Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
652/18.5T8GMR.G2.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: MANUEL CAPELO
Descritores: RESPONSABILIDADE POR FACTO ILÍCITO
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
PRESUNÇÃO DE CULPA
DEVER DE VIGILÂNCIA
PROPRIETÁRIO
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
OBRAS DE CONSERVAÇÃO ORDINÁRIA
OBRAS DE CONSERVAÇÃO EXTRAORDINÁRIA
DEVER DE INFORMAÇÃO
NEGLIGÊNCIA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
DUPLA CONFORME
Data do Acordão: 10/28/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - No art. 493.º do CC o funcionamento da presunção de culpa aí estabelecida não tem como pressuposto qualquer vício de construção ou defeito de conservação, mas tão só o dever de vigilância da coisa por parte de quem a tem em seu poder com o dever de a vigiar.

II - A exaustão de fumos de um prédio a que se procede através de canalização interior, enquadra a previsão entre as coisas que oferecem perigosidade decorrente da forma como os fumos são transportados e por tal sujeita a dever de vigilância a cargo dos proprietários de um edifício de fiscalizarem o estado das chaminés, que se extrai do n.º 3 do art. 6.º e da al. a) do n.º 1 do art. 8.º do Regime Jurídico da Segurança Contra Incêndio em Edifícios (DL n.º 220/2008, de 12-11), e do RJEU.

III - O dever de vigilância do proprietário não é excluído em caso de arrendamento porquanto é sobre aquele que incide a responsabilidade das obras de conservação ordinária e extraordinária - art. 1074.º, n.º l, do CC - nomeadamente quando no próprio contrato de arrendamento não impõem ao locatário essas obras.

IV - Incorre em responsabilidade o proprietário que ao ter conhecimento de que a arrendatária pretende instalar uma salamandra de aquecimento, não a informa de que a chaminé de exaustão de gases e fumo existente na casa não permite que nela se coloque o tubo inox de exaustão da salamandra, por não cumprir as exigências legais de segurança para as chaminés.

V - Responde solidariamente com a arrendatária, que na instalação da conduta de exaustão de fumos e gases de uma salamandra não procedeu de acordo com as regras legais, a proprietária do arrendado que sabendo como aquela pretendia fazer a instalação não a informou de que a chaminé onde se colocaria o tubo de exaustão não permitia essa finalidade, constituindo essa omissão um comportamento negligente.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



Relatório

AA e BB intentaram acção declarativa com forma comum contra CC, DD e EE pedindo que estes sejam solidariamente condenados a pagar as seguintes indemnizações: €58.192,43 por danos patrimoniais, e €1.750,00 por danos não patrimoniais, quantias acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a citação.

Alegaram que a autora mulher é dona do prédio urbano destinado a habitação, em regime de propriedade total, sem andares nem divisões susceptíveis de utilização independente, sito na Rua………, e que os autores são casados entre si, no regime da comunhão de adquiridos, residindo nesse prédio. A ré CC, é arrendatária do imóvel sito na Rua …. do qual os 2ºs réus são proprietários.

Em 13.01.2017, deflagrou um incêndio no arrendado pela ré que teve origem numa salamandra colocada por esta na casa onde o que fez com o consentimento dos proprietários. O incêndio ocorreu por deficiências do equipamento, sendo a responsabilidade de quem o colocou solidária com a de quem deixou que o equipamento fosse colocado.

Na contestação a ré CC alegou que o equipamento não estava em mau estado e que o problema residiu no facto de lhe ter sido autorizada a colocação da salamandra sem o aviso de que a chaminé não dava para o exterior, mas sim para o telhado, junto a uma tela inflamável, e termina requerendo a intervenção da Cª de Seguros Ocidental, intervenção da seguradora foi admitida a título acessório pelo despacho de 15.11.2018.

Por sua vez, os réus DD e EE referiram que nunca deram qualquer autorização para a colocação da salamandra e sublinhando que são meros usufrutuários e não os proprietários do prédio.

Tendo sido pedida a intervenção principal provocada de FF, filha de DD e EE, a quem estes doaram o prédio em Setembro de 2016, foi o incidente admitido.

Instruídos os autos e realizado julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou as rés “CC e FF no pagamento, solidariamente, das seguintes quantias (sem prejuízo de, na relação interna, cada uma ser responsável por metade do valor total):

i) € 40.000,00 (quarenta mil euros - € 34.000,00 + € 5.000,00 + € 1.000,00), a pagar à autora BB;

ii) € 4.750,00 (quatro mil, setecentos e cinquenta euros), a pagar ao autor AA;

iii) € 10.208,43 (dez mil, duzentos e oito euros e quarenta e três cêntimos - € 6.202,40 + € 990,03 + € 3.000,00 + € 16,00), a pagar aos autores BB e AA.

Sobre as referidas quantias incidirão juros à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento.”

Os demais réus vão absolvidos do pedido.”


Tendo as rés que foram condenadas apresentado recurso de apelação foi proferido acórdão que julgou procedente a apelação interposta pela FF, revogando nessa parte a sentença da 1ª instância que a condenou nos pedidos da acção;

E julgou improcedente a apelação interposta pela ré CC mantendo a sua condenação nos mesmos termos em que a sentença o tinha determinado.



Inconformada com esta decisão a ré CC e os autores AA e mulher, BB interpuseram recursos de revista.

Admitida a revista dos autores e indeferida por inadmissível a da ré, reclamou esta nos termos do art. 643 do CPC tendo vindo a ser admitido o recurso.

Os autores na sua revista concluem que:

“ A. Os aqui Autores/Recorrentes não se podem conformar e, não se conformam, com a decisão proferida pelo Venerando Tribunal da Relação .........., razão pela qual, interpõem a presente revista que, nos termos do disposto no art.º 635.º, n.º 2 do CPC, se restringe à matéria relativa à decisão que julgou procedente o recurso interposto pela interveniente FF e que, em consequência, revogou a sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância que a condenava nos pedidos da acção (Ponto n.º 1 do Acórdão proferido).

B. De igual modo, nos termos do disposto no art.º 674.º, n.º 1, alínea a) do CPC, a presente revista funda-se na violação de lei substantiva, consubstanciada no erro de interpretação e de aplicação do disposto nos art.ºs 483.º, n.º 1 e 493.º, n.º 1 do Código Civil e, bem assim, do disposto no art.º 512.º do mesmo diploma legal, erro de interpretação e aplicação que aqui expressamente se invoca e requer seja declarado com todas as consequências legais.

C. A interveniente EE é dona e legítima proprietária do imóvel sito na Rua ……, que o adquiriu por doação dos seus pais, aqui 2.ºs Réus, encontrando-se, à data dos factos, arrendado à Ré CC.

D. O imóvel sofreu diversas intervenções urbanísticas: no ano de 1993/1994, foram feitas obras no telhado e nas fachadas, em 2011, foram substituídas telhas, caibros e ripes e em 2013, foi feita uma intervenção nas paredes interiores, obras que foram feitas com o acompanhamento e o conhecimento pessoal da interveniente FF.

E. A Ré CC instalou e colocou em funcionamento uma salamadra a pellets naquela sua residência, o que fez para uso pessoal e de forma contínua, durante os meses de inverno, inclusivamente, naquele dia 13/01/2017, data em que deflagrou o incêndio que está na origem dos presentes autos, que se deu por ignição das madeiras do telhado, como resultado da deterioração e posterior volatização das mesmas (Facto Provado n.º 11).

F. No referido imóvel existia um tubo em cerâmica que terminava junto a uma estrutura em madeira e que, em tempos, era serventia da cozinha, facto que era do conhecimento da interveniente FF.

G. Após deslocação ao imóvel a pedido da Ré CC e, em conversa que, na altura, estabeleceu com ela sobre a ligação a ser feita à salamandra, a interveniente FF fez referência à existência daquele tubo em cerâmica, não se importando que a ligação do tubo em inox da salamandra se fizesse através dele, porquanto, o que realmente importava era que tal ligação não ficasse visível por fora (pelo exterior), por causa das imposições legais e camarárias impostas à estética daquele imóvel por ser e estar situado no Centro Histórico ...........

H. A única preocupação da interveniente FF era a estética do imóvel, sendo-lhe irrelevante que o tubo em inox de ligação à salamandra se fizesse através do tubo em cerâmica já existente, facto a que não se opôs e, cuja ocorrência, resultou provada (Factos Provados n.º 16).

I. A interveniente FF conhecia, pois, e bem, as intenções da Ré CC em utilizar o tubo em cerâmica existente para a saída dos gases da salamandra, tanto que, foi a própria a sugerir tal ligação por não querer que os tubos ficassem visíveis pelo lado exterior.

J. A utilização do tubo em cerâmica existente não foi, como se viu e provou, impedida ou sequer proibida pela interveniente FF (nem pelos seus pais, usufrutuários do imóvel), para quem bastava que no final (leia-se, no final da vigência do contrato de arrendamento) tudo ficasse igual – tal qual decorre, inclusivamente, da fundamentação do Acórdão recorrido, na parte relativa à matéria de facto constante dos Pontos 13 a 17: “Ora, quanto a esse aspecto, é a própria recorrente que, ao ser questionada pela Sr. Juíza, acaba por reconhecer que não proibiu a instalação da salamandra na cozinha, apenas deixou claro que “ao fim queria a casa igual”. Ademais, já tinha referido no âmbito do inquérito criminal que os pais, embora renitentes não se opuseram à instalação da salamandra (cfr. declarações reproduzidas nos autos a que se reporta o documento de fls. 194).” (sublinhados nossos)

Ademais, ali mais se diz que, “E relativamente à ligação do tubo de inox no antigo tubo de cerâmica (ninguém pôs em dúvida que servira de “exaustor” da cozinha) é verosímil que essa hipótese tenha sido colocada e a recorrente nada tenha oposto, dadas até as condicionantes da solução de o tubo de inox subir até ao topo do prédio junto à parede exterior, dizendo a ré CC nas declarações em julgamento que a propósito foi advertida pela FF que essa obra “esteticamente ficava mal e podia ter problemas com a Câmara”. Isto mostra-se em total concordância com o que a FF referiu nos autos de inquérito criminal, onde admite ter alertado a CC “para o perigo de uma salamandra, na medida em que as casas estão no centro histórico, tem partes em madeira, a qual têm de manter atendendo à sua localização.” (sublinhados nossos)

K. Mais resultou provado que a interveniente FF não informou a Ré CC que o tubo em cerâmica terminava no telhado, junto a uma estrutura em madeira (Factos Provados n.º 17).

L. Resulta, pois, à evidência que, tendo acompanhado as obras de renovação e restauro do imóvel (telhado, fachadas, paredes, telhas, caibros e ripes), o que aconteceu em 1993/1994, 2011 e 2013; sabendo, como sabia, da existência do tudo em cerâmica que servia em tempos a cozinha do imóvel; e, bem assim, sabendo da intenção da Ré CC em instalar e usar uma salamandra em pellets naquele mesmo imóvel, apesar de todos os riscos inerentes; e, sabendo, como também sabia, não haver licenciamento camarário para o efeito (Factos Provados n.º 12); e, bem assim, não tendo manifestado qualquer oposição à ligação do tubo em inox ao tubo em cerâmica existente, não restam dúvidas, de que a interveniente FF não agiu com o cuidado e a diligência que devia e estava obrigada enquanto proprietária daquele imóvel, a quem competia a sua vigilância, conservação e manutenção, sobretudo, porque não podia ignorar a circunstância de o referido imóvel se encontrar em pleno Centro Histórico ……. e, bem assim, saber que toda a sua estrutura era feita de madeira.

M. O conhecimento de tais factos pelo proprietário do imóvel não pode deixar de implicar, necessariamente, uma responsabilidade acrescida dele, precisamente, por conhecer de forma expressa tudo quanto ali se pretendia fazer (e as concretas condições estruturais do imóvel) e, mesmo assim, nada ter feito para o impedir e/ou evitar.

N. Com efeito, a interveniente FF aceitou, sem qualquer oposição (e de igual modo, os seus pais, aqui 2.ºs Réus), a instalação da salamandra e a ligação do tubo em inox ao tubo em cerâmica existente (que, como se sabe e a ora interveniente sabia, que estava encostado a uma estrutura em madeira), assumindo os riscos que lhe estavam associados (e conhecendo-os!), tendo imposto apenas como condição que “ao fim queria a casa igual”.

O. Posto que, ao invés do fundamentado no Acórdão recorrido, é precisamente em função da natureza da obra e das vicissitudes inerentes quer à sua execução, quer à posterior utilização do bem e, bem assim – acrescentam os Autores/Recorrentes - do expresso conhecimento que a interveniente FF tinha sobre a estrututura do telhado e da pré-existência de um tubo em cerâmica que terminava numa estrutura em madeira e, MAIS!, sabendo que a ligação do tubo em inox da salamandra se faria àquele tubo em cerâmica existente (facto que lhe foi expressamente referido e ao qual não se opôs), que a responsabilidade da produção do evento deve/tem de ser igualmente assacada à interveniente FF.

P. É incompreensível que, sabendo de TODAS essas circunstâncias e, cabendo- lhe, como lhe cabia, enquanto legítima proprietária do referido imóvel, prevenir/impedir o risco de incêndio que a colocação e instalação de uma salamandra sempre acarretava, designadamente, opondo-se expressamente àquela colocação e instalação OU, opondo-se expressamente à ligação do tubo da salamandra ao tubo em cerâmica existente OU, informando a Ré CC que o tubo terminava na estrutura em madeira (facto que comprovadamente conhecia) OU, ainda, diligenciando no sentido de efectuar as obras necessárias, de forma a que o tubo em cerâmica não terminasse junto à estrutura em madeira, mas antes lhe sobreviesse e terminasse já bem acima do telhado, conforme as melhores regras e práticas, a interveniente FF nada tenha feito!

Q. E, ao nada fazer, apesar de poder e dever fazê-lo, por ter capacidade e  perfeita consciência do que se passava, nomeadamente, como se disse, por via dos especiais e concretos conhecimentos que detinha sobre aquele imóvel e suas características (sabia da existência de uma chaminé em cerâmica e sabia ainda que essa chaminé terminava junto a uma estrutura em madeira) e, bem assim, sobre as reais intenções da Ré CC, mas também, por ser proprietária do imóvel em causa, cabendo-lhe, como legalmente lhe cabia, a sua vigilância, manutenção e conservação, não pode deixar de se concluir, ao contrário do vertido no aresto de que ora se recorre, que a interveniente FF incorreu em responsabilidade civil perante os Autores/Recorrentes, quanto aos danos que estes sofreram em virtude do incêndio que se veio a verificar.

R. Porquanto, foi precisamente, por força da má utilização do mencionado aparelho pela Ré CC, mas igualmente, por virtude da inexistência de qualquer oposição/proibição por parte da interveniente FF, que não cuidou de prevenir e/ou proibir aquela colocação, nas concretas condições em que foi feita, que tal incêndio ocorreu.

S. ADEMAIS, fundamenta o Venerando Tribunal da Relação……, para sustentar a responsabilidade da Ré CC que, “(…) A Ré CC executou a instalação, no seu interesse e por sua conta e risco, sabia que o prédio foi construído antes da entrada em vigor do aludido RGEU (circunstância mencionada na 1.ª cláusula do contrato de arrendamento), logo não podia ser quer confiar que a antiga chaminé estivesse afastada da estrutura de madeira ao nível do telhado, e encaixou nela o tubo de inox condutor dos gases da salamandra sem o elevar acima da cobertura do prédio.

Deveria acautelar a exposição ao calor da madeira do telhado encostada à chaminé de cerâmica, dela distanciando e isolando o tubo em inox, e elevando-o acima em pelo menos 0,50m acima da cobertura, dever de diligência que violou de forma flagrante. (…)” (sublinhados nossos)

T. Todavia, tais argumentos podem e devem afirmar-se também quanto à interveniente FF!, porquanto, esta bem conhecia a data em que tal imóvel foi construído (era, aliás, sua proprietária!), como bem sabia das obras que o mesmo havia sofrido, tanto mais, que as acompanhou pessoalmente em, pelo menos, três ocasiões: 1993/1994, 2011 e 2013, não podendo, pois, ignorar, como, de facto, não ignorava, a existência daquela chaminé em cerâmica e do específico local onde terminava!

U. Portanto, também a interveniente FF sabia que o prédio foi construído antes da entrada em vigor do RGEU – conhecimento que, aliás, era tanto mais plausível do que aquele que foi, objectivamente, imputado à Ré CC.

V. De igual modo, também a interveniente FF, não podia sequer confiar que a antiga chaminé em cerâmica estivesse afastada da estrutura em madeira ao nível do telhado! Aliás, em bom rigor e isso ficou provado (Factos Provados 15 a 17), bem sabia a interveniente FF que a antiga chaminé estava, de facto, encostada a uma estrutura em madeira!

W. Ao contrário, pois, do decidido pelo Venerando Tribunal da Relação………, o facto de ter conhecimento específico de tais circunstâncias e características, implica necessariamente um compromisso/interferência na instalação da salamandra e da sua concreta e correcta ligação, em particular quanto à observância das normas técnicas estabelecidas no RGEU.

X. Diga-se que, se a interveniente FF tinha conhecimento de que não podia alterar a estética do imóvel, por ser e se encontrar aquele imóvel no Centro Histórico…., circunstância que levou à sua não oposição quanto ao aproveitamento do tubo em cerâmica existente – limitação igualmente imposta pelo RGEU - , também não pode deixar de se concluir, pois, que se lhe impunha a observância das normas técnicas estabelecidas pelo RGEU, quanto à instalação e ligação da malograda salamandra, designadamente, optando (ou impondo) pela utilização de uma chaminé que terminasse bem acima do telhado, como aquele regulamento disciplina e impõe.

Y. O que tudo implica, sem margem para quaisquer dúvidas, de que também a interveniente FF violou, de forma notória e flagrante o dever de diligência, vigilância, cuidado, conservação e manutenção que sobre ela legalmente impendia relativamente ao referido imóvel, verificando-se, pois, um nexo de evidente causalidade entre os factos e os comprovados danos causados aos Autores/Recorrentes.

Z. De resto, a manutenção em bom estado de funcionamento e a correcta construção de uma chaminé num imóvel, constitui inequivocamente uma obrigação que decorre da qualidade de proprietário desse imóvel, a quem compete a sua conservação. AA. Destarte, sabendo a interveniente FF que o tubo em cerâmica terminava junto a uma estrutura em madeira e da necessidade que a Ré CC tinha em usá-la para ligação da salamandra, se nada fez para evitar os respectivos resultados danosos, incorre, consequentemente, na obrigação de reparar os danos causados aos Autores/Recorrentes que, com evidência, resultaram manifestamente provados.

BB. Ao assim proceder e actuar, com manifesta culpa (que, de resto, nem sequer conseguiu ilidir), incorreu a interveniente FF em responsabilidade civil pelos danos sofridos pelos Autores/Recorrentes, devendo, a par da Ré CC, responder, solidariamente, nos termos do disposto no art.º 512.º do CC, pelas indemnizações peticionadas, o que se invoca e requer com todas as consequências legais.

CC. A causa está, pois, incorrectamente julgada e, consequentemente, a respectiva decisão foi incorrectamente proferida, devendo ser revogada e  substituída por outra que, nos precisos termos que supra se expuseram, julguem a interveniente FF igualmente e solidariamente responsável (a par da Ré CC) pelos danos causados pelo incêndio, por via da específica obrigação de conservar, cuidar, manter e vigiar a coisa (imóvel) que sobre si impendia (pelo facto de exercer sobre aquele concreto imóvel um domínio que lhe advinha da respectiva titularidade (direito de propriedade)) e, bem assim, por via do específico conhecimento que detinha sobre as circunstâncias que envolveram a colocação e ligação da malograda salamandra à chaminé em cerâmica, o que se invoca e requer com todas as consequências legais.”


A ré CC conclui nas suas alegações que:

“1ª – Sobressai da decisão da Relação que a recorrente instalou uma salamandra a pellets, e para a condução dos gases de combustão encaixou um tubo em inox no tubo cerâmico que se encontrava embutido na parede exterior do prédio, ao lado da janela da cozinha. O tubo de inox terminava antes da saída para o exterior, no interior do tubo de cerâmica que por sua vez, terminava no telhado, junto da estrutura de madeira.

2ª – Por ignição das madeiras do telhado do prédio nº ……, locado à recorrente, e Resultado da sua deterioração e posterior volatilização, propagou à habitação dos Autores, destruindo o telhado, dois quartos e a casa de banho, bem como o recheio do primeiro andar.

3ª - Esclarece a decisão do tribunal “a quo” a ajuizar, que a recorrente executou a instalação da salamandra no seu interesse e por sua conta e risco, sabia que o prédio foi construído antes da entrada em vigor do RGEU, logo não podia sequer confiar que a antiga chaminé em cerâmica estivesse afastada da estrutura da madeira ao nível do telhado, e encaixou nele o tubo de inox condutor dos gases da salamandra sem elevar acima da cobertura do prédio.

4ª - Mais consigna a Relação que era dever da alegante acautelar a exposição ao calor da madeira do telhado encostada à chaminé de cerâmica, dela distanciando e isolando o tubo de inox, e elevando-o acima em pelo menos 0,50 m acima da cobertura, dever de diligência que violou de forma flagrante.

5ª - Explana também o aresto em crise que os 2ºs réus e a interveniente, não deduziram oposição à hipótese adiantada de ser efetuada a ligação do tubo em inox à chaminé, para os gases da salamandra não fossem expelidos para o pátio, mas tal circunstância não significava nem compromisso/interferência no processo de instalação do aparelho, em particular na observância das normas técnicas estabelecidas no RGEU, até porque não se trata de uma obra necessária para assegurar o gozo do arrendado para o fim a que se destinava à posterior manutenção e utilização dada ao bem.

6ª – Em função da natureza da obra e das vicissitudes, quer à sua execução, quer à posterior utilização da salamandra, a Relação não imputou aos 2ºs réus, usufrutuários e à proprietária da raiz a culpa na produção do evento, efetiva ou presumida.

7ª - Dúvidas não subsistem, que o incêndio no prédio dos autores não teve a sua origem na salamandra, no aparelho em si, mas nas circunstâncias de modo, tempo e lugar da chaminé cerâmica se encontrar encostada ao travejamento em madeira que suportava o telhado, causa e efeito do sinistro, em clara violação das normas do RGEU – artigos 108º; 110º; 111º; 113º; 114º e 128º; artigo nº 6 do DL nº 307/2009, de 23 de agosto, alterado pela Lei nº 32/2012 de 14 de agosto, que estabelece o regime jurídico da reabilitação urbana, e a 54ª alteração ao Código Civil e artigo 89º, nº 1 do DL nº 555/99, de 16/2 alterado pelo DL nº 136/2014, de 9/9.

8ª - Nas condições que fluem da matéria de facto provada (item 38) entre 1993/1994, os 2ºs réus fizeram obras no telhado e nas paredes do 241, arrendada à recorrente, no âmbito de um programa desenvolvido pela Câmara Municipal……, obras essas, acompanhadas pela interveniente e encarregada dos pais FF.

Em 2011, foram substituídas algumas telhas, caibros e ripas a mando dos 2ºs réus e, em 2013 foi feita uma intervenção nas paredes interiores, também a mando dos 2ºs réus com o acompanhamento da interveniente (cfr. item 39 e 40). Factualidade esta, omitida no douto acórdão da Relação.

9ª – No seguimento da reflexão e ponderação no artigo 8º das presentes conclusões expedidas, a responsabilidade da chaminé cerâmica se encontrar encostada ao travejamento em madeira e ao nível do telhado, em flagrante violação dos artigos nºs. 111º e 113º do RGEU, competia aos 2ºs réus e à interveniente, tudo com a agravante que esta, além de acompanhar o desenrolar das obras, não informou a alegante que a chaminé se encontrava encostada ao travejamento.

10ª - Infere-se da sentença proferida na pág. 35 (paginação nossa) “(…) bem como a culpa presumida e efetiva da interveniente FF, esta última por ter atuado com efetiva negligência quando, na qualidade de proprietária do prédio, permitiu que o tubo da salamandra fosse introduzido (ou assim mantido), num tubo em cerâmica que estava encostado ao travejamento em madeira existente no telhado, omitido as cautelas devidas…”

11ª – Nos itens 38 a 40 da matéria assente, nas obras de 1993/94 e 2011 e 2013 a interveniente acompanhou estas intervenções, e não informou a alegante que o tubo cerâmico terminava no telhado, junto a uma estrutura em madeira, quando autorizou, em representação dos pais, a instalar a salamandra (cfr. item 17).

12ª - A interveniente quando autorizou a colocação da salamandra mesmo consciente dos riscos que envolvia o prédio, omitiu um dever fulcral de informar a recorrente do perigo da chaminé se encontrar encostada a madeira ressequida e ao seu nível.

13ª – Revela o depoimento do GG, técnico credenciado, e com experiência na colocação de aparelhos iguais e similares ao da recorrente, responsável pela venda e instalação da salamandra na sua 1ª fase, que numa atuação normalmente prudente, confiaria que a tubagem em cerâmica (que servira um fogão de cozinha) terminara seguramente no exterior, e não se lhe impunha a dúvida quanto à aptidão do  tubo da chaminé cerâmica para conduzir calor e expelir fumo em condições de segurança.

Ou seja, se um técnico especializado, conhecedor das “leges artis” nunca duvidaria que a chaminé se encontraria encostada à madeira, um carburante, e ao nível do telhado, muito menos tal eventualidade se colocaria à recorrente, leiga na matéria: era óbvio, evidente, à luz das elementares regras da experiência comum. Uma chaminé nunca pode estar encostada à madeira, ou a outro produto carburante, agora e nunca, é do censo comum intemporal (art. 111º do RGEU). Factualidade esta, também não levada em conta pela Relação.

14ª - Certifica o aresto em crise que a alegante deveria acautelar a exposição ao calor da madeira do telhado, encostada à chaminé, dela distanciando e isolando o tubo em inox, e elevando-o acima em pelo menos 0,50m acima da cobertura.

A este propósito, como era tecnicamente possível afastar a chaminé cerâmica 0,20m (RGEU) do travejamento em madeira?

Tal operação técnica implicaria destruir toda a retratada chaminé, encastrada desde o interior da cozinha, sua passagem pelo terraço ao lado da janela e varanda, onde se prolongava na vertical até ao telhado. Obra esta que afetaria sobremaneira, a estabilidade do imóvel, 241/243 e confinantes, além de dispendiosa, naturalmente o competente alvará seria recusado (cfr. fotografias – docs. de fls.).

15ª - Argumenta a Relação que a alegante não podia sequer confiar que a chaminé cerâmica estivesse afastada da estrutura do telhado e ao seu nível. E os proprietários e a interveniente não podiam também sequer confiar quando autorizaram a ligação em apreço, uma vez que, conheciam todas as especificidades do arrendado (art. 32º da contestação).

16ª - Também é caso para questionar, a razão de na intervenção no imóvel nos anos de 1993/94; 2011 e 2013, com o devido acompanhamento da interveniente, não foi a chaminé elevada pelo menos 0,50m acima do telhado, e afastada 0,20 m do travejamento em madeira, cumprindo-se, assim os artigos 111º e 113º do RGEU.

17ª – A Relação, respeitosamente, parte do pressuposto que o locado datado de 1941, ao longo do tempo não sofreu obras, o que não é verdade, supra se identificaram as intervenções em 1993/94; 2011 e 2013.

18ª – Dimana do acórdão que o HH revelou inconsistência (alguma) quanto à perigosidade do aparelho em que interviu, tudo sem escamotear que a sua ingerência se resumiu à ligação de cerca de 1m do tubo em inox ao cerâmico, ressalvando-se o mesmo procedimento técnico e igual material ao utilizado pelo GG, pessoa a quem tinha assistido na 1ª fase da instalação, e, que tal, como este habilitado técnico, também confiou na aptidão e segurança da chaminé cerâmica.

19ª – O HH teve o cuidado de verificar, uma vez a funcionar a salamandra, se era percetível a existência de gases e fumos no sótão, eventualidade esta que não ocorreu, nesse dia, e nos demais: os pellets não deitam fumo nem cheiro.

20ª - O acesso ao sótão, não cómodo e fácil, era só viável através do quarto onde estava instalada a Sónia, uma vez nesta dependência, para alcançar o alçapão que lhe dava acesso, tornava-se necessário utilizar uma escada, ou então uma cómoda e nela colocar-se em cima. Apenas assim, desse modo, era possível atingir o alçapão, que teria aproximadamente 1m de altura (da cómoda) por 1,2m de largura (cfr. sentença de fls. 22 a 23 – paginação nossa).

21ª – Entre o alçapão e a chaminé, encontrava-se uma barreira de pladur que impedia que fosse possível visualizar o citado componente cerâmico, assim, era imprescindível, obstaculizado o raio de visão do alçapão pela barreira, aceder a esta, e através de uma pequena abertura nela existente observar, desse modo, o tubo.

22ª – Sufraga-se a ideia que não se pode deixar de assacar responsabilidades aos 2ºs réus e à interveniente (isto na sua ótica defensiva), autorizarem a operação da ligação do tubo em inox ao cerâmico de pessoa não especializada, sendo a FF diligente e muito receosa de incêndios causados por salamandras (cfr. sentença de fls.).

23ª – Perante o acervo fáctico provado e não provado o tribunal “a quo” concluiu que à recorrente é atribuível o facto de ter instalado e colocado em funcionamento uma salamandra a pellets na moradia onde residia, e neste ensejo não logrou provar, o que não é verdade, de ter usado de todas as providências exigidas pelas circunstâncias para prevenir e evitar danos, quer por via de regras técnicas, quer por via das cautelas que as regras da experiência comum impunham ao caso (cfr. fls.).

24ª – Da análise da prova arrolada nos autos é sintomático que a recorrente cumpriu o dever especial de cautela e vigilância que sobre ele incumbia, enquanto proprietária da salamandra e sua detentora material.

25ª – O incêndio não teve origem na salamandra, mas na chaminé cerâmica, devido à combustão dos gases dela provindos, pela única e exclusiva razão de se encontrar junto ao travejamento que suporta o telhado e se situar ao seu nível, factualidade esta que os 2ºs réus e a interveniente não informaram a recorrente quando autorizaram a sua instalação e ligação ao tubo cerâmico (cfr. itens 9; 16 e 17 da matéria assente de fls.);

26ª – É um facto incontroverso, conditio sine qua non, a chaminé, malgrado resistente e condutor de calor, estar encostada ao travejamento em madeira e com “precária” saída dos gases para o exterior, a causa da ignição do fogo.

27º - Nenhuma incúria, falta de zelo, pode ser assacada à recorrente, a saber: a salamandra era nova e foi adquirida e montada na 1ª fase por pessoa especializada; não manifestava fumo, ruído estranho, odor a queimado, fio, cabo, tomada e interruptor deteriorado; ligava nos dias mais frios quando saía do trabalho, geralmente a partir das 19:00 até às 22:00 horas e desligava sempre quando se deitava, pese embora aos fins de semana prolongar o aquecimento das 11:30 às 19:30 horas, não de forma contínua, com períodos intervalados de cerca de 2 horas; a temperatura rondava os 21º a 24º graus; sempre que tinha o recuperador a funcionar nunca abandonava a residência: não tinha materiais inflamáveis junto do equipamento.

28º - A recorrente tomou todas as medidas a evitar qualquer ponto de ignição causado pela salamandra, cumprindo ao abrigo do art. 350º, nº 2 do CC, o dever de vigilância, ilidindo assim, a presunção de culpa estabelecida no art. 493º, nº 1 do citado diploma substantivo.

29º - Os 2º réus e a interveniente, primitivos proprietários e usufrutuários depois da doação à procuradora filha, ao contrário da posição da Relação, não cumpriram o dever de vigilância que o RGEU lhes impunha, a fim de prevenir a fonte de riscos que a situação acarretava: chaminé junto ao travejamento em madeira do telhado e ao seu nível, não ilidindo assim, a presunção de culpa inserta no nº 1 do art. 493º.

30º - O facto da chaminé cerâmica se encontrar encostada ao travejamento da estrutura do telhado e ao seu nível, viola também o art. 114º e 128º do RGEU e o artigo 89ºj, nº 1 do DL nº 555/99, de 16/2.

31º - A colocação do recuperador não necessitava de licença camarária, dado que, este aparelho não é considerado perigoso (cfr. docs. de fls. 203), caso o fosse, o preceito legal aplicar ao litígio era o nº 2 do artigo 493º do CC, não o seu nº 1.

32º - Não subsistem dúvidas, em contramão com a Relação, que compete ao proprietário do imóvel, os 2ºs réus, até à doação em 28-09-2016, figurando depois como usufrutuários do 241/243 e à interveniente “proprietária radiciária” e procuradora dos progenitores por instrumento de procuração outorgadas em 21-05-2002 e 01-04-2013, o dever de o vigiar, a fim de prevenir perigo, visando precaver o seu nascimento e a forma e de o eliminar. Manifesto é, que o dever de vigilância é do proprietário (ou usufrutuário) ressalvando as exceções do art. 1038º, al.) do CC. Era dos 2ºs réus e interveniente a obrigação de vigilância, de velar do estado de conservação do locado, executando obras de conservação ordinária e extraordinária, evitando riscos à integridade de pessoa e bens (artigos 1074º C e 128º do RGEU e artigos 89º, nº 1 do DL nº 555/99, de 16/2).

33º - Da leitura do art. 1305º ressalta que o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas. Sendo assim, depreende-se do identificado preceito o dever de vigilância do proprietário do imóvel (2ºs réus e interveniente) de modo a prevenir vícios ou defeitos, suscetíveis de causar danos a terceiros e àqueles que nele habitam, como de proceder à sua conservação, acautelando que nele não surjam patologias (in casu, a chaminé junto à estrutura em madeira do telhado e ao seu nível) causadoras de estragos em outros imóveis que lhe possam ser contíguos, razão da presunção de culpa consagrada no art. 493º CC.

34º - Numa interpretação, funcionalmente adequada do nº 1 do artigo 493º do CC, a instalação da salamandra nos moldes como se procedeu, reforça a ideia que a recorrente cumpriu com o dever de vigilância, nunca esmorecendo ou se isentando de tal obrigação, o incêndio não resultou de negligência, inadequação no manuseamento ou na violação das regras de segurança na utilização do aparelho e respetiva ligação à chaminé do tubo em inox, cumprindo a alegante, rigorosamente com os poderes de controle que caracterizam um dever de guarda e vigilância, fundamentador da presunção de culpa, afastando-a: na verdade que outras medidas de precaução poderiam ser exigíveis à recorrente, além daquelas que ela proveu.

35º - Escrutinando e esmiuçando a matéria de facto e prova, ao invés do acórdão em crise, o padrão de conduta exigível à recorrente é aferido ao de uma pessoa razoável colocada nas mesmas circunstâncias em consideração à perigosidade do meio utilizado, a perícia que é de esperar da pessoa que com ele tem a detenção material, da previsibilidade do dano, métodos preventivos ou alternativos, pressupostos estes, integralmente respeitados pela alegante na instalação e utilização do recuperador.

36º - A recorrente na colocação do recuperador de calor e ligação do tubo em inox à chaminé cerâmica não praticou nenhum ato ilícito traduzido num dever por ele imposto, pela lei, não violou nenhum dever jurídico, como não se descortina no caso subjudice a sua culpa, ou juízo de reprovabilidade pessoal na sua conduta face às circunstâncias específica do caso, seja na modalidade do dolo ou mera negligência, dos autos não se destaca à luz da diligência de uma pessoa normal (bónus pater familiae) medianamente prudente, sagaz e cuidadosa, qualquer censura na colocação da salamandra, ligação à chaminé e na sua funcionalidade: ao invés é um atentado à lei deveras reprovável, contra as mais elementares regras do senso comum, uma chaminé encostada a um travejamento em madeira, e ao nível do telhado.

37º - É flagrante a ilicitude e culpa dos 2ºs réus e interveniente, ou seja, o nexo de casualidade entre a ignição do incêndio e a circunstância do tubo cerâmico se encontrar encostado ao travejamento que suporta o telhado ao nível.

38º - Os 2ºs réus e interveniente, não obstante o contrato de arrendamento, continuaram a ter a posse efetiva do 241 que lhes impunha um dever de vigilância que a chaminé cerâmica, quando no ano de 2014 autorizaram a relatada ligação, não oferecia riscos à recorrente. Eram responsáveis no zelo e manutenção do tubo cerâmico, não a recorrente detentora precária, de forma a prevenir o surgimento de vícios ou defeitos, nomeadamente do tubo cerâmico se encontrar encostado ao travejamento do telhado, situação esta grave, não retificada nas sucessivas obras a que foi submetido o locado, não logrando assim, os 2ºs réus e a interveniente (que não informou que o tubo se encontrava encostado ao travejamento em madeira) a afastar a presunção de culpa disciplinada no art. 493º, nº 1 do CC.

39º - Pelos argumentos esgrimidos, a recorrente ao abrigo do artigo 350º, nº 2 do CC logrou ilidir a presunção de culpa que sobre ela incidia, devendo ser absolvida do pagamento aos autores de qualquer indemnização por danos patrimoniais e morais,  caso, assim, não se entenda, ao abrigo dos artigos 494º e 497º do CC, distinguindo a culpa consoante o seu grau de intensidade, categoricamente a culpa da alegante é muito mais contida, daí, ser justo que a indemnização a liquidar seja graduada em montante muito inferior em relação aos 2ºs réus e à interveniente, na realidade foram eles que violaram os artigos 110º, nº 1; 111º; 113º; 114º e 128º do RGEU; artigo nº 89º, nº 1 do DL nº 555/99, de 16/2 e artigo 6º do DL nº 307/2009, de 23/10; artigo 1031º, alínea b) e 1074º, nº 1 CC.

40º - A sentença violou o artigo 19º do RICUH; 110º, nº 1; 111º; 113º; 114º e 128º do RGEU; artigo 19º RICUH; 89º, nº 1 do DL nº 555/99, de 16/2 alterado pelo DL 136/2014, de 9/9; art. 6º do DL nº 307/2009 de 23/10 alterado pela Lei nº 32/2012 de 14/8: 350º, nº 2; 483º; 492º, nº 2; 493º, nº 1; 1031º, al. b); 1032º, al. a); 1033º; 1074º; 1439º; 1446º; 14449º; 1472º e 1473º do CC.”


Não houve contra-alegações quando ao conteúdo dos respectivos recursos tendo apenas os autores sustentado a inadmissibilidade do recurso da ré.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

… …

 Fundamentação

Está provada a seguinte matéria de facto:

“1. Está descrito na Conservatória dos Registos Predial, Comercial e Automóveis……, sob o número ………05, o prédio urbano sito na Rua…………, em nome de BB, que aí figura como adquirente, no estado de solteira.

2. Por escrito particular datado de 1 de Novembro de 2013, junto a fls. 14 (verso) ss., os ora segundos réus declararam ceder à primeira ré, para habitação, o gozo do prédio ali identificado, sito na Rua………., pelo prazo de cinco anos, contra o pagamento de uma renda, em duodécimos de € 250,00, tendo a primeira ré declarado aceitar que “com excepção das de conservação e de limpeza – que ficam a seu cargo – a arrendatária não pode fazer obras sem autorização prévia dos senhorios, dada por escrito reconhecido (…)” - cláusula 7ª.

3. No dia 13 de Janeiro de 2017, pelas 23.30 horas, na Rua………, deflagrou um incêndio.

4. O incêndio iniciou-se ao nível do telhado da habitação com o n.º…….

5. Havia um tubo em cerâmica, embutido na parede, ligado à cozinha sita no rés-do-chão do prédio mencionado em 2).

6. (…) tendo sido aproveitado na instalação de uma salamandra a pellets, por parte da ré CC.

7. Dado o referido em 6), nas circunstâncias de tempo mencionadas em 3), o tubo fazia a exaustão dos gases de combustão do recuperador de calor (salamandra) a pellets colocado pela 1ª ré.

8. A tubagem que ligava à salamandra a pellets era feita em inox, visando aguentar a emissão de gases e a respectiva combustão e, bem assim, suportar o calor proveniente daquele aparelho.

9. De acordo com o aproveitamento referido em 6) e 7), os gases de combustão da salamandra saíam do tubo em inox mencionado em 8) e eram encaminhados para o tubo em cerâmica referido em 5), que passava, na parede, pelo exterior, ao lado da janela da cozinha, prolongando-se na vertical e atravessando a varanda, terminando no telhado, junto da estrutura em madeira.

10. O tubo em inox referido em 8) e 9) terminava antes da saída para o ar exterior, no interior do tubo de cerâmica.

11. O incêndio ocorreu por ignição das madeiras do telhado, como resultado da deterioração e posterior volatilização das mesmas.

12. Aquando da colocação da salamandra, não foi requerido nem obtido licenciamento camarário para o efeito.

13. A ré FF Fernandes, que na altura havia sido encarregada pelos seus pais, ora réus DD e EE, para os assuntos do prédio referido em 2), foi chamada a esse prédio numa altura em que já estava colocada a salamandra a pellets.

14. Aquando do referido em 13), o tubo em inox estava a deitar para um pátio exterior da casa, formando um ângulo de 90º sobre a janela de caixilharia branca aí existente, não estando ainda a ser usado o tubo de cerâmica referido em 5) e 6).

15. Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 13) e 14), foi adiantada a hipótese de se efectuar a ligação do tubo em inox à chaminé, para que os gases da salamandra não fossem expelidos para o pátio.

16. Aquando do referido em 13) a 15), a ré FF afirmou que a tubagem em inox não poderia estar zona visível, por o imóvel integrar o centro histórico, nada tendo oposto à hipótese referida em 15).

17. Nessa altura, a ré FF não informou que o tubo em cerâmica terminava no telhado, junto a uma estrutura em madeira.

18. Na sequência do referido em 12) a 17), os réus DD e EE foram informados, pela ré FF, da colocação da salamandra de pellets.

19. O incêndio propagou-se aos prédios contíguos, designadamente ao telhado do prédio referido em 1), onde os autores residiam.

20. Na moradia dos autores, o incêndio destruiu o telhado, dois quartos e a casa de banho, o 1º andar, cujo tecto da sala desabou e, por via disso, partiu a mesa da sala e as escadas de acesso ao 2º andar destruindo o recheio da casa.

21. Para a reconstrução da casa será necessário despender a quantia de € 34.000,00.

22. Para adquirir mobiliário idêntico ao que ficou destruído, os autores terão de despender € 6.202,40.

23. E ainda € 990,03 para aquisição de uma televisão e um ar condicionado idênticos aos que ficaram totalmente destruídos.

24. O autor marido ficou sem todos os casacos, calças, camisas, pólos, camisolas/malhas, roupa interior, sapatos, sobretudos e kispos que se encontravam nos armários da zona ardida, em valor não inferior € 4.000,00.

25. A autora mulher ficou sem a maioria dos vestidos, casacos, blasers, saias, calças, camisolas/malhas, sapatos, carteiras e toda a sua roupa interior, tudo em valor não inferior a € 5.000,00.

26. A filha dos autores ficou sem todos os brinquedos que tinha no quarto, sem a sua roupa interior, vestidos, saias, camisolas/malhas, calças, T-shirts e sapatos, tudo em valor não inferior a € 3.000,00.

27. Os autores tiveram que se deslocar até……., onde têm outra habitação, para pernoitar na noite do incêndio, suportando despesas de deslocação de valor não inferior a € 16,00.

28. Os autores sofreram pânico, medo, frustração, dor e sofrimento ao constatarem, em sobressalto, as chamas que entravam pelo telhado da sua habitação e, que começavam a dominar a sua casa, bem como desesperança, insónias e tristeza por perceberem que iam ficar sem a casa e sem os bens.

29. Os dois filhos dos autores passaram por momentos de pânico que acarretam angústia e preocupação nos autores.

30. A ré CC é funcionária …… e aufere um salário líquido de € 958,00.

31. Paga ao Banco prestações mensais no valor de € 298,86 por um empréstimo contraído.

32. “Por escritura pública datada de 28.09.2016, DD e EE declararam doar a FF o prédio urbano composto de casa de rés-do-chão e primeiro andar, sito na Rua……, com reserva de usufruto simultâneo, sucessivo e vitalício, a favor dos doadores”.

33. À data em que foi instalada a salamandra, a habitação referida no artigo 4º da p.i. estava situada em área classificada como imóvel de interesse público, localizado na zona especial de protecção da área classificada como Património Cultural da Humanidade pela Unesco.

34. Na rua onde se localiza o edifício em questão há uma prevalência de edifícios construídos com os sistemas tradicionais em estruturas de madeira no seu interior e exteriormente e alvenaria de granito e/ou taipa de rodízio e fasquio.

35. A ré CC tinha acesso ao sótão através de um dos quartos da habitação, carecendo de umas escadas ou de se colocar em cima de objetos para nele conseguir entrar.

36. A ré CC ligava a salamandra nos dias mais frios, geralmente a partir das 19.00 horas, até às 22.00 horas, e aos fins de semana desde as 11.30 horas até às 19.00 horas.

37. A temperatura máxima do recuperador era regulada através de um potenciador de 1 a 5, nivelando-a a ré, normalmente, no nível 3, sempre entre os 21º

38. Em data não concretamente apurada, mas que se situará entre 1993/1994, os réus DD e EE fizeram obras no telhado e nas fachadas, no âmbito de um programa desenvolvido pela Câmara Municipal .........., obras essas acompanhadas pela ora ré FF.

39. Em 2011, a mando dos réus DD e EE foram substituídas algumas telhas, caibros e ripes, numa intervenção que teve o custo de € 1.845,00.

40. Em 2013 foi feita uma intervenção nas paredes interiores, a mando dos réus DD e EE e com acompanhamento da obra por FF.

      … …

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido nos arts. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.

O conhecimento das questões a resolver, delimitadas pelas alegações, importa em saber, quanto ao recurso dos autores, se a interveniente Emanuel Fernandes deve ser condenada solidariamente com a ré, como o havia sido em primeira instância. E quanto ao recurso da ré, admitido na reclamação, o seu objecto restringe-se a saber, igualmente que no recurso dos autores, se a condenação da ré recorrente deve ser singular e exclusiva ou solidariamente com a da interveniente.

… …

 No que se refere à revista interposta pela primeira ré, CC, não obstante as suas conclusões se estendam a domínios que questionam a sua responsabilidade, protestando a absolvição ou, pelo menos, que os restantes réus e a interveniente sejam condenados solidariamente, com percentagem maior que a sua, cumpre desde já deixar esclarecido que o objecto conhecível e admitido da sua revista se circunscreve exclusivamente à questão assinalada de saber se a interveniente FF deve responder (sendo condenada) solidariamente pela condenação já determinada e com os limites que já se encontram definidos para a ré CC.

A sentença proferida condenou a ré, ora reclamante, a pagar aos autores as quantias que aí fixou e, nessa parte, a apelação confirmou essa condenação pelas mesmas razões e fundamentos, com base nos mesmos institutos jurídicos, da mesma maneira que ambas as decisões absolveram os réus DD e EE. Isto é, quanto àquela condenação e absolvição formou-se dupla conforme uma vez que não só a decisão é a mesma como os fundamentos são iguais, não podendo, pois, discutir-se em revista nem uma nem outra (nem a condenação e seus termos nem a absolvição).

A diferença entre a condenação determinada na sentença e na apelação consiste somente em esta última não ter responsabilizado solidariamente a interveniente FF Fernandes, o que resultou da óbvia circunstância de a ter absolvido. Só nesta parte e com essa extensão foi admitido o recurso da ré o que, em verdade, coincide com o objecto da revista dos autores que apenas questionam a absolvição da interveniente, reclamando a revogação da apelação e a sua condenação solidária.

Nesta conformidade, deixa-se esclarecido que é um e único o objecto de ambas as revistas e que, neste âmbito, é inadmissível a discussão recursiva, quer sobre a condenação da ré CC e sua extensão, quer sobre a absolvição dos réus DD e EE, matérias que se encontram definitivamente julgadas nos termos antes explicados.

… …

Quanto à responsabilidade da interveniente FF, a ré defende que a razão, causa e efeito do incêndio, se deveu, exclusivamente, à circunstância da chaminé cerâmica se encontrar encostada ao travejamento em madeira que suporta a estrutura do telhado. Ou seja, se a chaminé respeitasse o RGEU o incêndio não teria deflagrado.

Uma primeira observação evidenciada na decisão recorrida incide no facto de uma chaminé cerâmica, um condutor de calor, se localizar junto à madeira, o que apresenta um elevado risco de inflamabilidade que, como certificado pela prova, constituiu causa necessária e direta do incêndio e sua propagação.

A previsão legal do art. 108 do do RGEU estabelece que “Os compartimentos das habitações e quaisquer outros destinados à permanência de pessoas nas quais se preveja que venham a funcionar aparelhos de aquecimento por combustão serão providos dos dispositivos necessários para a sua ventilação e completa evacuação dos gases ou fumos suscetíveis de prejudicar a saúde ou o bem-estar dos ocupantes”. E o art. 11 do mesmo diploma regula que “As chaminés de cozinha ou de aparelhos de aquecimento e as condutas de fumo serão construídas com materiais incombustíveis e ficarão afastadas, pelo menos, 0,20 m de qualquer peça de madeira ou de outro material combustível (…)”, acrescentando o art. 113 que “As condutas de fumo elevar-se-ão, em regra, pelo menos, 0,50 m acima da parte mais elevada das coberturas do prédio e, bem assim, das edificações contíguas existentes num raio de 10 metros.”

Aos normativos citados acresce o art. 6 do D.L 307/2009, de 23 de outubro, regulador do regime jurídico da reabilitação urbana, alterado pela Lei nº 32/2012 de 14 de agosto, que estabelece que “Os proprietários de edifícios ou frações têm o dever de assegurar a sua reabilitação, nomeadamente realizando todas as obras necessárias à manutenção ou reposição da sua segurança, salubridade e arranjo estético, nos termos previstos no presente decreto-lei”.

Num quadro de explicação, a prova evidencia que entre 1993/1994 os segundos réus fizeram obras no telhado e nas paredes da casa arrendada à recorrente, no âmbito de um programa desenvolvido pela Câmara Municipal .........., obras essas acompanhadas pela interveniente FF; em 2011, a habitação sofreu uma intervenção de substituição de algumas, caibros e ripes e, em 2013, uma intervenção nas paredes interiores, também com o acompanhamento da interveniente.

Por seu turno, a ré como arrendatária pretendeu instalar para seu conforto e comodidade uma salamandra de aquecimento e procedeu à sua instalação, a qual constava inicialmente de um tubo de inox para exaustão que ligava a saída dos fumos do aparelho ao exterior, deitando para um pátio da casa, formando um ângulo de 90º sobre a janela aí existente. Isto é, de forma que, quer no processo de instalação quer no de utilização pudesse ter a possibilidade de total controlo e visualização do percurso do tubo entre a ligação à salamandra e a saída para o exterior. Porém, ao constatar presencialmente essa instalação, a interveniente FF, informou a ré arrendatária  que a tubagem em inox não poderia estar visível, por o imóvel integrar o centro histórico, não se opondo a que a instalação fosse alterada passando o tubo em inox a ficar ligado à chaminé existente no arrendado, para que os gases da salamandra não fossem expelidos para o pátio, revelando ainda a prova que a interveniente não informou que o tubo em cerâmica/chaminé terminava no telhado, junto a uma estrutura em madeira.

Alterando a instalação que inicialmente havia feito, a ré arrendatária procedeu então à ligação do tubo inox que saía da salamandra a um tubo em cerâmica/chaminé, embutido na parede, ligado à cozinha sita no rés-do-chão do prédio, que passava, na parede, pelo exterior, ao lado da janela da cozinha, prolongava-se na vertical e atravessando a varanda, terminava no telhado, junto da estrutura em madeira. Porém, o tubo inox, terminava (no interior do tubo de cerâmica) antes da saída para o ar exterior.

Perante este circunstancialismo a decisão recorrida excluiu a responsabilidade da interveniente FF sustentando que a ré arrendatária CC sabia que o prédio foi construído antes da entrada em vigor do aludido RGEU e que não podia confiar que a antiga chaminé em cerâmica estivesse afastada da estrutura de madeira ao nível do telhado. Por isso, ao encaixar nela o tubo de inox condutor dos gases da salamandra sem o elevar acima da cobertura do prédio não acautelou a exposição ao calor da madeira do telhado encostada à chaminé de cerâmica, dela distanciando e isolando o tubo de inox, e elevando-o acima em pelo menos 0,50m acima da cobertura, dever de diligência que violou de forma flagrante e foi causa do incêndio, cabendo-lhe toda a responsabilidade pelo mesmo.

Em análise, crendo não poder dizer-se com rigor que a ré CC sabia que o prédio tinha sido construído antes da entrada em vigor do RGEU, uma vez que essa é uma consideração que comporta uma densidade normativa traduzida em ter de se reconhecer que aquela ré sabia da existência de um RGEU e a data da sua entrada em vigor, o que é importante e útil é sublinhar que a ré recorrente sabia a data em que celebrou o contrato e sabia também, ou devia saber, que para instalar a salamandra, devia proceder com todo o cuidado, cumprindo as regras de segurança legalmente previstas, e sem confiar que a antiga chaminé, em cerâmica ou noutro material, permitiria uma boa exaustão dos fumos ou que estaria afastada em termos de total segurança da estrutura de madeira ao nível do telhado. Quem procede à instalação de uma salamandra a menos que a casa esteja provida de dispositivos de exaustão certificados que tenham sido comunicados por quem a vende ou cede, v.g. em arrendamento, tem a responsabilidade de se certificar que essa instalação que realiza está de acordo com as normas de segurança e estas são as estabelecidos no RGEU nos artºs 111 a 113 já antes citados.

Ora, o tubo inox de exaustão dos fumos da salamandra instalado pela ré arrendatária não se elevava a pelo menos 0,50 cms da cobertura do prédio, tendo sido conduzido para o interior da chaminé existente na casa, a qual era constituída por um tubo cerâmico embutido na parede e ligado à cozinha no rés-do-chão do prédio. A partir do ponto em que o tubo inox entrava na chaminé, elevava-se nesta, mas terminava antes da saída para o ar exterior.

Estando definida já na decisão recorrida a responsabilidade da ré nos termos que para melhor exposição acabamos de revisitar, no concreto da responsabilidade da interveniente, confirmamos que ela era a proprietária de raiz do prédio arrendado, tomou conhecimento de que a ré instalara a salamandra e, perante o contacto directo e presencial com essa instalação não se lhe opôs, o que significa ter autorizado, recusando tão só que a instalação pudesse continuar como estava, com ligação directa para o pátio em ângulo recto sobre a janela. E não se tendo apurado se foi a interveniente quem o sugeriu, ficou pelo menos demonstrado, que ao ter sido falada a hipótese de efectuar a ligação do tubo em inox à chaminé existente na casa, a ré interveniente, proprietária do imóvel, nada opôs a essa hipótese e nada informou.

O art. 492º do Código Civil, sob a epígrafe «Danos causados por edifícios ou outras obras» estabelece:

“1. O proprietário ou possuidor de edifício ou outra obra que ruir, no todo ou em parte, por vício de construção ou defeito de conservação, responde pelos danos causados, salvo se provar que não houve culpa da sua parte ou que, mesmo com a diligência devida, se não teriam evitado os danos.

2. A pessoa obrigada, por lei ou negócio jurídico, a conservar o edifício ou obra, responde, em lugar do proprietário ou possuidor, quando os danos forem devidos exclusivamente a defeito de conservação.”

O art. 493º do mesmo Código, sob a epígrafe “Danos causados por coisas, animais ou actividades” dispõe que “1. Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo de vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.

2. Quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa pela sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir.»

Em nenhum destes normativos se consagra uma responsabilidade objectiva, antes se estabelece presunção de culpa que implica uma inversão do ónus da prova, mas é ilidível mediante prova em contrário (art. 350º nº 1 do Código Civil).

No art. 492º nº 1 a presunção de culpa do proprietário ou do possuidor só funciona se houver ruína total ou parcial do edifício ou da obra tiver sido causada por vício de construção ou defeito de conservação, competindo-lhe provar então que não houve culpa da sua parte ou que, mesmo com a diligência devida, se não teriam evitado os danos. No art. 493º o funcionamento da presunção de culpa não tem como pressuposto qualquer vício de construção ou defeito de conservação, mas tão só o dever de vigilância da coisa por parte de quem a tem em seu poder com o dever de a vigiar.

No campo de aplicação de cada um destes preceitos atende-se a que a previsão do primeiro (do 492) comporta apenas os casos de ruína – vd. ac. do STJ de 15/11/2007 (CJ XV, 3º, 156) e Pires de Lima/Antunes Varela CC anotado.  O art. 492º do C. C. consagra “o dever de conservação do prédio, para que ruindo, não cause danos a outrem, enquanto o art. 493º consagra o dever de prevenção do dano por parte de quem exerce actividade perigosa” -  cfr. Antunes Varela , in RLJ 114, 79 - sendo que, a perigosidade não pode ser apreciada apenas em função da natureza da coisa, mas também, em função dos meios utilizados ou até do próprio resultado, existindo, no entanto, diferenciação entre a aplicabilidade do n.º 1 e n.º 2 deste artigo, pressupondo o n.º 1 um dever de vigilância da parte do imputado responsável, enquanto no n.º 2 é o carácter perigoso da actividade exercida que produz só por si a responsabilidade de quem a exerce.

A exaustão de fumos de um prédio que se processe através de canalização interior, cremos não poder deixar de ser enquadrada, entre as coisas que oferecem perigosidade, decorrente da forma como os fumos são transportados e, por tal, sujeita a especial dever de vigilância. Com efeito, apesar de não encontrarmos no ordenamento jurídico uma norma especial determinando aos proprietários de um edifício o dever de fiscalizarem o estado das chaminés, o dever de vigilância neste âmbito pode extrair-se do Regime Jurídico da Segurança Contra Incêndio em Edifícios (Decreto-Lei n.º 220/2008, de 12 de Novembro), e do citado Regime Jurídico da Urbanização e Edificação - vd. ac. RC de 10-12-2020 no proc.  323/17.0T8SRT.C1, in dgsi.pt.

Com efeito, segundo o n.º 3 do artigo 6.º do Regime Jurídico da Segurança Contra Incêndio em Edifícios, combinado com a alínea a) do n.º 1 do artigo 8.º do mesmo diploma, a manutenção das condições de segurança contra risco de incêndio em edifícios destinados a habitação é da responsabilidade dos respectivos proprietários, com excepção das suas partes comuns na propriedade horizontal, que são da responsabilidade do administrador do condomínio. Por sua vez, nos termos do artigo 89.º do Decreto-Lei sobre Urbanização e Edificação, as edificações devem ser objeto de obras de conservação pelo menos uma vez em cada período de oito anos, devendo o proprietário, independentemente desse prazo, realizar todas as obras necessárias à manutenção da sua segurança, salubridade e arranjo estético. Segundo o artigo 2.º, n.º 1, alínea f), do mesmo diploma são Obras de conservação, as obras destinadas a manter uma edificação nas condições existentes à data da sua construção, reconstrução, ampliação ou alteração, designadamente as obras de restauro, reparação ou limpeza.

Se uma chaminé, em qualquer circunstância e em qualquer material, comporta o risco para a segurança do edifício, sendo o mais comum mas não único o de acumulação de fuligem que é inflamável, e se o proprietário tem o dever de manter o edifício em condições de segurança contra o risco de incêndio, é de concluir que a interveniente FF, enquanto proprietária do edifício, tinha o dever de vigiar o estado da chaminé de modo a permitir, quer a limpeza das condutas de evacuação dos gases a que se destinava, quer a conformidade da sua construção por referência às normas reguladoras (v.g. que estava construída com materiais incombustíveis; afastada pelo menos, 0,20m de qualquer peça de madeira ou de outro material combustível; que não dispunha de ângulos superiores a 30º e que se elevava (a própria chaminé) pelo menos, 0,50 m acima da parte mais elevada das coberturas do prédio e das edificações contíguas existentes num raio de 10 metros.

Podendo argumentar-se que o arrendado tinha sido construído em data anterior à da entrada em vigor das disposições legais onde estas obrigações estavam contidas, nesse caso, se a chaminé não satisfazia os requisitos - o que devia ser do conhecimento da proprietária-, impunha-se que a arrendatária tivesse sido informada que não poderia utilizar a chaminé para saída de gases e fumos, o que implicaria, se quisesse utilizar uma salamandra de aquecimento, a construção  de outra conduta não podendo contar com a chaminé para esse efeito, nomeadamente, fazendo então cumprir o tubo inox aquelas prerrogativas legais.

Se após uma primeira instalação da exaustão dos fumos da salamandra por parte da ré arrendatária, esta foi advertida pela proprietária quanto a não poder ter essa instalação nos termos em que se encontrava não tendo dado, como devia, indicações no sentido de que não poderia utilizar a chaminé porque esta não cumpria as determinações legais, terá de aplicar-se à responsabilidade da proprietária o art. 493º n.º 1 do Cód. Civil por o incêndio constituir um dano causado por coisa que aquela tinha a obrigação de conhecer nas suas características, vigiar e conservar.

Mesmo estando o imóvel dado de arrendamento e responsabilizando o art. 493 do CC, não o proprietário, mas sim “quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel com o dever de a vigiar”, tem de entender-se que são da responsabilidade do proprietário as obras de conservação ordinária e extraordinária requeridas pela lei - art. 1074 nº 1 do CC. E no caso esta disposição legal não sofria excepção uma vez que isso mesmo havia sido estabelecido no contrato de arrendamento na cláusula 7ª, como decorre do ponto 2 dos factos provados.

  No resumo de todas as observações, entende-se que para lá da responsabilidade já fixada da arrendatária ré CC pelo acidente e danos ocorridos, é igualmente responsável, e em igual proporção, a interveniente proprietária FF. Para lá de se presumir, quanto a esta, a culpa nos termos do nº 1 do art. 493º do CC, também se verifica a sua culpa efectiva uma vez que podia e devia ter agido de outro modo (informando) impedindo a colocação do tubo de extracção do fumo no interior de um outro, em cerâmica, que encostava às traves de madeira, manifestamente em violação com as disposições citadas do RGEU. Tendo omitido essa exigência devida actuou de forma negligente porque sabia que o seu comportamento omissivo podendo ter como consequência um resultado antijurídico, não adoptou um outro capaz de o evitar esperando aquele resultado não se verificasse ou, mesmo que ignorasse a possibilidade de ocorrência do resultado antijurídico este poderia ser evitado se usasse da diligência devida.

Deste modo, a responsabilidade da ré arrendatária CC concorre com a da interveniente FF Fernandes sendo ambas solidariamente responsáveis e em igual proporção pelos danos fixados.

Nesta conformidade procede a revista interposta pelos autores e em igual sentido a da ré CC, com o destaque de esta última ter apenas como objecto a apreciação da responsabilidade da interveniente.

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Síntese Conclusiva

- No art. 493 do CC o funcionamento da presunção de culpa aí estabelecida não tem como pressuposto qualquer vício de construção ou defeito de conservação, mas tão só o dever de vigilância da coisa por parte de quem a tem em seu poder com o dever de a vigiar;

- A exaustão de fumos de um prédio a que se procede através de canalização interior, enquadrada a previsão entre as coisas que oferecem perigosidade decorrente da forma como os fumos são transportados e por tal sujeita a dever de vigilância a cargo dos proprietários de um edifício de fiscalizarem o estado das chaminés, que se extrai do n.º 3 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 8.º do Regime Jurídico da Segurança Contra Incêndio em Edifícios (Decreto-Lei n.º 220/2008, de 12 de Novembro), e do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação.

- O dever de vigilância do proprietário não é excluído em caso de arrendamento porquanto é sobre aquele que incide a responsabilidade das obras de conservação ordinária e extraordinária - art. 1074 nº 1 do CC – nomeadamente quando no próprio contrato de arrendamento não impõem ao locatário essas obras.

- Incorre em responsabilidade o proprietário que ao ter conhecimento de que a arrendatária pretende instalar uma salamandra de aquecimento, não a informa de que a chaminé de exaustão de gases e fumo existente na casa não permite que nela se coloque o tubo inox de exaustão da salamandra, por não cumprir as exigências legais de segurança para as chaminés.

- Responde solidariamente com a arrendatária, que na instalação da conduta de exaustão de fumos e gases de uma salamandra não procedeu de acordo com as regras legais, a proprietária do arrendado que sabendo como aquela pretendia fazer a instalação não a informou de que a chaminé onde se colocaria o tubo de exaustão não permitia essa finalidade, constituindo essa omissão um comportamento negligente.

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Decisão

Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a revista dos autores e igualmente nos termos fixados a revista da recorrente CC e, em consequência, acorda-se em revogar a decisão recorrida, na parte em que absolveu a interveniente FF que vai agora condenada a pagar aos autores solidariamente com a ré CC as quantias em que esta foi condenada na apelação.

No mais mantém-se a decisão recorrida.

Custas pela recorrida.


Lisboa, 28 de Outubro de 2021


Relator: Cons. Manuel Capelo

1º adjunto: Sr. Juiz Conselheiro Tibério Silva

2º adjunto: Sr.ª Juiz Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza