Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2829/17.1T8ACB-A.C1.S2
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: TIBÉRIO NUNES DA SILVA
Descritores: AÇÃO EXECUTIVA
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
EXEQUENTE
LEGITIMIDADE
RECONHECIMENTO DA DÍVIDA
TÍTULO EXECUTIVO
RELAÇÃO JURÍDICA SUBJACENTE
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
CONDENAÇÃO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
FACTOS CONCLUSIVOS
PODERES DE COGNIÇÃO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 03/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. O Supremo Tribunal de Justiça pode determinar a exclusão de matéria conclusiva, por tal se assumir com uma questão de direito que não envolve um juízo sobre a prova produzida.

II. A omissão de pronúncia afere-se pelo tratamento das questões que devam ser apreciadas, não cabendo aí as matérias que tenham sido já definidas pelo tribunal superior, no âmbito de um recurso anteriormente interposto no mesmo processo.

III. Sendo dada à execução uma declaração de reconhecimento de dívida, é esse documento que se assume como título executivo, constituindo o empréstimo a que diz respeito a relação causal.

IV. Uma pretensão é exequível quando se encontre incorporada num documento que reúna os requisitos formais e substanciais exigidos por lei para ser considerado título executivo.

V. A legitimidade para promover a acção executiva assiste a quem figure no título como credor.

VI. A decisão que condena uma parte como litigante de má-fé admite sempre recurso para o tribunal imediatamente superior (art. 542º, nº3 do CPC), com o que se esgota o direito de impugnação. Assim, sendo confirmada, pela Relação, a condenação operada em 1ª instância, não é admissível recurso de revista relativamente a tal segmento decisório.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



I

AA e mulher, BB, vieram, por apenso à execução que lhes é movida por CC, deduzir embargos de executado.

Começaram por defender que há ilegitimidade por parte do Exequente, por vir desacompanhado dos sucessores da sua falecida mulher.

Sob a epígrafe “Da Ineptidão do Requerimento Executivo por Inexistência de Título Executivo e de Causa de Pedir”, alegaram que:

O documento (declaração) dado à execução é insuficiente, já que não se identificam convenientemente os alegados devedores e credor, não existe promessa de pagamento, data de vencimento, juros e forma de cumprimento de obrigação, não consta o negócio jurídico que alegadamente serve de fonte à obrigação, não se mencionando, assim, o negócio causal subjacente, tal como vem previsto no art. 458º, nº1, do C. Civil.

Caberia ao Exequente a alegação da causa debendi. Contudo, no requerimento executivo o exequente nada acrescentou de substancial em relação ao título executivo.

Alega o Exequente que emprestou a quantia de 200.000,00€ aos Executados  e que estes “(…) assinaram um documento particular (..) no qual se declaravam serem devedores da referida quantia (…) e se comprometiam a proceder ao pagamento da mesma”, mas, ao contrário do aduzido por aquele, na Declaração os executados não se comprometeram a proceder a qualquer pagamento, como resulta da leitura da mesma, e alegar que o Exequente “emprestou” determinada importância não é bastante para colmatar a falta de indicação do negócio causal subjacente na Declaração que se apresenta como título executivo.

Não se mostrando alegada nos presentes autos a causa da obrigação, torna-se impossível aos Executados cumprir o ónus de provar a inexistência ou invalidade da relação jurídica de forma adequada.

Defenderam, em seguida, a inexistência do título, por a alegada obrigação estar sujeita a forma mais solene. Tratando-se de contrato de mútuo de €200.000,00, teria de ser celebrado por escritura pública (art. 1143º do C. Civil). Não estaria, por isso, o mútuo, por razões formais, coberto por reconhecimento de dívida como título executivo, meramente recognitivo, porque as declarações negociais dos declarantes não estão revestidas da solenidade necessária.

Alegaram, depois, que:

Não celebraram com o Exequente “empréstimo”, presumindo os Executados que pretenderia o Exequente referir-se a contrato bilateral de mútuo.

Os Executados nada compraram ao Exequente, não tendo valores a pagar por serviços prestados por aquele, nem há lugar a indemnização por responsabilidade civil, levantando estas hipóteses apenas por, atenta a insuficiência dos factos alegados, terem dificuldade em cabalmente exercer o contraditório.

Não devem ao Exequente €200.000,00 e nunca foram interpelados para o pagamento desta importância, pelo que não poderia o Exequente reclamar juros, ainda que somente de há 5 anos à data da petição.

Invocaram, ainda, a prescrição do alegado crédito.

O Exequente apresentou contestação, alegando, além do mais que aqui se dá por reproduzido, que:

Da mera leitura da petição de embargos resulta claro que os Embargantes interpretaram correctamente o pedido deduzido pelo Embargado, nos precisos termos do pedido e da causa de pedir constantes do requerimento executivo.

Está em causa um contrato de mútuo celebrado antes de 30 de Maio de 2003, entre o Embargado e os Embargantes.

A declaração inserta no documento apresentado como título executivo prova a própria realidade do mútuo, pois exprime a confissão extrajudicial desse facto pelos embargantes, o que comporta o reconhecimento pelos mesmos de uma obrigação pecuniária, decorrente de um contrato de mútuo cujo montante está perfeitamente determinado e é exactamente o pedido pelo Embargado. Não existe, pois, qualquer dúvida de que, mesmo sendo a causa de pedir um mútuo nulo por falta de forma legal, nos termos do disposto no art. 1143º do C. Civil, o documento dado à execução constitui um verdadeiro título executivo (art. 46.º, n.º 1, al. c), do anterior CPC).

Além de concluir pela improcedência dos embargos, pediu a condenação dos Embargantes como litigantes de má-fé.

Os Embargantes apresentaram resposta, em 10-12-2018, na qual, além do mais, se se opuseram ao pedido de condenação por litigância de má-fé.

Foi dispensada a audiência prévia e proferido despacho saneador em 15-04-2019, do qual recorreram os Embargantes, em 06-05-2019.

Sucede que veio, entretanto, a ser designada audiência prévia, em 13-05-2019.

 No decurso desta, conforme se extrai da acta respectiva, o Exequente/embargado foi «convidado a aperfeiçoar o requerimento inicial, tendo o mesmo esclarecido que em sede de requerimento executivo, que a data anterior a 30 de maio, se quis referir ao decurso do mês de maio de 2003».

Consta da acta também que:

«Dada a palavra à Ilustre Mandatária dos embargantes, pela mesma foi requerido prazo para se pronunciar.

Após, a Mm.ª Juiz proferiu o despacho em que, face ao já referido em despachos anteriores, e com o devido respeito não se trata de qualquer alteração da causa de pedir.»

Em seguida, proferiu-se despacho saneador, no qual se começou por apreciar a invocada ineptidão do requerimento executivo, concluindo-se pela improcedência da nulidade arguida.

Apreciou-se igualmente a excepção de ilegitimidade activa, julgando-a improcedente.

Debruçou-se, depois, o Tribunal sobre a apontada inexequibilidade do documento exequendo, concluindo que:

«(…) vista a exequibilidade do contrato de mútuo e a sua nulidade por vício de forma, o Exequente tem direito à restituição do capital mutuado – €200.000,00 –, acrescido de juros de mora civis à taxa legal sucessivamente vigente mas apenas desde a data de citação e até integral pagamento.»

Apreciou-se, também, a invocada inexigibilidade da obrigação exequenda, julgando-se improcedente a excepção.

Conheceu-se, seguidamente, da excepção da prescrição, julgando-a improcedente, já que se concluiu que:

«No caso em apreço, o crédito está sujeito ao prazo de prescrição de 20 anos, pelo que, estando o título executivo datado de Maio de 2003, é claro que não se mostra prescrito o direito de crédito do Exequente, pelo que improcede a invocada exceção.»

Foi definido o objecto do litígio e foram seleccionados (desde logo) factos assentes e elencados os temas de prova.

Voltaram os Embargantes a interpor recurso do despacho saneador.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento e foi proferida sentença, na qual se julgaram parcialmente procedentes os embargos, determinando-se o prosseguimento da acção executiva para pagamento do capital de €200.000,00, acrescido de juros, à taxa dos juros civis, desde a citação até integral pagamento.

Além disso, condenaram-se os Embargantes como litigantes de má-fé na multa de 3 UC e, por despacho proferido posteriormente, na indemnização de €2.000,00 a favor do Embargado.

Inconformados, recorreram os Embargantes para o Tribunal da Relação de Coimbra, onde foi proferido acórdão, no qual se concluiu pela seguinte forma:

«Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação procedente, e assim revoga-se integralmente a decisão recorrida (quer o despacho saneador quer a sentença), e decreta-se a nulidade de todo o processado face à ineptidão do requerimento inicial, e a extinção da execução e consequentemente, absolvem-se os executados oponentes da instância executiva».

Inconformado, o Exequente/embargado, interpôs recurso de revista.

Foi, neste Supremo Tribunal, proferido acórdão, concluindo-se o seguinte:

«Entende-se, pelo exposto, não haver razões para considerar inepto o requerimento executivo, assumindo o documento dado à execução, em associação com o que foi alegado naquele requerimento, capacidade para sustentar a execução, ainda que se conclua pela existência de nulidade do mútuo (com os devidos reflexos relativamente ao momento em que os juros são devidos) e se conclua também  pela eventual redução da quantia exequenda, por força do pagamento parcial, caso proceda a pretendida alteração da decisão da matéria de facto.

O Tribunal da Relação, ao concluir pela ineptidão do requerimento inicial, absolveu os Executados da instância executiva, ficando, naturalmente, prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas pelos Embargantes nos seus recursos.

Ora, entendendo-se, como se entende, que o acórdão recorrido não pode subsistir, terão os autos que voltar ao Tribunal da Relação para a apreciação das questões que não chegaram a ser tratadas (veja-se, a propósito, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6ª edição, Almedina, Coimbra, 2020, p. 484).

Regressando os autos ao Tribunal da Relação de Coimbra, foi proferido acórdão que negou provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.

Inconformados, os Executados vieram interpor recurso de revista, concluindo as suas alegações pela seguinte forma[1]:

«I. No requerimento de interposição de recurso, dirigido ao Tribunal da Relação de Coimbra, os embargantes arguiram nulidade por omissão de pronúncia, cometida por aquele Tribunal, requereram o respetivo suprimento e prazo para ampliarem ou restringirem as suas alegações após notificação da decisão que venha a ser tomada.

Por cautela, igualmente se invoca perante o STJ a referida nulidade, reconhecida no voto de vencido do recurso do TRC em análise.

II. Segundo art. 615, nº 1 d) do CPC, a sentença é nula quando o Juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse pronunciar-se, isto é, quando se verifique ausência de posição ou de decisão do Tribunal sobre matérias quanto às quais a lei imponha que sejam conhecidas e sobre as quais o juiz deva tomar posição expressa,

ou seja as que os sujeitos processuais submetem à apreciação do tribunal (art. 608, nº 2 CPC) e as que sejam de conhecimento oficioso. A omissão de pronúncia é um vício gerador e nulidade da decisão judicial que ocorre quando o tribunal não se pronuncia sobre questões com relevo para a decisão de mérito.

A nulidade das decisões judiciais por omissão de pronúncia é aplicável aos acórdãos do Tribunal da Relação por força do art. 666º, nº 1 do CPC

III. No acórdão do TRC sub iudice, não se conheceu, quanto ao recurso do segundo despacho saneador da 4ª questão colocada, a “Inexequibilidade” do título, apenas se referindo o acórdão à “inexigibilidade” do título, Facto gerador de nulidade, ou nulidade parcial do acórdão, que se vem arguir para os legais efeitos,

IV. Sobre esta matéria, em Saneador, o Tribunal de Primeira Instância, decidiu, em síntese, que: Assim, vista a exequibilidade do contrato de mútuo e a sua nulidade por vício de forma, o Exequente tem direito à restituição do capital mutuado – € 200.000,00 –, acrescido de juros de mora civis à taxa legal sucessivamente vigente mas apenas desde a data de citação e até integral pagamento.

V. Os embargantes recorreram desta parte da sentença defendendo que o título é inexequível e que a sentença, entre outros, contrariou o Ac. STJ 3/2018, o 46º CPC e atual 703ºCPC

VI. O douto Ac. do TRC não se pronunciou sobre esta matéria, dai a arguida nulidade do acórdão, por omissão de pronuncia, que se invoca para os legais efeitos, nos termos do art. 674, nº 1 c) do CPC

VII. Quanto à existência, suficiência e exequibilidade do título executivo decidiu o Tribunal de Primeira Instância que o título existe e é exequível, julga o mútuo nulo por vício de forma; e que a declaração de nulidade obriga à restituição de tudo o que tiver sido prestado, nada obstando a que o tribunal conheça oficiosamente da nulidade do contrato e respetiva obrigação de restituir (o Acórdão de que se recorre segue na mesma linha)

VIII. Fundamenta a improcedência da exceção perentória alegada pelos embargantes na transcrição dos Ac. STJ Uniformizador de Jurisprudência nº 3/2018 e Ac. nº 4/95 do STJ

IX. Contudo, a Declaração dada à execução não é título executivo nem, a partir dela, é possível concluir que o mútuo existe mas é nulo por vício de forma.

X. O Ac. STJ 3/2018 não se aplica ao caso sub iudice, porquanto se reporta a documento particular em que os ali executados declararam que lhes havia sido “emprestado” uma determinada quantia. Transcreve-se o documento analisado no Ac. STJ 3/2018:

"Nós abaixo assinados DD, casado com EE...declaramos que nos confessamos devedores ao Sr. FF e mulher GG, da importância de 6.000.000$00, que este nos fez o favor de emprestar, a fim de ser utilizado na n/ vida particular, no dia 18-7-95, pelo prazo de um ano."». (bold e sublinhado nosso)

XI. A declaração junta pelo exequente com o requerimento executivo em nada se

identifica com aquela pois tem por teor:

DECLARAÇÃO

BB e AA, com residência na Av. ..., em ..., declaramos que estamos devedores da importância de 200.000,00 euros (duzentos mil euros) ao EXMO. SR.: CC.

Para efeito de garantia junto anexamos o cheque SOTTOMAYOR-BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, com o Nº ...97

..., 30 DE MAIO DE 2003

ATENTAMENTE

Assinaturas

XII. Citando o Ac STJ 3/2018, referindo-se à Declaração nele transcrita: “Ora, essa

declaração inserta no documento apresentado como título executivo prova a própria realidade do mútuo, pois exprime a confissão extrajudicial desse facto pelos executados (…) o que comporta o reconhecimento pelos mesmos de uma obrigação pecuniária, decorrente de um contrato de mútuo, cujo montante está perfeitamente determinado e é igual ao pedido pelos exequentes.”

XIII. Na Declaração junta como título executivo à presente execução os executados AA e BB, pelo contrário, não declararam que lhes foi emprestado ou mutuado 200.000,00€, nem sequer pelo teor da declaração se comprometeram a pagar este valor.

XIV. No caso, ao contrário da situação apreciada no Acórdão 3/2018, a obrigação não está determinada nem reconhecida no título, nos seus pressupostos fácticos, porquanto a declaração não reúne os requisitos exigidos pela al. c) do anterior art. 46º CPC, transponíveis para os documentos aludidos na alínea b) do atual art. 703º CPC.

XV. E porque assim é NÃO HÁ prova da própria realidade do mútuo, não há confissão extrajudicial do mútuo pelos executados, não há reconhecimento de uma obrigação pecuniária, decorrente de um contrato de mútuo

XVI. A declaração, porque não confessa uma obrigação resultante de um mútuo, permitiria ao exequente alegar o que bem entendesse: obrigação decorrente de uma compra, tornas, indemnização, contrato de mútuo celebrado por documento particular, enfim …

XVII. Nestas situações em que – no título executivo - não há confissão extrajudicial de celebração de um mútuo nulo por vicio de forma, o princípio da segurança dos sujeitos processuais tem de imperar.

XVIII. Pelo que o Tribunal a quo, deveria ter interpretado o Ac. STJ 3/2018 a contrario sensu e liminarmente julgado a exceção perentória procedente, consequentemente os embargos de executado procedentes, e ordenada a extinção da execução.

XIX. Mas, contrariando o Ac. STJ 3/2018, que invocou como fundamentação, decide “vista a exequibilidade do contrato de mútuo e a sua nulidade por vicio de forma, o exequente tem direito à restituição do capital mutuado - € 200.000,00 – acrescido de juros de mora civis (…) desde a data da citação até integral pagamento.

XX. Ao fazê-lo violou a Jurisprudência do STJ, o antigo art. 46º CPC e atual 703ºCPC.

XXI. Acresce, alega o exequente, no requerimento executivo, que “em data anterior a 30 de maio de 2003, que agora não se sabe precisar, emprestou a quantia de 200.000,00€ aos executados, os quais, em 30 de maio de 2003, assinaram o documento particular denominado Declaração.

XXII. Nos termos do art. 1142º CC o mútuo é um contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade.

XXIII. E, nos termos do artigo 1143º CC, em vigor em 2003, o contrato de mútuo no valor de 200.000,00€ tinha de ser celebrado por escritura pública.

XXIV. Atendendo ao alegado no requerimento executivo a “Declaração” datada de 30 e maio de 2003 não é título executivo.

XXV. Resulta manifesto que, nesse dia, nenhum contrato de mútuo foi celebrado nem houve tradição da coisa, condição essencial para o mútuo se completar.

XXVI. Algum mútuo que tenha sido celebrado, foi-o por forma verbal, como referiu a testemunha AA, em data anterior a 30 de maio e que não se consegue precisar, como afirma o exequente, e não nesse dia nem em data posterior, pelo que a Declaração não traduz um contrato de mútuo.

XXVII. Segundo Ac. TRC, Proc. 2085/12.8TBFIG-A.C1, relator Dr. Moreira do Carmo, ”esta declaração, não serve para sanar a nulidade do mútuo nulo porque verbal, pois não podem confirmar-se atos nulos mas apenas anuláveis (art. 288º, a contrario do CC)

E também esta declaração não teria forma legal, nem nela está explicita a vontade de mutuante e mutuários sanarem qualquer anulabilidade.”

XXVIII. Por lado, e quanto à natureza e função do título executivo, há que atender que o título executivo é condição necessária e suficiente da ação executiva. Necessária porque não há execução sem título. Suficiente porque, perante ele, deve ser em regra, dispensada qualquer indagação prévia sobre a real existência ou subsistência do direito a que se refere.

XXIX. Apurada uma desconformidade entre o título e o direito que se pretende fazer valer fica impedida a realização dos respetivos atos executivos, desconformidade essa que pode resultar, tanto no plano da validade formal como da validade substancial, das declarações de vontade e de ciência que lhe constitui o conteúdo ou do acto jurídico a que a declaração de ciência se reporte, ou ainda de causa que afecte a ulterior subsistência da obrigação exequenda.

XXX. Nos autos foi dado à execução um título, escrito particular, datado de 30 de maio de 2003 para comprovar um mútuo no valor de 200,000,00€ celebrado antes desta data, em dia não determinado.

XXXI. Temos um documento, condição necessária e suficiente para a ação executiva, só que a declaração nele representada, que devia ser o facto constitutivo do direito de crédito, não corresponde à realidade, já que nesse dia e posteriormente nada foi emprestado pelo exequente aos executados.

XXXII. O verdadeiro empréstimo ocorreu de forma verbal em momento temporalmente anterior, segundo resulta do requerimento executivo.

XXXIII. Existe desconformidade entre o título e o direito que se pretende fazer valer. A causa de pedir apresentada pelo exequente seria o dito empréstimo formalizado particularmente em data anterior a 30 de maio de 2003, pois neste dia não houve nenhum empréstimo, como resulta do trazido para a execução pelo próprio.

XXXIV. Não provada a existência de alguma obrigação exequenda, não provado que desse título decorre algum crédito, a execução não pode ser levada a cabo, já que a divida supostamente decorrente de tal título não existe.

XXXV. “Se o título executivo, uma declaração particular, atestar um empréstimo que não ocorreu – pois aconteceu de forma verbal e em momento temporalmente anterior - esse título executivo, que não consubstancia qualquer contrato de mútuo subjacente não pode servir para fundar o prosseguimento da execução, pois dele não deriva nenhuma obrigação exequenda, nem crédito do exequente, nem dívida do executado (AC. TRC proc.2085/12.8TBFIG-A.C1, relator: Dr. Moreira do Carmo)

XXXVI. citando AC. TRC 3053/12.5TJCBR-A.C1, relator: Dra. Maria João Areias,

“A invalidade formal do negócio afeta não só a constituição do próprio dever de prestar, como a eficácia do documento enquanto título executivo  

O cheque prescrito não constitui título executivo quando para o negócio subjacente à sua subscrição a lei exija a celebração de escritura publica, sendo este nulo por falta de forma.

XXXVII. Segundo Lebre de Freitas: “No plano da validade formal, é óbvio que quando a lei substantiva exija certo tipo de documento para a sua constituição ou prova, não se pode admitir execução fundada em documento de menor valor probatório para o efeito de cumprimento de obrigações correspondentes ao tipo de negócio em causa.

XXXVIII. Também para Miguel Teixeira de Sousa “a invalidade formal do negócio jurídico afeta não só a constituição do próprio dever de prestar, como a eficácia do respetivo documento como título executivo. Essa invalidade formal atinge não só a exequibilidade da pretensão, mas também a exequibilidade do título. Se a lei substantiva exige determinado tipo de documento para a constituição ou a prova de determinado tipo de negócio jurídico, a execução só pode fundar-se em documento de força probatória igual ou superior àquele (art. 364º CC), para o feito de cumprimento de obrigações correspondentes a esse tipo de negócio.

XXXIX. Segundo Francisco Lucas Ferreira de Almeida é na força probatória do escrito, atentas as formalidades a observar, que radica a eficácia do título executivo, pelo que a virtualidade para servir de fonte à execução depende da observância legal pelo ato ou negócio jurídico certificado.”

XL. Ainda, seguindo Ac. STJ nº 4719/10.0TBMTS-A.S1:

O titulo executivo apresenta-se como requisito essencial da ação executiva e há-de constituir instrumento probatório suficiente da obrigação exequenda, isto é, documento suscetível de, por si próprio, revelar, com um mínimo aceitável de segurança, a existência do crédito em que assenta a formulação da pretensão exequenda.

Na definição de Castro Mendes (Direito Processual Civil I), será “o documento que, por oferecer demonstração legalmente bastante da existência de um direito a uma prestação pode, segundo a lei, servir de base à respetiva execução”

Meio probatório da relação obrigacional creditícia existente entre exequente e executado, o título executivo avulta como condição necessária, mas também suficiente da ação executiva, posto que apresente os requisitos externos de exequibilidade que a lei prevê.

Verificada a exequibilidade, só pode ser afastada pela prova da inexigibilidade ou inexistência do direito. Dados os referidos requisitos de exequibilidade exigidos, não há, em regra, necessidade de alegação de factos constitutivos do direito do exequente no requerimento executivo, já que o documento que constitui o título faz presumir a existência da causalidade da obrigação nele declarada com a segurança tida por suficiente.

XLI. O art. 458 CC configura um título em que alguém, unilateralmente, se confessa devedor de uma prestação, sem indicação da respetiva causa, isto é, do negócio que está na origem do crédito.

XLII. Mas, não constando do documento a causa da obrigação, poderá acontecer que a válida constituição da obrigação fundamental a que se reporta o crédito reconhecido esteja sujeita a determinada forma, mais solene que a do documento utilizado como título.

XLIII. Se tal acontecer, sendo a causa do negócio elemento essencial deste – pois que as declarações que a consubstanciam, revestidas de determinada formalidade, serão requisitos de validade ad substatiam – o documento não poderá constituir já título executivo (art. 220º CC)

XLIV. Não estaria por isso um determinado contrato, no caso um mútuo, por razões formais, coberto por um reconhecimento de dívida como título executivo, já que não estariam revestidas da solenidade necessária às declarações negociais dos outorgantes.

XLV. E assim será porque a eficácia meramente processual não pode prevalecer sobre a eficácia substancial da relação jurídica subjacente, de sorte que se no processo de oposição o executado demonstrar que o direito de crédito não existe na realidade ou é inválido no plano da validade formal, a eficácia do título cai, é submergida e vencida pela supremacia da relação jurídica substancial, não podendo admitir-se a execução. Falharia (…) a exequibilidade intrínseca que o título recognitivo exequendo (documento de reconhecimento de uma obrigação) não comportaria.”

XLVI. A Declaração, dada como provada na matéria de facto, é uma declaração unilateral, sem indicação da causa da dívida, e apenas a essas está reservado o art. 458º do CC.

XLVII. Mas o exequente alega um empréstimo no valor de 200.000,00€.

XLVIII. O contrato de mútuo é um negócio bilateral, com tradição da coisa emprestada (dinheiro), onde as declarações dos contraentes devem refletir essa transferência do bem, a causa, a obrigação de restituição e o prazo e condições para tal, consequências do atraso no pagamento e que, atento o valor alegado obrigatoriamente teria de ser celebrado por escritura pública (art. 1142 e 1143º CC). É um contrato real quoad constitutionem.

XLIX. O mútuo tem forma mais solene que uma declaração unilateral. Se a lei substantiva exige determinado tipo de documento para a constituição ou a prova de determinado tipo de negócio jurídico, a execução só pode fundar-se em documento de força probatória igual ou superior àquele (art. 364º CC), para o feito de cumprimento de obrigações correspondentes a esse tipo de negócio.

L. Segundo Francisco Lucas Ferreira de Almeida, é na força probatória do escrito, atentas as formalidades a observar, que radica a eficácia do título executivo, pelo que a virtualidade para servir de fonte à execução depende da observância legal pelo ato ou negócio jurídico certificado.”

LI. Finalmente, não nos podemos socorrer da jurisprudência constante do assento STJ 4/95, proferido no âmbito de uma ação declarativa, onde se sustenta que se o tribunal conhecer oficiosamente da nulidade do negócio jurídico invocado no pressuposto da sua validade, e desde que na ação tenham sido apurados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido, com fundamento no nº 1 do art. 289º CC.

LII. (…) Na ação executiva, face à inexistência de qualquer atividade declarativa, a obrigação exequenda tem de emergir diretamente do próprio título ou, como afirma Lebre de Freitas, “a obrigação exequenda tem de constar do título”. O Tribunal pode conhecer a nulidade do mútuo, mas apenas isso. Não pode ter atividade própria da ação declarativa.

LIII. Sobre a ilegitimidade ativa, o acórdão sub iudice limita-se, a defender que “o exequente é parte legítima face ao que consta do título executivo”, sem fundamentar mais a decisão.

LIV. No despacho saneador havia sido julgada improcedente a exceção porque do ato praticado pelo exequente “não resulta nem a perda nem a oneração de bens que só por ambos os cônjuges possam ser alienados nem a perda de direitos que só por ambos possam ser exercidos (n.º 1 do artigo 34.º do CPC). Assim, a presente execução não teria de ser intentada também pelo cônjuge do Exequente ou seus sucessores.”

LV. Os embargantes alegaram e provaram, com certidão de casamento emitida pela Conservatória do Registo Civil ..., que o exequente era casado, no regime de comunhão geral de bens, com a Sra. D. HH, falecida a ... de maio de 2014.

LVI. Que a de cujus deixou herdeiros conhecidos: o marido, aqui exequente, e dois filhos (II e JJ) desconhecendo-se se, por testamento, deixou bens a terceiros.

LVII. A sucessão abre-se no momento do óbito do Autor, no caso, a ... de maio de 2014.

LVIII. A partir daí, independentemente de ser um ato de administração ou que implique perda ou oneração de bens, o que interessa apurar é quem o pode praticar.

LIX. Pelo mútuo celebrado em data anterior a 30 de maio de 2003, teria sido emprestado dinheiro do casal, casado em comunhão geral de bens.

LX. Pelo óbito, o direito de crédito passou a integrar o acervo de bens a partilhar, sendo crucial determinar se alguém o herdou pois só a partir dai é possível aferir a legitimidade do exequente para demandar, desacompanhado, os embargantes.

LXI. Termos em deve entender-se pela verificação de ilegitimidade ativa, não sendo bastante constar da Declaração o nome do exequente.

LXII. Sobre a matéria de facto, o Acórdão de que se recorre confirmou integralmente a matéria de facto dada por provada e não provada pelo Tribunal .... Nos termos do disposto no art. 671º, nº 3 do CPC, “o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”

LXIV. O saneador, a sentença e este segundo acórdão do TRC, ao fixarem a matéria de facto, nos termos em que o fizeram, violaram disposição expressa da lei, com implicações nas decisões tomadas.

LXV. A matéria provada e não provada tem de reportar-se a factos. Contudo, nas als. D, E e F temos meras conclusões, juízos de valor que devem ser eliminadas.

LXVI. Por outro lado, o embargado apresentou como título executivo documento particular, unilateral, intitulado Declaração, e alegou no requerimento executivo que “em data anterior a 30 de maio de 2003, que agora não se sabe precisar, o exequente emprestou a quantia de €200.000,00 aos executados, os quais, em 30 de maio de 2003, assinaram um documento particular denominado "Declaração",

LXVII. Contrariando o disposto no Código Civil quanto à forma, e consequente força probatória dos documentos, nomeadamente de contrato de mútuo no valor de 200.000,00€, entendeu-se na sentença, que agora mereceu acolhimento pela Relação de Coimbra, dar por provada e não provada a matéria acima transcrita.

LXVIII. Não se dando por provado, como deveria, que:

a) O empréstimo ocorreu em data anterior a 30 de maio de 2003 (conforme alegado pelo embargado).

b) O empréstimo ocorreu por forma verbal (como resulta do depoimento da testemunha AA, requerimento executivo e omissão de contrato nos autos)

c) Não foi junta aos autos escritura pública do mútuo.

d) Não existe título executivo válido.

LXIX. Verifica-se violação do disposto nos art. 364º, 1142º e 1143º do CC

LXX. Se a lei substantiva exige determinado tipo de documento para a constituição ou a prova de determinado tipo de negócio jurídico, a execução só pode fundar-se em documento de força probatória igual ou superior àquele (art. 364º CC), para o feito de cumprimento de obrigações correspondentes a esse tipo de negócio.

LXXI. Segundo Francisco Lucas Ferreira de Almeida é na força probatória do escrito, atentas as formalidades a observar, que radica a eficácia do título executivo, pelo que a virtualidade para servir de fonte à execução depende da observância legal pelo ato ou negócio jurídico certificado.”

LXXII. Porque se trata de matéria de facto, analisada em termos de violação de Direito, pode o STJ dá-la por provada, aditando-a, o que se requer

LXXIII. E concluir, pela improcedência da execução por falta de título para provar o alegado empréstimo anterior a 30 de maio de 2003.

LXXIV. Permitam-nos, notar que o TRC tirou erradas conclusões da prova testemunhal produzida, transcrita no recurso da sentença, porque nem a testemunha KK nem a testemunha LL afirmaram que o empréstimo se destinou ao pagamento do preço pela compra da quota societária de que este era titular (fls. 40, 1º parágrafo, do Ac.): MM disse “Na altura em que o Sr. AA negociou a minha quota, ou por outra, me comprou a minha quota, e me pagou, eu não sei exatamente se houve algum empréstimo do Sr. CC, como ainda hoje não tenho a certeza.”

LXXV. Os embargantes, no recurso do despacho saneador, invocaram a exceção de ineptidão do requerimento executivo.

LXXVI. Neste segundo Acordão do TRC, decidiu «Existe título executivo. Há uma declaração de confissão de dívida assinada pelos devedores, tendo, inclusivé, estes assinado e entregue cheque para garantia da mesma. E o exequente alega no requerimento inicial a causa dessa da dívida: um empréstimo. Perante a alegação do empréstimo e a confissão dos executados de que as assinaturas da declaração de dívida são suas - vide conclusão 62 - está ao menos suficientemente alegada a causa de pedir. Primus porque homem médio sabe o que é emprestar algo a alguém. Secundus em função do pedido formulado: pagamento do capital e juros; quando muito, e perante a não prova da data do empréstimo, os juros seriam concedidos apenas a partir da citação.

Aliás, os próprios embargantes aceitam a existência do empréstimo ligado aos documentos juntos e até alegam que já pagaram parte do mesmo: 91 mil euros – vide conclusões 5 e 62 a 64. Está assim cumprido o artº 458º do CC. Os Acórdãos citados não são convocáveis porque regem para casos em que apenas é apresentado como título o documento confessório sem indicação da causa, o que, in casu, não acontece, pois que, como se disse, é alegada a relação subjacente à confissão de dívida (…)»

Sem olvidar - aquilo que também sai destacado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça «Ademais, impugnaram a decisão da matéria de facto, defendendo, designadamente, que «deveria o Tribunal a quo ter dado por provada matéria de facto que resultou dos documentos juntos, da omissão de junção de escritura pública de mútuo, e dos depoimentos das testemunhas ouvidas em sede de audiência de julgamento, com relevo para a decisão da causa, o que não fez.»( conclusão 5º da apelação). A matéria que os Embargantes defendem que deveria o Tribunal ter dado por provada é a seguinte (cf. Conclusão 7ª da apelação):

«A - Embargado e embargantes, na qualidade de mutuante e mutuários, não subscreveram documento particular nem celebraram escritura pública de mútuo no valor de 200.000,00€.

B - No ano 2003 o embargado emprestou aos embargantes 200.000,00€ na sequência de acordo verbal.

C - Os embargantes no período compreendido entre 2004 e 2011, inclusive, realizaram pagamentos anuais e parciais ao embargado por conta do empréstimo.

D - Os pagamentos realizados pelos embargantes totalizaram 91.000,00€.»

Como se vê, os Embargantes reconhecem a existência do empréstimo e pretendem que se dê como provado que já realizaram pagamentos que importam em €91.000,00.

Esta posição, salvo o devido respeito, vem confirmar que a alegação, no requerimento executivo, da realização de um empréstimo, como sendo a relação causal (que não tinha de constar da declaração, como resulta do disposto no art. 458º do C. Civil, presumindo-se a sua existência até prova em contrário) que estava na origem da declaração recognitiva de dívida, preenchia suficientemente a causa de pedir».

Assim se revelando de conformidade o que se apreciou em decisório, exatamente que: «De acordo com o disposto no artigo 458º, nº1 do Código Civil, se alguém, por simples declaração unilateral, prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida, sem indicação da respetiva causa, fica o credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário. O referido normativo consagra uma regra de inversão do ónus da prova pelo que competia aos Embargantes/devedores ilidir a presunção que o mesmo consagra.

Da factualidade não provada resulta que os Embargantes não lograram provar, como lhes competia, que não solicitaram nem obtiveram do Embargado o empréstimo de € 200.000,00 no decurso do mês de maio de 2003.

Outrossim, nesta parte, julgo improcedentes, por não provados, os embargos de executado».

LXXVII. Em sentido diametralmente oposto havia decidido anteriormente este mesmo TRC, no primeiro Acórdão proferido nos autos, transcrevendo-se:

(…) a questão prévia a analisar é determinar sobre a existência ou inexistência de título executivo que fundamente a presente ação executiva. Face ao requerimento executivo verifica-se que estamos perante uma execução de pagamento de quantia certa. O exequente invoca no requerimento executivo o seguinte:

«Em data anterior a 30 de Maio de 2003, que agora não se sabe precisar, o exequente emprestou a quantia de €200.000,00 aos executados, os quais, em 30 de Maio de 2003, assinaram um documento particular denominado "Declaração", no qual declaravam serem devedores da referida quantia ao exequente e se comprometiam a proceder ao pagamento da mesma. - Doc. 1 Para garantia do pagamento da quantia mutuada, os executados entregaram ao exequente um cheque, com o n.º ...97, no valor de €200.000,00, emitido em 30/05/2003, pelo executado marido, sacado sobre a conta n.º ...91” Sucede, porém, que, até à data, não obstante sucessivas interpelações para o efeito, os executados não entregaram ao exequente qualquer quantia para pagamento da que lhe foi mutada, encontrando-se a mesma ainda em divida. Sobre o valor da divida, incidem juros de mora, à taxa legal, desde a data da emissão da referida "Declaração" de divida, sendo que, por se encontrarem prescritos os anteriores (artigo 310.º, al. d) do Código Civil), são apenas contabilizados os juros de mora relativos aos 5 anos anteriores à presente data, os quais totalizam a quantia de €40.043,80. Pelo que, ascende a quantia em divida a €240.043,80.

O documento ora dado à execução constitui titulo executivo, nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do artigo 46.º do C.P.C. vigente à data da elaboração do mesmo (DL n.º 329-A/95, de 12-12) (…)

O documento dado à execução é um documento denominado de declaração datada de 30-5-2003 e assinada pelos executados, onde consta o seguinte: «BB e AA, com residência na Av. ... em ..., declaramos que estamos devedores da importância de 200,00 euros (duzentos mil euros) ao Exmo Sr. CC.

Para o efeito de garantia junto anexamos o cheque Sottomayor- Banco Comercial Português com o nº ...46. ..., 30 de maio de 2003.» *

Conforme se dispõe no artº. 10º, nº 5, do CPC, toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam os fins e os limites da ação executiva. O título executivo, enquanto documento certificativo da obrigação exequenda, assume uma função delimitadora (por ele se determinam o fim e os limites, objetivos e subjetivos), probatória e constitutiva, estando sujeito ao princípio da tipicidade. O título executivo é condição necessária da acção executiva, porque não há execução sem título, o qual tem de acompanhar o requerimento inicial (vide, Lebre de Freitas, in A acção Executiva, 1993, pág.56 e ss.). Conforme ensina A. Geraldes, in Themis, Revista da Faculdade de Direito da UNL, Ano IV- nº7-2003, Almedina, pág.36 e seguintes, o título executivo mais do que um mero documento comprovativo de um direito de crédito, foi elevado à categoria de verdadeiro requisito, sem o qual a ação executiva não pode ser instaurada ou prosseguir. O título executivo é autossuficiente, demonstrando a sua análise, de forma quase imediata, tantos os aspetos de ordem subjetiva, como os aspetos de ordem objetiva ligados aos fins e limites da acção executiva. Continuando na senda do citado Autor, cumpre referir que o título para além de ser a condição necessária - «chave que abre a porta á ação executiva», Castro Mendes, citado pelo referido Autor, in obra citada, pág. 36-, é condição suficiente, o que implica que basta a apresentação do título executivo, o qual fazendo presumir a existência do direito, dispensa, em geral, a alegação é prova de quaisquer outros factos. Estabelece o artigo 703 do CPCivil que à execução apenas podem servir de base:

a) As sentenças condenatórias; b) Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação; c) Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo; d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva. 2 – Consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante.

Estabelece o artigo 363 nº2 do Ccivil que apenas são autênticos os documentos exarados com as formalidades legais pelas autoridades publicas e no seu nº3 que os documentos particulares são havidos por autenticados se forem confirmados pelas partes perante o notário nos termos das leis notariais (os documentos particulares confirmados pelas partes perante o notário), circunstância que terá de constar da respetiva autenticação, não bastando o facto de os mesmos procederem ao reconhecimento das assinaturas. No caso dos autos o contrato não é documento autenticado, e nessa medida não podem ser considerados títulos executivos nos termos da alínea b) do artigo 703 do CPC. Pelo exposto, teremos de concluir que estamos perante um documento particular. O artigo 703 do CPC revela uma alteração na tendência de alargamento do elenco dos títulos executivos existente na reforma operada pelo DL 329-A/95de 12-12. Verifica-se que com a entrada em vigor do novo código os documentos particulares preexistentes e assinados pelo devedor perdem a sua exequibilidade, mas para evitar a retroatividade da lei o artigo 6 nº3 da Lei nº 41/2013 limitou a aplicação do novo regime às execuções iniciadas após a entrada em vigor do novo código a 1-9-2013. Conforme referem Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, in A Ação Executiva Anotada e Comentada, pág.125, este normativo corresponde ao artigo 46 do CPcivil com duas diferenças: desaparecimento do elenco dos títulos executivos dos documentos particulares e que os títulos de crédito prescritos poderão servir de base á execução desde que a relação subjacente conste do próprio documento ou seja alegada no requerimento executivo. Os documentos particulares não autenticados deixaram de ser título executivo válido para a instauração da execução se forem subscritos depois da data de 31/8/2013, mesmo face ao teor do acórdão do Tribunal Constitucional nº 408/2015. O Tribunal Constitucional em 23-9-2015 proferiu o Acórdão nº 408/2015 declarando a inconstitucionalidade com força obrigatória geral da norma que aplica o artigo 703 do CPC a documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, então exequíveis por força do artigo 46 nº1 c) do CPC de 1961, por violação do princípio da proteção da confiança (artigo 2º da CRP). Conforme resulta desde acórdão os documentos particulares não autenticados que hajam sido emitidos anteriormente a 31-8-2013 apenas poderão ser apresentados à execução nos precisos termos em que eram exequíveis por força do artigo 46 nº1 alínea c) do CP civil de 1961 ou seja, se um documento particular não autenticado por qualquer razão não constitua titulo executivo á luz deste normativo não será por força do citado acórdão do Tribunal Constitucional que adquirirá essa qualidade. Conforme referem Virgínio Ribeiro e Sérgio Rebelo (obra citada, pág. 130) os documentos particulares não autenticados que hajam sido subscritos antes de 1-9-2013 só terão força executiva desde que estejam assinados pelo devedor, importem a constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as clausulas dele constantes ou de obrigações de entrega de coisa ou de prestação de facto. No caso dos autos o documento dado à execução data de 30-5-2003 e e nessa medida baseando-se a execução em documento particular emitido em data anterior á entrada em vigor do código de processo civil, e sem prejuízo de o artigo 703 não considerar titulo os documentos particulares, cumpre analisar se este documento é titulo executivo nos termos do artigo 46 do CPC anterior. De acordo com o artigo 46º, c), do anterior CPC são títulos executivos "os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinável.». No documento dado á execução consta apenas que os executados declaram dever a importância de 200.000,00 euros ao exequente. Estamos perante um documento escrito de reconhecimento de dívida, sem indicação de causa, subscrito pelos executados. Esse documento preenche os requisitos previstos no art. 46.º/1/c) do CPC, isto é, consta do mesmo a obrigação de pagamento de quantia determinada ou determinável por cálculo aritmético, contém a assinatura do devedor e importa a constituição ou reconhecimento de uma obrigação. Nos do artigo 458 do CCivil se alguém, por simples declaração unilateral, prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida, sem indicação da respectiva causa, fica o credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário” (artº 458º nº 1 do Código Civil). No reconhecimento de dívida, o credor da dívida reconhecida fica dispensado de provar a causa da dívida reconhecida, presumindo-se a existência de causa, sem prejuízo da prova do contrário por parte daquele que se obriga mediante o reconhecimento de dívida (artºs. 458º nº 1 e 350º nº 2 do Código Civil). Todavia, o regime contido no art. 458º do CC, apenas dispensa o credor da prova da existência da relação fundamental, que se presume até prova em contrário pelo executado/oponente. Mas o credor de uma obrigação causal, cuja causa não conste do título exequendo, deverá alegá-la no requerimento executivo, sob pena de ineptidão inicial. Se o exequente não invocar a causa da obrigação, no requerimento inicial, verifica-se que já não é possível fazê-lo na pendência do processo, a não ser com o acordo do executado (artigo 272º CPC), por tal implicar a alteração da causa de pedir (e nessa medida não se poderá ter em conta o aperfeiçoamento admitido da audiência onde se alega que se pretendia alegar no «decurso do mês de maio de 2003»).

O requerimento executivo é inepto dado que o exequente no requerimento inicial se limita a invocar como causa de pedir que «..em data anterior a 30 de Maio, que agora não sabe precisar, o exequente emprestou a quantia de 200.000,00 euros aos executados, os quais em 30 de Maio de 2003, assinaram o documento particular denominado de «declaração»…». Invocar apenas a existência de um “empréstimo» tal não vale juridicamente como causa de pedir subjacente á confissão de divida., dado que cumpre reportar-se a concretos negócios e contratos e que estejam devidamente caracterizadas nomeadamente no tempo. Neste sentido, vide Ac RC Processo: 2912/13.2TBLRA-B.C1, Relator: BARATEIRO MARTINS, de 20-02-2019:«Sumário: 1 - Deve ser liminarmente indeferido – por vício de ineptidão, decorrente da falta de alegação da causa de pedir – o requerimento executivo em que, sendo o título executivo uma escritura de confissão de dívida, o exequente não alegue (no respectivo campo do requerimento executivo) a causa jurídica da obrigda obrigação exequenda (os factos constitutivos da relação material subjacente à emissão da declaração em causa). 2 - O art. 458.º C. Civil (que não vale como fonte autónoma de obrigações, nem constitui uma excepção ao chamado “princípio do contrato”) apenas estabelece um regime de “abstracção processual”: dispensa o A. da prova da relação fundamental, consagrando uma regra de inversão do ónus da prova (competindo ao devedor ilidir a presunção que o mesmo consagra), mas não dispensa o A. de alegar os factos constitutivos da relação fundamental e que constitui a verdadeira causa de pedir da acção. 2 – E as coisas não mudam de figura por se estar numa execução, uma vez que nas acções executivas a causa de pedir do pedido executivo é o facto aquisitivo do respectivo direito à prestação e não o próprio título executivo, que só incorpora e demonstra o facto aquisitivo.». Igualmente, vide o AC da RC Relator: BARATEIRO MARTINS Data do Acordão: 22-10-2013 Sumário: 1 - Uma obrigação diz-se exigível quando se encontra vencida e/ou depende da mera interpelação do devedor (777.º/1 do C. Civil), o que – interpelação – ocorre (caso já não tenha ocorrido antes) quando o devedor é judicialmente citado para a acção/execução contra ele interposta (art. 805.º/1 do C. Civil). 2 - Sendo o título executivo um reconhecimento de dívida e consagrando o art. 458.º do C. Civil uma mera regra de inversão do ónus da prova (e não um negócio abstracto), não está o exequente dispensado do ónus de alegação da causa debendi; não podendo, no requerimento executivo, limitar-se a remeter para o reconhecimento de dívida, tendo que indicar, sob pena de ineptidão, a concreta causa debendi. 3 – É insuficiente como indicação da concreta causa debendi a mera invocação de “negociações” ou o dizer-se que a declaração recognitiva teve como causa “encontros de contas”.». Igualmente, vide o Ac STJ 192/10.0TBCNT-A.C1.S1 , Relator: GRANJA DA FONSECA, Data do Acordão: 15-09-2011 Sumário : I - Quando a obrigação é abstracta, o credor pode exigir a prestação ao devedor, sem alegação da causa justificativa do recebimento, mas quando a obrigação dada à execução é causal, só pode ser requerida com a invocação da relação causal subjacente ou fundamental. II - Só assim se pode demonstrar que se constituiu ou reconheceu uma obrigação pecuniária individualizada, sob pena de ineptidão do requerimento executivo por falta de causa de pedir (art. 193.º, n.º 2, al. a), do CPC). III - O credor, por força do art. 458.º do CC, apenas está dispensado de provar a relação subjacente que se presume, mas não de alegar.» E para outros desenvolvimentos, vide o AC STJ 108/13.2TBMIRA.C1.S1 , Relator: ROQUE NOGUEIRA, Data do Acórdão: 27-04- 2017 Sumário : I - O título executivo deve conter os requisitos necessários para, por si só, nos certificar da existência da obrigação e do direito correspondente – é o chamado princípio da suficiência do título executivo. II - Tem-se admitido, todavia, que possam valer como títulos executivos documentos que reconheçam a obrigação exequenda, embora de forma não expressa ou categórica, e que, por isso, careçam de ser conjugados com elementos fácticos complementares, ainda que estranhos ao próprio título. III - Elementos esses que seriam adquiridos processualmente, mediante a respectiva alegação feita pelo exequente no requerimento executivo, e posterior prova a seu cargo.

IV – No documento particular, o devedor pode limitar-se a confessar a dívida, sem menção do respectivo negócio causal, o qual se presume, fazendo recair sobre o devedor o ónus de provar que aquela causa não existe, nos termos do nº1, do art. 458º, do C.Civil. V – Assim, o exequente fica dispensado de provar tal causa, mas não fica dispensado de a alegar, designadamente no requerimento executivo, quando do título executivo não consta a causa da obrigação. VI - Quando se está perante documento particular, a liquidez da obrigação pecuniária (ressalvada a liquidação por mero cálculo aritmético) integra também o próprio título executivo. VII - Por força do disposto no art.802º (cfr. o actual art.713º), a certeza, exigibilidade e liquidez são pressupostos de carácter material que intrinsecamente condicionam a exequibilidade do direito, já que, sem eles, não é admissível a satisfação coactiva da pretensão. VIII - O que significa, desde logo, que, tratando-se de documento particular, e sendo a liquidez da obrigação pecuniária, ainda que por mero cálculo aritmético, elemento integrante do próprio título executivo, a falta daquela implica inexistência ou insuficiência deste. E vide igualmente o Ac RP Processo: 1615/10.4TBAMT-A.P1 , Relator: MARIA ADELAIDE DOMINGOS, 11-06-2012 Sumário: I - Ao permitir-se que em relação à promessa de cumprimento e reconhecimento de dívida unilaterais, o devedor possa ilidir a existência de relação fundamental, invocando, consequentemente, excepções ex causa, demonstrado fica que as declarações e promessas unilaterais não são abstractas mas relativas a negócios causais. II - Como a relação causal não tem de constar do documento com carácter recognitivo, apresentado como título executivo, não fica o credor desonerado do ónus de alegação da relação fundamental.» Como no caso em apreço não foi invocada a relação causal geradora de direitos e obrigações entre as partes que legitimasse a emissão do documento em causa, há ineptidão do requerimento executivo (devendo o requerimento executivo ter sido liminarmente indeferido nos termos do artigo 726 do CPC ).

Pelo exposto, cumpre revogar a decisão recorrida e em consequência, absolvem-se os executados da instância executiva, atenta a ineptidão do requerimento executivo. o credor/exequente não alegou a relação causal ou fundamental cujo ónus era seu, o requerimento executivo revela-se inepto e determina a nulidade de todo o processado e, consequentemente, a absolvição dos executada/oponente da instância executiva – art. 193,nº1, e nº 2, alínea b), do CPC o presente recurso de apelação terá, por conseguinte, de proceder. Fica assim prejudicada a apreciação das restantes questões suscitadas nas alegações nos termos do artigo 608 nº2 e 663 do CPCivil. (…) revoga-se integralmente a decisão recorrida (quer o despacho saneador quer a sentença), e decreta-se a nulidade de todo o processado face à  ineptidão do requerimento inicial, e a extinção da execução e consequentemente, absolvem-se os executados oponentes da instância executiva.

 LXXVIII. A tese defendida pelos embargantes foi esta última, que mereceu acolhimento no primeiro Ac. do TRC.

LXXIX. Não nos conformando com a decisão ora tomada neste segundo Acordão, dela recorremos, socorrendo-nos de matéria já anteriormente alegada, mas também de matéria nova.

LXXX. O art. 703º do CPC do NCPC estabelece os documentos que podem servir de base às execuções. No caso, estamos perante documento particular, datado de 30.05.2003, anterior à entrada em vigor do NCPC que, segundo jurisprudência do Tribunal Constitucional, é título executivo. “Estamos perante documento escrito de reconhecimento de dívida, sem indicação de causa, subscrito pelos executados. Este Documento preenche os requisitos previstos no art. 46º, nº 1 c) do CPC”

LXXXI. Alegou o exequente no requerimento executivo que, “Em data anterior a 30 de maio de 2003, que agora não se sabe precisar, emprestou a quantia de 200.000,00€ aos executados, os quais, em 30 de maio de 2003, assinaram um documento particular denominado “Declaração”, no qual declaravam serem devedores da referida quantia ao exequente e se comprometiam a proceder ao pagamento da mesma (..)”

LXXXII. Alegar que emprestou 200.000,00€ aos executados não é suficiente.

LXXXIII. Do documento (DECLARAÇÃO) apresentado como título executivo não consta nenhuma menção a um contrato de mútuo nem o reconhecimento de uma obrigação resultante deste tipo de contrato.

LXXXIV. A Declaração é insuficiente enquanto título executivo.

LXXXV. Não se identificam convenientemente os alegados devedores e credor: Não é indica a morada do credor, não são indicados números de contribuinte, bilhete de Identidade, cartão de cidadão, passaporte ou outro documento oficial de qualquer deles.

LXXXVI. Não existe promessa de pagamento, data de vencimento, juros e forma de cumprimento de obrigação (dinheiro, entrega de bem, prestação de serviços, etc.)

LXXXVII. E, acima de tudo, dela não consta o negócio jurídico que alegadamente serviu de fonte à obrigação, a relação jurídica subjacente.

LXXXVIII. Estamos perante um documento meramente recognitivo da obrigação, de reconhecimento de dívida, unilateral e nu, que não constitui fonte ou fundamento jurídico, isto é, a causa da obrigação. (neste sentido Ac. Tribunal Relação do Porto, Proc. 180/08.7TBAMT-A.P1, de 14.05.2013)

LXXXIX. Ao não mencionar o negócio causal subjacente, tal como previsto no art. 458º, nº 1 do CC.

XC. Cabe ao exequente a alegação da causa debendi, alegação a ter lugar no requerimento executivo, nos termos do disposto no antigo art. 810, nº 1, e), atual art. 724, nº 1, e) do CPC.

XCI. Contudo, no requerimento executivo o exequente nada acrescentou de substancial em relação ao título executivo.

XCII. Aliás, o que alegou contradiz o teor da Declaração. A Declaração encontra-se datada de 30 de maio de 2003. Mas no requerimento executivo, o exequente afirma que “em data anterior a 30 de maio de 2003, que agora não se consegue precisar”,

XCIII. Veio, a posteriori, em sede de audiência prévia, e a convite do Tribunal, “aperfeiçoar” o requerimento executivo acrescentando “no mês de maio”, contudo, não só este aperfeiçoamento é “forçado”, nada concretiza, e resulta do anteriormente alegado pelos embargantes, como traduz uma verdadeira ampliação da causa de pedir inadmissível, à luz do anterior art. 272º do CPC, atual art. 264 do NCPC, por os embargantes já não terem novo articulado para apresentar contestação, e por inexistência de acordo entre exequente e executados sobre a dita ampliação,

XCIV. Citando douto Ac. do STJ de 15.09.2011, “se o exequente não invocar a causa da obrigação no requerimento inicial, e porque já não é possível fazê-lo na pendência do processo (…), por tal implicar uma alteração da causa de pedir, e atenta a posição dos executados, não poderá a execução prosseguir.”

XCV. A não ser obrigatória a alegação do facto determinante da obrigação, e atenta a obrigação que recai sobre o devedor/executado, o ónus de alegação e prova de inexistência de uma qualquer causa geradora da obrigação e ocorrência de vícios que a afetassem, este ficaria prejudicado no cabal exercício do contraditório,

XCVI. Alega ainda que os executados na Declaração “se comprometiam a proceder ao pagamento da mesma mas, no texto da Declaração os executados não se comprometeram a proceder a qualquer pagamento.

XCVII. E alegar que o exequente “emprestou” determinada importância, não é bastante para colmatar a falta de indicação do negócio causal subjacente na Declaração que se pretende título executivo.

XCVIII. Cabia ao exequente alegar, de forma concreta, todo o conjunto de factos, circunstâncias, local, data, negociações mantidas entre exequente e executados que pudessem ter originado o alegado “empréstimo”. Alegar “emprestou”, tout court, tal como invocar “negociações” ou “encontro de contas” não corresponde ou configura a alegação duma qualquer causa jurídica.

XCIX. Deveria ter alegado se a verdadeira fonte da obrigação consiste numa relação negocial ou extranegocial, isto é, a relação fundamental a que alude o art. 458, nº 1 do CC. (seguindo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Proc. 108/13.2TBMIR-A.C1.S1, 1ª secção, de 27.04.2017) Para ter relevo jurídico, para valer como relação causal e subjacente à emissão da Declaração, concretos negócios e contratos, sendo esta a verdadeira fonte da obrigação. (conforme Ac. Tribunal da Relação de Coimbra, Proc. 518.11.0TBFIG-A.C1, de 22.10.2013)

C. O art. 458º dispensa o credor de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário, mas não de a alegar; Porque nas ações executivas a causa de pedir não é constituída pelo titulo executivo, mas pelo facto jurídico nuclear de determinada obrigação; Porque o art. 458º cria apenas a presunção da existência de uma relação negocial sendo esta a verdadeira fonte da obrigação, competindo ao executado provar a inexistência, o que só pode cumprir se o exequente indicar a causa de pedir no requerimento executivo.

CI. O exequente ao não indicar data, local, circunstâncias da alegada relação negocial e termos da mesma e, já que alega tratar-se de um empréstimo, se foi em dinheiro, cheque, o valor todo entregue de uma vez ou por várias vezes, se os executados lhe devolveram alguma importância e quanto, não cumpriu o ónus de alegar a concreta causa debendi.

CII. Se assim não fosse, atendendo a que na Declaração não é feita qualquer referência à relação jurídica, o exequente tanto poderia invocar que o crédito resultou de um empréstimo, como de uma venda, tornas ou qualquer outra relação que mais lhe conviesse ou que se lembrasse.

CIII. Por não cumprimento pelo exequente do ónus de alegação da concreta causa debendi, é o requerimento executivo inepto e, consequentemente nulo todo o processo. (art. 186º, nº 1, 2 a) e b) do CPC) devendo a exceção de ineptidão ser julgada procedente com o consequente liminar arquivamento da execução, conforme bem decidiu a Relação de Coimbra.

CIV. No mesmo sentido, Ac. TRC, Proc. 2912/13.2TBLRA-B.C1, relator Barateiro Martins, de 20.02.2019: ”1- Deve ser liminarmente indeferido – por vício de ineptidão, decorrente da falta de alegação de causa de pedir – o requerimento executivo em que, sendo o título executivo uma escritura de confissão de dívida, o exequente não alegue (no respetivo campo do requerimento executivo) a causa jurídica da obrigação exequenda (os factos constitutivos da relação material subjacente à emissão da declaração em causa); 2 – O art. 458º CC (que não vale como fonte autónoma de obrigações, nem constitui uma exceção ao chamado “princípio do contrato”) apenas estabelece um regime de abstração processual: dispensa o A. da prova (competindo ao devedor ilidir a presunção que o mesmo consagra) , mas não dispensa o A. de alegar os factos constitutivos da relação fundamental e que constitui a verdadeira causa de pedir da ação.; 2-E as coisas não mudam de figura por se estar numa execução, uma vez que nas ações executivas a causa de pedir do pedido executivo é o facto aquisitivo do respetivo direito à prestação e não o próprio título executivo, que só incorpora e demonstra o facto aquisitivo”

CV. E, Ac. STJ 108/13.2TBMIR-A.C1.S1,relator: Roque Nogueira, data do Ac. 27.04.2017. Sumário: I- O título executivo deve conter os requisitos necessários para, por si só, nos certificar da existência da obrigação e do direito correspondente – é o chamado princípio da suficiência do título executivo. II – Tem-se admitido, todavia, que possam valer como títulos executivos documentos que reconheçam a obrigação exequenda, embora de forma não expressa ou categórica, e que, por isso, carecem de ser conjugados com elementos fácticos complementares, ainda que estranhos ao próprio título. III - Elementos esses que seriam adquiridos processualmente, mediante a respetiva alegação feita pelo exequente no requerimento executivo, e posterior prova a seu cargo. IV –No documento particular o devedor pode limitar-se a confessar a dívida, sem menção do respetivo negócio causal, o qual se presume, fazendo recair sobre o devedor o ónus de provar que aquela causa não existe, nos termos do nº 1, do art. 458º CC. V - Assim, o exequente fica dispensado de provar tal causa, mas não fica dispensado de a alegar, designadamente no requerimento executivo, quando do título executivo não conste a causa da obrigação. VI – Quando se está perante documento particular, a liquidez da obrigação pecuniária (ressalvada a liquidação por mero cálculo aritmético) integra também o próprio título executivo. VIII – Por força do disposto no art. 802º (cfr atual art. 713º) a certeza, exigibilidade e liquidez são pressupostos de carácter material que intrinsecamente condicionam a exequibilidade do direito, já que, sem eles, não é admissível a satisfação coativa da pretensão. VIII – o que significa, desde logo, que tratando-se de documento particular, e sendo a liquidez da obrigação pecuniária, ainda que por mero cálculo aritmético, elemento integrante do próprio título executivo, a falta daquela implica inexistência ou insuficiência deste.

CVI. Cabendo a prova dos elementos adquiridos processualmente - mediante a alegação feita pelo exequente no requerimento executivo – ao exequente verifica-se que este não fez prova da existência de um contrato de mútuo nem quando, como, quanto, porquê e entre quem foi o mesmo o celebrado, como foi emprestado o valor (em dinheiro, cheque, transferência) e demais elementos fácticos, sequer invocou na execução factos bastantes para posterior prova.

CVII. E, tendo alegado no requerimento executivo que se tratava de um empréstimo, um mútuo, no valor de 200.000,00€, contrato bilateral sujeito a escritura pública, nos termos dos art. 1142º e 1143º do CC, a única maneira de fazer prova do mesmo seria juntando a escritura pública, no seguimento do disposto nos arts. 393º, nº 1 e 394º, nº 1 do CC.

CVIII. Não foi invocada relação causal geradora de direitos e obrigações entre as partes que legitimasse a emissão do documento em causa, pelo que há ineptidão do requerimento executivo que deveria ter sido liminarmente indeferido nos termos do art. 726º do CPC

CIX. Seguindo Ac. TRC, de 09.05.2017, relator: Dr. Moreira do Carmo: Previa o art. 1143ºCC, quanto à forma, que o contrato de mútuo no valor de 200.000,00€ só era válido se celebrado por escritura pública.

CX. No caso, o exequente alegou que o empréstimo ocorreu antes da data da assinatura do título executivo, deu-se por provado que durante o mês de maio de 2003,

Naturalmente, mediante acordo verbal, visto inexistir contrato.

CXI. Se assim é, a quantia de 200.000,00€ não foi entregue no dia 30 de maio de 2003, nem posteriormente a essa data.

CXII. O contrato, nulo por vício de forma, foi o que ocorreu no momento do acordo de empréstimo e tradição do mutuado.

CXIII. A elaboração e assinatura a posteriori da Declaração junta aos autos não sana a nulidade formal que vícia o verdadeiro e anterior mútuo, pois não é possível confirmarem-se atos nulos mas apenas os anuláveis (art. 288º, a contrario CC)

CXIV. Aqui chegados temos: uma declaração datada de 30 de maio de 2003, que é o documento/contrato dado à execução – e único alegado pelo exequente no requerimento executivo -, sabemos que a quantia de 200.000,00€ não foi mutuada nesse dia, nem posteriormente, pelo exequente aos executados, e que a lei impõe que haja dinheiro emprestado por um dos contraentes ao outro contraente mutuário para que se constitua um contrato de mútuo (art. 1142º CC)

CXV. Isto é, subjacente a este título executivo está comprovado inexistir contrato de mútuo.

CXVI. Apurada uma desconformidade entre o título e o direito que se pretende fazer valer fica impedida a realização dos respetivos atos executivos, desconformidade essa que pode resultar tanto no plano da validade formal como substancial.

CXVII. A Declaração dada à execução, escrito particular, unilateral, não consubstancia qualquer contrato de mútuo, pelo que não pode servir para fundar o prosseguimento de execução, pois dele não deriva obrigação exequenda, nem crédito do exequente, nem dívida do executado.

CXVIII. A sentença e o Acórdão recorrido fazem apelo apenas ao art. 458º, nº 1 do CC entendendo que por simples declaração unilateral, fica reconhecida uma dívida, sem indicação da causa, e que o credor fica dispensado de provar a relação fundamental.

CXIX. Contudo, dispensa de provar é diferente de dispensa de alegar, conforme Acs. Supra citados

CXX. No caso, porque o mútuo é um contrato que exige forma mais solene que uma mera declaração unilateral, e escrito particular, já aquela declaração não pode valer como título executivo.

CXXI. Porque este título não tem subjacente qualquer contrato de mútuo a obrigação terá de ser julgada inexigível.

CXXII. Quanto à litigância de má fé, entendeu-se no Ac. TRC sub iudice: «tem a doutrina e a jurisprudência entendido, sem discrepâncias, que a sustentação de teses controvertidas na doutrina e a interpretação de regras de direito, ainda que especiosamente feitas, mesmo que integre litigância ousada, não integra litigância de má-fé (...)Com tais mecanismos sempre se visou sancionar apenas a ilicitude decorrente da violação de posições e deveres processuais, o também chamado ilícito processual, gerador de uma "responsabilidade de cunho próprio", assente em deveres de lealdade, colaboração e probidade das partes. Após a revisão processual de 1995, o quadro normativo em matéria de litigância de má fé passou a ser bem mais exigente, impondo a repressão e punição não só de condutas dolosas, mas também as gravemente negligentes (anterior art. 456.º. n.º 2. e actual 542.º. n.º 2. do NCPC). No entanto, deve continuar-se a ser cauteloso, prudente e razoável na condenação por litigância de má fé, o que só deverá ocorrer quando se demonstre, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu dolosamente ou com grave negligência, com o fito de impedir ou a entorpecer a ação da justiça (Cf. Ac. STJ. de 2.6.2016: Proc. 1116/11.3TBVVD.G2.S1.dgsi.Net). Ou seja, o reconhecimento de uma litigância de má-fé tem de identificar-se com situações de clamoroso, chocante ou grosseiro uso dos meios processuais, por tal forma que se sinta que com a mesma conduta se ofendeu ou pôs em causa a imagem da justiça. Quando a parte se limita a litigar baseada na incerteza da lei, na dificuldade de apurar os factos e de os interpretar, apresentando tese jurídica que está longe de se poder considerar manifestamente infundada, nada há a censurar ao respetivo comportamento processual.

Em verdade, o fim último do próprio abuso do direito não é o de que o direito não seja reconhecido ao seu titular, mas, tão só, a sua paralisação quando o seu exercício ofenda de forma clamorosa os princípios da boa fé que devem ser observados, quer no cumprimento da obrigação, quer no exercício do correlativo direito (…) Com este alcance, devendo assim, circunstancialmente, persistir a condenação em má fé.

CXXIII. Andou mal o TRC ao decidir pela manutenção da condenação como litigantes de má fé, na senda do decidido pelo Tribunal de Primeira Instância, porquanto, nos termos do disposto no art. 542º, nº 2 do CPC, diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;

b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;

c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

CXXIV. A litigância de má-fé exige a consciência, de quem pleiteia de certa forma, de não ter razão.

A defesa de uma perspetiva jurídica dos factos, diversa da defendida pela parte contrária ou até daquela que a decisão judicial possa eventualmente vir a acolher, não implica, por si só, litigância censurável a despoletar a aplicação do art. 542º do CPC

CXXV. Os embargantes não deduziram pretensão infundada, não alteraram a verdade dos factos, não fizeram uso manifestamente reprovável do processo, não omitiram de forma grave o dever de cooperação, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão e não atuaram com dolo ou negligência.

CXXVI. Em sede de embargos defenderam-se, essencialmente, com base em matéria de Direito, sendo as principais questões suscitadas suportadas por Lei, Doutrina e Jurisprudência que citaram ao longo da petição, assim como na resposta à litigância de má fé e, de forma mais exaustiva, nas alegações dos vários recursos.

CXXVII. A sentença da Primeira Instância julgou os embargos foram parcialmente PROCEDENTES e a quantia exequenda reduzida de 240.043,80€ para 200.000,00€.

CXXVIII. A importância peticionada pelo embargado a título de indemnização por litigância de má fé foi REDUZIDA de 5.535,00€ para 2.000,00€.

CXXIX. A procedência parcial é, só por si, demonstrativa que os embargos deduzidos foram essenciais para a defesa dos embargantes e têm fundamento, pois que, sem oposição, os autos prosseguiriam termos para pagamento do total de 240.043,80€ e não de 200.000,00€.

CXXX. E a cooperação com que litigam fica igualmente demonstrada por não negarem ter assinado a Declaração. Se tivessem arguido a falsidade das assinaturas apostas na Declaração junta pelo embargado, conseguiriam protelar a decisão do processo, pois tal implicaria a realização de perícia à caligrafia.

CXXXI. De igual modo, podendo as suas testemunhas ter afirmado que não tinha sido celebrado nenhum contrato de mútuo por escritura pública, tout court, também não o fizeram e reconheceram empréstimo verbal no valor de 200.000,00€.

CXXXII. Afirmando que desse valor, 91.000,00€ foram pagos em prestações anuais entre 2004 e 2011.

CXXXIII. Acresce, os embargantes alegaram que o mútuo é nulo por vício de forma atento o valor do empréstimo, 200.000,00€, e o disposto no art. 1143ºCC. O Tribunal reconheceu a nulidade do mútuo.

CXXXIV. Defenderam a ineptidão do requerimento executivo, motivo pelo qual os embargos deveriam ser considerados procedentes e a execução extinta. Chamado a pronunciar-se em sede de recurso, o TRC, no 1º acórdão, julgou procedente os embargos, revogou a decisão do Juízo de Execução ..., absolveu os executados da instância executiva, atenta a ineptidão do requerimento executivo e a nulidade de todo o processado, por o credor/exequente não ter alegado a relação causal ou fundamental cujo ónus era seu, e (art. 193º, nº 2 b) CPC), isto é, nos termos defendidos pelos embargantes.

CXXXV. Ou seja, ao longo dos autos, a sua defesa foi merecendo acolhimento.

CXXXVI. O exequente, na contestação aos embargos, peticiona a condenação dos executados/embargantes como litigantes de má fé, alegando: a) De toda a factualidade atrás descrita resulta evidente que os embargantes conscientemente deduziram pretensão cuja falta de fundamento não ignoravam; b) E que fazem do processo um uso manifestamente reprovável alterando a verdade dos factos; c) Razão pela qual deverão ser condenados como litigantes de má fé em multa e indemnização a favor da ré, no montante que esta vier a pagar a título de honorários.

CXXXVII. Não alegou concretos factos para a condenação peticionada, remetendo para o que invocou na contestação. O Tribunal a quo não incluiu na matéria provada nenhum concreto facto alegado pelo exequente relativa à litigância de má fé ou concretos prejuízos dai resultantes.

CXXXVIII. Não demonstrou, nem provou, a existência de nexo de causalidade entre a alegada má fé dos embargantes, e que comportamento em concreto representa má fé e é gerador de algum potencial prejuízo ao embargado,

CXXXIX. A Doutrina e Jurisprudência defendem que “Apenas os danos que possam ser reconduzidos ao comportamento processual malicioso ou temerário serão dignos de ressarcimento, pelo que o nexo causal assumirá um papel determinante na seleção dos danos que, em concreto, serão passiveis de constituir obrigação de indemnizar” (Dra. Marta Frias Borges, Algumas reflexões em Matéria de Litigância de Má Fé, Dissertação apresentada à FDUC, 2014, pp101)

CXL. Também da sentença e deste Acórdão não consta provado nenhum facto concreto que permita condenar os embargantes como litigantes de má fé, seja em multa seja em indemnização. Limitando-se a considerações que, na ausência de concretos factos provados, nenhum relevo podem merecer para efeitos de condenação.

CXLI. MAS, na sentença, o Tribunal não condenou os embargantes a pagar ao embargado indemnização a título de condenação como litigante de má fé, nem tinha factos que o permitissem fazer. E, só com a condenação, em sede de sentença, poderia posteriormente, em liquidação, fixar o valor de indemnização.

CXLII. Convidado a pronunciar-se sobre o valor da indemnização, o embargado peticionou 4500,00€ + IVA, no total de 5.535,00€ a título de honorários, sem fazer relação concreta entre a elaboração de determinada(s) peça(s) processuais e o suposto comportamento malicioso de que resultou essa necessidade,

CXLIII. Nem o embargado alegou e provou o valor peticionado a título de indemnização, nem o nexo causal entre a indemnização e o comportamento dos embargantes, nem a sentença ( e o Acórdão) recorridos deram por provada matéria de facto necessária para a condenação como litigantes de má fé dos embargantes, nem condenou os embargantes no pagamento de indemnização ao embargado a esse título,

CXLIV. O poder jurisdicional do juiz esgota-se na sentença. (art. 613, nº 1 CPC).

CXLV. Para condenar como litigante de má fé o Tribunal precisa de matéria provada - entenda-se provada previamente à prolação da sentença - e, na matéria provada não há factos concretos que o permitam fazer. Por despacho posterior à sentença veio condenar os embargantes em 2.000,00€ a título de indemnização mas, atento o exposto, não pode proceder tal condenação pelo que se requer a sua revogação.

CXLVI. Termos em que deverá, o que se requer, ser revogado o Acórdão na parte que condena os embargantes como litigantes de má fé em multa, e na indemnização ao embargante correspondente aos honorários do I. Mandatário, no valor de 2.000,00€, violando o art. 542º do CPC e art. 27º, nº 3 do RCP.

CXLVII. Ao decidir no sentido em que o fez, o douto Acórdão violou o Ac. STJ Uniformizador de Jurisprudência nº 3/2018 e Ac. nº 4/95 do STJ, bem como, entre outras disposições legais, o art. 615 nº 1 d), art. 608º, nº 2, art. 666º, nº 1, art. 34º e art. 577 e); art 713º e antigo art. 46º nº 1 al, c), art. 703º, todos do CPC, e arts. 542º, art. 607º, nº 3 e 4, art.613, art. 615º c) e d) do CPC e art. 27, nº 3 do RCP. Ainda, art. 458º, nº 1, 352º, 355º, nº 1, 289º, art. 1142º e art. 1143º, art. 364º, artº 288 ºart. 289º, art.393º, art. 394º, nº1 todos do CC

Termos em que, e nos mais de Direito que VV. Exas. doutamente suprirão, deve, o que respeitosamente se requer:

1. Caso o TRC não o faça, que este Venerando Tribunal se pronuncie sobre a nulidade de omissão de pronúncia arguida e sobre a inexequibilidade do título.

2. Que o presente recurso seja julgado procedente por provado, revogado o douto Ac. do TRC, entre outros fundamentos, por ineptidão do requerimento executivo, falta de título executivo, inexequibilidade e inexigibilidade do título e da obrigação, falta de prova válida do mútuo, falta de conformidade entre o título e o direito que se pretende fazer valer, revogada a condenação como litigantes de má fé, consequentemente absolvidos os recorrentes com a procedência dos embargos e extinção do processo executivo.

Assim fazendo VV. Exas. a costumada JUSTIÇA!»

Contra-alegou o Exequente/Embargado, concluindo o seguinte:

«A. Deverá ser mantido na íntegra o douto acórdão recorrido.

B. O documento dado à execução constitui título executivo, nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do artigo 46.º do C.P.C. vigente à data da elaboração do mesmo (DL n.º 329-A/95, de 12-12) (Cfr. Ac. Tribunal Constitucional n.º 408/2015, publicado no Diário da República n.º 201/2015, Série I, de 14-10-2015, o qual declara, “com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que aplica o artigo 703.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, a documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, então exequíveis por força do artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil de 1961, constante dos artigos 703.º do Código de Processo Civil, e 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, por violação do princípio da proteção da confiança (artigo 2.º da Constituição)”.

C. Trata-se de um documento particular, assinado pelos ora recorrentes, que importa o reconhecimento de uma obrigação pecuniária, cujo montante é determinado ou determinável por simples cálculo aritmético.

D. O documento foi devidamente assinado pelos recorrentes e entregue ao recorrido, para reconhecimento de uma divida, no valor de €200.000,00, resultante de um empréstimo efetuado por este a aqueles (como resulta do requerimento executivo).

E. O documento dado à execução preenche todos os requisitos elencados na alínea c) do n.º 1 do artigo 46.º do anterior CPC, constituindo, assim, inequivocamente, título executivo.

F. É facto notório, de conhecimento geral, que um empréstimo de dinheiro consubstancia um contrato de mútuo, como, de resto, dispõe o artigo 1142.º do CC..

G. O mútuo que deu origem à Declaração dada à execução foi devidamente alegado no requerimento executivo, no qual foi igualmente referido que a mesma se destinava a reconhecer a divida resultante desse mútuo.

H. A declaração inserta no documento apresentado como título executivo prova a própria realidade do mútuo, pois exprime a confissão extrajudicial desse facto pelos recorrentes, nos termos dos artigos 352.º, 355.º, n.º 1, 358.º, n.º 2, e 376.º, obrigação pecuniária, decorrente de um contrato de mútuo cujo montante está perfeitamente determinado e é exatamente o pedido pelo recorrido.

I. Os recorrentes não podiam deixar de saber que lhes foi confiado, temporariamente, dinheiro sob a condição de ser devolvido e que não o restituíram (na sua nova versão dos factos, totalmente).

J. Ao invés, os Embargantes optam por fazer tábua rasa desse conhecimento (geral – o significado do termo emprestar - e específico – o conhecimento que têm da obrigação de restituir o dinheiro que lhes foi confiado) e aduzir os presentes embargos de executado negando, tout court, serem devedores da quantia mencionada na declaração exequenda.

K. Os recorrentes litigam de má-fé dolosamente, deturpando factos e relatando factos falsos, com vista a nada pagarem, impedindo o apuramento da verdade e fazendo um uso reprovável do processo.

L. Devem, por isso, ser condenados em multa e a indemnizar o recorrido, pelos danos emergentes diretamente causados pela atuação de má-fé, no montante arbitrado de €2.000,00, nos termos dos artigos 542.º, n.ºs 1 e 2, als. a), b) e d) e 543.º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Civil.

M. Não foram violados quaisquer preceitos legais,

N. Nem o acórdão recorrido padece de qualquer nulidade.

O. Impõe-se a total improcedência do presente recurso e a confirmação do douto acórdão recorrido.

Termos em que deverão V/ Exas. Manter na íntegra o douto acórdão recorrido e julgar

totalmente improcedente, por não provado, o presente recurso, com o que farão, como é timbre deste colendo tribunal, a já costumada JUSTIÇA!»


*

No despacho em que, na Relação, se admitiu o recurso (subscrito pelo Exmº Desembargador  1º Adjunto, por estar o Exmº Desembargador Relator em situação de baixa médica – cf. termo de cobrança de 08-04-2022), considerou-se o seguinte:

«Recurso dos embargantes.

Invocam os embargantes a nulidade do Acórdão, por omissão de pronúncia quanto à questão da inexequibilidade do documento dado como título executivo.

Ora, bem vistas as coisas, tal questão, máxime no que tange à vertente da exequibilidade intrínseca, ou seja, à suficiência do documento, em concatenação com o alegado no requerimento executivo, para consubstanciar a certeza, liquidez e exigibilidade da prestação executiva, já foi apreciada pelo Acórdão do STJ prolatado nos autos, no sentido afirmativo, como, meridianamente, dele emerge, e foi adrede concluído nos pontos 1 e 2 do seu sumário.

Por conseguinte, e por obediência a tal Aresto, não devia, nem podia, a Relação pronunciar-se sobre o tema.»

Não chegou a haver pronúncia sobre essa matéria em conferência (arts. 617º, nº1 e art 666º do CPC).

Já se encontrando os autos neste Supremo Tribunal, vieram os Recorrentes, na sequência daquele despacho, pronunciar-se sobre essa questão da nulidade, invocando o disposto no art. 617º do CPC.


*


O objecto dos recursos é definido pelas conclusões de quem recorre, para além do que for de conhecimento oficioso.

Os Recorrentes manifestam nas conclusões a sua discordância com a condenação como litigantes de má-fé, pretendendo que seja revogada essa condenação.

Os Embargantes foram condenados na 1ª Instância como litigantes de má-fé, na multa de 3 UC e na indemnização de €2.000,00.

O Tribunal da Relação manteve a condenação operada na 1ª Instância.

De acordo com o disposto no art. 542º, nº3, do CPC, é sempre admissível recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má-fé.

Conforme refere Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 6ª edição, Almedina, Coimbra, 2020, p. 77:

«A decisão que condena uma parte como litigante de má fé admite sempre recurso para o tribunal imediatamente superior (art. 542º, nº3), com o que se esgota o direito de impugnação, de modo que, confirmada, pela Relação, essa condenação, não é admissível recurso de revista relativamente a tal segmento decisório.»

Nesse sentido, veja-se, por exemplo, o Ac. do STJ de 22-03-2018, Rel. Abrantes Geraldes, Proc. 2166/12.8TBVCT.G1.S1 (“IV. Da decisão de condenação como litigante de má fé proferida pela 1ª instância e que foi confirmada pela Relação não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça)”, publicado em www.dgsi.pt.

Dispensa (“manifesta desnecessidade” – art. 3º, nº3, do CPC) a clareza da lei o exercício do contraditório sobre a questão da inadmissibilidade do recurso neste aspecto.

Não se conhecerá, pelo exposto, de tal segmento decisório (condenação por litigância de má-fé).

No mais, importará verificar se devem ser introduzidas alterações na matéria de facto, conforme pretendido pelos Recorrentes, se se verifica a invocada omissão de pronúncia, se há ilegitimidade activa e se o documento dado à execução não reúne, diversamente do decidido pelas instâncias, as condições necessárias para assegurar a sua continuação.


II

II.1.

Nas instâncias, deram-se por provados e não provados os seguintes factos:

a) Factos provados:

«A. O Exequente apresentou como título executivo o documento epigrafo de “declaração” que consta de fls. 4 dos autos de execução e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

B. Do referido documento consta que BB e AA se declaram estar a dever a importância de € 200.000,00 (duzentos mil euros) a CC e que para efeito de garantia juntam o cheque SOTTOMAYOR – Banco Comercial Português com o n.º ...97.

C. Os Embargantes assinaram a declaração referida em A) e entregaram o cheque referido em B) por si assinado.

D. Os Embargantes sabem que o Embargado lhes emprestou o referido dinheiro, o destino que deram ao empréstimo e que estão obrigados à sua restituição.

E. Não obstante esse conhecimento, os Embargantes deduziram os presentes embargos de executado onde colocam em causa a validade do documento referido em A) e B), negam ser devedores da quantia nele aposta e negam terem-se obrigado a restituir o dinheiro que lhes foi emprestado.

F. Os Embargantes deduziram os presentes embargos de executado com o objetivo de não pagarem ao Embargado.»

b) Factos não provados

«1. Os Embargantes não solicitaram nem obtiveram do Embargado o empréstimo de € 200.000,00 no decurso do mês de maio de 2003.»

II.2.

Relativamente à matéria de facto, alegaram os Recorrentes:

«LXII. Sobre a matéria de facto, o Acórdão de que se recorre confirmou integralmente a matéria de facto dada por provada e não provada pelo Tribunal .... Nos termos do disposto no art. 671º, nº 3 do CPC, “o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”

LXIV. O saneador, a sentença e este segundo acórdão do TRC, ao fixarem a matéria de facto, nos termos em que o fizeram, violaram disposição expressa da lei, com implicações nas decisões tomadas.

LXV. A matéria provada e não provada tem de reportar-se a factos. Contudo, nas als. D, E e F temos meras conclusões, juízos de valor que devem ser eliminadas.

LXVI. Por outro lado, o embargado apresentou como título executivo documento particular, unilateral, intitulado Declaração, e alegou no requerimento executivo que “em data anterior a 30 de maio de 2003, que agora não se sabe precisar, o exequente emprestou a quantia de €200.000,00 aos executados, os quais, em 30 de maio de 2003, assinaram um documento particular denominado "Declaração",

LXVII. Contrariando o disposto no Código Civil quanto à forma, e consequente força probatória dos documentos, nomeadamente de contrato de mútuo no valor de 200.000,00€, entendeu-se na sentença, que agora mereceu acolhimento pela Relação de Coimbra, dar por provada e não provada a matéria acima transcrita.

LXVIII. Não se dando por provado, como deveria, que:

a) O empréstimo ocorreu em data anterior a 30 de maio de 2003 (conforme alegado pelo embargado).

b) O empréstimo ocorreu por forma verbal (como resulta do depoimento da testemunha AA, requerimento executivo e omissão de contrato nos autos)

c) Não foi junta aos autos escritura pública do mútuo.

d) Não existe título executivo válido.

LXIX. Verifica-se violação do disposto nos art. 364º, 1142º e 1143º do CC

LXX. Se a lei substantiva exige determinado tipo de documento para a constituição ou a prova de determinado tipo de negócio jurídico, a execução só pode fundar-se em documento de força probatória igual ou superior àquele (art. 364º CC), para o feito de cumprimento de obrigações correspondentes a esse tipo de negócio.

LXXI. Segundo Francisco Lucas Ferreira de Almeida é na força probatória do escrito, atentas as formalidades a observar, que radica a eficácia do título executivo, pelo que a virtualidade para servir de fonte à execução depende da observância legal pelo ato ou negócio jurídico certificado.”

LXXII. Porque se trata de matéria de facto, analisada em termos de violação de Direito, pode o STJ dá-la por provada, aditando-a, o que se requer».

Conforme referem os Recorrentes, o Supremo Tribunal de Justiça não pode interferir na decisão da matéria de facto, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (art. 374º, nº3, do CPC).

Por outro lado, estabelece o art. 662º, nº4, do CPC, que das decisões previstas nos seus nºs 1 e 2 (que se reportam aos poderes da Relação sobre matéria de facto) não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

Mas tem-se entendido que o Supremo pode determinar a exclusão dos chamados factos conclusivos, por tal se assumir com uma questão de direito que não envolve um juízo sobre a prova produzida, sem prejuízo de ser de verificar se um facto, mesmo com uma componente conclusiva, não tem ainda um substrato relevante para o acervo dos factos que importam para uma decisão justa, como se refere no Ac. do STJ de 14-07-2021, Rel. Júlio Gomes, Proc. 19035/17.8T8PRT.P1.S1, em www.dsi.pt e podendo ver-se, ainda, a propósito, o (muito recente) Ac. do STJ de 19-01-2023, Rel. Fernando Baptista, Proc. 15229/18.7T8PRT.P1.S1, em www.dgsi.pt.

Recorde-se o teor dos pontos visados:

«D. Os Embargantes sabem que o Embargado lhes emprestou o referido dinheiro, o destino que deram ao empréstimo e que estão obrigados à sua restituição.

E. Não obstante esse conhecimento, os Embargantes deduziram os presentes embargos de executado onde colocam em causa a validade do documento referido em A) e B), negam ser devedores da quantia nele aposta e negam terem-se obrigado a restituir o dinheiro que lhes foi emprestado.

F. Os Embargantes deduziram os presentes embargos de executado com o objetivo de não pagarem ao Embargado.»

No que concerne à al. D, considera-se que a matéria de facto fica pela primeira parte – “Os Embargantes sabem que o Embargado lhes emprestou o referido dinheiro” –, aqui vindo a referência ao empréstimo, a relação subjacente, alegada no requerimento executivo. A segunda parte confunde-se com o juízo decisório dos embargos, maxime no que toca à obrigação de restituição (a extrair dos elementos  recolhidos nos autos)

No que concerne à al. E, a matéria aí expressa assume-se mais como um relatório do que resulta dos embargos, não sendo matéria resultante da actividade probatória.

A al. F encerra um juízo sobre o que se pretende com os embargos, tratando-se também da matéria que não deve figurar no elenco factual.

Quanto ao mais, sobre o que deveria dar-se por provado, há que dizer que estamos perante matéria que, aqui sim, se prende com a avaliação da prova produzida, no que o Supremo não pode interferir.

Relativamente à falta de junção de escritura pública atinente ao contrato de mútuo (o que os autos patenteiam) e à inexistência de título executivo, entramos no mérito dos embargos. O documento dado à execução como título executivo foi, não se olvide, uma declaração de reconhecimento de dívida. É esse documento que está sob análise quanto a saber se, em conjugação com o alegado no requerimento inicial, se assume como título executivo válido.

Não está configurada uma situação que caiba no art. 674º, nº3, do CPC, e imponha a alteração da matéria de facto, conforme pretendem os Recorrentes.

Pelo exposto:

- Da al. D dos factos provados elimina-se a segunda parte, razão por que subiste como provada a primeira parte:

Os Embargantes sabem que o Embargado lhes emprestou o referido dinheiro.

- Eliminam-se as alíneas E e F.


III


Os Recorrentes vieram arguir a nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia (art. 615º, nº1, d), do CPC), já que, nesse acórdão, «não se conheceu, quanto ao recurso do segundo despacho saneador da 4ª questão colocada, a “Inexequibilidade” do título, apenas se referindo o acórdão à “inexigibilidade” do título.

Referem, entre o mais que aqui se dá por reproduzido, que:

 «Quanto à existência, suficiência e exequibilidade do título executivo decidiu o Tribunal de Primeira Instância que o título existe e é exequível, julga o mútuo nulo por vício de forma; e que a declaração de nulidade obriga à restituição de tudo o que tiver sido prestado, nada obstando a que o tribunal conheça oficiosamente da nulidade do contrato e respetiva obrigação de restituir (o Acórdão de que se recorre segue na mesma linha)».


Fazem menção ao Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, nº 3/2018, dizendo que não se aplica ao caso, dado que esse Acórdão «se reporta a documento particular em que os ali executados declararam que lhes havia sido “emprestado” uma determinada quantia», enquanto na «Declaração junta como título executivo à presente execução os executados AA e BB, pelo contrário, não declararam que lhes foi emprestado ou mutuado 200.000,00€, nem sequer pelo teor da declaração se comprometeram a pagar este valor» e «ao contrário da situação apreciada no Acórdão 3/2018, a obrigação não está determinada nem reconhecida no título, nos seus pressupostos fácticos, porquanto a declaração não reúne os requisitos exigidos pela al. c) do anterior art. 46º CPC, transponíveis para os documentos aludidos na alínea b) do atual art. 703º CPC.»

Os Recorrentes defendem que o contrato de mútuo, dado o seu valor, tinha de ser celebrado por escritura pública, que, no dia da declaração dadas aos autos, não se celebrou o contrato de mútuo, sendo alegado pelo Exequente que tal sucedeu em momento anterior e que «[a]lgum mútuo que tenha sido celebrado, foi-o por forma verbal».


Vejamos.

No primeiro Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, considerou-se, entre o mais, o seguinte:

«Os documentos particulares não autenticados deixaram de ser título executivo válido para a instauração da execução se forem subscritos depois da data de 31/8/2013, mesmo face ao teor do acórdão do Tribunal Constitucional nº 408/2015.

O Tribunal Constitucional em 23-9-2015 proferiu o Acórdão nº 408/2015 declarando a inconstitucionalidade com força obrigatória geral da norma que aplica o artigo 703 do CPC a documentos particulares emitidos em data anterior á sua entrada em vigor, então exequíveis por força do artigo 46 nº1 c) do CPC de 1961, por violação do princípio da protecção da confiança (artigo 2º da CRP).

Conforme resulta desde acórdão os documentos particulares não autenticados que hajam sido emitidos anteriormente a 31-8-2013 apenas poderão ser apresentados à execução nos precisos termos em que eram exequíveis por força do artigo 46 nº1 alínea c) do CP civil de 1961 ou seja, se um documento particular não autenticado por qualquer razão não constitua titulo executivo à luz deste normativo não será por força do citado acórdão do Tribuna Constitucional que adquirirá essa qualidade. Conforme referem Virgínio Ribeiro e Sérgio Rebelo (obra citada, pág. 130) os documentos particulares não autenticados que hajam sido subscritos antes de 1-9-2013 só terão força executiva desde que estejam assinados pelo devedor, importem a constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes ou de obrigações de entrega de coisa ou de prestação de facto.

No caso dos autos o documento dado à execução data de 30-5-2003 e e nessa medida baseando-se a execução em documento particular emitido em data anterior à entrada em vigor do código de processo civil, e sem prejuízo de o artigo 703 não considerar título os documentos particulares, cumpre analisar se este documento é titulo executivo nos termos do artigo 46 do CPC anterior.

De acordo com o artigo 46º, c), do anterior CPC são títulos executivos "os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinável.».

No documento dado à execução consta apenas que os executados declaram dever a importância de 200.000,00 euros ao exequente.

Estamos perante um documento escrito de reconhecimento de dívida, sem indicação de causa, subscrito pelos executados.

Esse documento preenche os requisitos previstos no art. 46.º/1/c) do CPC, isto é, consta do mesmo a obrigação de pagamento de quantia determinada ou determinável por cálculo aritmético, contém a assinatura do devedor e importa a constituição ou reconhecimento de uma obrigação.

Nos do artigo 458 do CCivil se alguém, por simples declaração unilateral, prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida, sem indicação da respectiva causa, fica o credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário” (artº 458º nº 1 do Código Civil).

No reconhecimento de dívida, o credor da dívida reconhecida fica dispensado de provar a causa da dívida reconhecida, presumindo-se a existência de causa, sem prejuízo da prova do contrário por parte daquele que se obriga mediante o reconhecimento de dívida (artºs. 458º nº 1 e 350º nº 2 do Código Civil).

Todavia, o regime contido no art. 458º do CC, apenas dispensa o credor da prova da existência da relação fundamental, que se presume até prova em contrário pelo executado/oponente.

Mas o credor de uma obrigação causal, cuja causa não conste do título exequendo, deverá alegá-la no requerimento executivo, sob pena de ineptidão inicial.

Se o exequente não invocar a causa da obrigação, no requerimento inicial, verifica-se que já não é possível fazê-lo na pendência do processo, a não ser com o acordo do executado (artigo 272º CPC), por tal implicar a alteração da causa de pedir (e nessa medida não se poderá ter em conta o aperfeiçoamento admitido da audiência onde se alega que se pretendia alegar no «decurso do mês de maio de 2003»).

No requerimento executivo é inepto dado que o exequente no requerimento inicial se limita a invocar como causa de pedir que «...em data anterior a 30 de Maio, que agora não sabe precisar, o exequente emprestou a quantia de 200.000,00 euros aos executados, os quais em 30 de Maio de 2003, assinaram o documento particular denominado de «declaração»…».

Invocar apenas a existência de um “empréstimo» tal não vale juridicamente como causa de pedir subjacente à confissão de divida, dado que cumpre reportar-se a concretos negócios e contratos e que estejam devidamente caracterizadas nomeadamente no tempo.

Neste sentido, vide Ac RC Processo: 2912/13.2TBLRA-B.C1, Relator: BARATEIRO MARTINS, de 20-02-2019:«Sumário: 1 – Deve ser liminarmente indeferido – por vício de ineptidão, decorrente da falta de alegação da causa de pedir – o requerimento executivo em que, sendo o título executivo uma escritura de confissão de dívida, o exequente não alegue (no respectivo campo do requerimento executivo) a causa jurídica da obrigação exequenda (os factos constitutivos da relação material subjacente à emissão da declaração em causa).

2 - O art. 458.º C. Civil (que não vale como fonte autónoma de obrigações, nem constitui uma excepção ao chamado “princípio do contrato”) apenas estabelece um regime de “abstracção processual”: dispensa o A. da prova da relação fundamental, consagrando uma regra de inversão do ónus da prova (competindo ao devedor ilidir a presunção que o mesmo consagra), mas não dispensa o A. de alegar os factos constitutivos da relação fundamental e que constitui a verdadeira causa de pedir da acção.

2 – E as coisas não mudam de figura por se estar numa execução, uma vez que nas acções executivas a causa de pedir do pedido executivo é o facto aquisitivo do respectivo direito à prestação e não o próprio título executivo, que só incorpora e demonstra o facto aquisitivo.».

[…]

Como no caso em apreço não foi invocada a relação causal geradora de direitos e obrigações entre as partes que legitimasse a emissão do documento em causa, há ineptidão do requerimento executivo (devendo o requerimento executivo ter sido liminarmente indeferido nos termos do artigo 726 do CPC ).

Pelo exposto, cumpre revogar a decisão recorrida e em consequência, absolvem-se os executados da instância executiva, atenta a ineptidão do requerimento executivo, o credor/exequente não alegou a relação causal ou fundamental cujo ónus era seu, o requerimento executivo revela-se inepto e determina a nulidade de todo o processado e, consequentemente, a absolvição dos executada/oponente da instância executiva – art. 193,nº1, e nº 2, alínea b), do CPC.

O presente recurso de apelação terá, por conseguinte, de proceder.

Fica assim prejudicada a apreciação das restantes questões suscitadas nas alegações nos termos do artigo 608 nº2 e 663 do CPCivil.»


Como se vê, considerou-se que o documento dado à execução «preenche os requisitos previstos no art. 46.º/1/c) do CPC, isto é, consta do mesmo a obrigação de pagamento de quantia determinada ou determinável por cálculo aritmético, contém a assinatura do devedor e importa a constituição ou reconhecimento de uma obrigação». O que levou à absolvição da instância executiva foi, dado que “o credor de uma obrigação causal, cuja causa não conste do título exequendo, deverá alegá-la no requerimento executivo, sob pena de ineptidão inicial”, não ter sido suficientemente alegada essa obrigação causal, não bastando a referência a “empréstimo”.

No Acórdão proferido neste Supremo Tribunal, que recaiu sobre essa decisão, considerou-se, além do mais, o seguinte:

«Entendeu-se, no acórdão recorrido, que o requerimento executivo é inepto «dado que o exequente no requerimento inicial se limita a invocar como causa de pedir que ‘...em data anterior a 30 de Maio, que agora não sabe precisar, o exequente emprestou a quantia de 200.000,00 euros aos executados, os quais em 30 de Maio de 2003, assinaram o documento particular denominado de «declaração»…’.». E acrescentou-se:

«Invocar apenas a existência de um “empréstimo» tal não vale juridicamente como causa de pedir subjacente à confissão de dívida, dado que cumpre reportar-se a concretos negócios e contratos e que estejam devidamente caracterizadas nomeadamente no tempo.»


No despacho saneador, a 1ª Instância considerou não se verificar a ineptidão do requerimento executivo, escrevendo-se, a dado passo, o seguinte:

«No caso em apreço o Exequente alega, em sede de requerimento executivo, que emprestou €200.000,00 aos Executados e que nessa sequência foi elaborado a declaração aqui apresentada como título executivo e entregue um cheque como garantia do seu pagamento.

Assim, o Exequente sustenta ter celebrado um contrato de mútuo com os Executados, donde procede o reconhecimento da dívida.

Compete aos Executados provar a inexistência ou invalidade deste contrato de mútuo.

Assim, o Exequente identifica corretamente a causa de pedir e pedido e os Embargantes dela se defendem corretamente, conforme decorre da leitura da petição inicial de embargos.

Pelo que, não falta nem é ininteligível o pedido, nem a causa de pedir. Só a falta total (e já não a escassez) ou a ininteligibilidade da causa de pedir é que geram a ineptidão da petição inicial – cfr. artigo 186.º, n.º 2, al. a) do CPC.»


A 1ª Instância, depois de percorrer as diversas redacções que foram dadas ao art. 1143º do C. Civil, concluiu que, visto o valor contemplado na declaração (€200.000,00) e tendo em conta a data da sua efectivação (anterior à declaração de 30-05-2003) teria de ser celebrado por escritura pública e, não o tendo sido, é nulo por vício de forma (art. 220º do C. Civil).


Invocou a 1ª Instância, entre o mais, o Ac. do STJ n.º 3/2018, Rel. Alexandre Reis, publicado no Diário da República n.º 35/2018, 1ª Série, de 19-02-2018, no qual se uniformizou jurisprudência nos seguintes termos:

«O documento que seja oferecido à execução ao abrigo do disposto no artigo 46.º, n.º 1, alínea, c), do Código de Processo Civil de 1961 (na redacção dada pelo Decreto -Lei n.º 329 -A/95, de 12 de Dezembro), e que comporte o reconhecimento da obrigação de restituir uma quantia pecuniária resultante de mútuo nulo por falta de forma legal goza de exequibilidade, no que toca ao capital mutuado»


A 1ª Instância concluiu que «vista a exequibilidade do contrato de mútuo e a sua nulidade por vício de forma, o Exequente tem direito à restituição do capital mutuado – €200.000,00 –, acrescido de juros de mora civis à taxa legal sucessivamente vigente mas apenas desde a data de citação e até integral pagamento.»

Considerou, por isso, dever a execução prosseguir, como veio a decidir na sentença final, para pagamento do capital de € 200.000,00, com juros desde a citação (o Exequente havia pedido juros a partir da data da declaração).


Está aqui em discussão, como se referiu, saber se o requerimento executivo é inepto por falta de causa de pedir, como se concluiu no acórdão recorrido, no qual, como se viu, se entendeu não ser suficiente ter-se alegado apenas a realização de um empréstimo.

O Recorrente defende que, no requerimento executivo, alegou que “o exequente emprestou a quantia de €200.000,00 aos executados” e que o documento dado à execução foi assinado e entregue pelos executados ao exequente, “Para garantia do pagamento da quantia mutuada”.

Considera, assim, que a causa de pedir foi, efectivamente, alegada, como tendo a quantia em causa resultado de um empréstimo, sendo do conhecimento geral que um empréstimo de dinheiro consubstancia um contrato de mútuo, como, de resto, dispõe o artigo 1142.º do CC.

Chama ainda a atenção para a confissão dos Recorridos de que as assinaturas da “Declaração” de dívida dada à execução são suas.

O voto de vencido vai no sentido propugnado pelo Recorrente, pois nele se escreveu o seguinte:

«Existe título executivo.

Há uma declaração de confissão de dívida assinada pelos devedores, tendo, inclusivé, estes assinado e entregue cheque para garantia da mesma.

E o exequente alega no requerimento inicial a causa dessa da dívida: um empréstimo.

Perante a alegação do empréstimo e a confissão dos executados de que as assinaturas da declaração de dívida são suas - vide conclusão 62 - está ao menos suficientemente alegada a causa de pedir.

Primus porque homem médio sabe o que é emprestar algo a alguém.

Secundus em função do pedido formulado: pagamento do capital e juros; quando muito, e perante a não prova da data do empréstimo, os juros seriam concedidos apenas a partir da citação.

Aliás, os próprios embargantes aceitam a existência do empréstimo ligado aos documentos juntos e até alegam que já pagaram parte do mesmo: 91 mil euros -vide conclusões 5 e 62 a 64.

Está assim cumprido o artº 458º do CC.

Os Acórdãos citados não são convocáveis porque regem para casos em que apenas é apresentado como título o documento confessório sem indicação da causa, o que, in casu, não acontece, pois que, como se disse, é alegada a relação subjacente à confissão de dívida.

Ademais, a meandrosidade e as contradições na defesa dos executados, que dizem tudo e o seu contrário, são patentes, pelo que até foram, e muito bem, condenados como litigantes de má fé.

A posição vencedora obriga, - eventualmente-, sem fundamento, o exequente/embargado a cumprir uma via sacra processual desde logo na ação declarativa, e, se aqui obtiver ganho de causa, na subsequente ação executiva.»


Na verdade, os Executados não impugnaram as assinaturas constantes da “Declaração” (como, aliás, os próprios afirmam na conclusão 51 da apelação, ao dizerem que «os embargantes não negaram ter assinado a Declaração, nem invocaram a falsidade das assinaturas») apresentada como título executivo e na qual reconhecem serem devedores ao Exequente do montante de €200.000,00.

Ademais, impugnaram a decisão da matéria de facto, defendendo, designadamente, que «deveria o Tribunal a quo ter dado por provada matéria de facto que resultou dos documentos juntos, da omissão de junção de escritura pública de mútuo, e dos depoimentos das testemunhas ouvidas em sede de audiência de julgamento, com relevo para a decisão da causa, o que não fez.» (conclusão 5º da apelação).

A matéria que os Embargantes defendem que deveria o Tribunal ter dado por provada é a seguinte (cf. Conclusão 7ª da apelação):

«A - Embargado e embargantes, na qualidade de mutuante e mutuários, não subscreveram documento particular nem celebraram escritura pública de mútuo no valor de 200.000,00€.

B – No ano 2003 o embargado emprestou aos embargantes 200.000,00€ na sequência de acordo verbal.

C - Os embargantes no período compreendido entre 2004 e 2011, inclusive, realizaram pagamentos anuais e parciais ao embargado por conta do empréstimo.

D – Os pagamentos realizados pelos embargantes totalizaram 91.000,00€.»


Como se vê, os Embargantes reconhecem a existência do empréstimo e pretendem que se dê como provado que já realizaram pagamentos que importam em €91.000,00.

Esta posição, salvo o devido respeito, vem confirmar que a alegação, no requerimento executivo, da realização de um empréstimo, como sendo a relação causal (que não tinha de constar da declaração, como resulta do disposto no art. 458º do C. Civil, presumindo-se a sua existência até prova em contrário) que estava na origem da declaração recognitiva de dívida, preenchia suficientemente a causa de pedir.

Os Recorridos defendem que a situação dos autos é diferente da tratada no Acórdão do STJ nº 3/2018, já que este teve como base uma declaração na qual se reconhecia a realização de um empréstimo, ao passo que da declaração dada à execução aqui embargada não consta uma menção desse teor, apenas se reconhecendo serem os declarantes devedores, a CC, da quantia de €200.000,00.

É certo que, no caso tratado no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 3/2018, a referência ao empréstimo constava da própria declaração – «(…) declaramos que nos confessamos devedores ao Sr. DD e mulher CC, da importância de 6.000.000$00, que este nos fez o favor de emprestar» –, mas, desde logo, daqui se retira que se teve por suficiente, na indicação da causa, uma referência com a brevidade patenteada. Por outro lado, não se olvidará que, se, no caso presente, não surge uma menção desse teor na declaração dada à execução, consta do requerimento executivo que a dívida a que a declaração se reporta emergiu de um empréstimo, que comummente se associa ao contrato de mútuo, o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível  (art. 1142º do C. Civil),  o que, em conjugação com a declaração, se considera ser bastante para configuração da causa e não poderia deixar de ser compreendido pelos Executados, subscritores da declaração, como o desenvolvimento dos embargos veio a revelar, designadamente por aquilo que os Embargantes pretendem levar à matéria provada.

Entende-se, pelo exposto, não haver razões para considerar inepto o requerimento executivo, assumindo o documento dado à execução, em associação com o que foi alegado naquele requerimento, capacidade para sustentar a execução, ainda que se conclua pela existência de nulidade do mútuo (com os devidos reflexos relativamente ao momento em que os juros são devidos) e se conclua também pela eventual redução da quantia exequenda, por força do pagamento parcial, caso proceda a pretendida alteração da decisão da matéria de facto.

O Tribunal da Relação, ao concluir pela ineptidão do requerimento inicial, absolveu os Executados da instância executiva, ficando, naturalmente, prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas pelos Embargantes nos seus recursos.

Ora, entendendo-se, como se entende, que o acórdão recorrido não pode subsistir, terão os autos que voltar ao Tribunal da Relação para a apreciação das questões que não chegaram a ser tratadas (veja-se, a propósito, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6ª edição, Almedina, Coimbra, 2020, p. 484).»


Ressalta deste acórdão que se considerou que a referência a empréstimo, no requerimento executivo, colhendo o exemplo, no que concerne à indicação da causa, constante do Acórdão de Uniformização nº 3/2018, e em conjugação com a declaração, era suficiente, o que não poderia deixar de ser compreendido pelos Executados, subscritores da declaração, como o desenvolvimento dos embargos veio a revelar, designadamente por aquilo que os Embargantes pretendiam levar à matéria provada.

O cotejo com o dito Acórdão Uniformizador revelou que a indicação da causa, independentemente de surgir logo na declaração, ou de se inserir do requerimento executivo (onde podia efectivamente figurar),  se bastava com uma referência concisa, como aquela que, tanto no AUJ, como in casu, se usou,  preenchendo-se a causa de pedir e, assim, entendeu-se «não haver razões para considerar inepto o requerimento executivo, assumindo o documento dado à execução, em associação com o que foi alegado naquele requerimento, capacidade para sustentar a execução, ainda que se conclua pela existência de nulidade do mútuo (com os devidos reflexos relativamente ao momento em que os juros são devidos) e se conclua também pela eventual redução da quantia exequenda, por força do pagamento parcial, caso proceda a pretendida alteração da decisão da matéria de facto» (destaque agora introduzido).

Ou seja, há aqui a afirmação de que estamos perante um documento capaz de sustentar a execução, ainda que se conclua pela nulidade do mútuo (e, portanto, com a obrigação de restituição do que foi prestado), não deixando um documento com tais características, complementado pelo que se alegou no requerimento executivo, de ter exequibilidade, apesar de ter por base um mútuo nulo por falta de forma legal, como se concluiu no AUJ mencionado (e, à semelhança do que neste sucedeu, entendeu-se, no presente processo, serem devidos juros desde a citação).

Não se divergiu do primeiro acórdão recorrido no que tange a reunir o documento as características exigidas pelo art. 46º, nº1, c), do anterior CPC, com potencialidade para ser título executivo, apesar da alteração legislativa  (entrada em vigor do novo CPC), de acordo com o citado Acórdão do Tribunal Constitucional. Nem a discussão sobre se a indicação feita no requerimento executivo relativamente à causa faria sentido se, à partida, se entendesse que o documento dado aos autos não se enquadrava no dito art, 46º, nº1, c).

O Tribunal a quo, no acórdão ora recorrido, não poderia deixar de partir da conclusão a que se chegou no anterior acórdão proferido neste Tribunal. E teve-o em consideração, revendo a posição que antes tomara, sufragando, inclusive, o citado voto de vencido (que ali também se cita) e que começa pela inequívoca afirmação de que existe título executivo, estando-se perante declaração de confissão de dívida assinada pelos devedores, para além de terem assinado um cheque para garantia da mesma, bem como se refere que a alegação do empréstimo, cujo sentido o homem médio conhece e cuja existência é, aliás, aceite pelos Embargantes, que alegaram o seu pagamento parcial, configura suficientemente a causa de pedir. E reproduz-se, depois, uma passagem do acórdão proferido neste Supremo Tribunal.

Entende-se, pelo exposto, que não se verificou a apontada omissão de pronúncia, que deve aferir-se pelo tratamento das questões em discussão, exercício em que não se impunha  voltar a tratar de matérias já definidas por este Supremo Tribunal.


Conforme explica Miguel Teixeira de Sousa, em Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, Lex, Lisboa, 1997, pp. 607-608:

«Tal como só uma pretensão accionável pode ser objecto de uma sentença condenatória, também só uma pretensão exequível pode constituir objecto de uma acção executiva. A exequibilidade da pretensão pode ser intrínseca ou extrínseca: a intrínseca respeita à inexistência de qualquer vício material ou excepção peremptória que impeça a realização coactiva da prestação; a extrínseca é atribuída pela incorporação da pretensão num título executivo, isto é, num documento que formaliza, por disposição da lei, a faculdade de realização coactiva da prestação não cumprida (art. 45º, nº1)».


No Ac. do STJ de 07-07-2010, Rel. Helder Roque, Proc. nº 854-B/1997.L1.S1, publicado em www.dgsi.pt, exarou-se, nesta linha, o seguinte:

«A pretensão diz-se exequível quando se encontra incorporada num título executivo, em documento provido de eficácia executiva, isto é, que reúna os requisitos formais e substanciais exigidos por lei para ser considerado título executivo.»


Como se disse, a problemática tratada no anterior acórdão deste Supremo Tribunal, centrada na eventual ineptidão do requerimento executivo, não dispensava, como não dispensou, a aferição da natureza do documento oferecido como título executivo e a reunião dos requisitos para sustentar a execução, em conjugação com o alegado naquele requerimento. E ficou claro o enquadramento desse documento no art. 46º, nº1, c), do CPC-61 e a susceptibilidade de com ele prosseguir uma execução ainda que a causa dissesse respeito, como neste caso e como na situação tratada no aludido AUJ, a um contrato de mútuo nulo por falta de forma.

Os Recorrentes, concentrando-se na declaração, insistem em referir que não há um contrato de mútuo subjacente ao documento dado à execução, dizendo que a declaração não consubstancia qualquer contrato de mútuo, pelo que não pode fundar o prosseguimento da execução e acrescentam que se verifica inexigibilidade da obrigação, por não ter a declaração  subjacente qualquer contrato de mútuo.

Ora, o título executivo é o dito documento, que consubstancia uma declaração de confissão de uma dívida e a alegação complementar (legalmente admissível) revela que a relação subjacente é um empréstimo. O contrato de mútuo configura, pois, a relação subjacente, não estando em causa o seu cumprimento, mas a restituição do que houver sido prestado, como consequência legal da nulidade, como se refere na fundamentação do dito AUJ, no qual, para além de se assinalar que um contrato nulo não é um “nada jurídico”,  se exarou, a dado passo, o seguinte (com destaque nosso):

«Segundo pensamos, o apontado dissídio jurisprudencial deve resolver-se no sentido de que, uma vez constatada a nulidade do negócio subjacente ao título executivo apresentado e sendo esse vício do conhecimento oficioso, tal título pode valer de fundamento, não para o cumprimento específico do contrato, mas para a restituição do que houver sido prestado, como consequência legal da nulidade, nos termos do art. 289.º, n.º 1, do CC. Daí que o título não possa valer, designadamente, para exigir os juros que tenham sido estipulados no contrato, por este ser nulo, mas apenas os juros de mora, à taxa legal desde a citação para a acção executiva, por força do que dispõem os arts. 805.º, n.º 1, e 806.º do mesmo código.»


Não se contraria, no aresto impugnado, o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, como alegam os Recorrentes, não se verificando obstáculo à sua aplicação apenas pela circunstância de, na declaração nesse Acórdão analisada, se conter a referência ao empréstimo e, neste caso, não, pois estamos,  nos dois casos, perante declaração de reconhecimento de uma dívida cujo montante está determinado no documento, e, nos presentes autos, o que se regista de diferente é tão-só a indicação da causa no requerimento executivo, como permite a lei. E que o ónus de alegação foi suficientemente cumprido, de molde a complementar o documento dado à execução, que reúne os requisitos exigidos para se assumir como título executivo, resulta do anterior acórdão proferido neste Tribunal e transitado em julgado. Por isso, não há que discutir, de novo, a questão da falta de título e da ineptidão do requerimento executivo, sucedendo que os Recorrentes continuam a defender, desconsiderando o que foi oportunamente decidido, que o Exequente não cumpriu o ónus de alegação e que o requerimento executivo é inepto.

Na verdade, uma declaração da natureza da que foi dada à execução não é a própria obrigação reconhecida e tem o efeito de interromper a prescrição (Ana Prata (Coord.) e Outros, Código Civil Anotado, vol. I, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 2019, anotação de Ana Prata ao art.  458º, pp. 625-626. O título executivo é a declaração de reconhecimento de dívida, como já de referiu, havendo que retirar daí as devidas consequências,

Sendo a declaração de reconhecimento da dívida o título executivo, reportada ao montante nela expresso, enquadrável no dito art. 45º, nº1, c), releva a data nela aposta.

Há que referir também, no que concerne à legitimidade para promover a acção executiva, que ela assiste a quem figura no título como credor, não estando em causa a sucessão de quem, nessa qualidade, consta do título (arts. 53º, nº1, e 54º, nº1, do CPC, correspondentes aos arts. 55º, nº1, e 56º, nº1, do CPC-61), ou seja, não se verificando que tenha havido sucessão na titularidade da obrigação exequenda (Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 4ª edição, Almedina, Coimbra, 2021, p. 131). Daí que se entenda que, surgindo no título como credor o Exequente, não há lugar à sua ilegitimidade, tal como, correctamente, se decidiu nas instâncias. 


Improcede a revista.


*

Sumário (da responsabilidade do relator)



1. O Supremo Tribunal de Justiça pode determinar a exclusão de matéria conclusiva, por tal se assumir com uma questão de direito que não envolve um juízo sobre a prova produzida.

2. A omissão de pronúncia afere-se pelo tratamento das questões que devam ser apreciadas, não cabendo aí as matérias que tenham sido já definidas pelo tribunal superior, no âmbito de um recurso anteriormente interposto no mesmo processo.

3. Sendo dada à execução uma declaração de reconhecimento de dívida, é esse documento que se assume como título executivo, constituindo o empréstimo a que diz respeito a relação causal.

4. Uma pretensão é exequível quando se encontre incorporada num documento que reúna os requisitos formais e substanciais exigidos por lei para ser considerado título executivo.

5. A legitimidade para promover a acção executiva assiste a quem figure no título como credor.

6. A decisão que condena uma parte como litigante de má-fé admite sempre recurso para o tribunal imediatamente superior (art. 542º, nº3 do CPC), com o que se esgota o direito de impugnação. Assim, sendo confirmada, pela Relação, a condenação operada em 1ª instância, não é admissível recurso de revista relativamente a tal segmento decisório.



IV


Pelo exposto:

- Não se conhece do segmento decisório relativo à condenação por litigância de má-fé;

- Nega-se provimento à revista.

- Custas pelos Recorrentes.


*


Lisboa, 07-03-2023


Tibério Nunes da Silva (Relator)

Nuno Ataíde das Neves

Sousa Pinto

_____

[1] Não se reproduzem os sublinhados e os negritos, dada a extensão das conclusões e o facto de, no caso, a cópia extraída do Citius apresentar o texto desformatado (sem, designadamente, os sublinhados e negritos), obrigando à sua recomposição, por parte do relator, desde logo no que toca à justificação (alinhamento), linha por linha, e à introdução dos itálicos.