Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
193/10.9TTLMG.P1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
MOTIVAÇÃO
SUBSTITUIÇÃO TEMPORÁRIA DE TRABALHADOR
ÓNUS DA PROVA
NULIDADE DA ESTIPULAÇÃO DO TERMO
Data do Acordão: 10/03/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO
Doutrina: - PEDRO ROMANO MARTINEZ e OUTROS, Código do Trabalho Anotado, 8.ª edição, Almedina, Coimbra, 2009, anotação I e III ao artigo 147.º por LUÍS MIGUEL MONTEIRO e PEDRO MADEIRA DE BRITO, p. 397 e seguinte.
Legislação Nacional: CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 713.º, N.º6, 726.º, 729., N.º3.
CÓDIGO DO TRABALHO/ 2009: - ARTIGOS 140.º, 141.º, 147.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 17 DE MAIO DE 2007, PROCESSO N.º 537/07, 4.ª SECÇÃO.
Sumário : 1. Para que o termo aposto num contrato de trabalho seja válido não basta a indicação do motivo justificativo e que este faça parte do elenco contemplado nas alíneas do n.º 2 do citado artigo 140.º, sendo, ainda, indispensável que esse motivo tenha correspondência com a realidade.

2. Sendo o motivo justificativo para a contratação a termo a substituição de trabalhadores em período de férias, concretamente identificados no contrato, ao empregador compete provar que tal motivo corresponde à verdade, o que exige a prova de que aqueles trabalhadores estiveram efectivamente de férias no período correspondente à contratação do trabalhador substituto.

3. Não se tendo provado que a trabalhadora contratada a termo esteve, de facto, a substituir os trabalhadores concretamente indicados no contrato de trabalho como estando em férias, não se pode associar validamente tal contratação à substituição dos identificados trabalhadores, pelo que deve considerar-se sem termo o contrato de trabalho celebrado entre as partes.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                                    I

              1. Em 3 de Maio de 2010, no Tribunal do Trabalho de Lamego, AA, instaurou a presente acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra CTT – CORREIOS DE PORTUGAL, S. A., pedindo que se declarasse «que qualquer dos dois contratos de trabalho deverá ser considerado sem termo» e, em consequência, fosse «declarado ilícito o despedimento da A., ocorrido no dia 3 de Novembro de 2009, porque não precedido de processo disciplinar e, por via disso, ser o R. condenado a reintegrá-la no posto de trabalho que ocupava à data do despedimento, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade» e a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde o trigésimo dia anterior à propositura da acção até ao trânsito em julgado da decisão.

Alegou, em resumo, que foi admitida ao serviço da ré, mediante contrato de trabalho escrito a termo certo, firmado pelo prazo de seis meses, com início em 28 de Fevereiro de 2007 e termo em 27 de Agosto de 2007, com o fundamento de se tratar de trabalhadora à procura do primeiro emprego, contrato, entretanto, prorrogado por seis meses, até 27 de Fevereiro de 2008, e por mais quatro meses, até 27 de Junho de 2008, e que, em 4 de Maio de 2009, outorgou novo contrato de trabalho a termo, por seis meses e cujo motivo justificativo do termo era a substituição de determinados trabalhadores que se achavam em gozo de férias, motivo que é falso porque foi afecta a um centro de distribuição postal diferente dos trabalhadores em causa, realizando giros distintos daqueles trabalhadores, sendo que a ré tem necessidades permanentes de pessoal, recorrendo de forma sistemática à contratação a termo para as satisfazer.

A ré contestou aduzindo a caducidade dos direitos invocados com base nos contratos anteriores ao último firmado e defendendo a veracidade do motivo aposto nesse último para justificar o termo, concluindo pela improcedência total do pedido.

No despacho saneador, foi julgada procedente a invocada excepção de caducidade e dispensou-se a selecção da matéria de facto assente e controvertida.

Após o julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente.

2. Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, que decidiu «conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida», julgando a acção parcialmente procedente, e, em consequência, declarar sem termo o contrato firmado entre as partes em 4 de Maio de 2009 e declarar ilícito o despedimento da recorrente, «condenando a recorrida a reintegrá-la no mesmo estabelecimento, sem prejuízo da sua antiguidade e categoria, e condenando-a a pagar à recorrente as retribuições que deixou de auferir desde 3.4.2010 […] até ao trânsito em julgado do presente acórdão, deduzidas das quantias que a recorrente tenha auferido a título de subsídio de desemprego, no mesmo período, a apurar em liquidação de sentença».

É contra esta decisão que a ré agora se insurge, mediante recurso de revista, em que formula as conclusões seguintes:

                   «I.     Para efeitos de enquadramento e decisão da questão objecto do presente Recurso dir-‑se-á que cumpre apreciar a da validade do termo aposto no contrato a termo certo, celebrado entre as partes em 4 de Maio de 2009, com o fundamento de substituição de trabalhadores em férias, nos termos da a) do n.° 2 do art. 140.° do C.Trab.
                     II.   Salvo o devido respeito, pelo teor da matéria dada como provada e que resumem a questão essencial, isto é, se havia no caso em apreço fundamento material à celebração do contrato a termo, o Acórdão proferido devia (e só poderia) ter ido em sentido contrário.
                     III. Na verdade, veio o Tribunal a quo aditar à matéria de facto dada como provada um ponto 16 com o seguinte teor: A A. executou funções de CRT em substituição de trabalhadores em férias, sendo que decidiu que deste facto não se retira, nem pode retirar que aqueles eram os trabalhadores constantes do contrato, razão pela qual não se tendo provado a veracidade do motivo justificativo aposto considera-se o contrato sem termo.
                     IV.  Ora, entende a Recorrente que daí não se retira que haja divergência entre os fundamentos para a contratação a termo e a realidade verificada.
                     V.   Em primeiro lugar, diga-se que a Autora não pôs em causa a veracidade do termo aposto no contrato com o fundamento de que os trabalhadores referidos no contrato não estiveram efectivamente de férias.
                     VI.  Como se diz na sentença de primeira Instância, “Não se colocou em causa o conteúdo do contrato em causa nos autos bem como que todos os trabalhadores indicados no contrato gozaram férias nas datas nele referidas”, pelo que terá de admitir-se que não só o contrato a termo está formalmente justificado nos termos legais, como o mesmo é materialmente válido.
                    VII. Mais, o que o legislador pretende é que o motivo justificativo vise uma situação concreta, objectiva e adequada à explicação do recurso à contratação precária, em termos que permitam a sua aferição judicial, pressuposto que, de resto, entende a Recorrente estar plenamente satisfeito.
                   VIII.       Assim, o direito à segurança no emprego — constitucionalmente consagrado no artigo 53.° da C.R.P., não colide com a existência de contratos de trabalho a termo, nomeadamente, a lei permite a contratação a termo por necessidades de gestão corrente dos recursos humanos da entidade empregadora, como é o caso da substituição de trabalhadores, previsto na al. a) do n.° 2 do art. 129.° C.Trab [de 2003, que corresponde à alínea a) do n.º 2 do artigo 140.º do Código do Trabalho de 2009].
                     IX.  O objectivo deste tipo de contratação, e que se verifica no caso em concreto, é que o funcionamento do Centro de Distribuição Postal não seja alterado e consequentemente prejudicados os interesses dos clientes da Empresa, ora Recorrente.
                     X.   A Autora foi contratada para suprir necessidades transitórias de serviço por motivo de substituição de trabalhadores em férias e efectivamente prestou as funções de Carteiro, que eram exactamente as que os trabalhadores substituídos exerciam.
                     XI.  Ao contrário do que se diz no Acórdão recorrida, não se pode dizer que a Ré não provou que a contratação da Autora foi única e exclusivamente para a substituição dos trabalhadores indicados como estando em situação de férias.
                   XII.  Acresce que a dita não coincidência apenas seria susceptível de gerar a invalidade do termo se, e na medida em que, dela se pudesse inferir que a estipulação do termo teve por fim iludir as disposições do contrato sem termo, ou que ele foi celebrado fora dos casos em que o termo é admissível.
                   XIII.       Ora, a Recorrente não atribuiu ou afectou [a] autora a qualquer outra actividade que não a de Carteiro. Como resulta provado, a Autora sempre desempenhou aquelas funções, substituindo trabalhadores da Recorrente que estavam ausentes do serviço.
                   XIV. Não se verificando uma desconformidade entre as funções atribuídas àquel[a] e respectivo trabalho realizado e o contrato celebrado, justificando-se, assim, a transitoriedade do contrato, ao abrigo dos n.os 1 e 2, a), do art. 140.° do C.Trab., sendo que em caso algum existe fundamento para se afirmar que a Ré quis iludir as disposições relativas à contratação a termo.
                   XV.  Os factos apurados não permitem tais ilações, posto que a Autora esteve efectivamente a substituir trabalhadores ausentes, caso este compreendido entre os de admissibilidade de contrato a termo, previstos no art. 140.° do C.Trab.
                   XVI. Entende-se que o motivo aposto no contrato a termo é formal e materialmente válido, o que de resto, salvo o devido respeito por opinião contrária, é a interpretação mais adequada aos objectivos da lei e aos factos provados.
                XVII.  Enferma a douta decisão recorrida de erro de julgamento por clara violação do disposto [nos] arts. 140.° e 147.° do C.Trab. e n.° 2 do art. 9.° do C.Civ., já que as exigências interpretativas plasmadas na fundamentação não têm o mínimo de correspondência na norma putativamente violada, devendo a mesma ser revogada e substituída por outra que absolva a Ré, ora Apelante, do pedido.»

A autora contra-alegou, defendendo a confirmação do julgado.

Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta concluiu que o recurso devia improceder, desde logo porque ficou por provar «que a A. foi substituir os trabalhadores (ou pelo menos todos os trabalhadores) incluídos na Cl.ª 4.ª do seu contrato a termo, por estes estarem em gozo de férias, nos dias ali indicados, prova que, como já se disse, incumbia à R. Assim sendo, inverificado o estabelecimento da relação entre a justificação invocada e o termo estipulado, este está ferido de nulidade, nos termos do artigo 141.º, n.º 3, do Código do Trabalho/2009, de modo que a comunicação da cessação do contrato aqui em causa pel[a] R. à A., constituiu um despedimento ilícito porque não precedido de processo disciplinar, uma vez que a referida nulidade, quando a comunicação em causa foi levada a cabo, já o mencionado contrato a termo se havia transformado em contrato por tempo indeterminado, com as legais consequências.»

O sobredito parecer, notificado às partes, não suscitou qualquer resposta.

3. No caso, a questão suscitada cinge-se a saber se é válida a estipulação do termo aposta no contrato de trabalho firmado entre as partes, em 4 de Maio de 2009, para substituição de diversos carteiros em gozo do período de férias.

Corridos os «vistos», cumpre decidir.

                                               II

1. Os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido não foram objecto de impugnação pelas partes, nem se vislumbra qualquer das situações referidas no n.º 3 do artigo 729.º do Código de Processo Civil.

Assim, nos termos dos artigos 713.º, n.º 6, e 726.º do Código de Processo Civil, dá-se aqui por inteiramente reproduzida essa factualidade, sem embargo de serem discriminados, pontualmente, aqueles factos que se afigurem relevantes para a decisão do objecto do recurso.

2. A recorrente aduz que «a Autora não pôs em causa a veracidade do termo aposto no contrato com o fundamento de que os trabalhadores referidos no contrato não estiveram efectivamente de férias» e que «não se pode dizer que a Ré não provou que a contratação da Autora foi única e exclusivamente para a substituição dos trabalhadores indicados como estando em situação de férias».

E acrescenta «que a dita não coincidência apenas seria susceptível de gerar a invalidade do termo se, e na medida em que, dela se pudesse inferir que a estipulação do termo teve por fim iludir as disposições do contrato sem termo, ou que ele foi celebrado fora dos casos em que o termo é admissível», sendo que «a Recorrente não atribuiu ou afectou a autora a qualquer outra actividade que não a de Carteiro», não se verificando «desconformidade entre as funções atribuídas àquela e respectivo trabalho realizado e o contrato celebrado, justificando-se assim, a transitoriedade do contrato, ao abrigo dos n.os 1 e 2, a), do art. 140.° do C.Trab., sendo que em caso algum existe fundamento para se afirmar que a Ré quis iludir as disposições relativas à contratação a termo.

Conclui, deste modo, «que o motivo aposto no contrato a termo é formal e materialmente válido, o que de resto, salvo o devido respeito por opinião contrária, é a interpretação mais adequada aos objectivos da lei e aos factos provados», pelo que a decisão recorrida padece «de erro de julgamento por clara violação do disposto [nos] arts. 140.° e 147.° do C.Trab. e n.º 2 do art. 9.° do C.Civ., já que as exigências interpretativas plasmadas na fundamentação não têm o mínimo de correspondência na norma putativamente violada, devendo a mesma ser revogada e substituída por outra que absolva a Ré, ora Apelante, do pedido».

A sentença do tribunal de 1.ª instância afirmou a justificação da contratação a termo e a sua validade, na medida em que entendeu que «a ré conseguiu demonstrar que a autora foi contratada para substituir trabalhadores que se encontravam de férias e que a autora efectivamente exerceu as mesmas funções que esses trabalhadores, assim se operando a substituição de acordo com o que se encontra[va] plasmado no contrato de trabalho».

Diversamente, o Tribunal da Relação, apesar de entender que o contrato de trabalho a termo cumpre os necessários requisitos formais, considerou que a ré não demonstrou que a motivação nele exarada para fundamentar o termo correspondesse à verdade, por não ter provado que a autora executava os giros dos trabalhadores que indicou estarem de férias, que os mesmos gozaram férias naqueles períodos e que a autora cumprisse os mesmos horários.

Neste particular, o acórdão recorrido teceu as considerações seguintes:

                    «Se a motivação aposta no contrato não levanta dúvidas, em termos da indicação dos motivos concretos, o passo seguinte é apreciar se a recorrida provou, como lhe competia, que tal motivação corresponde à verdade.
                      Os factos provados não permitem responder afirmativamente. Deles resulta com clareza, apesar da unificação dos Centros de Distribuição Postal em 2005, que a A. não executava os giros atribuídos aos trabalhadores concretamente referidos no contrato como estando de férias, e que cumpria um horário inferior ao destes. Se este último passo não tem particular relevância — posto que a contratação a termo se justifica em função de necessidades temporárias e a empregadora pode considerar que consegue reorganizar o serviço e cumprir com o serviço aos clientes de um modo tal que lhe seja apenas necessário substituir parcialmente — o primeiro tem sido já discutido judicialmente e considerado — e também nós consideramos — que cabendo ao empregador organizar o trabalho, este poder exige alguma maleabilidade, que permita conciliar as exigências do serviço com as capacidades dos trabalhadores, e portanto que não é forçoso, para que ocorra substituição, que o trabalhador contratado a termo execute as mesmas tarefas concretas do impedido de as realizar, por ausência. De resto, a recorrida provou que frequentemente há revisão dos giros que são assim alterados, com aditamento de percurso ou redução ao mesmo, conforme a carga de trabalho aumenta ou diminui ao longo do tempo, além de que, com frequência ainda, se encarrega um carteiro de fazer parte dum outro giro que é dividido por diversos outros carteiros e que em virtude da maior dificuldade de realização de um determinado giro, num período em que o trabalhador que o está a fazer vai de férias, ou está ausente por doença, é alocado a esse mesmo giro um outro trabalhador da Ré, mais experiente, e não o contratado a termo, por uma questão de optimização empresarial. A recorrida provou ainda que por altura das férias recorre à contratação a termo.
                      A recorrida não provou que os trabalhadores referidos no contrato que outorgou com a A. como estando de férias, tenham estado de férias nos períodos em que a A. trabalhou.
                      Conforme já referimos, o facto 16 não tem o alcance de provar que os trabalhadores concretamente mencionados no contrato estiveram de férias nos períodos em que a A. trabalhou.
                      Ora, o que a lei exige é que o motivo constante do contrato seja válido e que o empregador prove que correspondeu — aquele motivo concreto — à verdade. De contrário, se se admitisse como prova da verdade da necessidade temporária da contratação da recorrente o mero teor do facto 16, então isso corresponderia a afirmar que bastava à recorrida inserir nos contratos que o motivo do termo é a substituição de trabalhadores em férias, o que, na ausência da sua identificação concreta, inviabilizaria a sindicância da adequação da contratação aos estritos limites da necessidade. O facto é que nas empresas que têm variados trabalhadores, não decorre do simples gozo de férias destes que seja necessário contratar outros para os substituir — precisamente por isso a lei confere ao empregador o último poder na definição dos períodos de férias dos trabalhadores — art. 241.º, n.º 2, do CT. Só a indicação das pessoas concretas dos trabalhadores em férias e dos períodos de férias efectivamente gozados por estes é que permite sindicar se o tempo da contratação corresponde à necessidade da empresa. O facto 16 não indica que a A. só exerceu funções em substituição de trabalhadores em férias. Se tivesse sido vertido para a sentença que os trabalhadores constantes do contrato tinham gozado férias no período e apenas no período em que a A. trabalhou, aí sim, poderíamos afirmar que a sua contratação tinha sido estritamente necessária. 
                      No caso concreto, esta impossibilidade de afirmar que a contratação da A. foi em substituição daqueles trabalhadores concretamente mencionados no contrato como estando em férias ainda é mais marcada porque, como se viu, a A. não executou os giros dos colegas pretensamente substituídos, não tinha a mesma carga horária nem o mesmo horário.
                      Termos em que consideramos que a recorrida não provou a verdade do motivo aposto no contrato e por efeito conjugado dos artigos 147.º, n.º 1, al. a), e 140.º, n.os 1 e 5, ambos do CT 2009, considera-se sem termo o contrato de trabalho celebrado entre as partes em 4.5.2009.»

2.1. Nos termos do artigo 140.º do Código do Trabalho de 2009, diploma aplicável ao presente caso e a que pertencem os demais preceitos a citar adiante, sem menção da origem, «[o] contrato de trabalho a termo resolutivo só pode ser celebrado para a satisfação de necessidade temporária da empresa e pelo período estritamente necessário à satisfação dessa necessidade» (n.º 1), considerando-se, nomeadamente, necessidade temporária da empresa as seguintes: a) substituição directa ou indirecta de trabalhador ausente ou que, por qualquer motivo, se encontre temporariamente impedido de trabalhar; b) substituição directa ou indirecta de trabalhador em relação ao qual esteja pendente em juízo acção de apreciação da licitude do despedimento; c) substituição directa ou indirecta de trabalhador em situação de licença sem retribuição; d) substituição de trabalhador a tempo completo que passe a prestar trabalho a tempo parcial por período determinado; e) actividade sazonal ou outra cujo ciclo anual de produção apresente irregularidades decorrentes da natureza estrutural do respectivo mercado, incluindo o abastecimento de matéria-prima; f) acréscimo excepcional de actividade da empresa; g) execução de tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro; h) execução de obra, projecto ou outra actividade definida e temporária, incluindo a execução, direcção e fiscalização de trabalhos de construção civil, obras públicas, montagens e reparações industriais, em regime de empreitada ou em administração directa, bem como os respectivos projectos e outra actividades complementar de controlo e acompanhamento (n.º 2).

Para além das situações previstas no n.º 1 do artigo 140.º e exemplificadas nas alíneas do seu n.º 2, o artigo 140.º admite ainda a celebração de um contrato a termo nos seguintes casos: a) lançamento de uma nova actividade de duração incerta, bem como início de laboração de empresa ou estabelecimento pertencente a empresa com menos de 750 trabalhadores; b) contratação de trabalhador à procura de primeiro emprego, em situação de desemprego de longa duração ou noutra prevista em legislação especial de política de emprego (n.º 4).

Saliente-se que, nos termos do n.º 5 do artigo 140.º, cabe ao empregador a prova dos factos que justificam a celebração de contrato de trabalho a termo.

Quanto às formalidades a observar, o artigo 141.º estabelece que o contrato de trabalho a termo está sujeito a forma escrita e deve conter: (a) a identificação, as assinaturas e o domicílio ou a sede das partes, (b) a actividade do trabalhador e a correspondente retribuição (c) o local e o período normal de trabalho, (d) a data de início do trabalho, (e) a indicação do termo estipulado e do respectivo motivo justificativo, (f) as datas da celebração do contrato e, sendo a termo certo, a data da respectiva cessação (n.º 1), sendo certo que, «[p]ara efeitos da alínea e) do n.º 1, a indicação do motivo justificativo do termo deve ser feita com menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado» (n.º 3).

Relativamente às consequências da violação das regras relativas ao contrato de trabalho sem termo, o n.º 1 do artigo 147.º considera sem termo o contrato de trabalho (a) em que a estipulação de termo tenha por fim iludir as disposições que regulam o contrato sem termo, (b) celebrado fora dos casos previstos nos n.os 1, 3 ou 4 do artigo 140.º, (c) em que falte a redução a escrito, a identificação ou a assinatura das partes, ou, simultaneamente, as datas da celebração do contrato e de início do trabalho, bem como aquele em que se omitam ou sejam insuficientes as referências ao termo e ao motivo justificativo ou (d) celebrado em violação do disposto no n.º 1 do artigo 143.º, sendo que as duas últimas alíneas não relevam para o caso.

Conforme referem PEDRO ROMANO MARTINEZ e OUTROS, Código do Trabalho Anotado, 8.ª edição, Almedina, Coimbra, 2009, anotação I e III ao artigo 147.º por LUÍS MIGUEL MONTEIRO e PEDRO MADEIRA DE BRITO, p. 397 e seguinte, o n.º 1 do artigo 147.º é um preceito novo, «mas sistematizador numa única disposição das consequências da violação das regras relativas ao contrato a termo e dispersas em anteriores disposições do CT2003», sendo que, «[n]o caso da alínea a) do n.º 1, correspondente à parte inicial do n.º 2 do artigo 130.º do CT2003, estamos perante situação de fraude à lei que converte o contrato de trabalho a termo em por tempo indeterminado. Aparentemente, as partes cumpriram todas as formalidades, todavia com a intenção de defraudar o carácter excepcional da contratação a termo.»

E, na dita anotação III, mais se salienta que, «[a]pesar do disposto no n.º 5 do artigo 140.º, a intenção de contornar as regras excepcionais da contratação a termo deve ser provada pelo trabalhador, se quiser fazer valer a existência de contrato por tempo indeterminado, pois não estão em causa os motivos justificativos da contratação a termo, mas antes a determinação de quem deve ser penalizado por decisão desfavorável quanto à matéria de facto, se existirem dúvidas sobre a intenção de defraudar a lei na contratação a termo».

2.2. Resulta da factualidade apurada que, [p]or contrato de trabalho a termo certo, outorgado no dia 4 de Maio de 2009, a A. foi novamente contratada pelo R., pelo prazo de 6 meses, com início naquele dia e termo no dia 03 de Novembro de 2009, para, mediante a retribuição mensal de € 415,37, desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de carteiro no CDP 4200, sito na Rua …, n.º …, Porto, tendo em vista substituir os seguintes trabalhadores que iriam entrar em períodos de gozo de férias: a) BB, no período de 4 a 22 de Maio; b) CC, no período de 25 a 29 de Maio; c) DD, no período de 1 a 12 de Junho; d) EE, no período de 15 a 30 de Junho; e) FF, no período de 1 a 17 de Julho; f) GG, no período de 20 a 31 de Julho; g) HH, no período de 3 a 31 de Agosto; h) II, no período de 1 a 30 de Setembro; i) JJ, no período de 1 a 16 de Outubro», que «[a] A. foi contratada para prestar 6 horas de trabalho diário e 30 horas de trabalho semanal» e, ainda, que o contrato de trabalho em causa cessou na data nele prevista, ou seja, em 3 de Novembro de 2009 [factos provados 1) a 3)].

E mais se demonstrou a seguinte factualidade:

               «4) Todos os trabalhadores acima identificados pertenciam ao CDP 4200 do Porto, distribuindo correspondência nos giros que integram a área geográfica respectiva;
                 5) Em execução do contrato e por expressa determinação do R., sempre a A. esteve afecta à distribuição postal no CDP 4300 e não à distribuição no CDP 4200 para o qual fora contratada;
                 6) A autora distribuiu correspondência em giros pertencentes ao CDP 4200 para auxiliar outros colegas, fora do seu horário de trabalho;
                 7) No CDP 4300, a A. apenas distribuiu correspondência na área geográfica do giro número 213;
                 8) Todos os trabalhadores acima referidos encontravam-se adstritos a períodos de trabalho diário e semanal de 8 e 40 horas, respectivamente;
                 9)    Quer antes, quer durante, quer depois de a A. ter trabalhado para a R., esta contratou a termo certo outros trabalhadores para exercerem funções de carteiro nos mesmos CDP´s onde a A. prestou trabalho;
                 10) A partir de Janeiro de 2005, os CDP 4200 e 4300 passaram [a] integrar a mesma unidade de trabalho;
                 11) Frequentemente há revisão dos giros que são assim alterados, com aditamento de percurso ou redução ao mesmo, conforme a carga de trabalho aumenta ou diminui ao longo do tempo, além de que, com frequência ainda, se encarrega um carteiro de fazer parte dum outro giro que é dividido por diversos outros carteiros e sem que tal signifique necessariamente a atribuição de trabalho extraordinário, se tal não se justificar;
                 12) Em virtude da maior dificuldade de realização de um determinado giro, num período em que o trabalhador que o está a fazer vai de férias, ou está ausente por doença, é alocado a esse mesmo giro um outro trabalhador da Ré, mais experiente, e não o contratado a termo, por uma questão de optimização empresarial;
                 13) O objectivo deste tipo de contratação é que o funcionamento do CDP não seja alterado e prejudicados os interesses dos clientes da Empresa;
                 15) Por altura das férias, a Ré recorre à contratação a termo;
                 16) A A. esteve, de facto, a exercer as funções de CRT, em substituição de trabalhadores em gozo de férias.»

Assim, à luz da matéria de facto apurada, a fundamentação para o termo na contratação da autora enquadra-se nas possibilidades consentidas para a aposição de termo no contrato pela alínea a) do n.º 2 do artigo 140.º, sendo que a relação entre o motivo invocado e a duração do contrato mostra-se estabelecida.

Mas, como é evidente, para que o termo aposto num contrato de trabalho seja válido não basta a indicação do motivo justificativo e que esse motivo faça parte do elenco contemplado nas alíneas do n.º 2 do citado artigo 140.º, sendo, ainda, indispensável que esse motivo tenha correspondência com a realidade.

No caso, a ré conseguiu provar que admitiu a autora para desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de carteiro, tendo em vista substituir os  trabalhadores, com essa categoria, que iriam entrar em gozo de férias, nos períodos indicados no contrato e, bem assim, que a autora exerceu, efectivamente, as mesmas funções que aqueloutros trabalhadores, não relevando, neste conspecto, que a autora não tenha efectuado os mesmos «giros» que os trabalhadores substituídos, nem que cumprisse os mesmos horários atribuídos a esses trabalhadores.

Na verdade, tal como se ponderou no acórdão deste Supremo Tribunal, de 17 de Maio de 2007, Processo n.º 537/07, 4.ª Secção, que examinou idêntica questão, «cabendo à entidade empregadora definir, a cada momento, as tarefas que o trabalhador temporariamente impedido devia realizar (dentro, naturalmente, dos limites decorrentes do contrato e das normas que o regem), não faria sentido que o não pudesse fazer em relação ao trabalhador que o veio substituir. O que realmente interessa é que o trabalhador contratado vá exercer as mesmas funções que o trabalhador substituído vinha prestando. A determinação das concretas tarefas que, no dia-a-dia, terá de realizar, no respeito pelo quadro funcional da respectiva categoria profissional, é da exclusiva competência do empregador, nos termos do poder de direcção já referido.»

Acresce que se provou que «[a] partir de Janeiro de 2005, os CDP 4200 e 4300 passaram a integrar a mesma unidade de trabalho», que [f]requentemente há revisão dos giros que são assim alterados, com aditamento de percurso ou redução ao mesmo, conforme a carga de trabalho aumenta ou diminui ao longo do tempo, além de que, com frequência ainda, se encarrega um carteiro de fazer parte dum outro giro que é dividido por diversos outros carteiros e sem que tal signifique necessariamente a atribuição de trabalho extraordinário, se tal não se justificar» e que «[e]m virtude da maior dificuldade de realização de um determinado giro, num período em que o trabalhador que o está a fazer vai de férias, ou está ausente por doença, é alocado a esse mesmo giro um outro trabalhador da Ré, mais experiente, e não o contratado a termo, por uma questão de optimização empresarial» [factos provados 10) a 12)].

O certo é, porém, que apenas ficou provado que «[a] A. esteve, de facto, a exercer as funções de CRT, em substituição de trabalhadores em gozo de férias», pelo que, como se assinala no aresto recorrido, não se demonstrou «que a contratação da A. foi em substituição daqueles trabalhadores concretamente mencionados no contrato como estando em férias».

Isto é, desconhece-se, em concreto, quais os trabalhadores substituídos, e, no limite, se a autora substituiu qualquer dos trabalhadores da ré aludidos no contrato de trabalho a termo celebrado entre as partes.

Assim sendo, não é possível associar validamente a contratação da autora à invocada substituição dos identificados trabalhadores da ré/recorrente.

E não se diga, conforme alega a recorrente, «que a autora não pôs em causa a veracidade do termo aposto no contrato com o fundamento de que os trabalhadores referidos no contrato não estiveram efectivamente de férias». De facto, tal como nota a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta, aquele fundamento «está subjacente ao pedido objecto da acção», que «era, precisamente, o de [a autora] na execução do contrato não ter substituído os trabalhadores nele indicados nominativamente como estando em gozo de férias», tendo a recorrente obtemperado, tão-somente, que «[a] Autora esteve, de facto, a desempenhar as funções de CRT, em substituição de trabalhadores em gozo de férias» (artigo 38.º da contestação) e que «a Autora sempre desempenhou aquelas funções substituindo trabalhadores da Recorrente que estavam ausentes do serviço» [conclusão XIII) da alegação do recurso de revista).

 E também não colhe a alegação da ré/recorrente de que a não coincidência entre trabalhadores substituídos e trabalhadores a substituir, «apenas seria susceptível de gerar a invalidade do termo se, e na medida em que, dela se pudesse inferir que a estipulação do termo teve por fim iludir as disposições do contrato sem termo, ou que ele foi celebrado fora dos casos em que o termo é admissível».

É que, semelhante tese não tem apoio legal e sempre impediria o necessário controlo pelo tribunal da veracidade do motivo justificativo da estipulação do termo, em flagrante violação dos normativos que regem a contratação a termo, em concreto os artigos 140.º, n.os 1 e 2, alínea a), 141.º, n.os 1, alínea e), e 3, e 147.º, n.º 1, alínea b), valendo aqui o ónus da prova previsto no n.º 5 do artigo 140.º, de harmonia com o qual cabe ao empregador a prova dos factos que justificam a celebração de contrato de trabalho a termo, decorrendo daquelas disposições a necessidade de concretização da substituição — directa ou indirecta — de trabalhador ausente ou que, por qualquer motivo, se encontre temporariamente impedido de trabalhar, sendo aliás essa a razão pela qual as partes especificaram na cláusula 4.ª do contrato quais os trabalhadores a substituir e os respectivos períodos, e não se limitaram a justificar a aposição do termo com um referência genérica à substituição de trabalhadores em férias.

 Nesta conformidade, não tendo a ré/recorrente provado que se verificou uma efectiva substituição, por parte da autora, dos trabalhadores mencionados no contrato de trabalho como estando em férias, configura-se uma clara divergência entre os fundamentos para a contratação a termo e a realidade verificada, que importa a nulidade da estipulação desse termo, ao abrigo dos conjugados artigos 140.º, n.os 1 e 2, alínea a), 141.º, n.os 1, alínea e), e 3, e 147.º, n.º 1, alínea b).

Tudo para concluir que bem decidiu o acórdão recorrido ao considerar a nulidade do termo aposto no sobredito contrato de trabalho a termo e em convertê-lo em contrato de trabalho por tempo indeterminado.

Improcedem, pois, as conclusões vertidas na alegação do recurso de revista.

                                               III

Pelo exposto, decide-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido, embora, em parte, com diferente fundamentação.

Custas pela recorrente.

Anexa-se o sumário do acórdão, nos termos do artigo 713.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, na redacção do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto.

Lisboa, 3 de Outubro de 2012

Pinto Hespanhol (Relator)

Fernandes da Silva

Gonçalves Rocha