Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
147/14.6JELSB.L1.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: JOÃO SILVA MIGUEL
Descritores: CORREIO DE DROGA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
CULPA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
IMAGEM GLOBAL DO FACTO
PENA DE PRISÃO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 04/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Área Temática:
DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA - TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES.
Doutrina:
- Maria João Antunes, As consequências jurídicas do crime, Coimbra Editora, 2013, pp. 41-45, e bibliografia citada, 71.
Legislação Nacional:
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 40.º, N.º2, 50.º, N.º1, 70.º, N.º1, 71.º, N.ºS 1 E 2.
DECRETO-LEI N.º 15/93, DE 22-1: - ARTIGO 21.º, N.º 1.
PLANO NACIONAL PARA A REDUÇÃO DOS COMPORTAMENTOS ADITIVOS E DAS DEPENDÊNCIAS 2013-2020, APROVADO PELA RESOLUÇÃO DO CONSELHO DE MINISTROS DE 23 DE OUTUBRO DE 2014, CONSTITUINDO O SEU ANEXO I, E PUBLICADO NO DIÁRIO DA REPÚBLICA, I SÉRIE, N.º 250, DE 29 DE DEZEMBRO DE 2014, PP. 6294- 6348.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 15 DE DEZEMBRO DE 2011, PROCESSO N.º 706/10.6PHLSB.S1, ACESSÍVEL, TAL COMO QUALQUER OUTRO MENCIONADO NO TEXTO SEM INDIVIDUALIZAÇÃO DE FONTE, NA BASE DE DADOS DO IGFEJ EM
HTTP://WWW.DGSI.PT/.
-DE 2 DE MAIO DE 2012, PROCESSO N.º 132/11.0JELSB.S1, CITADO NA NOTA 3.
-DE 22 DE MAIO DE 2014, PROCESSO N.º 10/12.5SFPRT.P1.S1.
-DE 29 DE SETEMBRO DE 2011, PROCESSO N.º 458/10.0JELSB.S1.
-DE 19 DE MAIO DE 2005, PROCESSO N.º 1750/05.
-DE 15 DE NOVEMBRO DE 2007, PROCESSO N.º 07P3761.
-DE 16 DE MAIO DE 2002, PROCESSO N.º 1258/02.

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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

-N.º 426/91, DE 8 DE NOVEMBRO DE 1991, PUBLICADO NO DIÁRIO DA REPÚBLICA (DR), II SÉRIE, N.º 78, DE 2 DE ABRIL DE 1992, DOUTRINA QUE FOI REAFIRMADA NOS ACÓRDÃOS N.OS 10/99, DE 10 DE FEVEREIRO DE 1999, E 319/2012, DE 20 DE JUNHO DE 2012, TODOS ACESSÍVEIS NO SÍTIO INTERNET EM HTTP://WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT/TC/ACORDAOS/
Sumário :

1. É em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, tendo como limite inultrapassável a medida da culpa, que é determinada a medida da pena, cuja concretização há-de atender às circunstâncias do facto, que deponham a favor ou contra o agente, nomeadamente à ilicitude, e a outros fatores ligados à execução do crime, à personalidade do agente, e à sua conduta anterior e posterior ao crime.
2. Atentos os critérios legais enunciados e a jurisprudência deste Supremo Tribunal, entende-se ajustada a pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, que se mostra inserida na medida da culpa e se reputa ajustada às necessidades da prevenção, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, aplicada à arguida que, como correio de droga, desembarcou no aeroporto de Lisboa, proveniente de Brasília, transportando consigo, na mala de porão, cocaína com o peso líquido de 795 gramas.
3. Apesar de verificado o pressuposto formal conducente à aplicação da pena de substituição da suspensão da pena, por a condenação ser inferior a 5 (cinco) anos de prisão, o comportamento anterior da arguida e a sua condição de vida, associados às marcantes necessidades de prevenção geral que no caso ocorrem, face ao tipo e gravidade do ilícito praticado, desaconselham a aplicação da pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão.

(Sumário elaborado pelo relator)

Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência na secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório
1. Nos autos de processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, da Instância Central – 1.ª secção criminal – Juiz 10, acima identificados, foi submetida a julgamento:

AA, nascida a ..., na ..., filha de ... e ..., com residência na ..., atualmente presa preventivamente no Estabelecimento Prisional de ..., à ordem destes autos,

a quem foram imputados factos constitutivos de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência à Tabela 1-B, anexa ao mesmo diploma legal, vindo o tribunal, a final, por acórdão de 26 de novembro de 2014, a, além do mais, «condenar a arguida como autora material de um crime de tráfico previsto e punível no artº 21 nº 1 do dl nº 15/93 de 22.1, com referência à tabela i-b, anexa, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão» e «na pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de 10 (dez) anos».
2. Do assim decidido, veio a arguida interpor recurso para o Supremo Tribunal de justiça[1], formulando as seguintes conclusões[2]:

«1.   A Arguida foi condenada pela prática em autoria material de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º nº 1 do Decreto-lei nº 15/93 de 22 de Janeiro, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

2.   Foi ainda condenada na pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de 10 (dez) anos.

3.   O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos:

      “No dia 29 de Abril de 2014, pelas 05:58 horas, a arguida, natural da ..., desembarcou no aeroporto de Lisboa, procedente de Brasília (Brasil), no voo ..., com destino final a esta cidade”.

      “No âmbito do controlo efectuado pelos serviços aduaneiros, foi a bagagem da arguida sujeita a fiscalização.”

      “No decurso da mesma, foi detectada, na estrutura da sua mala de porão, com a etiqueta ..., uma substância em pó de cor branca suspeita de ser cocaína, com o peso bruto de 4550 gramas (quatro mil quinhentas e cinquenta gramas).”

      “Esse produto foi submetido a exame laboratorial, tendo sido identificado como sendo cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 795 gramas, tendo a amostra cofre o peso líquido de 794,880 gramas.”

      “Nessa ocasião, mais lhe foi apreendido:

 -                uma mala de viagem, tipo trolley, de cor laranja, marca Conwood, que continha dissimuladas embalagens plásticas contendo produto suspeito de ser cocaína;

 -                29 dólares americanos;

- 60 Bolívares venezuelanos;

-                 7 reais brasileiros;

-                 17 dólares de Trinidad e Tobago;

 -                um “ticket” de bilhete de avião, com data de 26 de Abril em nome de ..., com o trajecto de Trinidad para Panamá;

 -                um “ticket” de bilhete de avião, com data de 27 de Abril, em nome de ..., relativo ao trajecto de Panamá para Brasília;

- um recibo de itinerário em nome de AA, relativo ao trajecto Caracas/Port of Spain/Caracas entre os dias 29.04.2014 e 19.05.2014;

 -                um bilhete de embarque em nome de ..., relativo a uma viagem de Brasília para Lisboa, de dia 28 de Abril, contendo colado o comprovativo de viagem nº ...;

- um “print” de duas folhas com o itinerário de viagem Port of Spain/Panamá/Brasília/Lisboa/Miami/Panamá/Port of Spain;

- um recibo de câmbio em nome de AA, no valor de 10 dólares;

- cartão de entrada e saída de território brasileiro, em nome de AA;

- uma etiqueta de bagagem com o nº ..., retirada da mala apreendida onde se encontrava dissimulado o produto estupefaciente;

- um telemóvel de marca Samsung, modelo GT-S5301L, com IMEI ..., com cartão SIM da operadora DIGICEL com o nº ...;

- um cartão SIM da operadora móvel DIGICEL, com o nº ...;

- A arguida à data da sua reclusão tinha, entre outros documentos pessoais, um cartão de crédito do City Bank com o nº ...;

- A arguida conhecia perfeitamente a natureza e características estupefacientes do produto que transportava e que lhe foi apreendido;

 -                Produto esse que aceitara transportar por, para tanto, lhe ter sido prometida quantia não apurada;

- A arguida é natural da ..., residindo e trabalhando no país da sua naturalidade, não possuindo quaisquer ligações familiares e/ou profissionais em Portugal, só se encontrando em Portugal em trânsito, nas circunstâncias descritas supra.

- A arguida não tem antecedentes criminais e declarou não ter processos pendentes”.

4.   Conforme se confirma pela factualidade dada como provada pelo Tribunal a quo não é feita prova do que se pensava ser uma tendência criminosa da Recorrente, uma tendência que seguramente agravaria as exigências de prevenção.

5.   Todavia, a pena concretamente aplicada parece esquecer-se desse facto, acreditando-se ser excessiva e desproporcionada na sua medida concreta (5 anos e 6 meses) face aos elementos constantes dos autos e que o acórdão recorrido considerou provados, desvalorizando por completo as declarações da Arguida que aceitou prestar declarações em sede de Audiência de Julgamento.

6.   Finalizou o acórdão que a Recorrente serviu como vulgo “correio de droga” por aceitar transportar substância estupefaciente (cocaína), facto que aliás foi negado pela própria Recorrente.

7.   Por outro lado, tendo em conta a quantia transportada (795 gramas) e ao facto do produto ter sido apreendido, deveria o douto Tribunal a quo ter determinado que estariam atenuadas as consequências do crime.

8.   Foi ainda considerada a ausência de antecedentes criminais.

9.   Quanto às circunstâncias pessoais foi reproduzida a informação constante do relatório social:

“– O processo de socialização da arguida decorreu num ambiente estruturado, no seio de uma família de classe trabalhadora, junto dos pais e de uma irmã doze anos mais nova.

- A arguida prosseguiu os estudos regularmente, abandonando o ensino universitário quando frequentava o terceiro ano do curso de educação e ensino, na sequência do casamento aos 21 anos de idade.

- Mais tarde a arguida viria a obter habilitação profissional para leccionar inglês, actividade que desde então tem desenvolvido, segundo refere, de forma regular na escola pública e no ensino privado.

- À data dos factos, a arguida AA residia com os três filhos, na morada indicada nos autos, nos subúrbios da cidade de ..., num apartamento arrendado, de três assoalhadas, com razoáveis condições de habitabilidade.

- A arguida encontrava-se a leccionar inglês na escola pública no período da manhã, auferindo um montante equivalente a cerca de seiscentos dólares.

 -                No período da tarde a arguida leccionava num instituto privado, onde dispunha de uma remuneração de novecentos dólares, aproximadamente.

- Ao que tudo indica, a arguida mantém forte vinculação afectiva com os filhos, perspectivando no futuro regressar para junto dos mesmos e retomar a sua actividade como professora no ensino privado, tendo algumas dúvidas quanto à possibilidade de reingressar no ensino público.

 -                A arguida apresentar um comportamento adequado às normas do sistema prisional, frequentando aulas de português e leccionando, de forma não institucional inglês a algumas das suas companheiras reclusas”.

10.   O acórdão recorrido justifica a pena concretamente aplicada com necessidades de prevenção geral, que considera serem elevadas “já que se trata de tráfico de estupefacientes”.

11.   As necessidades de prevenção geral subdividem-se nos seguintes fins da Lei Penal: 1)- incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (vertente positiva ou de integração) e; 2) - dissuadir da prática de crimes os cidadãos (vertente negativa ou de intimidação).

12.   Sendo forçoso concluir que esta segurança decididamente não sairia abalada, se fosse aplicada à Recorrente, consideradas todas as circunstâncias deste ilícito, pena mais próxima do limite mínimo de 4 (quatro) anos.

13.   No que concerne às necessidades de prevenção especial, interessará essencialmente ao julgador certificar-se que a pena não fica abaixo de um limite tal que não permita ao seu destinatário convencer-se da gravidade dos seus actos e o deixe duvidar do bom funcionamento do sistema penal, sob pena de vir a reincidir; ou que essa pena se situe acima de um determinado limite que ostracize o condenado da vida em sociedade ad eternum.

14.   Note-se que a Recorrente é cidadã venezuelana, sem qualquer ligação física ou afectiva ao território português, não tendo aqui familiares ou amigos, sendo sua intenção abandonar o nosso território assim que possível.

15.   É do conhecimento geral que a falta de conexão com o território nacional dos estrangeiros que no nosso país cumprem pena, leva a que não lhes seja concedida liberdade condicional, acabando estes cidadãos por cumprir integralmente as penas de prisão em que são condenados, ao contrário do que normalmente acontece com um cidadão nacional.

16.   Face ao exposto, compreende-se condenação superior ao mínimo legal de 4 (quatro) anos. Contudo, tendo em consideração os elementos trazidos a juízo, bem como as particulares condições da Recorrente, deverá a pena fixar-se num montante muito próximo daquele limite mínimo.

17.   Subsidiariamente, aplicando-se à Recorrente pena de prisão com duração igual ou inferior a 5 anos, abre-se a possibilidade da suspensão da pena de prisão, nos termos do art. 50º CP.

18.   Nos termos do art. 50º nº 1 do CP, “O Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

19.   Inexistem razões para excluir a possibilidade de suspensão de penas de prisão aplicadas por crimes de tráfico de estupefacientes.

20.   Para determinar se a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, impõe-se conjugar o normativo supra identificado com o disposto no art. 40º nº 1 do CP, segundo o qual “A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.”

21.   As normas reproduzidas condensam assim três pressupostos para a suspensão da execução da pena de prisão, a saber: 1) A pena de prisão decretada não ser superior a cinco anos; 2) Um juízo de prognose positivo sobre a situação pessoal do arguido; 3)Respeito pelas exigências de prevenção geral e especial positivas enquanto propósitos teleológicos irrenunciáveis da pena.

22.   O juízo de prognose favorável é obrigatório face às condições pessoais da Recorrente, à inexistência de indícios de reincidência e às condutas anteriores ao ilícito.

23.   Neste sentido, convém reforçar que a Recorrente cumpriu já uma parte da pena em prisão preventiva (onde está desde 29 de Abril de 2014), pelo que deverá considerar-se que a condenação e o tempo já cumprido em prisão preventiva serão bastantes para salvaguardar as exigências de prevenção geral positiva e de reafirmação das normas violadas.

24.   Será assim de suspender a execução de pena de prisão a aplicar à Recorrente se a mesma for fixada, conforme boa justiça, em medida não superior a 5 (cinco) anos, fazendo assim os Venerandos Juízes Desembargadores a almejada justiça!»

A final, a recorrente pede que seja «dado provimento ao presente recurso, revogando-se o Acórdão emanado pelo Tribunal a quo, e em consequência, substituindo-se o mesmo por outro que condene a Arguida (….), em pena sempre inferior a 5 anos de prisão, muito próxima do limite mínimo (4 anos)» e, em consequência, «ordenada a suspensão da execução da pena de prisão que vier a ser aplicada (…)».
3. No tribunal recorrido e em resposta, o Ministério Público pede que seja negado provimento ao recurso e mantida a decisão recorrida, alegado, no essencial, que a recorrente:
«Não confessou e não mostrou qualquer arrependimento, dando uma versão dos factos totalmente inverosímil a raiar o desrespeito pela experiência e inteligência do Tribunal. Transportava um[a] droga dura cujos malefícios são por demais conhecidos e que não fora a actividade dos chamados correios de droga encontraria maiores dificuldades na sua divulgação».

Sobre a alegada suspensão da pena pondera:

«Na decisão recorrida, foram devidamente ponderadas tais circunstâncias ( …)  o facto de o [a] arguid[a]o não ter antecedentes criminais e de ter um modo de vida estabilizado, o que aumenta o grau de censurabilidade da sua conduta pois não foi uma atitude desesperada ou de grave carência económica o que a motivou.
Por outro lado, o Tribunal valorizou as exigências fortíssimas de prevenção geral. A arguida cometeu o crime como correio internacional de droga, transportando consigo uma quantidade e uma qualidade de droga assinalável e não tendo especiais carências económicas que justifiquem de forma peculiar ou especial a sua actuação.»
4. Neste Supremo Tribunal, o Senhor procurador-geral adjunto emitiu parecer de não provimento do recurso, acompanhando «a resposta à motivação da Ex.ma Magistrada do Ministério Público que, de resto, vai ao encontro da fundamentação do acórdão recorrido», acrescentando, ainda, o seguinte:

      «a) A ilicitude do facto, apesar de se tratar de um correio, é elevada (cerca de 800 g. de cocaína) e o dolo é intenso (embora comum neste tipo de ilícito), não sendo despicienda a relevância que é dada aos correios de droga como elo essencial na actividade de tráfico (sobretudo internacional).

      E, nem a confissão, normalmente típica em casos de detenção em flagrante, ocorreu no caso.

      Também o modo de vida estabilizado da arguida (ausência de necessidades económicas prementes), conexionado com a aceitação de uma actividade ilícita tão danosa, com vista à obtenção de um lucro rápido, dá nota das elevadas exigências de prevenção especial que cumpre acautelar.

      Finalmente, a aferição média das penas fixadas neste Supremo Tribunal para os correios de estupefacientes, confirma uma perfeita adequação da pena concreta à moldura para este tipo de acção delituosa.

      E, enquadrando-se a pena fixada dentro das molduras da culpa e prevenção, e obedecendo aos princípios gerais que a devem determinar [e tem sido jurisprudência deste Supremo Tribunal que no recurso de revista pode-se sindicar a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite ou da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efectuada.], está salvaguardada de qualquer censura correctiva.

      b) A manter-se a pena (superior a 5 anos) fica prejudicada a opção por uma pena de substituição.

       De todo modo, ainda que, por hipótese, se admitisse a redução da pena única, sempre seria de afastar tal opção.

      Como tem vindo a ser acentuado na jurisprudência desta Alta Instância, atento o flagelo social à escala mundial que constitui o consumo de estupefacientes e a frequência com que o tipo legal é violado, esta medida penal de conteúdo reeducativo e pedagógico, apresenta-se geralmente como medida sancionatória insuficiente para realizar de forma adequada e bastante a finalidade da punição no que concerne à reposição da crença da comunidade na validade da norma e à confiança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais.

       No caso concreto, não se verificam razões particulares que, ponderadas na sua globalidade, recomendem a pretendida suspensão (nomeadamente a infundada alegação sobre o regime de liberdade condicional concedida aos estrangeiros).»[3]
5. Dado cumprimento ao disposto no n.º 2 do artigo 417.º do CPP, a recorrente não respondeu.
6. Não tendo sido requerida audiência de julgamento, o recurso é apreciado em conferência [artigos 411.º, n.º 5, e 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP].
7. As questões cuja reapreciação é requerida, tal como resultam das conclusões formuladas, respeitam, no essencial, ao reexame da medida da pena de prisão, que a recorrente pretende seja reduzida para menos de 5 (cinco) anos de prisão e muito próxima do limite mínimo (4 anos), e, sendo aquela reduzida nos termos pretendidos, se pode ser suspensa, como solicitado.
8. Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

II. Fundamentação
a.  Matéria de facto

A 1.ª instância deu como provada e não provada a matéria de facto seguinte:
«1 No dia 29 de Abril de 2014, pelas 05.58 horas, a arguida, natural da ..., desembarcou no Aeroporto de Lisboa, procedente de Brasília (Brasil), no voo ..., com destino final a esta cidade.
2    No âmbito do controlo efectuado pelos serviços aduaneiros, foi a bagagem da arguida sujeita a fiscalização.
3    No decurso da mesma, foi detectada, na estrutura da sua mala de porão, com a etiqueta ..., urna substância em pó de cor branca suspeita de ser cocaína, com o peso bruto de 4550 gramas (quatro mil quinhentos e cinquenta gramas).
4    Esse produto foi submetido a exame laboratorial, tendo sido identificado como sendo cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 795 gramas, tendo a amostra cofre o peso líquido de 794,880 gramas.
5    Nessa ocasião, mais lhe foi apreendido:
- uma mala de viagem, tipo trolley, de cor laranja, marca Conwood, que continha dissimuladas embalagens plásticas contendo produto suspeito de ser cocaína;
- 29 dólares americanos;
- 60 bolívares venezuelanos;
- 7 reais brasileiros;
- 17 dólares de Trinidad e Tobago;
- um "ticket" de bilhete de avião, com data de 26 de Abril em nome de ..., com o trajecto de Trinidad para Panamá;
- um "ticket" de bilhete de avião, com data de 27 de Abril, em nome de AA, relativo ao trajecto do Panamá para Brasília;
- um recibo de itinerário em nome de AA, relativo ao trajecto ... entre os dias 29.04.2014 e19.05.2014;
- um bilhete de embarque em nome de ..., relativo a uma viagem de Brasília para Lisboa, de dia 28 de Abril, contendo colado o comprovativo de viagem com o n. ° ...;
- um "print" de duas folhas com o itinerário de viagem ...;
- um recibo de câmbio em nome de AA, no valor de 10 dólares;
- cartão de entrada e saída em território brasileiro, em nome de AA;
- uma etiqueta de bagagem com o n. ° ..., retirada da mala apreendida onde se encontrava dissimulado o produto estupefaciente;
- um telemóvel de marca Samsung, modelo GT-S5301L, com IMEI ..., com cartão SIM da operadora DIGICEL com o nº ...;
- um cartão SIM da operadora móvel DIGICEL, com o n." ....
6    A arguida à data da sua reclusão tinha, entre outros documentos pessoais, um cartão de crédito do City Bank com o nº ....
7    A arguida conhecia perfeitamente a natureza e características estupefacientes do produto que transportava e que lhe foi apreendido.
8    Produto esse que aceitara transportar por, para tanto, lhe ter sido prometida quantia não apurada.
9    A quantia apreendida era parte do lucro que iria obter com o transporte de cocaína.
10  O telemóvel e o cartão SIM apreendidos à arguida e acima indicados em 5, destinavam-se a ser utilizados nos contactos estabelecidos na actividade de tráfico de estupefacientes.
11  A arguida, agiu livre e voluntariamente, bem sabendo que tal conduta lhe estava legalmente vedada.
12  A arguida é natural da ..., residindo e trabalhando no país da sua naturalidade, não possuindo quaisquer ligações familiares e/ou profissionais em Portugal, só se encontrando em Portugal em trânsito, nas circunstâncias descritas supra.
13  A arguida nasceu na ..., tendo-se deslocado para Caracas quando contava cerca de 10 anos de idade.
14  O processo de socialização da arguida decorreu num ambiente estruturado, no seio de uma família da classe trabalhadora, junto dos pais e de uma irmã, doze anos mais nova.
15  O pai da arguida desenvolvia actividade como comerciante e a mãe como auxiliar de enfermagem, pelo que aquela não recorda dificuldades do ponto de vista socioeconómico no agregado.
16  A arguida prosseguiu os estudos regularmente, abandonando o ensino universitário quando frequentava o terceiro ano do curso de educação e ensino, na sequência do casamento aos 21 anos de idade.
17  Mais tarde a arguida viria a obter habilitação profissional para leccionar Inglês, actividade que desde então tem desenvolvido, segundo refere, de forma regular na escola pública e no ensino privado.
18  O casamento terminou há cerca de doze anos, atenta a conflitualidade do relacionamento conjugal, permanecendo a arguida com os três filhos na sua companhia, enquanto o marido se ausentou para outro estado.
19  A separação parece não ter suscitado disfunções do ponto de vista familiar, nem económico, mantendo-se a arguida focada nas necessidades da família e no processo educativo dos três filhos, que terá decorrido com aparente normalidade.
20  A arguida não manteve outras relações estáveis e duradouras, circunscrevendo as suas interacções sociais sobretudo ao círculo familiar e de trabalho. 
21  À data dos factos, a arguida AA residia com os três filhos, na morada indicada nos autos, nos subúrbios da cidade de ..., num apartamento arrendado, de três assoalhadas, com razoáveis condições de habitabilidade.
22  A arguida encontrava-se activa a leccionar Inglês na escola pública no período da manhã, auferindo um montante equivalente a cerca de seiscentos dólares.
23  No período da tarde a arguida leccionava num instituto privado, onde dispunha de uma remuneração de novecentos dólares, aproximadamente.
24  O filho mais velho da arguida encontrava-se a frequentar o terceiro ano [do] curso de filosofia e a assegurar algumas aulas na faculdade.
25  O filho mais novo da arguida estava a terminar engenharia electrónica e a filha publicidade e marketing.
26  Ao que tudo indica, a arguida mantém forte vinculação afectiva com os filhos, perspectivando no futuro regressar para junto dos mesmos e retomar a sua actividade como professora no ensino privado, tendo algumas dúvidas quanto à possibilidade de reingressar no ensino público.
27  A arguida apresenta um comportamento adequado às normas do sistema prisional, frequentando aulas de português e, leccionando, de forma não institucional inglês a algumas das suas companheira[s] reclusas.
28  A arguida não tem antecedentes criminais e declarou não ter processos pendentes.
3.2. FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provou que:
a)  A arguida praticou os factos dados como provados em virtude da situação económico-financeira em que vivia à data da prática dos mesmos.
b)  A mala referenciada em 3 não é a mala que a arguida transportava consigo nas circunstâncias referenciadas em 1.»
b. Determinação da medida da pena
1. Nos termos do n.º 1 do artigo 71.º do CP, a pena é determinada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, tendo como limite inultrapassável a medida da culpa (n.º 2 do artigo 40.º do CP). Na determinação concreta da pena há que atender às circunstâncias do facto, que deponham a favor ou contra o agente, nomeadamente à ilicitude, e a outros fatores ligados à execução do crime, à personalidade do agente, e à sua conduta anterior e posterior ao crime (artigo 71.º, n.º 2, do CP).

Sobre a determinação da pena, em razão da culpa do agente e das exigências de prevenção, e a caracterização dos elementos antes assinalados, este Supremo Tribunal tem afirmado que[4]:

      «Ao elemento prevenção, no sentido de prevenção geral positiva ou de integração, vai-se buscar o objetivo de tutela dos bens jurídicos, erigido como finalidade primeira da aplicação de qualquer pena, na esteira de opções hoje prevalecentes a nível de política criminal e plasmadas na lei, mas sem esquecer também a vertente da prevenção especial ou de socialização, ou, segundo os termos legais: a reintegração do agente na sociedade (art. 40.º n.º 1 do CP).

      Ao elemento culpa, enquanto traduzindo a vertente pessoal do crime, a marca, documentada no facto, da singular personalidade do agente (com a sua autonomia volitiva e a sua radical liberdade de fazer opções e de escolher determinados caminhos) pede-se que imponha um limite às exigências, porventura expansivas em demasia, de prevenção geral, sob pena de o condenado servir de instrumento a tais exigências.

      Neste sentido é que se diz que a medida da tutela dos bens jurídicos, como finalidade primeira da aplicação da pena, é referenciada por um ponto ótimo, consentido pela culpa, e por um ponto mínimo que ainda seja suportável pela necessidade comunitária de afirmar a validade da norma ou a valência dos bens jurídicos violados com a prática do crime. Entre esses limites devem satisfazer-se, quanto possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização (Cf. FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas Do Crime, Editorial de Notícias, pp. 227 e ss.).

      Quer isto dizer que as exigências de prevenção traçam, entre aqueles limites ótimo e mínimo, uma submoldura que se inscreve na moldura abstrata correspondente ao tipo legal de crime e que é definida a partir das circunstâncias relevantes para tal efeito e encontrando na culpa uma função limitadora do máximo de pena. Entre tais limites é que vão atuar, justamente, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização, cabendo a esta determinar em último termo a medida da pena, evitando, em toda a extensão possível (...) a quebra da inserção social do agente e dando azo à sua reintegração na sociedade (FIGUEIREDO DIAS, ob. cit., p. 231).

      Ora, os fatores a que a lei manda atender para a determinação concreta da pena são os que vêm indicados no referido n.º 2 do art. 71.º do CP e (visto que tal enumeração não é exaustiva) outros que sejam relevantes do ponto de vista da prevenção e da culpa, mas que não façam parte do tipo legal de crime, sob pena de infração do princípio da proibição da dupla valoração.»
2. Na determinação da medida da pena, que, como se deixou dito, foi, em concreto, fixada em 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, o acórdão recorrido ponderou as exigências de prevenção e da culpa, esta constituindo factor modelador e quantificador da pena imposta, mas sem que seja por esta transposta, expressando-se da seguinte forma:

      «Nos termos do artº 48º do Decreto-Lei nº 15/93 de 22/1, à matéria nele constante são aplicáveis as disposições da parte geral do código penal, onde se incluem os critérios de escolha da pena e de determinação da medida da mesma, pelo que importa atender aos critérios fixados nos artºs 71º e 40º nº 2 do código penal.

      O tráfico de estupefacientes previsto (s) e punível (is) pelo artº 21º nº 1 do referido dl 15/93 é punível com pena de prisão de 4 a 12 anos.

      Tendo em atenção:

      Por um lado, a ilicitude do facto (de natureza elevada já que se trata de tráfico de estupefacientes), a forte intensidade do dolo, o comportamento anterior da arguida, nunca censurado em tribunal;

      Não obstante, deveremos considerar desde logo a elevada ilicitude dos factos, aferindo-se o desvalor da acção pelo fim da acção criminosa, obtenção do lucro fácil, e pelo modo de execução do crime;

      Por outro lado, a qualidade e a quantidade da droga apreendida à arguida (cocaína com o peso líquido (global) de 795 gramas).

      As circunstâncias que rodearam a prática do crime e as condições socio-económicas e pessoais da arguida à data da prática dos factos;

      A que acrescem exigências de prevenção geral, porquanto, se tratam de infracções que exigem uma resposta institucional intensa e eficaz, sobretudo de carácter preventivo, sendo certo que a arguida não tem antecedentes criminais e, embora de modo pouco relevante, tendo em conta que foi detida em flagrante delito e como o produto estupefaciente ocultado no interior do seu vestuário, tenha confessado integral e livremente a prática dos factos.

      Sendo ainda de realçar que a actuação da arguida, caso não tivesse sido detectada, era susceptível de colocar em perigo a vida e a integridade física de muitas pessoas, de agravar o sofrimento moral e físico de centenas ou milhares de toxicodependentes (destinatários finais da droga apreendida) e da família destes, ameaçando igualmente a segurança da sociedade.

      Por todo o exposto, somos de parecer que o caso concreto exige cuidados especiais, dado que este tipo de crimes são actividades criminosas de difícil controlo.

      Por estas razões, atentas todas estas circunstâncias e o grau de culpa da arguida entendemos adequado condenar a mesma, numa pena prisão de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão pelo crime de tráfico de estupefacientes previsto(s) e punível(eis) pelo artº 21º nº 1 do Decreto-Lei nº  15/93.»
3. O crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, é punível com a pena de 4 a 12 anos de prisão.
É um crime de perigo abstracto e pluriofensivo, pondo «em causa uma pluralidade de bens jurídicos: a vida, a integridade física e a liberdade dos virtuais consumidores de estupefacientes; e, demais, afeta a vida em sociedade, na medida em que dificulta a inserção social dos consumidores e possui comprovados efeitos criminógenos», e «protege uma multiplicidade de bens jurídicos, designadamente de caráter pessoal – embora todos eles possam ser reconduzidos a um mais geral: a saúde pública.»[5]
Como decorre da matéria de facto provada, a arguida transportou, na sua bagagem, a cocaína do Brasil para Portugal, substância que se encontra prevista na Tabela I-B, anexa ao Decreto-Lei n.º 15/93, e que é «considerada droga dura, com elevado grau de danosidade, sendo, pois, a qualidade da substância transportada reveladora de considerável ilicitude dentro daquelas que caracterizam o tipo legal»[6].
O dolo da arguida foi directo e intenso; o motivo da prática do crime foi angariar dinheiro, de quantia não apurada (n.º 8 dos factos provados), constituindo vantagem patrimonial, sem que se tivesse provado que os factos tenham sido determinados e cometidos «em virtude da situação económico-financeira em que vivia à data da prática dos mesmos» [alínea a) dos factos não provados].
As necessidades de prevenção geral neste tipo de infracção são muito elevadas, tendo em conta, em especial, o bem jurídico violado com o crime em causa, o alarme social e insegurança que gera, bem como às consequências gravosas para a comunidade, nomeadamente ao nível da saúde pública e onde o sentimento jurídico da comunidade apela à irradicação «do tráfico de estupefacientes destruidor de filhos e famílias» e «anseia por uma diminuição deste tipo de criminalidade e uma correspondente consciencialização de todos aqueles que se dedicam a estas práticas ilícitas para os efeitos altamente nefastos para a saúde e vida das pessoas»[7].
4. O Supremo Tribunal tem uma extensa e consistente jurisprudência em matéria de casos relativos a correios de droga[8], em que este se insere, onde se afirma que «sem a participação de correios de droga não seria viável o tráfico nesses moldes e sendo, é certo, as pessoas que nisso incorrem elos relativamente enfraquecidos da normal cadeia desde a produção à distribuição e venda de estupefacientes, os actos que praticam tornam-se essenciais e não podem, por isso, ser descurados, sob pena de preterição, desde logo, dos interesses da defesa social»[9].

Na determinação da pena não poderá deixar de se atender, numa perspectiva diacrónica, aos padrões sancionatórios deste Supremo Tribunal para casos de idêntica ou próxima intensidade, desse modo garantindo a consistência da jurisprudência, pelo equilíbrio das penas impostas, no confronto dos casos.

Considerando, apenas, casos em que a quantidade do produto estupefaciente apreendido em valores próximos do destes autos, o acórdão de 16 de maio de 2002, processo n.º 1258/02, estando em causa 749 gramas de cocaína, a pena de 4 (quatro) anos e 5 (cinco) meses de prisão fixada pelas instâncias foi confirmada; no acórdão de 21 de Setembro de 2006, processo n.º 2818/06, estando em causa 795 gramas de cocaína, foi confirmada a pena de 5 (cinco) anos de prisão; no acórdão de 7 de fevereiro de 2007, processo n.º 22/07, estando em causa 861 gramas de cocaína, foi confirmada a pena de 5 (cinco) anos de prisão; no acórdão de 13 de setembro de 2007, processo n.º 2311/07, estando em causa 790 gramas de cocaína, foi confirmada a pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão; no acórdão de 20 de março de 2008, processo n.º 305/2008, estando em causa 707 gramas de cocaína, foi reduzida a pena de 5 (cinco) anos para 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão; e no acórdão de 11 de março de 2010, processo n.º 100/2009, estando em causa 846 gramas de cocaína, a pena foi reduzida de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses para 4 (quatro) anos de prisão.

Tudo ponderado, tendo em atenção os critérios legais enunciados e a jurisprudência deste Supremo Tribunal em matéria de correios de droga, com intensidade próxima da em apreciação neste processo, entende-se ajustada uma intervenção correctiva, fixando a pena em 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, que se mostra inserida na medida da culpa e se reputa ajustada às necessidades da prevenção.

Procede, assim, nesta parte, o recurso interposto pela recorrente.
c. O pedido de suspensão da execução da pena de prisão
1. Pede a recorrente que, em caso de redução da pena imposta para limite inferior a 5 anos de prisão, como foi o caso, seja a mesma suspensa na sua execução, alegando, como fundamento do pedido e no essencial, que «inexistem razões para excluir a possibilidade de suspensão de penas de prisão aplicadas por crimes de tráfico de estupefacientes».

O Ministério Público opõe-se à suspensão da pena, «por não se verificarem razões particulares que, ponderadas na sua globalidade, recomendem a pretendida suspensão (nomeadamente a infundada alegação sobre o regime de liberdade condicional concedida a estrangeiros).»

Da conjugação dos artigos 70.º, n.º 1, e 50.º, n.º 1, do CP é definido o critério geral de escolha da pena, nos termos dos quais a pena de prisão fixada em medida não superior a cinco anos deve ser suspensa na execução se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2. Maria João Antunes afirma que «[s]ão finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção geral e de prevenção especial, que justificam e impõem a preferência por uma pena não privativa da liberdade, sem perder de vista que a finalidade primordial é a de protecção de bens jurídicos»[10].

O crime de tráfico de estupefacientes postula elevadas necessidades de prevenção geral. No Plano Nacional para a Redução dos Comportamentos Aditivos e das Dependências 2013-2020[11], a matéria da prevenção está presente, constituindo objectivo geral, de acordo com aquele Plano, «reduzir a disponibilidade de drogas ilícitas e das novas substâncias psicoactivas (NSP) no mercado, através da prevenção, dissuasão e desmantelamento das redes de tráfico de drogas ilícitas, em especial do crime organizado, intensificando a cooperação judiciária, policial e aduaneira, a nível internacional, bem como a gestão de fronteiras».

Uma recensão da jurisprudência deste Supremo Tribunal sobre casos similares leva à conclusão de que condutas idênticas às da recorrente são punidas com pena de prisão efectiva[12], face às elevadas exigências de prevenção, pois «o combate ao tráfico de droga em que Portugal internacionalmente se comprometeu impõe que não seja suspensa a execução da pena nos casos de tráfico comum e de tráfico agravado de estupefacientes, em que não se verifiquem razões muito ponderosas, que no caso se não postulam, seria atentatória da necessidade estratégica nacional e internacional de combate a esse tipo de crime, faria desacreditar as expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada e não serviria os imperativos de prevenção geral”[13].

E um juízo de prognose perante os factos disponíveis, relativos à sua severa ilicitude, à personalidade da arguida e às suas condições de vida, não permitem concluir, com probabilidade de segurança, que a ameaça da pena seja bastante para cumprir as finalidades da punição, e que não volte a traficar.
3. Em face de todo o exposto, não obstante estar verificado o pressuposto formal conducente à aplicação da pena de substituição da suspensão da pena, por a condenação ser inferior a 5 (cinco) anos de prisão, o comportamento anterior da arguida e a sua condição de vida, associados às marcantes necessidades de prevenção geral que no caso ocorrem, face ao tipo e gravidade do ilícito praticado, desaconselham a aplicação da pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão.

Improcede, assim, o pedido de suspensão da execução da pena de prisão.

III. Decisão

Termos em que acordam os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça, quanto ao recurso interposto pela recorrente AA:
a) Julgá-lo procedente, na parte relativa à medida da pena aplicada, e, na decorrência, reduzir para 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão a pena imposta pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro;
b) Julgá-lo improcedente, quanto ao pedido de suspensão da execução da pena, que, agora, lhe é imposta;
c) Manter, em tudo o mais, o deliberado no acórdão recorrido;
d) Não tributar em custas, por a elas não haver lugar, atento o provimento parcial do recurso (Artigo 513.º, n.º 1, do CPP).

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Supremo Tribunal de Justiça, 9 de abril de 2015

[Texto elaborado e revisto pelo relator (artigo 94.º, n.º 2, do CPP)]

Os Juízes Conselheiros,

João Silva Miguel

Armindo Monteiro

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[1]     O recurso foi inicialmente interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa, neste tendo sido ordenada a remessa para o Supremo Tribunal, por em discussão estar apenas matéria de direito.
[2]     Maiúsculas, itálico, negrito e sublinhados como no original.
[3] Parcela de texto em itálico como no original.
[4]     Segue-se o acórdão de 15 de dezembro de 2011, processo n.º 706/10.6PHLSB.S1, acessível, tal como qualquer outro mencionado no texto sem individualização de fonte, na base de dados do IGFEJ em http://www.dgsi.pt/. Na doutrina, veja-se Maria João Antunes, As consequências jurídicas do crime, Coimbra Editora, 2013, pp. 41-45, e bibliografia citada.
[5]     Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 426/91, de 8 de novembro de 1991, publicado no Diário da República (DR), II Série, n.º 78, de 2 de abril de 1992, doutrina que foi reafirmada nos acórdãos n.os 10/99, de 10 de fevereiro de 1999, e 319/2012, de 20 de junho de 2012, todos acessíveis no sítio Internet em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/
[6]     Acórdão deste Supremo Tribunal de 2 de maio de 2012, processo n.º 132/11.0JELSB.S1, citado na nota 3.
[7]     Acórdão de 22 de maio de 2014, processo n.º 10/12.5SFPRT.P1.S1.
[8]     De mais de duas centenas, como se refere no acórdão n.º 458/10.0JELSB.S1; para uma listagem e informação sintética de alguns desses casos, vd o acórdão de 2 de maio de 2012, citado na anterior nota 6.
[9]     Acórdão de 19 de maio de 2005, processo n.º 1750/05.
[10]    Ob. cit, nota 4, p. 71.
[11]    Aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros de 23 de outubro de 2014, constituindo o seu Anexo I, e publicado no Diário da República, I Série, n.º 250, de 29 de dezembro de 2014, pp. 6294- 6348.
[12]    Acórdão de 2 de maio de 2012, citado na nota 6.
[13]    Acórdão deste STJ, de 15 de novembro de 2007, processo n.º 07P3761.