor sobre prioridade de reparação no caso de clientes que considerava prioritários, e solicitava a entrega, ao final do dia, de relatório de reporte da assistência efectuada;
8 - A formação necessária ao exercício da actividade do A. foi ministrada pela R. e a expensas desta;
9 - Na reparação dos equipamentos dos clientes da R., o A. utilizava um computador portátil, produtos de limpeza, jogos de chaves e alicates necessários à execução do trabalho fornecidos pela R. e pertencentes a esta;
11 - A R. atribuiu ao A. o número n.03636, o qual se destinava a identificar o A. no sistema informático da R.
16 - A R. entregava ainda, mensalmente,... as quantias despendidas pelo A. em estacionamento, bem como parte das despesas relativas a refeições e quilómetros efectuados nas deslocações às instalações dos clientes da R.;
17 -... o A. enviou à R. carta na qual requer a regularização da relação laboral;
21 - Nos anos de 1993 a 1996 o A. fez férias no mês de Agosto;
23 - A partir do ano de 1997 o A. tirava férias duas semanas por ano, ... ;
- A R. tem ao serviço técnicos, com funções de assistência técnica a equipamentos, com os quais celebrou acordos intitulados "contratos de trabalho", gozam das condições constantes do "Manual do Colaborador", e a quem reconhece o "estatuto" de trabalhadores do seu "quadro de pessoal" (27- e 28-);
27 - A R. tem ao serviço técnicos, com funções de assistência técnica a equipamentos, com os quais celebrou acordos intitulados "contrato de trabalho", e a quem reconhece o "estatuto" de trabalhadores do seu "quadro de pessoal";
- A R. entregava ainda, mensalmente, as quantias despendidas pelo A. em estacionamento, bem como parte das despesas relativas a refeições e quilómetros efectuados nas deslocações às instalações dos clientes da R. (16-);
37 - Até Abril de 2003 a R. entregava ao A., o valor total da factura do telemóvel deste;
38 - A partir de Maio de 2003, a R. passou a suportar as despesas de telemóvel do A., apenas até ao limite de € 50 por mês;
39 - A partir de Setembro de 2005, a R. deixou de pagar as chamadas telefónicas realizadas a partir das 20 horas e no fim-de-semana;
44 - Em 23/01/2007 o A. entregou à R. todos os materiais, ferramentas e demais instrumentos pertencentes à R. que tinha em seu poder.
45 - No período temporal referido em 6-, o A. não exerceu qualquer outra actividade profissional remunerada.
- A actividade que o A. exercia ficou sujeita, por imposição da R., ao regime de exclusividade, em virtude daquele não poder, em circunstancia alguma e enquanto vigorar o contrato, celebrar com empresas do mesmo ramo de actividade (...) contratos iguais ou congéneres, nem divulgar informações escritas ou verbais ou pormenores relativos ao funcionamento dos equipamentos e ás suas condições de comercialização;
46 - Normalmente o autor tinha o dia todo ocupado com reparações.
29 - Da matéria em questão decorre que era a R. a determinar ao A. a zona geográfica em que prestava a "assistência técnica em questão", os equipamentos em que o fazia, bem como o horário dessa prestação, indicando diariamente os locais de trabalho e fiscalizando o resultado através dos relatórios diários que exigia.
30 - O A. estava adstrito à observância das regras organizativas da R. e à obtenção de fins desta última, para o que (além do mais) exercia as suas funções em conformidade com as regras de execução impostas por aquela e utilizava apenas as ferramentas e materiais que pela mesma lhe eram fornecidos.
31 - Era a R. quem dirigia a execução do trabalho pelo A., pois estava dependente das orientações da R. para exercer a sua actividade, que lhe indicava diariamente quais os clientes onde devia prestar a tal assistência e sendo certo que, apesar da apregoada autonomia, até lhe indicava as reparações que devia realizar prioritariamente, sempre dentro do horário de trabalho determinado pela R.
32 - No final do dia o A., a solicitação da R., apresentava relatório da assistência efectuada, o que leva a concluir que a sua actividade era sujeita a controle.
33 - A R. ministrou ao A. toda formação necessária ao exercício da sua actividade.
34 - Estes factos apontam no sentido da verificação de autoridade e direcção da R. (como empregador) sobre o A., ao qual até exigia exclusividade e sigilo, sobre o seu trabalho, o que configura um dever acessório típico da prestação laboral.
35 - Acresce ainda que, a R. suportava as despesas de telefone, estacionamento, refeições e quilómetros efectuados nas deslocações às instalações dos clientes da R.
36 - Atribuindo ao A. um número, no seguimento da organização funcional da empresa, que aparecia em diversos documentos emitidos pela R.
37 - Da análise conjunta dos factos provados não pode afirmar-se que o objecto do compromisso ou vínculo contratual assumido pelo A. perante a R. seja apenas o resultado de uma actividade que era desenvolvida de forma autónoma, pelo contrário.
38 - Todos estes elementos denotam uma forma de inserção do trabalhador na organização funcional da empresa e apontam para a existência do requisito de subordinação jurídica que constitui elemento basilar do contrato de trabalho.
39 - Sendo igualmente de ter em conta o pagamento dos quilómetros efectuados, bem como inicialmente o pagamento da totalidade da factura telefónica, e ultimamente o pagamento do valor de 50€ mensais independentemente do valor que o A. gastasse a tal título.
40 - Ora, numa prestação de serviços não ocorre este tipo de prestações, nem tão pouco os valores são estabelecidos discricionariamente por uma das partes, o que revela mais uma vez o poder directivo da R.
41 - Ao A. era vedado prestar actividade a empresas do mesmo ramo ou concorrentes da R., o que constitui uma restrição à liberdade de trabalho e o estabelecimento de um vínculo à R.
42 - Cumpre questionar que tipo de prestador de serviços é este que prestava assistência técnica das 9h às 12h30, das 14h às 18h e em regime de exclusividade, o que na prática equivale a estar dependente dessa actividade.
43 - É também caracterizador de uma relação laboral, a dependência económica e um único beneficiário de actividade, o que ficou provado nos autos pois no período temporal em que trabalhou para a R. o A. não exerceu qualquer outra actividade profissional remunerada, facto que deveria ser tido em conta na qualificação do contrato.
44 - Como poderia pretender-se não existir contrato de trabalho, se o A. não podia exercer a profissão e ofício a que está habilitado para outras empresas.
45 - A menos que se considere que não havia contrato de trabalho porque aos fins-de-semana e a partir das 18h, obviamente sem descanso, poderia ir trabalhar noutra actividade, o que configura uma situação algo rebuscada.
46 - Ainda que não se entenda a exigência de exclusividade, o que por mera hipótese académica se admite, sempre se entenderá que a R. impôs ao A. o dever de lealdade, consagrado no art. 20.0 alínea d) L.C.T. (legislação aplicável ao caso em apreço).
47 - Estabelecia a alínea d) do art. 20.0 da L.C.T., como dever do trabalhador: "Guardar lealdade à entidade patronal, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ela, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios;"
48 - No contrato celebrado entre A. e R., a R. impôs, na cláusula oitava: "O técnico não poderá, em circunstância alguma e enquanto vigorar o presente contrato:
a) Celebrar com empresas do mesmo ramo de actividade da CC ou que, por qualquer forma, com ela concorram, contratos iguais ou congéneres;
b) Divulgar informações escritas ou verbais ou pormenores relativos ao funcionamento dos equipamentos e às suas condições de comercialização;".
49 - Ora, a exigência estipulada pela R. vais mais longe que o dever legal ao não permitir que o A. celebrasse, em circunstância alguma, contratos iguais ou congéneres, o que significa impedir que o A. trabalhasse para quaisquer outras empresas.
50 - De qualquer forma, caso não se entenda estarmos perante a exclusividade, sempre se terá de admitir que não negociar por conta própria ou alheia, nem divulgando informações, constitui um dever jurídico de lealdade do trabalhador, exclusivo das relações de trabalho.
51 - "O dever de não concorrência perfila-se como um restrição legal à liberdade de trabalho; (António Monteiro Fernandes, in "Direito do Trabalho", 13.a Edição).
52 - É legítimo perguntar como poderá pretender-se que existe um contrato de prestação de serviços que se caracteriza por ser autónomo e livre, se ao A. era vedado celebrar contratos com empresas do mesmo ramo de actividade ou que com ela concorram.
53 - O mesmo será dizer que a R. exigia que o A. prestasse a sua actividade em exclusividade para a R., pois àquele era vedado exercer a sua profissão ou ofício para quaisquer outras empresas.
54 - O termo exclusividade deve ser interpretado no sentido de não permitir ao trabalhador o exercício da sua profissão noutras empresas, obviamente durante o horário normal de exercício da profissão, sem prejuízo das horas normais de repouso, ou seja, uma exclusividade de profissão.
55 - À semelhança do que acontece na contratação laboral, foi a R. quem estabeleceu os termos pelos quais se iria reger a relação entre ambos, foi a R. que estabeleceu horário, local, e condições da prestação de trabalho, e redigiu ainda as demais cláusulas destinadas a disfarçar a natureza laboral do contrato.
56 - É entendimento jurisprudencial que existindo um contrato escrito denominado de «prestação de serviços» pode o prestador do trabalho demonstrar que esse «nomen juris» não corresponde à realidade, face ao comportamento das partes na execução do contrato e ao enquadramento em que o mesmo se desenvolve, sendo certo que a força probatória do documento escrito que as partes celebraram e a que atribuíram aquela qualificação se circunscreve à materialidade da declaração e não à sua exactidão, não se reflectindo, como tal, na relação material subjacente.
57 - Resultou provado que "o texto dos acordos escritos referidos em 3. e 4. foi redigido pela R., que não admitiu que o A. fizesse quaisquer sugestões quanto ao seu teor, e lhe transmitiu que só outorgaria tal acordo nos exactos termos em que o redigiu";
58 - Ora, as condições contratualmente estabelecidas não foram objecto de negociação e de consenso entre as partes, resultando antes da autoridade directiva de uma parte perante a outra, o que afasta o regime civilístico do contrato de prestação de serviços.
59 - Acresce que, como é sabido, o nomen juris dado ao contrato assume um diminuto relevo na qualificação da relação jurídica, pois é muitas vezes definido por meras razões de conveniência (ou mesmo com intuitos simulatórios, com vista a criar a aparência de autonomia da execução do trabalho e disfarçar a verdadeira natureza do vínculo contratual) e não representa um suporte declarativo inequívoco no sentido da escolha de um certo tipo contratual e da designação dada às partes.
60 - É corrente o uso de expedientes simulatórios, destinados a disfarçar a natureza das relações de trabalho e a evitar a qualificação de contrato de trabalho. Normalmente, esses expedientes visam a criação da aparência de autonomia na execução do trabalho. (in ‘Direito do Trabalho’, António Monteiro Fernandes).
61 - É caso de algumas expressões e consignações escritas pela R. nos acordos celebrados entre A. e R., às quais não admitiu qualquer tipo de alteração, conforme se encontra provado.
62 - Como poderá qualificar-se os contratos celebrados entre A e R. de prestação de serviços se não foram livremente negociados, pois R. a não admitiu que o A. fizesse quaisquer sugestões quanto ao seu teor, e lhe transmitiu que só outorgaria tal acordo nos exactos termos em que o redigiu (cfr. facto n.º 5).
63 - Tal constitui um desvio ao princípio da liberdade contratual que rege a celebração de contratos nos termos da Lei civil e evidencia uma contratação que pretende fugir às obrigações legais laborais e fiscais.
64 - Reflectindo a doutrina e jurisprudência pacíficas, (nomeadamente Ac. de 23 de Fevereiro de 2005 e Ac. de 16 de Janeiro de 2008, ambos do STJ, disponíveis para consulta em www.dgsi.pt, este último deverá ser seguido de perto, atenta a semelhança quer material, quer substancial da demanda e o facto da demandada ser a mesma que no caso em apreço, cujo sumário seguidamente se transcreve: "É de qualificar como de trabalho, o contrato escrito que as partes intitularam, aquando da celebração, de prestação de serviços, mediante o qual o autor, após um mês de formação técnica nas instalações da ré, passou a prestar a actividade para esta, em regime de exclusividade e em conformidade com os manuais da ré, que controlava o cumprimento do horário de trabalho do autor, lhe fornecia os instrumentos de trabalho, designadamente peças e ferramentas utilizadas nas reparações e manutenções, lhe ministrava várias acções de formação, além de jornadas de convívio, tendo o autor que estar sempre disponível ao longo do dia, não afastando tal qualificação o facto de a partir de determinada data o autor ter passado a emitir os recibos das quantias pagas pela ré em nome de uma sociedade da qual era sócio, de ter sido firmado pela ré e por essa sociedade um escrito visando a revogação do referido contrato, e de o autor nunca ter reclamado desta o pagamento do subsídio de férias ou de Natal, nem nunca terem sido efectuados descontados para a segurança Social."
65 - Qualificá-la de outro modo, dizendo que o sobredito contrato não é de trabalho, como o fez o Tribunal a quo, viola o principio da igualdade consagrado no art. 13.º da lei fundamental ("Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei."), bem como a segurança no emprego, art. 53° da C.R.P. ("É garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa...)", Princípios e Direitos directamente aplicáveis a todos os cidadãos e que vinculam todas as entidades, quer sejam públicas ou privadas de acordo com o disposto no art. 18.º da lei fundamental, e, que quer a Ré, quer, em última análise, o tribunal a quo deveriam ter respeitado, sob pena de se ver comprometido o Estado de Direito Democrático, atenta a nítida violação do art. 2.º da C.R.P: "A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa. "
66 - Não descurando, sumamente importante, que o acórdão ora em crise, violou a declaração universal dos Direitos do Homem, nos seus artigos 7.º e 23.º.
67 - Ante o que foi exposto, dispõe o tribunal de recurso de elementos bastantes para que a sentença proferida em 2a Instância seja substituída por outra que declare a existência de contrato de trabalho entre o ora Recorrente e a R. Recorrida.

A Recorrida contra-alegou, concluindo de modo igualmente exuberante.
Sustenta a manutenção integral do Acórdão recorrido por entender que, ao contrário do alegado pelo Recorrente, não se encontram provados nos Autos elementos bastantes para ser declarada a existência de um contrato de trabalho entre as partes.
O Acórdão recorrido, remata, interpretou e aplicou correctamente o art. 1.º da LCT, já que, tendo valorado o conjunto dos factos-índice em causa, formulou um juízo global de inexistência de subordinação jurídica e, em consequência, de inexistência de qualquer contrato de trabalho.
___
Neste Supremo Tribunal a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer no sentido de que, apreciados na sua globalidade, os índices disponíveis apontam para a existência de verdadeiros contrato de trabalho e não de prestação de serviços, pese embora o nomen juris que lhes foi atribuído.

Notificado às partes, a R./recorrida reagiu, concluindo pela não qualificação do contrato como de trabalho, como já antes fizera, devendo ser mantido o Acórdão da Relação.
Colheram-se os vistos legais.
Cumpre decidir.
__

II –
Fundamentação

1 – Dos Factos

À matéria de facto considerada provada em 1ª Instância, que o Acórdão ´sub judicio' reteve, há apenas que aditar ao respectivo alinhamento, a final, o n.º46, resultante da intervenção do Tribunal em sede da impugnação da respectiva decisão, como melhor adiante se explicitará.
É a seguinte:
1- A R. ‘BB – Equipamentos de Escritório, Ld.ª’ dedica-se à comercialização, em todo o país, de equipamentos de escritório, designadamente máquinas fotocopiadoras, faxes e impressoras, bem como à prestação de assistência técnica aos equipamentos fornecidos aos seus clientes;
2- Quando fornece máquinas aos seus clientes, a R. garante assistência técnica aos equipamentos fornecidos, seja gratuitamente durante o período de garantia, seja através de acordos de assistência técnica, e mediante uma prestação periódica em dinheiro, seja através de assistências avulsas, remuneradas em função dos concretos actos de reparação;
3- Em 07/08/1992 o A., AA, e a R. celebraram o acordo escrito intitulado “contrato de prestação de serviços”, cuja cópia se acha a fls. 16 a 19, no qual o A. é identificado como “contraente”, nos termos do qual, nomeadamente:
Cláusula primeira
O Contraente compromete-se a prestar “tarefas de manutenção aos equipamentos BB” nos locais em que estes se encontrem instalados.
Cláusula segunda
a) As tarefas a prestar são as constantes das listas definidas para cada produto, os quais incluirão limpeza e eventuais substituições de rotina.
b) (…)
c) (…)
d) Sempre que o Contraente detecte situações especiais que sejam relacionadas com a CC, deverá comunicá-lo de imediato através do controlador de trabalho.
e) O Contraente fará Relatórios de Serviço das tarefas executadas de acordo com o modelo (Anexo I).
f) O Contraente enviará semanalmente à CC os relatórios de Serviço referentes à actividade desenvolvida durante esse período de tempo. Estes servirão de base ao pagamento das tarefas efectuadas.
(…)
Cláusula Quarta
1. A CC proporcionará o treino necessário ao bom desempenho das tarefas, treino esse que não poderá ser recusado.
2. O treino será em regra ministrado nas instalações da CC (…) e terá duração variável conforme os produtos.
3. A CC suportará as despesas referentes à imobilização do Contraente, motivadas por treino, reuniões, etc., sempre que ocorram por conveniência da CC; de acordo com o tempo dispendido e o pagamento/hora em vigor (Anexo III).
Cláusula Quinta
Para o efeito de possibilitar ao Contraente a prestação de um serviço eficiente, o mesmo deverá dispor de ferramentas e materiais em quantidade e tipo indicadas e a fornecer pela CC. (Anexo IV)
(…)
Cláusula Sétima
2. O Contraente não poderá, em circunstância alguma, enquanto vigorar o presente contrato:
a) Divulgar informação escrita ou verbal ou pormenores relativos ao funcionamento dos equipamentos CC e as condições da sua comercialização;
b) Efectuar quaisquer modificações nos equipamentos, salvo indicação prévia da CC.
Cláusula Oitava
A CC pagará ao contraente por cada tarefa executada de acordo com a tabela anexa a este contrato (Anexo III).
(…)”
4- Em 02/09/1996 o A. e a R. celebraram o acordo escrito intitulado “contrato de prestação de serviços”, cuja cópia se acha a fls. 20 a 25, no qual o A. é identificado como “contraente”, e que estabelece nomeadamente o que segue:
Cláusula Primeira
a) O técnico obriga-se a prestar, no seu território, assistência técnica a equipamentos comercializados pela CC, nos locais em que se encontram instalados os seus clientes.
b) O território do Técnico é compreendido por SINTRA, ABRUNHEIRA, MEM MARTINS e RIO DE MOURO, sendo o centro geográfico da sua área a localidade de SINTRA.
c) (…)
Cláusula Segunda
1. O Técnico prestará a sua assistência com autonomia, mas em conformidade com o determinado nos manuais fornecidos pela CC e como tenha sido instruído pelo seu pessoal, tanto técnico como administrativo.
2. (…)
3. (…)
4. O Técnico compromete-se a colaborar com o pessoal da CC, fornecendo-lhe informações e aceitando sugestões que, no seu conjunto, tendam a aperfeiçoar a assistência convencionada.
5. A assistência será, em princípio, prestada dentro do horário normal de trabalho do técnico, que fica estabelecido como das 9,00 às 12,30 horas e das 14,00 às 18,00 horas. Alterações deste horário deverão ter acordo prévio da CC e devem harmonizar-se quanto possível com o horário desta.
6. O Técnico obriga-se a deslocar-se às instalações do cliente para dar início à reparação pedida por este ou pela CC dentro dos prazos máximos definidos de acordo com a descriminação de produtos constantes do Anexo II e estabelecidos segundo os objectivos da CC.
7. O Técnico seguirá instruções que receba para reporte da actividade desenvolvida, elaborando relatórios que enviará para o centro de assistência CC (…);
8. (…)
Cláusula Terceira
1. Os equipamentos (…) a que o técnico prestará a sua assistência são os designados pela CC (…)
Cláusula Quarta
1. A BB destinará pessoal seu para preparar o técnico ou com quem este em seu nome encarregue da assistência, treino que não poderá ser recusado.
2. O treino poderá ser ministrado em instalações da CC (…).
3. Se a assistência for prestada por pessoal do Técnico, este obriga-se a dispor de, pelo menos, um dos seus empregados com preparação técnica mínima adequado e aceites pela CC e treinado nos produtos CC (…);
4. A CC contribuirá com as quantias referidas no Anexo VII para despesas de estadia, refeições e imobilização do instruendo, além de que pagará os seus transportes (ida e volta) pelo meio disponível mais económico.
5. A CC suportará a totalidade dos custos do treino, sempre que se trate de novos produtos.
6. Serão suportados pelo técnico 50% dos custos inerentes a treino, sempre que, tratando-se de um novo empregado seu, não tenha decorrido um ano desde o treino inicial.
(…)
Cláusula oitava
(…)
1. O Técnico não pode, em circunstância alguma e enquanto vigorar o presente contrato:
a) Celebrar com empresas do mesmo ramo de actividade (…) contratos iguais ou congéneres;
b) Divulgar informações escritas ou verbais ou pormenores relativos ao funcionamento dos equipamentos e às suas condições de comercialização (…)”.
5- O texto dos acordos escritos referidos em 3. e 4. foi redigido pela R., que não admitiu que o A. fizesse quaisquer sugestões quanto ao seu teor, e lhe transmitiu que só outorgaria tal acordo nos exactos termos em que o redigiu;
6- Na sequência da celebração dos acordos referidos em 3. e 4., desde 07/08/1992 até 23/01/2007 o A. prestou assistência técnica a clientes da R., mediante remuneração que esta lhe entregava mensalmente;
7- A R. indicava diariamente ao A., através de telemóvel, quais os clientes e equipamentos a visitar para proceder a assistência técnica, por vezes dava indicação ao autor sobre prioridade de reparação no caso de clientes que considerava prioritários, e solicitava a entrega, ao final do dia, de relatório de reporte da assistência efectuada;
8- A formação necessária ao exercício da actividade do A. foi ministrada pela R. e a expensas desta;
9- Na reparação dos equipamentos dos clientes da R., o A. utilizava um computador portátil, produtos de limpeza, jogos de chaves e alicates necessários à execução do trabalho fornecidos pela R. e pertencentes a esta.
10- No computador referido em 9. estavam instalados programas informáticos específicos para os equipamentos da marca BB;
11- A R. atribuiu ao A. o número n.º 3636, o qual se destinava a identificar o A. no sistema informático da R. para efeitos de processamento dos “pagamentos” que lhe eram devidos, e para actualização permanente do inventário do material em reserva e ferramentas que lhe eram entregues;
12- A R. entregava ao A. mensalmente uma quantia em dinheiro, de montante variável, calculada em função do número de máquinas assistidas por este;
13- A lista dos equipamentos com garantia ou com “contratos de assistência” alterava-se frequentemente, implicando alterações do montante da quantia referida em 12;
14- Nos meses e anos abaixo indicados, a R. entregou ao A. as seguintes quantias:
a) 1992:
Setembro: Esc. 71.050$00;
Outubro: Esc. 74.700$00;
Novembro: Esc. 87.747$00
Dezembro: Esc. 77.226$00
b) 1993:
Janeiro: Esc. 78.728$00
Fevereiro: Esc. 80.818$00
Março: Esc. 80.029$00
Abril: Esc. 83.393$00
Maio: Esc. 73.493$00
Junho: Esc. 75.004$00
Julho: Esc. 81.520$00
Setembro: Esc. 84.685$00
Outubro: Esc. 84.133$00
Novembro: Esc. 80.628$00
Dezembro: Esc. 80.532$00
c) 1994
Janeiro: Esc. 81.464$00
Fevereiro: Esc. 81.123$00
Março: Esc. 81.021$00
Abril: Esc. 81.655$00
Maio: Esc. 82.237$00
Junho: Esc. 83.833$00
Julho: Esc. 92.914$00
Setembro: Esc. 88.975$00
Outubro: Esc. 91.863$00
Novembro: Esc. 95.841$00
Dezembro: Esc. 98.754$00
d) 1995
Janeiro: Esc. 93.960$00
Fevereiro: Esc. 100.760$00
Março: Esc. 91.260$00
Abril: Esc. 92.190$00
Maio: Esc. 100.170$00
Junho: Esc. 107.22000
Julho: Esc. 112.938$00
Setembro: Esc. 154.652$00
Outubro: Esc. 103.004$00
Novembro: Esc. 113.720$00
Dezembro: Esc. 118.640$00
e) 1996
Janeiro: Esc. 115.640$00
Fevereiro: Esc. 101.122$00
Março: Esc. 101.350$00
Abril: Esc. 102.320$00
Maio: Esc. 105.360$00
Junho: Esc. 83.300$00
Julho: Esc. 79.040$00
Setembro: Esc. 135.597$00
Outubro: Esc. 203.607$00
Novembro: Esc. 200.066$00
Dezembro: Esc. 210.079$00
f) 1997
Janeiro: Esc. 191.937$00 (acrescido de IVA)
Fevereiro: Esc. 196.270$00
Março: Esc. 232.102$00
Abril: Esc. 222.773$00
Maio: Esc. 220.637$00
Junho: Esc. 210.842$00
Julho: Esc. 145.200$00
Agosto: Esc. 286.569$00
Setembro: Esc. 195.359$00
Outubro: Esc. 211.395$00
Novembro: Esc. 216.092$00
Dezembro: Esc. 263.497$00
g) 1998
Janeiro: Esc. 289.772$00 (acrescido de IVA)
Fevereiro: Esc. 275.863$00 (acrescido de IVA)
Março: Esc. 248.518$00 (acrescido de IVA)
Abril: Esc. 246.905$00 (acrescido de IVA)
Maio: Esc. 241.546$00 (acrescido de IVA)
Junho: Esc. 273.187$00 (acrescido de IVA)
Julho: Esc. 262.033$00 (acrescido de IVA)
Agosto: Esc. 304.124$00 (acrescido de IVA)
Setembro: Esc. 264.644$00 (acrescido de IVA)
Outubro: Esc. 250.741$00 (acrescido de IVA)
Novembro: Esc. 318.799$00 (acrescido de IVA)
Dezembro: Esc. 304.609$00 (acrescido de IVA)
h) 1999
Janeiro: Esc. 339.494$00 (acrescido de IVA)
Fevereiro: Esc. 278.109$00 (acrescido de IVA)
Março: Esc. 271.507$00 (acrescido de IVA)
Abril: Esc. 276.054$00 (acrescido de IVA)
Maio: Esc. 266.603$00 (acrescido de IVA)
Junho: Esc. 255.191$00 (acrescido de IVA)
Julho: Esc. 269.394$00 (acrescido de IVA)
Agosto: Esc. 285.875$00 (acrescido de IVA)
Setembro: Esc. 255.699$00 (acrescido de IVA)
Outubro: Esc. 257.361$00 (acrescido de IVA)
Novembro: Esc. 259.122$00 (acrescido de IVA)
Dezembro: Esc. 259.122$00 (acrescido de IVA)
i) 2000
Janeiro: Esc. 242.378$00 (acrescido de IVA)
Fevereiro: Esc. 250.606$00 (acrescido de IVA)
Março: Esc. 245.513$00 (acrescido de IVA)
Abril: Esc. 253.172$00 (acrescido de IVA)
Maio: Esc. 189.366$00 (acrescido de IVA)
Junho: Esc. 183.894$00 (acrescido de IVA)
Julho: Esc. 230.365$00 (acrescido de IVA)
Agosto: Esc. 194.302$00 (acrescido de IVA)
Setembro: Esc. 181.507$00 (acrescido de IVA)
Outubro: Esc. 203.800$00 (acrescido de IVA)
Novembro: Esc. 196.421$00 (acrescido de IVA)
Dezembro: Esc. 192.771$00 (acrescido de IVA)
j) 2001: € 17.738,45 (total anual) acrescido de IVA
k) 2002: € 16.190 (total anual) acrescido de IVA
l) 2003: € 21.177,40 (total anual) acrescido de IVA
m) 2004: € 14.028,09 (total anual) acrescido de IVA
n) 2005: € 14.591,44 (total anual) acrescido de IVA
o) 2006:
Janeiro: € 1.107,26 (acrescido de IVA)
Fevereiro: € 1.107,26 (acrescido de IVA)
Março: € 1.107,26 (acrescido de IVA)
Abril: € 1.107,26 (acrescido de IVA)
Maio: € 1.053,58 (acrescido de IVA)
Junho: € 913,13 (acrescido de IVA)
Julho: € 963,13 (acrescido de IVA)
Agosto: € 1.144,45 (acrescido de IVA)
Setembro: € 1.144,45 (acrescido de IVA)
Outubro: € 1.144,45 (acrescido de IVA)
Novembro: € 860,50 (acrescido de IVA)
Dezembro: € 852,02 (acrescido de IVA)
15- O A. titulava o recebimento das quantias referidas em 14., através de recibos de modelo 6 (art. 115º do Código do IRS - vulgarmente designados “recibos verdes”), que emitia e entregava à R.;
16- A R. entregava ainda, mensalmente e mediante apresentação de outro “recibo verde” que o A. emitia, as quantias despendidas pelo A. em estacionamento, bem como parte das despesas relativas a refeições e quilómetros efectuados nas deslocações às instalações dos clientes da R.;
17- Em 09/06/2006 o A. (através da sua ilustre mandatária), enviou à R. a carta cuja cópia se acha a fls. 169-170, na qual nomeadamente consigna que “é flagrante que a relação estabelecida (…) é uma relação laboral e não de prestação de serviços (…) encontra-se vencido, a título de créditos laborais, o valor de € 85.870,21 (…)“;
18- A R. recebeu a carta referida em 17. em 12/06/2006.
19- Em resposta à carta referida em 17., em 21/07/2006 a R. enviou ao A. a carta cuja cópia se acha a fls. 173, nos termos da qual nomeadamente lhe transmite que “ (…) de acordo com o contrato de prestação de serviços em vigor o contrato com o Sr. AA, empresário em nome individual (…) poderá contratar com alguém o serviço contratado com a BB, sendo que essa pessoa ou entidade terá de ser aprovada pela BB, não devendo haver deterioração dos níveis de serviço prestado (…) apenas solicitamos que nos informe para o período no qual V.ª Ex.ª se vai encontrar ausente quem é a pessoa que o substitui, no sentido de podermos avaliar a sua capacidade técnica(…)”;
20- O A. recebeu a carta referida em 19.;
21- Nos anos de 1993 a 1996 o A. fez férias no mês de Agosto;
22- A R. não entregou qualquer quantia ao A., a título de remuneração referente aos meses de Agosto de 1993, Agosto de 1994, Agosto de 1995, e Agosto de 1996;
23- A partir do ano de 1997 o A. tirava férias duas semanas por ano, em período à sua escolha;
24- Quando o A. tirava férias, por imposição da R. tinha que assegurar previamente a sua substituição por outro técnico certificado pela R.;
25- No ano de 2006 o A. não tirou férias, por não ter conseguido que outro técnico o substituísse;
26- A R. nunca entregou ao A. qualquer quantia a título de subsídio de férias ou de subsídio de Natal;
27- A R. tem ao serviço técnicos, com funções de assistência técnica a equipamentos, com os quais celebrou acordos intitulados “contrato de trabalho”, e a quem reconhece o “estatuto” de trabalhadores do seu “quadro de pessoal”;
28- Os técnicos referidos em 27. gozam das condições constantes do “Manual do Colaborador”, cuja cópia se acha a fls. 175 a 227, e que compreendem, designadamente:
p) Atribuição de viatura automóvel;
q) Atribuição de telemóvel, suportando a R. o custo das respectivas chamadas telefónicas;
r) Seguro de saúde, com assistência médica particular, na companhia de Seguros “DD”, no qual se encontram cobertos os cônjuge e os filhos até aos 24 anos;
s) Comparticipação aos estudos atribuída aos trabalhadores e aos filhos destes, com idade compreendida entre os 3 meses e os 24 anos;
29- A viatura automóvel referida em 28- a) destinava-se ao serviço da R., bem como ao uso pessoal dos técnicos referidos em 23 -, incluindo 40Km/dia para deslocação de casa para o local de trabalho e vice-versa, 100Km por cada fim-de-semana e 1000 Kms. em férias;
30- O montante anual de comparticipação referida em 28- d) tem sido de € 600,00 por filho;
31- A R. suportava toda as despesas inerentes às viaturas atribuídas aos técnicos referidos em 27-, nomeadamente combustível (Galp Frota), todas as reparações, revisões, seguros e portagens;
32- O A. não beneficiava das condições referidas em 28- a 31-;
33- O A. prestava a assistência técnica referida em 1- com veículo próprio;
34- No exercício da actividade profissional referida em 33-, o A. efectuou, com o veículo ali referido, os seguintes quilómetros:
a) Em 2000: 17.612;
b) Em 2001: 30.324;
c) Em 2002: 25.236;
d) Em 2003: 25.284;
e) Em 2004: 19.791;
f) Em 2005: 16.568;
g) Em 2006: 9.815;
35- A R. entregou ao A. um valor estimado (média) por conta dos quilómetros referidos em 34-, cujo montante foi apurado tendo em conta os seguintes valores por km:
a) Janeiro a Abril de 2000: 21$30/€0,11;
b) Maio de 2000 a Janeiro de 2001: 22$70/€ 0,11;
c) Fevereiro a Dezembro de 2001: 23$30/€ 0,12;
d) Janeiro a Dezembro de 2002: € 0,116
e) Janeiro a Abril de 2003: € 0,116;
f) Maio a Dezembro de 2003: € 0,122;
g) Janeiro a Outubro de 2004: € 0,122;
h) Novembro e Dezembro de 2004: € 0,139;
i) Janeiro a Dezembro de 2005: € 0,139;
j) Janeiro a Dezembro de 2006: € 0,139;
36- Todas as despesas de oficina, revisões e combustível do automóvel referido em 33- foram suportadas pelo A.;
37- Até Abril de 2003, a R. entregava ao A., o valor total da factura do telemóvel deste;
38- A partir de Maio de 2003, a R. passou a suportar as despesas de telemóvel do A., apenas até ao limite de € 50 por mês;
39- A partir de Setembro de 2005, a R. deixou de pagar as chamadas telefónicas realizadas a partir das 20 horas e no fim-de-semana;
40- Entre 17/08/2001 e 26/11/2001 o A. despendeu Esc. 56.000$00 em assistência médica;
41- A R. tem vindo a “contratar” outras empresas para a realização dos serviços de assistência técnica;
42- Em 15/01/2007 a R. enviou ao A. a carta datada de 11/01/2007, cuja cópia se acha a fls. 707, na qual lhe transmite, nomeadamente, o que segue:
Por motivos de reestruturação interna vimos por este meio formalizar a denúncia do contrato de Prestação de Serviços celebrado com BB, Ld.ª, com efeitos a partir do dia 02 de Março de 2007.”
43- O A. recebeu a carta referida em 42.
44- Em 23/01/2007 o A. entregou à R. todos os materiais, ferramentas e demais instrumentos pertencentes à R. que tinha em seu poder.
45- No período temporal referido em 6-, o A. não exerceu qualquer outra actividade profissional remunerada.
46 – Normalmente o A. tinha o dia todo ocupado com reparações.

(Conforme consignado acima, este último ponto de facto foi aditado ao elenco da factualidade seleccionada na 1.ª Instância, na sequência da impugnação deduzida pelo Apelante, parcialmente atendida.
Versando esta temática sob a epígrafe ‘2.ª questão’, foram mantidos os pontos de facto sob os n.ºs 3, 4, 11, 23 e 24, nos termos constantes da respectiva decisão, nessa medida inconsiderando a pretensão deduzida.
Entendeu-se, porém, acolher a factualidade que se plasmou no item 46, que se aditou ao acervo – cfr. fls. 1045-1048).
___
É, pois, com o quadro de facto assim definido que se vai apreciar, dilucidar e resolver a questão essencial que se nos coloca, a da natureza/qualificação jurídica da relação estabelecida entre as partes como sendo ou não de trabalho dependente.

2 – O Direito.

2.1
A qualificação do contrato.
Como resulta da factualidade fixada, a relação jurídica sujeita iniciou-se em 7.8.1992 e a respectiva execução prolongou-se até 23.1.2007, para além, por isso, de 1 de Dezembro de 2003, início de vigência do Código do Trabalho, não resultando dos Autos que as partes lhe tivessem introduzido qualquer alteração nos seus termos posteriormente a esta data.
À sua caracterização aplica-se, por isso, o regime jurídico do contrato individual de trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49.408, de 24.11.1969 (LCT), ex vi do disposto no art. 8.º/1 da Lei preambular que aprovou aquele, a Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto.

Como é sabido, a distinção entre as duas figuras típicas em cotejo (contrato de trabalho vs. contrato de prestação de serviço, definidos nos arts. 1.º da LCT/1152.º e 1154.º do Cód. Civil) assenta em dois elementos essenciais, assim lapidarmente enunciados no Acórdão deste Supremo Tribunal de 23.2.2005: o objecto, por um lado, e o tipo de relacionamento entre os outorgantes, por outro.
No primeiro, o vínculo juslaboral, o que se contrata é a prestação da actividade; no segundo, a prestação de serviço, é a obtenção de um resultado.
No primeiro, existe uma relação intersubjectiva de subordinação; no segundo, de autonomia.

Assim, pois, em tese, o contrato de trabalho tem como objecto a prestação de uma actividade e como elemento diferenciador específico a subordinação jurídica do trabalhador, materializada no poder do empregador de conformar a prestação a que o devedor/trabalhador se obrigou, mediante ordens, instruções ou directivas.

(O binómio subordinação do trabalhador/domínio do empregador constitui a moldura típica do desenvolvimento do vínculo laboral e evidencia o conteúdo complexo da posição jurídica de cada uma das partes nesse vínculo, nas expressivas palavras de Maria do Rosário Palma Ramalho, ‘Direito do Trabalho’, Parte II, 3.ª Edição, pg. 32).

No contrato de prestação de serviço, pelo contrário, o devedor/prestador compromete-se à realização ou obtenção de um resultado, que alcança por si, sem interferência, sujeição a instruções ou direcção de execução da outra parte.
(Cfr., por todos, nele se reiterando o entendimento pacífico e uniforme destes Supremo Tribunal, o Ac. de 15.9.2010, relatado pelo Cons. Vasques Dinis, que seguimos de perto).

Todavia, ante a extrema variabilidade das situações da vida, é reconhecida a manifesta dificuldade em surpreender, em muitas circunstâncias, os elementos que permitem a identificação da subordinação jurídica, noção a que, se não se chega directamente através do simples método subsuntivo, há-de alcançar-se, como é consabido, com recurso a juízos de aproximação viabilizados pelo chamado método tipológico, recolhendo, conferindo e interpretando os indícios susceptíveis de, casuisticamente, permitirem uma indagação de comportamentos em conformidade.

Estabelecer a diferença que se busca é reconhecidamente tarefa tanto mais delicada quanto mais a situação sujeita partilhe de elementos de uma e outra figura contratuais em confronto.
É o caso.

O quadro normativo de significação, nos seus contornos relevantes, incluídas as perspectivas doutrinal e jurisprudencial, acha-se perfeitamente delineado na decisão revidenda.
E porque se mostra enunciado em termos tendencialmente exaustivos, pouco ou nada de realmente importante se justifica acrescentar-lhe.
A ele reportado, podemos avançar.

O momento decisivo é, ora, o da interpretação dos indícios consubstanciados na factualidade que nos é presente.
Com base nela, as Instâncias concluíram pela inexistência de uma relação de trabalho subordinado e pela consequente absolvição da R. dos pedidos.

Tudo revisto e ponderado, vejamos se ajuizaram acertadamente.
Com efeito:
Dos dois falados elementos/momentos essenciais em que assenta a distinção entre estes dois contratos (o objecto e o tipo de relacionamento entre as partes, subjacentes a cada um deles) – e visto que, afinal, todo o trabalho visa a obtenção de um resultado e este não existe sem aquele – centremos a nossa análise e hermenêutica na génese do vínculo e no subsequente relacionamento entre os seus sujeitos.
(Cfr. Acórdãos deste S.T.J. de 9.9.2009 e de 4.11.2009, tirados nas Revistas n.ºs 3246/06 e 322/06, 4.ª Secção, relatado pelos Exm.ºs Cons. Bravo Serra e Vasques Dinis, respectivamente).

Importa, primacialmente, averiguar qual a real vontade das partes, revelada no contexto de facto em que negociaram e actuada no desenvolvimento/execução da actividade contratada.
No caso, havendo as partes reduzido o acordado a escrito, num suporte documental, importa começar por aí, a fim de indagar qual o sentido da sua vontade, reflectida no texto do contrato.
Sem embargo de se reconhecer que, existindo contrato escrito, a designação/nomen juris escolhida pelas partes para a qualificação do contrato pode não ser decisiva, a se – prevalecendo, em caso de contradição ou fundada dúvida entre o acordado e o realmente executado, a qualificação jurídica que resulte do conteúdo/execução efectiva do negócio – a mesma não deixa de constituir um importante elemento interpretativo da vontade negocial das partes, expressa no respectivo clausulado.

Lembrando os factos – e tendo presente que constitui ónus do A. a alegação/demonstração da facticidade que viabilize a compreensão da natureza juslaboral do vínculo contratual que estabeleceu com a R., enquanto pressuposto/facto constitutivo dos pedidos que formula – vemos que o A. e a R. celebraram, em 7.8.1992, o acordo escrito que constitui fls. 16-19, intitulado ‘contrato de prestação de serviços’, nos termos de cujas cl.ªs 1.ª, 2.ª, 4.ª, 5.ª, 7.ª e 8.ª ('ut' ponto 3. da fundamentação de facto), o A., aí referido como ‘contraente’, se comprometeu a prestar ‘tarefas de manutenção aos equipamentos BB’, nos locais em que estes se encontrem instalados, retendo-se, dentre o mais clausulado, que o A. faria relatórios de serviço das tarefas executadas, de acordo com o modelo anexo, que enviaria semanalmente à R., os quais serviriam de base ao pagamento das tarefas efectuadas.
A R., que proporcionaria ao A. o treino necessário ao bom desempenho das tarefas, (treino que este não poderia recusar), e suportaria as despesas referentes à imobilização do ‘contraente’, de acordo com o tempo por este despendido, pagará ao A. por cada tarefa executada, de acordo com a tabela anexa ao contrato celebrado.
O ‘contraente’, por sua vez, não poderia, em circunstância alguma e enquanto vigorasse o contrato, divulgar informação escrita ou verbal ou pormenores relativos ao funcionamento dos equipamentos ‘CC’ e as condições da sua comercialização.

Nos quatro anos subsequentes o A. prestou assistência técnica aos clientes da R., mediante remuneração que esta lhe entregava mensalmente, em montante variável, calculado em função do número de máquinas assistidas por aquele.
Nos anos de 1993 a 1996 o A. fez férias no mês de Agosto, sendo que a R. não lhe entregou qualquer quantia a título de remuneração referente aos meses de Agosto de 1993, 1994, 1995 e 1996.
Quando o A. tirava férias, tinha que assegurar previamente, por imposição da R., a sua substituição por outro técnico certificado por esta.
No ano de 1996 o A. não tirou férias por não ter conseguido que outro técnico o substituísse.
A partir do ano de 1997 o A. tirava férias duas semanas por ano, em período à sua escolha.
A R. nunca entregou ao A. qualquer quantia a título de subsídio de férias ou de subsídio de Natal.

Em 2.9.1996 A. e R. celebraram o acordo escrito intitulado ‘contrato de prestação de serviços’ (cópia a fls. 20-25), nele clausulando nomeadamente que ‘o técnico prestará a sua assistência com autonomia, mas em conformidade com o determinado nos manuais fornecidos pela ‘CC’ e como tenha sido instruído pelo seu pessoal, tanto técnico como administrativo; o técnico compromete-se a colaborar com o pessoal da CC, fornecendo-lhe informações e aceitando sugestões que, no seu conjunto, tendam a aperfeiçoar a assistência convencionada; a assistência será em princípio prestada dentro do horário normal de trabalho do técnico, que fica estabelecido como das 9:00 horas Às 12:30 horas e das 14:00 às 18:00 horas. Alterações deste horário deverão ter o acordo prévio da CC e devem harmonizar-se quanto possível com o horário desta’ – Cl.ª 2.ª.
O A. titulava os recebimento das quantias pagas pela R. através de recibo modelo 6, vulgarmente designado ‘recibos verdes’, que emitia e entregava à R.
O A. prestava a assistência técnica contratada com veículo próprio, cujas despesas de oficina, revisões e combustível eram por si suportadas.

Assim se foi desenvolvendo a relação acordada, até que, cerca de dez anos depois, o A. se dá conta, conforme carta que enviou à R. em 9.6.2006, de que afinal …a relação estabelecida é uma relação laboral e não de prestação de serviços – item 17 do acervo factual.

A R. tem vindo a ‘contratar’ outras empresas para a realização dos serviços de assistência técnica.
Em 15.1.2007 a R. enviou ao A. a carta datada de 11.1.2007, na qual lhe transmite nomeadamente que (ponto 42): ‘Por motivos de reestruturação interna vimos por este meio formalizar a denúncia do contrato de Prestação de Serviços celebrado com a BB, Ld.ª, com efeitos a partir do dia 2 de Março de 2007’.

Serão estes factos – que delimitam, nos seus traços essenciais, os contornos da relação contratual em análise – reveladores de que as partes quiseram vincular-se realmente nos termos de uma relação jurídica de trabalho?
Deles defluirá uma posição de supremacia da parte a favor de quem reverte a actividade desenvolvida, com a consequente posição de subordinação do prestador da actividade, que a executou sujeito às indicações, instruções e/ou orientação do primeiro?
Deles se retirará, com segurança mínima bastante, a existência de subordinação, ao menos potencial, traduzida na possibilidade de o credor da actividade poder dirigir, orientar, dar ordens ao prestador neste ou naquele sentido, com vista à prossecução dos fins a atingir com a actividade deste?

Perante estes elementos/índices afigura-se-nos que a resposta imediata não poderá deixar de ser negativa.
Resta todavia ponderar, na devida operação de balanceamento, se os indícios de sinal contrário apontam (prevalentemente) no sentido oposto.
Acompanharemos, no essencial, a sequência das (abundantes) asserções conclusivas alinhadas, a final, pelo Recorrente (praticamente tantas quantos os pontos a que subordinou as alegações, quando aquelas deveriam apenas constituir uma síntese destas, dos fundamentos por que se pede a alteração da decisão).

À análise e declinação feitas na decisão ´sub judicio' relativamente à falta de indícios da subordinação jurídica, cuja factualidade se teve por escassa para permitir concluir pela existência de um contrato de trabalho subordinado – e discorreu-se sobre os índices horário de trabalho, local de trabalho, retribuição, férias, regime de faltas, regime disciplinar, emissão de recibos verdes, teor dos procedimentos constantes do clausulado dos contratos escritos, treino ministrado, conformidade da assistência com as indicações dos respectivos manuais da R., não exercício de outra actividade remunerada por banda do A. – o recorrente contrapôs diversos argumentos.
Como factos-índice reveladores da existência de um contrato de trabalho, ainda não referidos e analisados com o objectivo de identificar neles sinais da tal supremacia do credor da prestação/subordinação do devedor, o recorrente inventaria os seguintes:
- Diz-se genericamente, por um lado, que os indícios tratados são de cariz meramente formal, em nada decisivos, e que a falta de retribuição de férias e demais subsídios, a fixação da forma da retribuição e a emissão de recibos verdes são destinados a disfarçar a natureza da relação de trabalho e resultam de uma contratação que pretende fugir às obrigações legais, laborais e fiscais.
Quod erat demonstrandum’.

- Quanto ao horário de trabalho, como se consignou, não ficou provado que o A. estivesse obrigado ao seu cumprimento.
No primeiro ‘contrato’, celebrado em 1992, não constava sequer alusão a qualquer horário, e, não obstante, a execução do mesmo perdurou por cerca de quatro anos.
No contrato celebrado em 1996, o adrede clausulado refere apenas que a assistência será, em princípio, prestada dentro do horário normal de trabalho do técnico, que fica estabelecido como das 9:00 às 12:30 horas e das 14:00 às 18:00 horas. As alterações deste horário deverão ter acordo prévio da CC e devem harmonizar-se quanto possível com o horário desta.
O que parece resultar do texto não é tanto que o A. ficava adstrito ao cumprimento daquele horário, mas que, enquanto técnico, deveria prestar a assistência contratada dentro daqueles limites temporais, de modo a harmonizar-se, quanto possível, com o horário da R.
Não se demonstrando que cumprisse efectivamente algum horário, mas sendo a prestação da assistência técnica dos equipamentos feita nos locais da sua instalação, nos clientes, a menção constante da cl.ª 2.ª/5 do segundo acordo escrito/’contrato’ pode perfeitamente ser entendida como uma forma de viabilizar a coordenação e harmonização das intervenções em conformidade com os horários de funcionamento da R. e dos seus clientes.

- O local de trabalho, enquanto zona geográfica de intervenção delimitada, não indicia desvio relativamente ao contratado e não facilita a distinção no sentido propugnado, pois sempre o A. teria de deslocar-se, no perímetro desenhado, às instalações dos clientes da R.
A determinação da zona geográfica/território de intervenção do técnico/A., bem como as horas dentro das quais deveria realizar a prestação, nos termos clausulados, não são incompatíveis com a realização da actividade em termos da autonomia própria da ‘prestação de serviço’, não significando, necessariamente a sujeição a um local de trabalho e a um horário, como se pretende.

- No que concerne à retribuição, o facto de a mesma ser variável, alega-se, não significa que seja característica do contrato de prestação de serviço.
Não foi isso que se disse, nem deflui dos factos que a retribuição fosse variável no sentido que lhe é conferido pelo art. 85.º/3 da LCT/253.º/3 do Código do Trabalho.
No caso, a retribuição tinha um valor que foi sempre variável, variação que tinha a ver com o número de equipamentos assistidos, porque paga em função/proporção dessas intervenções. Mas não havia uma parcela da retribuição que fosse fixa. A retribuição variável a que o recorrente alude, por invocação da disposição do art. 252.º do C.T., pressupõe sempre o recebimento de uma remuneração mínima, que não se alegou/provou que existisse.
Essa, sim, é indicativa de que se estaria perante uma relação de subordinação.

- Prestava a sua actividade no seio de uma organização de meios produtivos alheios, de acordo com as orientações da R., e fazia relatórios diários da actividade prestada, que ficou sujeita, por imposição da R., ao regime de exclusividade.
Vejamos.
A R., como factualizado, dedica-se à comercializaçã0, em todo o país, de equipamentos de escritório, bem como à prestação de assistência técnica aos equipamentos fornecidos aos seus clientes. Quando fornece máquinas aos seus clientes, a R. garante assistência técnica, seja gratuitamente, durante o período da garantia, seja através de acordos de assistência, mediante uma prestação periódica em dinheiro, seja ainda através de assistências avulsas em função dos concretos actos de reparação.
Deixou-se já dito que o A. se comprometeu a prestar ‘tarefas de manutenção aos equipamentos BB’, nos locais em que estes se encontrem instalados.
Conforme consignado (e constante das cl.ªs 1.º e 2.ª do contrato aludido no ponto 3. da FF = fundamentação de facto), cumpria ao A. reportar à R. as situações especiais que fosse detectando nas suas intervenções, fazer relatórios semanais de serviço das tarefas executadas, relatórios que serviriam de base ao pagamento das tarefas cumpridas, sendo que a R. lhe indicava diariamente, por telemóvel, quais os clientes a visitar e os equipamentos a assistir, prioridades de reparação.
Não vemos que daí se retire necessariamente estar-se perante uma situação de subordinação, nos termos supra caracterizados.
O A., tendo-se obrigado a prestar tarefas de manutenção aos equipamentos da marca da R., não poderia naturalmente fazê-lo sem nenhum tipo de coordenação com a R., já que é esta que está em contacto directo com os seus clientes, que sabe, em primeira mão, das suas necessidades, da urgência, da prioridade e do tipo das intervenções, (se dentro da garantia, ou não), etc.
A especificidade da subordinação jurídica não se identifica ou detecta nesse género de indicações. A R. não lhe dava ordens nem fiscalizava o modo como o A. desenvolvia a sua actividade, limitando-se a indicar-lhe as devidas intervenções, no âmbito das contratadas tarefas de manutenção do equipamento da sua marca, junto dos seus clientes.

- Aceita-se – sem que isso implique necessariamente supremacia/vs. subordinação – que a actuação do A., que acabava por ter assim ocupado praticamente todo o seu tempo útil, tivesse de ser reportada à R., de quem eram afinal os clientes, e que esta lhe exigisse uma certa exclusividade, em termos de procedimentos e respectiva confidencialidade, a chamada reserva dos ‘segredos do ofício’, salvaguardando assim o risco da sua passagem ou conhecimento para a concorrência.

- Como perfeitamente se admite que, neste âmbito, as intervenções técnicas fossem pautadas por critérios de elevada exigência, face à sofisticação e especificidade dos equipamentos em que deveria intervir. Daí que, assistindo-os embora com autonomia, o devesse fazer em conformidade com os manuais fornecidos pela R., de acordo com as ‘leges artis’ e o treino que lhe foi antes ministrado para o efeito, ‘know how’ e instrumentos de trabalho que certamente não poderia adquirir no mercado.
A indicação dos clientes a assistir, prioridade da intervenção e dever de elaboração periódica de relatório da actividade não são manifestação do poder de conformação, (orientação, direcção e fiscalização) da actividade laboral em si mesma, não consubstanciando, neste contexto, como se disse, a subordinação típica da supremacia patronal numa relação de trabalho dependente.

- Continuam a não ser indícios inequívocos, reveladores da procurada subordinação, as circunstâncias de o A. utilizar ferramentas e materiais da R. (no computador estavam instalados programas informáticos específicos para os equipamentos da marca BB), de a R. atribuir ao A. um número (que se destinava a identificar o A. no sistema informático da R. para efeitos de processamento dos ‘pagamentos’ que lhe eram devidos e para actualização permanente do inventário do material em reserva e ferramentas que lhe eram entregues), e de esta suportar (parte) das despesas do A. com a utilização de veículo próprio na prestação da assistência técnica.
(A R. tem ao seu serviço trabalhadores, com iguais funções de assistência técnica a equipamentos, com os quais celebrou acordos intitulados ‘contrato de trabalho’, a quem reconhece o ‘estatuto’ de trabalhadores do seu ‘quadro de pessoal’, gozando das condições constantes do ‘Manual do Colaborador’, descritas nos pontos 27-31 da FF).

- Como continua a não resultar necessariamente tal distinção, no sentido propugnado, da circunstância de o A. ter normalmente o dia todo ocupado com reparações e não ter exercido entretanto outra actividade profissional remunerada.
É uma admissível contingência da quantidade do serviço que assumiu realizar, no âmbito do contrato que celebrou com a R., sendo que a valor mensal que lhe era processado (quantia em dinheiro de montante variável – item 12. da FF) era calculado em função dos equipamentos (número de máquinas) que conseguia assistir.

- Não obstante a atribuição ao A. de um número, que visava a sua identificação no sistema informático da R., para os fins já referidos, o A. podia fazer-se substituir nas suas ausências por outro técnico avalizado e a assistência podia ser prestada ‘por pessoal do Técnico’, obrigando-se este a dispor de, pelo menos, um dos seus empregados com preparação técnica mínima, em conformidade com as exigências da BB – n.º3 da cl.ª 4.ª do acordo escrito celebrado em 2.9.2006 – o que afasta o ‘intuitu personae’ característico da relação juslaboral.

Ora, da análise conjunta dos factos provados, não pode, com segurança bastante, concluir-se pela real existência de uma efectiva subordinação.
A realidade verificada, no desenvolvimento prático do clausulado no firmado contrato de prestação de serviço, não se desvia, no essencial, dos termos negociados, e aí consignados nos seus traços essenciais, de modo a desvalorizar a expressão da vontade nele plasmada.
Por essa razão, não ficando demonstrado, com razoável certeza, que a vontade negocial expressa não correspondeu ao objecto do negócio realmente executado, não se pode concluir pela irrelevância do nomen juris que titula o contrato outorgado.

E daí que – apesar da mescla de alguns elementos próprios do trabalho dependente, que constituem afinal indícios perturbadores que dificultam a nítida identificação do vínculo pretendido – se nos afigure, no balanço global final de todos os indicadores disponíveis, a cuja ponderação procedemos, que as partes não quiseram realmente vincular-se através de um típico contrato de trabalho, caracterizado nos sobreditos termos.

Ajuizou-se, pois, acertadamente, concitando a solução eleita o nosso inteiro sufrágio.

Não se vislumbra, por fim, como é que – interpretando e qualificando os factos que delimitam, concretamente, os contornos do caso sujeito como não correspondendo a uma vinculação juslaboral típica – se possa ter cometido afronta aos princípios programáticos Constitucionais convocados pelo Recorrente, constantes dos arts. 2.º, 13.º, 18.º e 53.º da C.R.P., e/ou ainda aos arts. 7.º e 23.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Não procedem, por isso, as asserções conclusivas da motivação do recurso, inexistindo motivo para alterar o julgado.
___

III –
DECISÃO

Nos termos expostos, delibera-se negar a Revista e confirmar o acórdão recorrido.
Custas do recurso pelo A./recorrente.

Lisboa, 4 de Maio de 2011

Fernandes da Silva (Relator)
Gonçalo Rocha
Pinto Hespanhol