Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
212/06.3TBSBG.C2.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: RECURSO DE APELAÇÃO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
MODIFICABILIDADE DA DECISÃO DE FACTO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
ERRO DE JULGAMENTO
PODERES DA RELAÇÃO
PRINCÍPIO INQUISITÓRIO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 10/22/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE A REVISTA DOS AUTORES E NEGADA A DOS RÉUS
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 334.º, 1311.º, N.º1, 1312.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 640.º, N.º1, 662.º, N.ºS 1 E 2, ALÍNEAS A) E B).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 05/02/2015, PROCESSO N.º 2115/10.5TBBRR.L1.S2, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
1. O sentido e alcance dos requisitos formais de impugnação da decisão de facto previstos no n.º 1 do art.º 640.º do CPC devem ser equacionados à luz das razões que lhes estão subjacentes, mormente em função da economia do julgamento em sede de recurso de apelação e da natureza da própria decisão de facto.

2. O meio impugnatório mediante recurso para um tribunal superior não visa propriamente um novo julgamento global da causa, mas apenas uma reapreciação do julgamento proferido pelo tribunal a quo com vista a corrigir eventuais erros da decisão recorrida.

3. A decisão de facto tem por objeto os juízos probatórios parcelares, positivos ou negativos, sobre cada um dos factos relevantes, alcançando ainda a respetiva fundamentação ou motivação.

4. Neste quadro, a apreciação do erro de julgamento da decisão de facto é circunscrita aos pontos impugnados, embora, quanto à latitude da investigação probatória, o tribunal de recurso tenha um amplo poder inquisitório sobre a prova produzida que imponha decisão diversa, como decorre do preceituado no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, incluindo os mecanismos de renovação ou de produção dos novos meios de prova, nos exatos termos do n.º 2, alíneas a) e b), do mesmo artigo, sem estar adstrito aos meios de prova que tiverem sido convocados pelas partes e nem sequer aos indicados pelo tribunal recorrido.

5. São as referidas condicionantes da economia do julgamento do recurso e da natureza da decisão de facto que postulam o ónus, por banda da parte impugnante, de delimitar com precisão o objeto do recurso, ou seja, de definir as questões a reapreciar pelo tribunal ad quem, especificando os concretos pontos de facto ou juízos probatórios, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 640 do CPC.

6. Impõe-se também ao impugnante, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 640.º do CPC, o requisito formal de indicar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

7. O impugnante não satisfaz tais requisitos quando, como no caso vertente, omita completamente a especificação daqueles pontos, bem como a indicação da decisão a proferir sobre cada um deles, limitando-se a discorrer sobre o teor dos depoimentos convocados com afloramentos de um ou outro resultado probatório que entendem ter sido logrado na produção da prova.

Decisão Texto Integral:
I – Relatório



1. AA e cônjuge BB (A.A.) instauraram, em 18/09/2006, no Tribunal Judicial do Sabugal, ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, em que demandaram o Município do Sabugal (1.º R)[1] e CC e cônjuge DD (2.º R.R.), alegando, em resumo, que:

. Os A.A. são proprietários de um prédio rústico sito na freguesia do Sabugal que confronta com um campo desportivo do 1.º R. e com um prédio dos 2.°s R.R.;

. Em 1994, o 1.º R. efetuou obras de terraplanagem no referido campo desportivo, as quais deram origem a derrocadas de terra que vieram a desembocar nas propriedades dos A.A. e dos 2.ºs R.R., tendo o A. alertado o 1.º R. do sucedido e solicitado providências imediatas para impedir a queda continuada de entulho no seu terreno, sugerindo-lhe a construção de um muro ou de uma vedação consistente, o que nunca sucedeu, não tendo sido retirado o entulho;

. Em 2000 e 2003, o 1.º R. construiu uma passagem para acesso ao prédio dos 2°s R.R. através do prédio dos A.A., apropriando-se de uma área de 144 m2, destruindo o muro divisório entre o prédio dos A.A. e o dos 2.ºs R.R. e arrancando os respetivos marcos, o que fez sem o consentimento dos A.A.;

. Além disso, o 1.º R. procedeu às instalações, na sua propriedade, da eletricidade e da água, através do prédio dos A.A., sem autorização destes e sem ter sido efetuado qualquer tipo de pagamento a título de indemnização;  

. Também o 2.º R. deitou abaixo parte do muro na propriedade dos A.A., construído por estes, o qual acabou por cair em cima do A., provocando-lhe lesões graves;

. Tendo o A. colocado, entretanto, uma vedação no seu prédio, o 1.º R., em 05/07/2004, em vez de reparar os danos provocados, acusou o A. de ter colocado abusivamente vedação no espaço a que chama caminho público; 

. Com tal atuação dos R.R., os A.A. sofreram danos patrimoniais e não patrimoniais.

Concluíram os A.A., pedindo que os R.R. fossem condenados:

a) - a restituir-lhes a sua propriedade na totalidade e nas condições em que se encontrava antes da apropriação da sobredita parcela;

b) – a indemnizá-los no montante global de € 28.392,16, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, estes no valor de € 15.000,00;

c) – e, subsidiariamente, não sendo for possível a restituição da propriedade, a indemnizar os A.A., pela redução da propriedade, na quantia de € 9.000,00, acrescida do montante de € 28.392,16 pelos danos patrimoniais e não patrimoniais.


2. Os 2.ºs R.R. contestaram também mediante impugnação e reconvenção, pedindo que:

A – Se reconheça e declare que:

a) – prédio atualmente descrito sob o artigo 310.º da matriz rústica da freguesia de Sabugal corresponde e provêm integralmente do que se encontrou descrito na mesma matriz sob o artigo 2.345.º, anteriormente às avaliações matriciais rústicas operadas no concelho de Sabugal em 1989;

b) – a escritura sob doc. 2 da reconvenção (a fls. 148-152) contêm declarações falsas, no que concerne ao facto aquisitivo e ao modo de aquisição do prédio descrito atualmente sob o artigo 310.º da matriz rústica de Sabugal;

c) - o referido documento é falso e, em consequência, nulo e de nenhum efeito, enquanto título aquisitivo, por parte dos R.R., relativamente ao prédio descrito na matriz rústica da freguesia de Sabugal sob o artigo 310.º;

d) – o prédio descrito sob o dito artigo 310.º cedeu apenas 16 m2 de área para a rua aberta a nascente do mesmo prédio, no extremo norte junto ao portão de entrada do prédio dos 2.°s R.R.;

e) - o prédio descrito sob o mencionado artigo 310.° foi acrescentado, na sua confrontação nascente e no extremo sul, de área muito superior à referida em d), por área destacada do prédio adquirido pela 1.º R. para construção da Zona Desportiva de Sabugal;

f) - os A.A. se encontram compensados, a nível da área cedida para a rua, por maior área adquirida ao prédio da 1.º R.;

g) - os A.A. aceitaram a demarcação entre o seu prédio e a rua a nascente do mesmo, com a construção de muro divisório em blocos de cimento a expensas do 1.º R., com a altura média de 1,20 m e em toda a confinante nascente do seu prédio;

h) - o prédio atualmente descrito sob o sobredito artigo 310.º foi beneficiado pela abertura da rua e instalação na mesma, a nascente daquele prédio, de infra-estruturas elétricas, de água domiciliária e de telefone e acesso viário mais fácil;

B – Se comunique ao Cartório Notarial de Sabugal o teor da decisão a proferir para o competente averbamento;

C – Se ordene o cancelamento, na Conservatória do Registo Predial de Sabugal, da descrição n.º 02689/020422 e inscrição aquisitiva G-1 a ela anexa, relativas à escritura de fls. 148-152 e, em consequência, todos e quaisquer registos que porventura hajam sido feitos, posteriormente sobre o mencionado prédio.


3. O 1.º R. contestou mediante impugnação e reconvenção, pedindo a condenação dos A.A. a pagar-lhe uma indemnização, a título de crédito por benfeitorias, a liquidar em execução de sentença.

4. Os A.A. replicaram, sustentando a improcedência das pretensões reconvencionais e reiterando o petitório.

5. Proferido saneador tabelar e selecionada a matéria de facto tida por relevante com organização da base instrutória (fls. 256-269), realizou-se a audiência final, sendo decidida a matéria de facto controvertida pela forma constante do despacho de fls. 632-634, retificado a fls. 640.

6. Por fim, foi proferida sentença a fls. 645-669, datada de 16/05/2012, a julgar as pretensões reconvencionais improcedentes e a ação parcialmente procedente:

a) - condenando-se os R.R. a indemnizar os A.A. em quantia a liquidar em execução de sentença, correspondente ao valor da parcela de 99 m2 a que foi reduzida a respetiva propriedade, tratando-se de terreno agrícola e em valor a ser calculado antes das obras realizadas pela 1.º R. e pela Junta de Freguesia referidas na matéria de facto provada;

b) – Absolvendo-se os R.R. no mais.

7. Os A.A. apelaram daquela sentença, tendo o Tribunal da Relação de Coimbra anulado o julgamento com fundamento em omissão e deficiências das gravações da prova.

8. Repetida a audiência de julgamento, foi proferida nova sentença a fls. 806-830, datada de 08/10/2013, decidindo a ação nos mesmos termos anteriormente julgados.

9. Inconformados, os A.A. apelaram dela, em 19/11/2013, para o Tribunal da Relação de Coimbra, tendo o Exm.º Relator convidado os apelantes a apresentar novas conclusões, no prazo de cinco dias, em conformidade com a fundamentação aduzida, de modo a individualizar, de forma inequivocamente percetível, os concretos pontos de facto que consideravam incorretamente julgados e a indicar as normas jurídicas violadas, sob pena de não se conhecer do recurso facto, em vez de pedir pura e simplesmente a reapreciação de toda a prova produzida em 1.ª instância e de manifestar genérica discordância com o decidido.

Após a apresentação pelos Apelantes de novas conclusões, a fls. 1023-1039, foi proferido o acórdão de fls. 1064-1074, datado de 27/ 01/2015, no qual se considerou que tais conclusões eram prolixas, não satisfazendo as exigências do convite feito, pelo que se não tomava conhecimento do objeto do recurso quanto à impugnação da decisão de facto, tendo, no mais, julgado a apelação parcialmente procedente, reformando a sentença recorrida nos seguintes termos:

a) – Condenando-se o 1.º R., Município do Sabugal, a restituir aos A.A. a faixa de terreno ocupada, pertencentes a estes, bem como a retirar a caixa de eletricidade implantada no seu prédio, absolvendo o mesmo R. dos demais pedidos;

b) – Absolvendo-se os 2.ºs R.R. dos pedidos.

10. Inconformado com o assim decidido, veio o 1.º R., Município do Sabugal, recorrer de revista, pugnando pela revogação do acórdão recorrido para o que formulou as seguintes conclusões:

1.ª - Ao ordenar que fosse retirada a caixa de eletricidade da faixa de terreno ocupada e que o Município do Sabugal havia implementado há mais de 18 anos, o acórdão recorrido fez errada interpretação dos factos que as instâncias deram como provados, o que é fundamento da revista – art.º 722.º, nº 1, a) (redação do DL 303/2007);

2.ª – Há legitimo direito de retenção quanto à infra-estrutura cuja remoção foi ordenada, na medida em que a sua implementação visou materializar o bem-estar e qualidade de vida das populações, o que é estrita obrigação da Autarquia;

3.ª - Assim, a ordenada remoção constituiria um flagrante desrespeito dos preceitos constitucionais em vigor - artº 9.º, ex vi art.º 1.º e 2.º do CRP;

4.ª - E postergaria o princípio de ordem pública, consagrado no artigo 280.º, n.º2, do CC;

5.ª - Nesta decorrência, a solução jurídica encontrada na 1.ª instância consubstancia uma equitativa ponderação dos interesses em presença, razão pela qual deve ser mantida, nos seus precisos termos, revogando-se o acórdão recorrido.

11. Por sua vez, os A.A. também interpuseram revista, formulando as seguintes conclusões:

1.ª – Os A.A. cumpriram o preceituado nos artigos 685.°-A, n.º3, e 700.º, n.º l, alínea a), ambos do CPC, pelo que, deverá ser conhecido o recurso de facto na parte respeitante ao decaimento dos A.A., da matéria de que se recorre relativamente aos pontos referentes aos danos não patrimoniais, por não se tomar necessário, após a decisão da 2.ª Instância, conhecer do restante recurso de facto;

2.ª - Na propriedade dos A.A., sem a sua autorização e em seu prejuízo, foi implantada canalização de água pelo 1.ª R., violando, entre outros o art.º 1305.º do CC;

3.ª - Não havendo quaisquer restrições impostas por lei, como ficou provado, ao exercício do direito dos A.A. sobre a sua propriedade, de modo a impedir a continuação e renovação futura do dano, a canalização deverá ser retirada do seu prédio (vide, neste sentido, a fls. 18, último parágrafo e a fls. 19, 1.º parágrafo do acórdão de que se recorre parcialmente e Vaz Serra, BMJ 84.º, pág. 260 e RJJ Ano 110, pág. 157;

4.ª - A decisão proferida pela 1.ª - instância violou as normas contidas nos artigos 562.º e 1305.° do CC, pelo facto de não ter condenado o 1.º R. a retirar a referida canalização;

5.ª - Ao abrigo do art.º 562.º do CC, deverá o 1.º R. ser condenado a retirar toda a canalização ali implantada, assim como foi condenada, e bem, pelo acórdão recorrido, em situação idêntica a retirar a caixa de eletricidade;

6.ª – A propriedade dos A.A. estava murada e existia uma vedação que a 1a R. demoliu, acusando-os ilegalmente de terem delimitado o seu prédio em propriedade alheia;

7.ª - Tais atos danosos obrigaram os A.A. a abrirem uma vala e até a colocarem um monte de terra para impedir a passagem no seu prédio, violando o disposto nos artigos 1305.º e 1356.º do CC;

8.ª – O acórdão recorrido violou, mais uma vez, o disposto no art.º 562.º do CC, ao não condenar o 1.º R. a reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o dano que obriga à reparação;

9.ª - Assim, nos termos do art.º 562.° do CC, deverá o 1.º R. ser condenada a murar a propriedade dos A.A.;

10.ª - O acórdão recorrido condenou o 1.º R., e bem, a restituir aos A.A. a faixa de área ocupada na propriedade destes, mas não especificou qual a forma de o fazer (seguramente, por lapso);

11.ª - Ao abrigo (e para não haja violação e se cumpra o dispositivo) do art.º 562.º do CC, conjugado com o art.º 1305.º do CC, deverá o acórdão ser alterado, e consequentemente, deverá o 1.º R. ser condenado a retirar o muro, que ali implantou e que divide a área do terreno dos A.A. em duas partes, repondo assim toda a situação existente anteriormente aos danos sofridos pelos A.A., relativamente à referida faixa ocupada;

12.ª - Foi também violada a norma contida nos artigos 483.º e ss. e 496°, n° 1, do CC, pelo facto de o acórdão recorrido ter desconsiderado os danos não patrimoniais sofridos pelos A.A., embora reconhecendo que houve privação de uso (o que se deveria traduzir numa compensação, por privação de um objeto material que lhes pertence), mas refere também que não estão provados os danos concretos;

13.ª - De facto, os danos concretos estão referidos com exatidão no recurso de facto que não foi conhecido e a sentença da 1.ª Instância, apesar de referir que ambos os 1.º e 2.ºs R.R. criaram um obstáculo ao exercício do direito de propriedade dos A.A. e que a sua conduta ilícita correspondeu exatamente àquela a que os Recorrentes fizeram referência e que foi dada como provada, é omissa tanto no que concerne à prova documental como à exaustiva prova testemunhal sobre a matéria;

14.ª - Todavia, sucintamente, com referência à matéria de direito, os A.A. irão fundamentar os motivos porque devem ser ressarcidos com uma indemnização a título de danos não patrimoniais;

15.ª - Para os Recorrentes, pessoas idosas, doentes, humildes e honestas, em que a palavra e a honra fazem parte da sua vivência, a situação ilícita criada pelos R.R. conduziu-os a um sofrimento que não tem preço;

16.ª - Assistir constantemente, durante 19 anos, ao vandalismo cometido reiteradamente na sua propriedade, contra eles, e o desrespeito que por eles demonstraram e continuam a evidenciar, provocou-lhes dores físicas e morais, vexames, inibições, mal-estar, vergonha, angústia, ansiedade, perda de reputação e de respeito (no meio quase rural onde se deram os factos), privação da liberdade, diminuição do gozo de bens espirituais, insuscetíveis de avaliação pecuniária, como a saúde, os sentimentos, a vontade, a capacidade afetiva, a reserva da privacidade individual, a falta de prazer proporcionado pela vida e pelos bens materiais etc.

17.ª - Perante o mencionado, os A.A. merecem uma compensação, já que os R.R. agiram insensivelmente, com culpa e imoralmente contra aqueles, não podendo ficar impune;

18.ª - Os R.R. não podem continuar no tranquilo gozo de todos os seus direitos sem repararem todos os danos provocados, devendo assim pagar uma indemnização significativa e não meramente simbólica aos A.A. - neste sentido, vide GALVÃO TELLES, em “Direito das Obrigações”, 7.ª edição, Coimbra Editora, 1997, p. 382.; ANTUNES VARELA, “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 6.a Edição, Almedina, Coimbra, p. 571 e 630; PINTO MONTEIRO “Sobre a reparação dos danos morais”, in Revista Portuguesa do Dano Corporal, Ano I, n.º l, Coimbra, 1992, pp. 17 e ss. e o acórdão da RL, de 15/12/1994, in C.J., ano 94, Tomo II, p. 135;

19.ª - Deverão os R.R. ser condenados a pagar aos A.A., a título de indemnização por danos não patrimoniais, o valor que, muito por defeito, se quantifica em € 15.000,00;

Em síntese, concluem os A.A./Recorrentes que, face ao exposto, seja reconstituída a situação que existiria, se não se tivessem verificado os danos provocados pelos 1.º e 2.ºs R.R. que obrigaram à reparação, pelo que:

A – A decisão recorrida deverá ser mantida quanto à condenação do 1.º R. a restituir a faixa de terreno, por ele ocupada, na propriedade dos A.A. e a retirar a caixa de eletricidade que ali implantou, bem como nos demais pedidos de que se não recorrem;

B – A decisão recorrida deverá ser revogada e alterada na parte do decaimento dos A.A. da matéria de que recorrem;

C – Cumprido que foi o preceituado nos artigos 685.º-A, n.º 3, e 700.º, n.º 1, alínea a), do CPC, deverá ser conhecido o recurso de facto na parte respeitante ao decaimento dos A.A., quanto à matéria de que se recorre relativamente aos pontos referentes aos danos não patrimoniais;

D – Ao abrigo do artigo 562.º do CC, deverá o 1.º R ser condenado:

a) – a retirar toda a canalização da água que implantou no prédio dos A.A.;

b) – a murar o referido prédio;

c) – a remover o muro que se erigiu, destinado a dividir o prédio dos A.A. de modo a ocupar uma faixa de terreno no mesmo;

E – Ao abrigo do art.º 483.º e segs. e 496.º, n.º 1, do CC, deverão os 1.º e 2.ºs R.R. ser condenados a indemnizar os A.A., a título de danos não patrimoniais, na quantia de € 15.000,00, sendo a parcela de € 10.000,00 destinada a ressarcir os danos provocados ao A. e a de € 5.000,00 atinente a ressarcir os danos provocados à A..

12. Os 2.ºs R.R./Recorridos apresentaram contra-alegações a sustentar, no respeitante à pretendida condenação daqueles em indemnização, que:

- em primeira linha, o recurso deve ser rejeitado, nos termos do art.º 721.º, n.º 3, do CPC, na redação dada pelo Dec.-Lei n.º 303/2007, de 24-08, uma vez que, nessa parte, o acórdão recorrido confirmou a decisão da 1.ª instância sem voto de vencido;

- subsidiariamente, deverá ser negada revista por falta de fundamento factual e legal para alterar a decisão recorrida.

13. Também o 1.º R. contra-alegou, pugnando pela improcedência da revista interposta pelos A.A..


Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir.


II – Questão prévia sobre a admissibilidade da revista interposta pelos A.A.


Os 2.ºs R.R., recorridos na revista interposta pelos A.A., arguíram, em sede de contra-alegações, a inadmissibilidade desse recurso relativamente à impugnação do segmento decisório do acórdão recorrido que confirmou, sem voto de vencido, a sentença da 1.ª instância que absolveu os mesmos R.R. da pretensão indemnizatória, a título de danos não patrimoniais, no valor de € 15.000,00, contra eles deduzida pelos A.A., sustentando que tal recurso devia ser rejeitado, nos termos do n.º 3 do artigo 721.º do CPC, na redação dada pelo Dec.-Lei n.º 303/2007, de 24-08.

Mas sem razão.

Ora, nos termos da norma transitória do n.º 1 do art.º 7.º da Lei n.º 41/2013, de 26-06, em vigor desde 01/09/2013, no âmbito das ações instauradas antes de 1 de janeiro de 2008, aos recursos interpostos de decisões proferidas a partir de 01/09/2013, é aplicável o regime decorrente do Dec.-Lei n.º 303/2007, de 24-08, com as alterações introduzidas pela referida Lei, com exceção do n.º 3 do art.º 671.º do CPC.

Nessa base, a ressalva consagrada na parte final do n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 41/2013 veio salvaguardar o cabimento do recurso de revista em relação às ações instauradas antes de 1 de janeiro de 2008, em conformidade com as garantias expectáveis das partes à data da propositura da ação, à semelhança do que vem sucedendo com o valor das alçadas.

Por igual razão, o regime recursório introduzido pelo Dec.-Lei n.º 303/2007, em que se inseria a inovação de inadmissibilidade de revista em caso de dupla conforme nos termos do n.º 3 do art.º 721.º do CPC, só se aplicava aos processos iniciados a partir da data da entrada em vigor daquele Dec.-Lei, ou seja, a partir de 01/01/2008, inclusive, conforme o disposto, conjugadamente, nos artigos 11.º, n.º 1, e 12.º, n.º 1, desse diploma.

Em suma, nas ações instauradas antes de 1 de janeiro de 2008, não é aplicável ao recurso de revista a restrição decorrente da dupla conforme prevista no n.º 3 do atual artigo 671.º nem, por maioria de razão, a estabelecida no n.º 4 do precedente art.º 721.º do CPC.

Por outro lado, como é sabido, o valor da alçada a atender, para efeitos de cabimento do recurso, é o valor vigente à data da propositura da ação, o qual, relativamente à Relação, foi fixado pelo art.º 24.º da Lei n.º 3/99, de 13-1 (LOFTJ) em € 14.963,94, só sendo alterado para € 30.000,00 pelo Dec.-Lei n.º 303/2007, para os processos iniciados a partir de 1 de janeiro de 2008.

No caso vertente, estamos no âmbito de uma ação proposta em 2006, cujas decisões finais da 1.ª instância e da Relação foram proferidas, respetivamente, em 08/10/2013 e 27/ 01/2015, na qual os A.A. deduziram, além do mais, um pedido de condenação dos 2.ºs R.R. numa indemnização de € 28.392,16, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, estes no valor de € 15.000,00.

Sucede que tal pretensão foi julgada totalmente improcedente com a consequente absolvição dos 2.ºs R.R. desse pedido pela 1.ª instância e assim confirmado, sem voto de vencido, pelo Tribunal da Relação.

Face ao quadro normativo aplicável acima exposto, atento o valor da alçada da Relação vigente à data da propositura da ação, o valor da sucumbência dos A.A. quanto ao pedido aqui em referência, equivalente a € 15.000,00, e à não aplicabilidade ao caso do preceituado no n.º 4 do art.º 721.º do CPC, na redação dada pelo Dec.-Lei n.º 303/ 2007, mostra-se claro que o recurso de revista interposto pelos A.A. contra os 2.ºs R.R. tem perfeito cabimento, ao abrigo dos artigos 629.º, n.º 1, e 671.º, n.º 1, do CPC, na redação atual.

Termos em que improcede a questão prévia da inadmissibilidade da revista suscitada pelos 2.ºs R.R. 


III - Delimitação do objeto dos recursos


Como é sabido, no que aqui releva, o objeto do recurso é definido em função das conclusões formuladas pelo recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, e 639.º, n.º 1, do CPC.


Dentro de tais parâmetros, o objeto dos presentes recursos de revista compreende as seguintes questões:


A – No âmbito da revista interposta pelo 1.º R., a questão do erro na aplicação do direito à factualidade provada, no âmbito do segmento decisório em que se condenou aquele R. a retirar a caixa de eletricidade, implementada há mais de 18 anos, da ocupada faixa de terreno dos A.A., sem se atender ao relevo social dessa infra-estrutura para a população local, com violação dos preceitos constitucionais previstos nos 1.º, 2.º e 9.º da Constituição da República e do princípio de ordem pública, consagrado no artigo 280.º, n.º2, do CC;  

    

B – No âmbito da revista interposta pelos A.A.:

   (i) – A questão do alegado erro sobre a inobservância, por parte dos A.A./apelantes, dos requisitos formais da impugnação da decisão de facto, determinativo do não conhecimento, pelo Tribunal da Relação, de tal impugnação mas circunscrita à matéria pertinente aos alegados danos não patrimoniais; 

(ii) – A questão de fundo de alegado erro de direito, por não se ter condenado o 1.º R.: a) - a retirar toda a canalização da água que implantou no prédio dos A.A.; b) - a murar o referido prédio; c) – a remover o muro que se erigiu, destinado a dividir o prédio dos A.A., de modo a ocupar uma faixa de terreno no mesmo;

(iii) – A questão também de mérito de alegado erro de direito, consistente em não se condenar os 1.º e 2.ºs R.R. a indemnizar os A.A., a título de danos não patrimoniais, na quantia de € 15.000,00 (a parcela de € 10.000,00 destinada a ressarcir os danos provocados ao A. e a de € 5.000,00 atinente a ressarcir os danos provocados à A.).

 

Por razões de ordenação lógica, começaremos por apreciar as questões suscitadas na revista interposta pelos A.A., pela ordem acima indicada, para só depois disso apreciar o objeto da revista interposta pelo 1.º R..



IV – Fundamentação   

 

1. Factualidade dada como provada pelas Instâncias


Vem dada como provada pelas instâncias a factualidade que, para uma melhor compreensão de conjunto, aqui se reordena nos seguintes moldes:

1.1. Na Conservatória do Registo Predial do Sabugal, sob o n.° 02…, encontra-se descrito o prédio rústico composto de cultura de sequeiro, com a área total de 7.225 m2, sito no Sítio da ..., na freguesia do Sabugal, concelho do Sabugal, a confrontar do Norte com herdeiros de EE, do Sul com FF, do Nascente com herdeiros de GG e do Poente com HH, com o valor patrimonial de € 264,26, inscrito na matriz predial rústica respetiva sob o artigo 310.º – alínea A) dos factos assentes;

1.2. Pela cota G-1, correspondente à Ap. 01/…, foi inscrita a aquisição do referido prédio a favor de AA e mulher, BB, casados na comunhão geral, constando de tal inscrição que a aquisição se deu “por usucapião” – alínea B) dos factos assentes

1.3. A Conservatória do Registo Predial do Sabugal, sob o n.° 004…., está descrito o prédio rústico composto de terra centeeira bienal, com dois castanheiros, com a área total de 5.000 m2, sito em …, na freguesia do Sabugal, concelho do Sabugal, a confrontar do Norte com II, do Sul com JJ, do Nascente com KK e do Poente com LL e outro, com o valor patrimonial de 121$00, inscrito na matriz predial rústica respectiva sob o artigo 2.345.º – alínea C) dos factos assentes;

1.4. Pela cota G-1, correspondente à Ap. 02/…, foi inscrita a aquisição do referido prédio, em comum e sem determinação de parte ou direito, a favor de MM, c.c. NN, em comunhão geral; OO, viúva, PP, viúva, QQ, c.c. RR, em comunhão geral, e SS, c.c. TT, em comunhão geral, todos residentes no Sabugal, constando de tal inscrição que a aquisição se deu “por sucessão hereditária por óbito de UU e mulher, VV, c. em comunhão geral” alínea D) dos factos assentes;

1.5. Pela cota G-2, correspondente à Ap. 01/…, foi inscrita a aquisição do referido prédio a favor de XX, c.c. ZZ, em comunhão de adquiridos, Sabugal, constando de tal inscrição que a aquisição se deu “por compra” alínea E) dos factos assentes;

1.6. Pela cota G-3, correspondente à Ap. 01/…, foi inscrita a aquisição do referido prédio a favor de AA, c.c. BB na comunhão geral, 2, Rue du Petit Etang, França, constando de tal inscrição que a aquisição se deu “por compra” – alínea F) dos factos assentes;

1.7. Por escritura de compra e venda, outorgada a 21/12/1988, no Cartório Notarial de Sabugal, exarada de folhas 83 a folhas 84 do livro de notas número 313-A do referido cartório, XX e mulher, ZZ, casados segundo o regime de comunhão de adquiridos, naturais e residentes habitualmente na freguesia e concelho de Sabugal declararam que vendem, pelo preço de três milhões quinhentos e quarenta e cinco mil seiscentos e setenta e dois escudos, que já receberam, a AA, casado com BB segundo o regime de comunhão geral, natural da freguesia do Sabugal e residente habitualmente em 2, Rue du Petit Etang, em França, o seguinte prédio: uma terra de centeeira bienal com dois castanheiros, com a área de cinco mil metros quadrados, no sítio da …, limite da freguesia e concelho do Sabugal, a confrontar de Nascente com KK, do Poente com LL e outro, do Norte com II e do Sul com JJ, descrito na Conservatória do Registo Predial do Sabugal, registado a favor dos vendedores pela inscrição G dois e inscrito na matriz respectiva sob o artigo dois mil trezentos e quarenta e cinco, com o valor matricial de dois mil quatrocentos e vinte escudos. O segundo outorgante declarou que aceita esta venda nos termos expostos. Pelos outorgantes foi ainda declarado que os vendedores não possuem prédios rústicos contíguos – alínea G) dos factos assentes;

1.8. Por requerimento de retificação datado de 01/08/2000, o A. marido requereu ao Chefe de Finanças de Sabugal a retificação da área do prédio descrito em 1.1. de 6.500 m2 para 6.850 m2 – alínea K) dos factos assentes;

1.9. No dia 18/07/2001, o A. enviou uma carta dirigida ao Chefe da Repartição das Finanças do Concelho do Sabugal, que se encontra junta aos autos a fls. 142, cujo teor se dá aqui por reproduzido – alínea L) dos factos assentes;

1.10. Por requerimento datado de 18/07/2001, o A. marido pediu a anulação do requerimento aludido em 1.9 e solicitou a retificação da área do prédio para 7.225 m2 – alínea M) dos factos assentes;

1.11. Por escritura de justificação, outorgada a 28/09/2001, no Cartório Notarial de Sabugal, exarada de folhas 134 a folhas 135 verso do livro de notas número 21-D do referido cartório, AA e mulher, BB, casados sob o regime da comunhão geral, naturais da freguesia e concelho do Sabugal, residentes em 2, Rue do Petit Etang, França, declararam que, com exclusão de outrem, são donos e legítimos possuidores do seguinte prédio: rústico, sito na …, freguesia e concelho do Sabugal, composto de cultura de sequeiro, com a área de sete mil duzentos e vinte e cinco metros quadrados, confrontando do Norte com herdeiros de EE, do Sul com FF, do nascente com herdeiros de GG e do Poente com HH, não descrito na Conservatória do Registo Predial do Sabugal e inscrito sob o artigo 310.º da matriz respetiva, em nome do justificante marido, com o valor patrimonial de 52.980$00 e ao qual atribuem o valor de cinco milhões de escudos. Mais declararam que este prédio lhes veio à posse por doação não formalizada efetuada pelos pais do outorgante marido, UU e mulher, VV, já falecidos, residentes que foram no Sabugal, cerca do ano de mil novecentos e setenta e um. Ainda declararam que, não obstante a falta de título, sempre têm possuído o prédio desde essa data, praticando todos os atos materiais de uso e aproveitamento agrícola, nomeadamente cultivando, amanhando, semeando, colhendo os produtos semeados, designadamente trigo e centeio, aproveitando assim de todas as utilidades por ele proporcionadas, pagando as respetivas contribuições e impostos, com ânimo de quem exercita direito próprio, sendo reconhecidos como seus donos por toda a gente, fazendo-o de boa fé, por ignorarem lesar direito alheio, pacificamente, porque sem violência, contínua, porque nunca interrompida, e pública, porque à vista e com conhecimento de toda a gente, sem oposição de ninguém e tudo isto por um lapso de tempo superior a vinte anos. Também declararam que, dadas as enunciadas características de tal posse, adquiriram o dito prédio por usucapião, título esse que, por sua natureza não é suscetível de ser comprovado pelos meios normais

AAA, BBB e CCC declararam que confirmam inteiramente as declarações prestadas pelos primeiros outorgantes – alínea N) dos factos assentes;

1.12. O prédio descrito na matriz sob o artigo 310.º está descrito com a área de 6.500 m2 – resposta ao art.º 72.º da base instrutória;

1.13. Trata-se de um terreno agrícola – resposta ao art.º 88.º da base instrutória;

1.14. Os A.A. não tinham a certeza sobre a área do seu prédio – resposta ao art.º 71.º da base instrutória;

1.15. Em 1994, o 1.º R. efetuou obras de terraplanagem no campo desportivo do mesmo 1.º R. – resposta ao art.º 3.º da base instrutória;

1.16. Com a construção da zona desportiva, designadamente com a regularização e terraplanagem efetuadas, foram lançadas terras – resposta ao art.º 80.º da base instrutória;

1.17. O que deu origem a derrocadas de terra que vieram a desembocar nas propriedades dos A.A. e dos 2.°s R.R. – resposta ao art.º 4.º da base instrutória;

1.18. No dia 24/07/1994, o A. enviou ao 1.º R. a carta junta aos autos e constante de fls. 71, cujo teor se dá aqui por reproduzido – alínea H) dos factos assentes;

1.19. Em 24/07/1994, o 2.º R. solicitou ao 1.º R. providências imediatas de forma a impedir a queda continuada de entalho no seu terreno – alínea I) dos factos assentes;

1.20. O A. sugeriu ao 1.º R. a construção de um muro ou vedação consistente para impedir a queda do entulho – resposta ao art.º 7.º da base instrutória;

1.21. O 2.° R. pediu ao 1.º R. a edificação de um muro para evitar prejuízos – resposta ao art.º 8.º da base instrutória;

1.22. E pediu um acesso/passagem estável para o seu prédio – resposta ao art.º 9.º da base instrutória;

1.23. Sempre existiu uma passagem pública para o terreno dos 2.°s R.R. – alínea J) dos factos assentes;

1.24. Pediu ainda espaço e autorização para a canalização de gás e eletricidade – resposta ao art.º 10.º da base instrutória;

1.25. O 1.º R. procedeu à construção de um muro ao lado do prédio dos 2.°s R.R. – resposta ao art.º 12.º da base instrutória;

1.26. A vala destinada aos alicerces do muro foi efetuada na presença do A. marido e a mando do 1.º R. – resposta conjunta aos artigos 93.º, 111.º, 115.º e 116.º da base instrutória;

1.27. O 1.º R. alargou o caminho existente na linha divisória do prédio dos A.A. e 1.º R., ocupando a área de 145 m2 do prédio dos A.A. e cedendo-lhes 46 m2 – resposta conjunta aos artigos 13.º, 29.º, 32.º, 74.º, 75.º, 77.º, 78.º, 89.º, 92.º, 117.º e 118.º da base instrutória;

1.28. O 1.º R. procedeu à instalação de eletricidade e água – resposta ao art.º 39º da base instrutória;

1.29. Foram colocadas, na propriedade dos A.A., caixas de eletricidade – resposta ao art.º 40.º da base instrutória

1.30. A Junta de Freguesia do Sabugal procedeu ao pagamento da iluminação pública – resposta conjunta aos artigos 94.º e 95.º da base instrutória;

1.31. O 1.º R. instalou a rede de água domiciliária – resposta ao art.º 96.º da base instrutória;

1.32. O A. pode, querendo, aceder aos ramais de água, energia elétrica – resposta ao art.º 105.º da base instrutória;

1.33. Os A.A. abriram uma vala e colocaram um monte de terra de modo a impedir a sua passagem – resposta ao art.º 106.º da base instrutória;

1.34. E colocaram uma vedação em rede de arame ao longo da confinante nascente da rua – resposta ao art.º 107.º da base instrutória;

1.35. O 1.º R. retirou a rede, abriu alicerces com uma máquina sua e implantou o muro a expensas suas – resposta conjunta aos artigos 108.º, 109.º e 110.º da base instrutória;

1.36. Tal muro de vedação demarca o espaço da rua aberta no local do terreno dos A.A. – resposta ao art.º 112.º da base instrutória;

1.37. Aquele espaço possui as infra-estruturas essenciais, designadamente água, electricidade e telefone – resposta ao art.º 114.º da base instrutória

1.38. O Dr. DDD, então advogado do A., encetou negociações com o 2.° R., tendo acordado com este o pagamento da quantia de 800.000$00, tendo o 2.° R. rompido o acordo – resposta conjunta aos artigos 101.º e 102.º da base instrutória

1.39. No día 05/07/2004, o 1.º R. acusou o A. de este ter “colocado abusivamente vedação em espaço público” – resposta ao art.º 35.º da base instrutória;

1.40. Os A.A. já perfizeram 70 anos de idade – resposta ao art.º 52.º da base instrutória;

1.41. Os A.A. gozam de débil saúde – resposta ao art.º 53.º da base instrutória;

1.42. O A. está reformado por invalidez, com uma incapacidade de 80% – resposta ao art.º 54.º da base instrutória;

1.43. A A. tem uma saúde débil, tendo sido já sujeita a diversas intervenções cirúrgicas – resposta ao art.º 55.º da base instrutória;

1.44. Os A.A. são emigrantes e, apesar de passarem longas temporadas em Portugal, residem em França, onde têm a família, designadamente, os filhos e os netos – resposta ao art.º 5.º da base instrutória.


2. Do mérito dos recursos


2.1. Da questão da rejeição da impugnação da decisão de facto pelo Tribunal da Relação suscitada na revista interposta pelos A.A.


Neste capítulo, tomando em linha de conta a questão prévia de rejeição do recurso por falta de especificação dos factos impugnados, suscitada pelos Recorridos, como já acima ficou relatado, o Exm.º Relator do Tribunal da Relação, através do despacho proferido a fls. 980-981, datado de 01/07/2014, convidou os A.A./apelantes a apresentarem novas conclusões de modo a individualizarem, inequivocamente, os conretos pontos de facto que tinham por incorretamente julgados, considerando que:

a) - face aos requisitos de impugnação da decisão de facto prescritos no art.º 685.º-B, n.º 1, alíneas a) e b), do CPC, na redação anterior à Lei n.º 41/2013, de 26/06, cabe ao recorrente o ónus de especificar os concretos pontos de facto tidos por incorretamente julgados e indicar os meios de prova concretos constantes do processo ou das gravações nele realizadas que impunham decisão sobre tais factos diversa da recorrida;  

b) - a especificação daqueles pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, podendo a indicação dos respetivos meios probatórios figurar apenas no corpo das alegações, embora se torne obrigatório conectar cada facto censurado com os elementos de prova convocados;

c) - os apelantes pretendem impugnar de facto, embora de forma genérica, começando por afirmar a existência de contradição entre a prova produzida e a matéria dada como provada, invocando, no corpo das alegações, depoimentos de determinadas testemunhas;

d) – contudo, nem no corpo das alegações nem nas conclusões os apelantes individualizam, de forma clara e precisa, os concretos pontos de facto que pretendem impugnar.

Face às novas conclusões apresentadas pelos A.A./apelantes a fls. 1023-1039, mas tidas como insuficientes por parte do 1.º R., no acórdão recorrido (fls. 1067/v.º), considerou-se que tais conclusões se mostravam prolixas, não satisfazendo o convite formulado e decidiu-se não tomar conhecimento do recurso quanto à pretendida impugnação da decisão de facto.     

Porém, os A.A. aqui recorrentes insurgem-se contra tal decisão, mas só no respeitante à matéria pertinente aos alegados danos não patrimoniais, sustentando que, na sequência do convite que lhe fora dirigido, observaram os requisitos legais dessa impugnação, indicando os concretos pontos de facto impugnados e os meios probatórios para tal convocados. 

Desde já convém referir que o exercício dos poderes da Relação nesse domínio é sindicável em sede do recurso de revista, ao abrigo do disposto no artigo 674.º, n.º 1, alínea b), do CPC, na medida em que se trata da disciplina processual que conforma os limites e o modo desse exercício, sem invasão da apreciação do julgamento de facto vedada ao âmbito daquele recurso.


Vejamos.


No que aqui releva, o atual artigo 640.º, n.º 1, do CPC prescreve que:

Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) – Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) – Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravações nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) – A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.


O sentido e alcance destes requisitos formais de impugnação da decisão de facto devem ser equacionados à luz das razões que lhes estão subjacentes, mormente em função da economia do julgamento em sede de recurso de apelação e da natureza da própria decisão de facto.

Assim, em primeira linha, importa ter presente que, no domínio do nosso regime recursal cível, o meio impugnatório mediante recurso para um tribunal superior não visa propriamente um novo julgamento global da causa, mas apenas uma reapreciação do julgamento proferido pelo tribunal a quo com vista a corrigir eventuais erros da decisão recorrida. Significa isto que a finalidade do recurso não é proferir um novo julgamento da ação, mas julgar a própria decisão recorrida.

Em segundo lugar, no que respeita à impugnação da decisão de facto, esta decisão consiste no pronunciamento que é feito, em função da prova produzida, sobre os factos alegados pelas partes ou oportuna e licitamente adquiridos no decurso da instrução e que se mostrem relevantes para a resolução do litígio. Essa decisão tem, pois, por objeto os juízos probatórios parcelares, positivos ou negativos, sobre cada um dos factos relevantes, embora com o alcance da respetiva fundamentação ou motivação.

Neste quadro, a apreciação do erro de julgamento da decisão de facto é circunscrita aos pontos impugnados, embora, quanto à latitude da investigação probatória, o tribunal de recurso tenha um amplo poder inquisitório sobre a prova produzida que imponha decisão diversa, como decorre do preceituado no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, incluindo os mecanismos de renovação ou de produção dos novos meios de prova, nos exatos termos do n.º 2, alíneas a) e b), do mesmo artigo, sem estar adstrito aos meios de prova que tiverem sido convocados pelas partes e nem sequer aos indicados pelo tribunal recorrido.

De resto, como é hoje jurisprudência seguida por este Supremo Tribunal, a reapreciação da decisão de facto impugnada pelo tribunal de 2.ª instância não se limita à verificação da existência de erro notório por parte do tribunal a quo, mas implica uma reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados, em termos de formação, por parte do tribunal de recurso, da sua própria convicção, em resultado do exame das provas produzidas e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir, para só, em face dessa convicção, decidir sobre a verificação ou não do erro invocado, mantendo ou alterando os juízos probatórios em causa. 

São portanto as referidas condicionantes da economia do julgamento do recurso e da natureza da decisão de facto que postulam o ónus, por banda da parte impugnante, de delimitar com precisão o objeto do recurso, ou seja, de definir as questões a reapreciar pelo tribunal ad quem, especificando os concretos pontos de facto ou juízos probatórios, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 640.º do CPC. Tal especificação pode fazer-se de diferentes modos: o mais simples, por referência ao ponto da sentença em que se encontram inseridos; ou então pela transcrição do próprio enunciado.

Por seu turno, a indicação dos concretos meios probatórios convocáveis pelo recorrente, nos termos da alínea b) do mesmo artigo, já não respeita propriamente à delimitação do objeto do recurso, mas antes à amplitude dos meios probatórios a tomar em linha de conta, sem prejuízo, porém, dos poderes inquisitórios do tribunal de recurso de atender a meios de provas não indicados pelas partes, mas constantes dos autos ou das gravações nele realizadas.

Impõe-se também ao impugnante, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 640.º, o requisito formal de indicar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Este é, pois, o método processual assumido como garantia de um julgamento equitativo das questões de facto e da legitimidade da decisão que sobre elas venha a recair, com observância dos princípios do contraditório e do tratamento igual das partes.

Por outro lado, o legislador terá sido cauteloso em não permitir a utilização abusiva ou facilitação do mecanismo-remédio de impugnação da decisão de facto. Aliás, mal se perceberia que o impugnante atacasse a decisão de facto sem ter bem presente cada um dos enunciados probatórios e os meios de prova utilizados ou a utilizar na sua fundamentação cirúrgica. Daí a cominação severa da sua imediata rejeição.

Tem-se também suscitado, com frequência, a questão de saber se os requisitos do ónus impugnatório previstos no n.º 1 do artigo 640.º podem figurar apenas no corpo das alegações ou se devem antes ser levados às conclusões recursórias, não existindo consenso jurisprudencial nesta matéria.

Segundo determinado entendimento, pelo menos, a especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem impugnar deve constar das conclusões do recurso, sob pena de rejeição do recurso nessa parte, por aplicação subsidiária do disposto nos artigos 635.º, n.º 2, e 639.º, n.º 1, do CPC. De acordo com outro entendimento, a falta de disposição expressa nesse sentido não permitiria uma consequência tão drástica.

Esta divergência tem-se arrastado desde a introdução do novo regime recursal pelo Dec.-Lei n.º 303/2007, de 24-08, estranhando-se que o legislador se tenha alheado dela na última reforma introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26-06.     

Embora se afigure mais curial que a especificação dos pontos de facto impugnados e mesmo a indicação da decisão a proferir sobre cada facto constassem das conclusões do recurso, face à ambiguidade da lei, inclinamo-nos para um critério moderado, no sentido de aproveitar a especificação que seja feita no corpo das alegações, desde que provida do recorte e clareza necessários à delimitação do objeto do recurso, nessa parte.  


No caso dos autos, a seleção da matéria de facto respeitante aos danos não patrimoniais aqui em causa encontrava-se distribuída nos seguintes artigos da base instrutória:


Art.º 43.º


No início de Outubro de 2005, o 2.º R. deitou abaixo parte do muro na propriedade do A., construído por este, o qual fazia a confrontação com o terreno dos 2.ºs R.R?

Art.º 44.º


Em consequência desta atitude, parte desse muro veio a cair em cima do A.?

Art.º 45.º


Facto este que lhe provocou lesões graves, designadamente as que resultam dos documentos de fls. 97 a 103, que aqui se dão por reproduzidas?

Art.º 48.º


O A. em consequência do facto descrito em 44.º teve dores?

Art.º 49.º


Dores essas que o impediram a si e à ora A. de se deslocar por um longo período de tempo?

Art.º 50.º


Ainda hoje as sequelas são visíveis e dolorosas?

Art.º 51.º


O A. continua em tratamento relativamente às mesmas?

Art.º 52.º 


Os A.A. já perfizeram 70 anos de idade?

Art.º 53.º


Os A.A. gozam de débil saúde?

Art.º 54.º


O A. está reformado por invalidez, com uma incapacidade de 80%?

Art.º 55.º


A A. tem uma saúde débil, tendo sido já sujeita a diversas intervenções cirúrgicas?

Art.º 56.º


 A A. sofre com os comportamentos dos R.R.?

Art.º 57.º


Bem como a assistir ao sofrimento infligido ao A., nomeadamente ser rebaixado sem possibilidade de defesa? 

Art.º 68.º


Os A.A. têm vindo a sofrer com a conduta dos R.R., nomeadamente humilhações, infâmias, constrangimentos, a nível das relações com os R.R., bem como ao nível da sua convivência social em público?

Art.º 69.º


Os A.A. suportaram transtornos, nomeadamente o profundo desgosto de, nos períodos de tempo que passam na sua terra natal, serem mal tratados?


Quanto a essa matéria, o tribunal da 1.ª instância julgou:

- provado o constante dos artigos 52.º, a 55.º;

- não provado o vertido nos artigos 43.º a 45.º, 48.º a 51.º, 56.º, 57.º, 68.º e 69.º. 

         E na fundamentação dos factos não provados consignou que:

«Para além das doenças dos A.A. dadas como provadas não logram fazer prova do nexo causal entre elas e as condutas dos R.R., pelo que se deram tais factos como não provados, não se valorando, assim, os depoimentos das testemunhas arroladas pelos A.A. em contrário das supra referidas.

A restante materialidade foi dada como não provada, porquanto as testemunhas nada sabiam de concreto sobre ela.»   

        

Vejamos agora a teor da impugnação deduzida pelos A.A., nas suas alegações de apelação, sobre a matéria aqui em foco.

No corpo de tais alegações, os A.A. ali apelantes expõem o seguinte:

«IX. Dos DANOS PATRIMONIAIS E NÃO PATRIMONIAIS

Cumpre ainda salientar que os Recorrentes pediram uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, o Tribunal a quo não considerou estes últimos danos relevantes, aliás nem os considerou.

Danos que foram provocados continuadamente desde 1994 a 2013, mereciam outro tratamento por parte do Tribunal a quo.

No depoimento das Testemunhas dos Recorrentes verificou-se que os factos praticados pelos RR. provocaram aos Recorrentes prejuízos graves, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, nomeadamente,

IX.30 No depoimento da Testemunha EEE em 16/ 07/2009 às 11:22:08 (00.00.00 a 00.11.36) verifica-se que a mesma afirmou que os Recorrentes têm sofrido muito com os actos dos RR., que falam muito nisso e que vivem muito "história".

Mais,

IX.31 No depoimento desta Testemunha FFF em 6/07/ 2009 às 14:10:24 (00.00.00 a 00.33.04) constata-se que o muro de blocos construído pela 1.ª R. caiu em cima da perna do Recorrente com a trepidação do tractor quando lavrava terra.

É evidente que a testemunha não acompanhou o Recorrente em Portugal, pois não se encontrava no país. Mas sabe que quando o Recorrente chegou a França andava de muletas (é presumível que se andava de muletas já tinha ido ao hospital em Portugal). Segundo o seu depoimento, quem levava o Recorrente ao hospital para fazer os tratamentos era a mulher da Testemunha, de outra maneira teria que ir de transportes, porque não conseguia guiar. Disse também que esta situação em que o prédio se encontrava constituía um problema para o Recorrente, este dizia-lhe que estava a dar em maluco, que o tinham roubado. Afirmou também que ele se enervava com tudo e com nada. Cada vez que falava nisso via-se que a situação era muito importante para ele. E quando vinha para Portugal dizia sempre "vou ver como é que aquilo está".

IX.32. A Testemunha GGG, no seu depoimento de dia 16/07/2009, com início às 14:46:06 até 15.06.23H (de 00.00.00 a 00.20.13), respondeu apenas sobre os danos sofridos pelos Recorrentes.

A Testemunha declarou que o muro de blocos construído pela 1 R. caiu e feriu o Recorrente numa perna. Ela viu a ferida e observou que estava em mau estado. Não viu o muro cair, pois estava em França, pensa que ele foi ao médico em Portugal, mas não o acompanhou porque não estava cá, por isso, não pode saber, mas como é óbvio foi "capaz" de ir com toda a certeza Tinha conhecimento da situação pelo facto de ter sido ela em França que acompanhou o Recorrente nos tratamentos conducentes a sarar a ferida, pois ele não conseguia guiar, a Recorrente não sabia guiar e as filhas estavam a trabalhar. Afirmou que o Recorrente andou muito tempo com muletas e era ela que o levava ao hospital para fazer tratamentos; assistiu a muitos dos tratamentos e afirmou que apesar de ter melhorado naturalmente com os tratamentos, a perna continuava a ferida. Explicou que tal se devia ao facto do Recorrente ter diabetes. Fundamentou que tinha assistido às consultas e por esse facto, apesar de não ser médica, sabia o que se estava a passar, pois tinha assistido às informações e explicações dos médicos. Disse que a diabetes do Recorrente tem que ser controlada assiduamente e toma insulina todos os dias. Já viu o Recorrente injectar a insulina.

Explicou que a Recorrente por essa altura teve um AVC, naturalmente devido a todos os problemas causados pelos RR.

Disse ainda, que gastaram muito dinheiro, com a saúde e com as viagens que faziam a toda a hora de França para Portugal e vice-versa para se inteirarem do que se estava a passar com o prédio. Não soube precisar a quantia.

Afirmou ainda que estão sempre muito enervados com os problemas do prédio, vêm a Portugal mas sempre que cá vêm tem uma grande mágoa. Não conseguem esquecer o prédio, estejam em Portugal ou na França estão sempre muito exaltados e falam muito nisto, e sofrem muito com toda esta situação.

IX.33. No depoimento da Testemunha HHH, de dia 16/07/2009, com início às 11:49:02 até às 12.14.21H (de 00.00.00 a 00.25.19) verifica-se que esta acompanhou muitos dos factos expostos pelos Recorrentes e pelas testemunhas relativamente aos danos provocados pelos RR. em sua própria casa.

A 00.14.47, afirmou que o muro de blocos tinha caído em cima da perna do Recorrente.

A 00.15.50 até 00.15.59, explicou que ainda não tinha sarado.

A 00.16.43 até 00.20.50, disse ainda que o Recorrente, costuma passar férias em sua casa e que, cada vez que vai lá passar férias fala sempre no mesmo, no prédio, porque anda sempre muito preocupado e muito enervado com esta situação toda do prédio.

Sabe que o Recorrente sofre da diabetes; O Recorrente quando vai a sua casa leva exames médicos com ele e, a Testemunha tem visto esses exames. Disse também que o Recorrente tem muitas dores por causa da perna e que "ainda hoje se queixa" dessas dores.

Disse ainda que quando se enerva tem que aumentar a dose de insulina.

(o que não o beneficia relativamente à saúde).

A Testemunha declarou ainda que, nunca tinha visto os Recorrentes tão enervados como agora, "derivado de esta situação toda".

Diz que andam muito enervados e muito doentes nestes últimos tempos "derivado da situação que está a decorrer” no prédio.

À pergunta da Mandatária dos Recorrentes, se consegue estar com o Recorrente sem ele estar enervado, respondeu que não, que "até ao telefone o Recorrente fala na situação, fala sempre nisto."

A 00.21.08 até 00.20.38 refere que os Recorrentes já gastaram muito dinheiro por causa desta situação do prédio. Não sabe precisar quanto, mas como os Recorrentes se queixam que já gastaram muito, e como hoje está tudo tão caro conclui que gastaram muito.

A 00.20.47 até 00.22.05, diz que o Recorrente já não vem com a boa disposição que vinha, quando vinha para Portugal. Afirmou que muitas das vezes não vai para o Sabugal e vai para casa dela para se isolar (a residência da Testemunha é no Seixal, melhor identificada nos autos).

IX.34. No depoimento da Testemunha III, de dia 23/09/2013 às 10.14.25 a 11.35.40 H (00.00.00 a 01.21.11), a 00.33.22, afere-se que a Testemunha tem conhecimento da ferida que o Recorrente tem na perna. Respondeu que parte do muro de blocos edificado no prédio dos Recorrentes pela 1 á R. caiu e provocou ferimentos na perna do Recorrente; a Testemunha disse que nesse dia o Recorrente "... veio de lá com uma perna deitada abaixo...". A Testemunha encontrava-se em casa dos Recorrentes, quando o Recorrente chegou a casa, ela viu a sua perna ferida pelo referido muro.

   A 00.33.56, a Testemunha explica que quando viu o estado do Recorrente nesse dia lhe disse que a Calçada (prédio do Recorrente) ainda lhe ia trazer muitos problemas, e que mais valia deitar tudo por água abaixo.

   A 00.36.30 a 00.37.56, disse que viu a perna do Recorrente a deitar sangue, explicou que ele sofre da diabetes, o que traz sempre maiores problemas; retorquiu ainda, que a ferida ainda não sarou...

   A 00.38.50, verificou-se que a Testemunha tem conhecimento que em França o Recorrente teve que ir ao hospital "quando chegou a França foi logo tratar da perna."

   A 00.40.50, disse que em Portugal não sabe se o Recorrente foi ao hospital, mas esclareceu que não disse que não tinha ido.

   A 00.41.08, esclareceu ainda que quando o Recorrente chegou a casa com a perna a sangrar, nesse dia, foi a Recorrente que o tratou, depois não sabe dizer, porque não vive em casa dos Recorrentes. Mas pensa que talvez por causa disso, por a perna estar pior é que eles "até abalaram" para a França. Depois, já em França, telefonaram-lhe a dizer que já tinham ido ao hospital tratar da perna.

   A 00.52.00 até 00.54.55, verifica-se que, a Testemunha também sabe que quando os 2.ºs RR. abriram passagem (antes da vala que os Recorrentes fizeram), o facto do Recorrente querer explicações sobre o facto, o 2.º R. levantou um pau para o Recorrente.

   Afirmou ainda que o Recorrente tem sofrido muito com tudo isto, e fala sempre nisto a toda a hora o que levou a testemunha (porque tem andado doente) ultimamente a não ir a casa dos Recorrentes para não o ouvir.

   Quanto à Recorrente a Testemunha diz:

    "Essa então está de rastos"

   "Com a doença dele e ela também é muito doente, ela já teve cá um AVC por causa disto"

   Entenda-se que "por causa disto" a Testemunha refere-se ao prédio.

   A Recorrente devido aos nervos que a situação do prédio lhe provoca já teve um AVC, a testemunha disse-o.

   As causas de um AVC são difíceis de determinar, mas na realidade a situação do prédio naturalmente, contribuiu muito para o AVC.

   Tanto que, seguidamente, à pergunta da Mandatária dos Recorrentes, se a tia, ora Recorrente, se irritava com frequência, a Testemunha respondeu que sim, e que, "por causa disto estão sempre irritados um com o outro", e, diz ainda:

   "Eu antigamente julgava que eram um casal modelo e agora não, por causa do prédio. Por causa do prédio estão sempre a discutir."

   Aliás, conforme supra referido, a Testemunha GGG também afirmou que o AVC que sofreu a Recorrente foi essencialmente provocado pelos problemas que os Recorrentes têm tido no prédio.

   A 00.55.15 afirmou que o Recorrente fala nisto (situação do prédio) com angústia.

   A 00.38.11, relativamente às despesas que o Recorrente tem tido desde que começou esta situação do prédio até agora, a Testemunha sabe que têm gasto muito, porque os Recorrentes se queixam disso, mas não sabe precisar o valor.

   IX.35. Face ao alegado nesta matéria, danos patrimoniais e danos não patrimoniais, consideram os Recorrentes que, posteriormente à prova produzida, o valor peticionado anteriormente a respeito dos danos patrimoniais não ficou completamente clarificado».

        

         E já em sede das conclusões aperfeiçoadas, os mesmos apelantes formularam o seguinte:

«X1. Os Recorrentes também não se conformam com a sentença proferida pelo Tribunal a que, por não considerar relevantes os danos não patrimoniais sofridos pelos Recorrentes.

Ora, continuadamente, durante 19 anos, desde 1994 até à presente data, os Recorrentes sofreram danos patrimoniais, mas também sofreram danos não patrimoniais.

XI. a) No ponto IX. DOS FACTOS do corpo das alegações desenvolve-se esta matéria indicando os concretos meios probatórios que, mais não são, do que os depoimentos das testemunhas EEE (1X.30), FFF (IX.31.), GGG (IX.32.), que respondeu só sobre esta matéria, HHH (IX.33.), a qual acompanhou muitos desses factos em sua casa, e III (IX.34), os quais se seguem:

- EEE, no dia 16/07/2009, com início às 11:22:08 H (de 00.00.00 a 00.11.36), concluiu no fim do seu depoimento que os Recorrentes têm sofrido muito com os actos dos RR., que falam muito nisso e que vivem muito a "história".

- FFF, no dia 16/07/2009, com início às 14:10:24 H (de 00.00.00 a 00.33.04). - GGG, no dia 16/ 07/2009, com início às14:46:06 H (de 00.00.00 a 00.20.13). No seu depoimento só respondeu a esta matéria.

- HHH, no dia 16/07/2009, com início àsll:49:02 H (de 00.00.00 a 00.25.19), a 00.14.47, a 00.15.50 até 00.15.59, a 00.16.43 até 00.20.50, a 00.21.08 até 00.20.38, a 00.20.47 até 00.22.05 .

- III, no dia 23/09/2013 às 10.14.25 H (de 00.00.00 a 01.21.11), a 00.33.22, a 00.33.56, a 00.38.11, 00.38.50, a 00.40.50, a 00.41.08, 00.52.00 até 00.54.55, a 00.55.15.

XI. b) Em síntese, EEE, concluiu no fim do seu depoimento que os Recorrentes têm sofrido muito com os actos dos RR., que falam muito nisso e que vivem muito a "história".

Todas as restantes testemunhas mencionadas, foram unânimes em afirmar que o muro de blocos construído pela 1 á R. caiu em cima da perna do Recorrente, originando-lhe um ferimento muito grave, obrigando-o a tratar-se no hospital e a andar de muletas. Sabiam que o Recorrente é diabético, motivo porque a ferida ainda não sarou e que, esta situação em que o prédio se encontra constitui um problema enorme para o Recorrente, que o faz andar sempre enervado. Tinham conhecimento que os Recorrentes não conseguem esquecer a situação do prédio, estejam em Portugal ou em França, estão sempre muito exaltados e falam muito no prédio, sofrendo imenso com toda esta situação. Não subsistiram dúvidas que a situação os deixa atormentados, passando muitas noites sem dormir.

Notam também que quando os Recorrentes vêm a Portugal a situação do prédio provoca-lhes uma grande mágoa. Ainda, quanto à Recorrente as testemunhas, além de terem afirmado, que se encontra igualmente enervada com a situação do prédio, também declararam que, à data da ocupação definitiva do prédio teve um AVC, pelo que concluíram que tal aconteceu devido a todos os problemas causados no seu prédio pelos RR..

Cabe, ainda relevar que, as testemunhas presenciaram praticamente todos os factos de que falaram. A testemunha GGG foi quem acompanhou o Recorrente nos tratamentos conducentes a sarar a ferida, por ele não conseguir guiar devido ao ferimento. Assistiu a muitos dos tratamentos, consultas e às informações e explicações dadas pelos médicos.

1. A testemunha HHH acompanhou muitos dos factos expostos pelos Recorrentes e pelas testemunhas relativamente aos danos provocados pelos RR. em sua própria casa. Afirmou que o Recorrente tem muitas dores por causa da perna e que "ainda bole se queixa" dessas dores. Disse que, quando o Recorrente se enerva tem que aumentar a dose de insulina. Declarou que, nunca tinha visto os Recorrentes tão enervados como agora, "derivado de esta situação toda". Disse também que o Recorrente já não vem com a mesma boa disposição que vinha para Portugal. Afirmou que muitas das vezes não vai para o Sabugal e vai para casa dela, no Seixal, para se isolar.

2. A testemunha III, afirmou que, por se encontrar em casa dos Recorrentes no dia em que este foi ferido, viu a perna do Recorrente a deitar sangue "... veio de lá com uma perna deitada abaixo...". Disse que, pelo facto dos Recorrentes falarem a toda a hora, sempre enervados, na situação do prédio, ultimamente, por se encontrar doente, não tem ido a casa deles para não os ouvir. Também tem conhecimento que, o 2.º R. levantou um pau para o Recorrente, por querer a passagem aberta para o prédio dos Recorrentes.

Quanto à Recorrente, a testemunha disse que ela estava de rastos, "Com a doença dele e ela também é muito doente, ela já teve cá um AVC por causa disto"

Disse também que, "por causa disto", os Recorrentes, "estão sempre irritados um com o outro", e, disse ainda: "Eu antigamente julgava que eram um casal modelo e agora não, por causa do prédio. Por causa do prédio estão sempre a discutir."

XI. c) Todos estes factos foram provados, também, por documentos médicos, essencialmente, o doc. n.º 1A (junto ao processo pelos Recorrentes em 13/09/2009), atestado médico que atesta que o Recorrente está pior da doença da diabetes, devido às preocupações que tem tido com a situação do prédio em Portugal.

Perante o arrazoado está patente que estes danos devem ser minimamente reparados.

A decisão do Tribunal a quo deveria ter sido diversa da proferida, em sequência deveriam os RR. se condenados a ressarcir os Recorrentes também por estes danos.»


Ora, o que, em primeira linha, se impunha aos A.A. apelantes era simplesmente indicar os juízos probatórios tidos por incorrectamente julgados no âmbito dos danos não patrimoniais, mormente com referência aos diversos artigos da base instrutória de que constavam e, em relação a cada um deles, especificar a decisão que entendiam dever ser proferida, respetivamente nos termos das alíneas a) e c) do n.º 1 do art.º 640.º do CPC. Só depois de assim definido o âmbito dessa impugnação é que caberia então convocar os meios de prova a reapreciar em relação a cada um desses pontos, tecendo as considerações pertinentes à sua valoração. 

Porém, os A.A. apelantes omitiram completamente a especificação daqueles pontos, bem como a indicação da decisão a proferir sobre cada um deles, limitando-se a discorrer sobre o teor dos depoimentos convocados com afloramentos de um ou outro resultado probatório que entendem ter sido logrado na produção da prova.     

A ser acolhida uma tal metodologia, levaria a que fosse o tribunal de recurso a respigar do acervo desse arrazoado quais os pontos de facto concretos que porventura os apelantes pretendem questionar e em que sentido o fazem, o que se afigura de molde a subverter a exigência dos requisitos formais de impugnação, a perturbar gravemente o exercício esclarecido do contraditório e até a comprometer o princípio da imparcialidade do próprio tribunal.

Acresce ainda, no caso vertente, a particularidade de poderem estar, aparentemente, em jogo uma pluralidade de juízos probatórios (respostas negativas aos artigos 43.º a 45.º, 48.º a 51.º, 56.º, 57.º, 68.º e 69.º da base instrutória) e, quiçá, o próprio nexo de causalidade que o tribunal de 1.ª instância deu como não provado, mas em relação ao que não se consegue sequer descortinar a posição dos impugnantes.

Nestas circunstâncias, tem-se por correta a decisão do Tribunal da Relação em não tomar conhecimento do objeto de recurso, no que aqui releva, sobre a impugnação da decisão de facto relativa aos danos não patrimoniais.


2.2. Quanto às questões de fundo


2.2.1. Enquadramento preliminar


No que aqui releva, importa, antes de mais, registar que os A.A. deduziram, a título principal, uma pretensão reivindicatória sobre uma parcela de 144 m2 alegadamente integrada no prédio rústico de que são proprietários, sito na freguesia do Sabugal, inscrito sob o artigo 310.º da matriz respetiva, que confronta com um campo desportivo do 1.º R. e com um prédio dos 2.°s R.R.

Para tanto, alegaram que o 1.º R., na decorrência das obras de terraplanagem do dito campo desportivo realizadas em 1994, a pedido dos 2.ºs R.R. e sem consentimento dos A.A., ocupou aquela parcela na construção duma passagem de acesso ao prédio confinante dos mesmos 2.ºs R.R., destruindo o muro divisório então existente entre o prédio dos A.A. e o dos 2.ºs R.R. e arrancando os respetivos marcos.

Alega ainda que o 1.º R. procedeu às instalações, nessa parcela, de infraestruturas de eletricidade e de água, também sem autorização dos A.A. e sem ter efetuado qualquer tipo de pagamento a título de indemnização.  

Nessa base, pediram que os R.R. sejam condenados a restituir-lhes tal parcela no estado em que se encontrava antes da ocupação.

Subsidiariamente, para o caso não ser possível a restituição da parcela, pediram os A.A. uma indemnização pela redução da sua propriedade, na quantia de € 9.000,00.

Por sua vez, os R.R. contestaram tais pretensões, impugnando parte do alegado pelos A.A. e sustentando que a abertura da sobredita passagem com a ocupação da referida parcela foi feita com o consentimento destes. 


Em face da factualidade provada, a 1.ª instância julgou parcialmente procedente a ação, condenando o 1.º R. a pagar aos A.A. a quantia que se viesse a liquidar em execução de sentença, correspondente ao valor da parcela de 99 m2 a que foi reduzida a respetiva propriedade, em valor a ser calculado antes das obras realizadas pelo 1.º R. e pela Junta de Freguesia do Sabugal, e absolvendo os 2.ºs R.R. do pedido.  

No recurso interposto pelos A.A., o Tribunal da Relação de Coimbra julgou parcialmente procedente a apelação, condenando o 1.º R. a restituir àqueles a faixa de terreno ocupada, bem como a retirar a caixa de electricidade ali implantada.


Mais uma vez inconformados, os A.A. vieram interpor revista invocando o erro de direito com fundamento em não se ter condenado o 1.º R.:

a) - a retirar toda a canalização da água que implantou no prédio daqueles;

b) - a murar o referido prédio;

c) - a remover o muro que se erigiu, destinado a dividir o prédio dos A.A., de modo a ocupar uma faixa de terreno no mesmo.

Por seu turno, o 1.º R. também recorreu daquele acórdão a invocar o erro na aplicação do direito à factualidade provada, no âmbito do segmento decisório em que se condenou o mesmo a retirar a caixa de eletricidade, implementada há mais de 18 anos, da ocupada faixa de terreno dos A.A., sem se atender ao relevo social dessa infra-estrutura para a população local, com violação dos preceitos constitucionais previstos nos 1.º, 2.º e 9.º da Constituição da República e do princípio de ordem pública, consagrado no artigo 280.º, n.º2, do CC.


Da conjugação do objeto dos dois recursos resulta não estar aqui em causa a condenação do 1.º R. a restituir aos A.A. a parcela de terreno ocupada por aquele, mas simplesmente a extensão dessa restituição em relação às infra-estruturas de electricidade e água ali implantadas e o alcance da reposição a efetuar.

Com efeito, os A.A. pretendem que a restituição da parcela envolva a reposição da mesma no estado anterior à ocupação, mediante o levantamento de toda a canalização de água ali instalada, a remoção do muro que passou a dividir o prédio dos A.A. e a faixa ocupada, bem como a construção de vedação do prédio, na faixa de terreno a restituir.

Por seu lado, o 1.º R. também recorrente, além da sua oposição àquela extensão, pretende que lhe seja reconhecido o direito a reter a caixa de electricidade implantada na faixa ocupada.


Analisemos, pois, cada uma dessas pretensões.

  

2.2.2. Quanto à extensão da reposição pretendida pelo A.A.


É matéria tida por adquirida e não disputada nos presentes recursos que a parcela reivindicada foi ilicitamente ocupada pelo 1.º R., o que se traduz num ato de esbulho a implicar a restituição da coisa no estado em que se encontrava à data da ocupação, à custa do esbulhador, nos ter-mos dos artigos 1311.º, n.º 1, e 1312.º do CC.

Ponto é saber qual seria o estado daquela parcela à data dessa ocupação e quais os incrementos ali ilicitamente realizados pelo esbulhador.    


Ora, da factualidade provada respiga-se o seguinte:

a) - O 1.º R. procedeu à construção de um muro ao lado do prédio dos 2.°s R.R. – resposta ao art.º 12.º da base instrutória vertido no ponto 1.25;

b) - A vala destinada aos alicerces do muro foi efetuada na presença do A. marido e a mando do 1.º R. – resposta conjunta aos artigos 93.º, 111.º, 115.º e 116.º da base instrutória vertido no ponto 1.26;

c) - O 1.º R. alargou o caminho existente na linha divisória do prédio dos A.A. e 1.º R., ocupando a área de 145 m2 do prédio dos A.A. e cedendo-lhes 46 m2 – resposta conjunta aos artigos 13.º, 29.º, 32.º, 74.º, 75.º, 77.º, 78.º, 89.º, 92.º, 117.º e 118.º da base instrutória vertido no ponto 1.27;

d) - O 1.º R. procedeu à instalação de eletricidade e água – resposta ao art.º 39º da base instrutória vertido no ponto 1.28;

e) - Foram colocadas, na propriedade dos A.A., caixas de eletricidade – resposta ao art.º 40.º da base instrutória vertido no ponto 1.29;

f) - A Junta de Freguesia do Sabugal procedeu ao pagamento da iluminação pública – resposta conjunta aos artigos 94.º e 95.º da base instrutória vertido no ponto 1.30;

g) - O 1.º R. instalou a rede de água domiciliária – resposta ao art.º 96.º da base instrutória vertido no ponto 1.31;

h) - O A. pode, querendo, aceder aos ramais de água, energia elétrica – resposta ao art.º 105.º da base instrutória vertido no ponto 1.32;

i) - Os A.A. abriram uma vala e colocaram um monte de terra de modo a impedir a sua passagem – resposta ao art.º 106.º da base instrutória vertido no ponto 1.33

j) - E colocaram uma vedação em rede de arame ao longo da confinante nascente da rua – resposta ao art.º 107.º da base instrutória vertido no ponto 1.34;

k) - O 1.º R. retirou a rede, abriu alicerces com uma máquina sua e implantou o muro a expensas suas – resposta conjunta aos artigos 108.º, 109.º e 110.º da base instrutória vertido no ponto 1.35;

l) - Tal muro de vedação demarca o espaço da rua aberta no local do terreno dos A.A. – resposta ao art.º 112.º da base instrutória vertido no ponto 1.36;

m) - Aquele espaço possui as infra-estruturas essenciais, designadamente água, electricidade e telefone – resposta ao art.º 114.º da base instrutória vertido no ponto 1.37


Relativamente à instalação de canalizações de água, nos artigos 39.º, 96.º e 114.º da base instrutória perguntava-se o seguinte:


Art.º 39.º


O 2.º R. procedeu à instalação, na sua propriedade, da electricidade e de água, através do prédio dos A.A., fazendo passar os canos e as tubagens das mesmas pela propriedade dos A.A.?



Art.º 96.º


O 2.º R. conseguiu que a Câmara Municipal do Sabugal instalação da rua a rede de água domiciliária?

Art.º 114.º


E possui (o espaço onde está integrado o caminho aberto, a que se refere o art.º 113.º) as infra-estruturas essenciais, designadamente água, electricidade e telefone?


O tribunal julgou tal matéria nos seguintes termos: 

- quanto ao art.º 39.º, provado apenas que “o 1.º R. procedeu à instalação de electricidade e água”;

- quanto ao art.º 96.º, provado apenas que “o 1.º R. instalou a rede de água domiciliária”;

- quanto ao art.º 114.º - “provado”.

Embora do texto de tais respostas não conste, literalmente, que a implantação da canalização da água se fez através da parcela ocupada, o certo é que tais respostas estão conexionadas com a referida ocupação dada por provada na resposta conjunta aos artigos 13.º, 29.º, 32.º, 74.º, 75.º, 77.º, 78.º, 89.º, 92.º, 117.º e 118.º da base instrutória vertido no ponto 1.27, não se afigurando que faça qualquer sentido relevar a instalação da água fora de tal contexto.


Quanto à remoção do muro que divide a parcela ocupada do restante prédio dos A.A. e à reposição de um muro de vedação, da matéria provada retira-se que:

- O 1.º R. retirou a rede, abriu alicerces com uma máquina sua e implantou o muro a expensas suas – resposta conjunta aos artigos 108.º, 109.º e 110.º da base instrutória vertido no ponto 1.35;

- Tal muro de vedação demarca o espaço da rua aberta no local do terreno dos A.A. – resposta ao art.º 112.º da base instrutória vertido no ponto 1.36.

Significa isso que o 1.º R. implantou, a expensas suas, um muro de vedação a demarcar o espaço da “rua aberta” no local do terreno dos A.A., pelo que a restituição da parcela ocupada não pode deixar de implicar a remoção desse muro divisório e a ereção de novo muro na estrema da parcela a restituir.



2.2.3. Quanto à invocada retenção, por parte do 1.º R., da caixa de eletricidade


Neste particular, o 1.º R. sustenta que a retirada da caixa de eletricidade, implementada há mais de 18 anos, da ocupada faixa de terreno dos A.A., sem se atender ao relevo social dessa infra-estrutura para a população local, com violação dos preceitos constitucionais previstos nos 1.º, 2.º e 9.º da Constituição da República e do princípio de ordem pública, consagrado no artigo 280.º, n.º2, do CC.

Quanto a esta questão da factualidade provada apenas consta que:

- O 1.º R. procedeu à instalação de eletricidade e água – resposta ao art.º 39º da base instrutória;

- Foram colocadas, na propriedade dos A.A., caixas de eletricidade – resposta ao art.º 40.º da base instrutória

- A Junta de Freguesia do Sabugal procedeu ao pagamento da iluminação pública – resposta conjunta aos artigos 94.º e 95.º da base instrutória;

- O espaço onde está integrado o caminho aberto possui as infra-estruturas essenciais, designadamente água, electricidade e telefone – resposta ao art.º 114.º da base instrutória vertido no ponto 1.37.

Ora, mesmo que se entenda o direito de propriedade privada pode, em certas situações, ser limitado por exigências de ordem pública, seja ao abrigo do denominado princípio da intangibilidade dos bens públicos[2], seja em sede de abuso de direito, em razão da função sócio-económica do direito de propriedade, nos termos 334.º do CC, o certo é que dos factos provados nada de substancial resulta que permita acolher uma tal ponderação, mormente no sentido de caracterizar um eventual abuso de direito por parte dos A.A., mostrando-se manifestamente insuficiente a mera referência feita a “infra-estruturas essenciais” e muito menos de que elas não possam ser localizadas noutro espaço disponível.    

Improcede assim a revista interposta pelo 1.º R..


2.2.4. Quanto à pretendida indemnização por danos não patrimoniais, por parte dos A.A. 


Neste capítulo, os A.A. invocam o erro de direito do acórdão recorrido consistente em não se ter condenado os 1.º e 2.ºs R.R. a indemnizar os A.A., a título de danos não patrimoniais, na quantia de € 15.000,00, compreendendo a parcela de € 10.000,00 destinada a ressarcir os alegados danos provocados ao A. e a de € 5.000,00 atinente a ressarcir os danos provocados à A..

Alegaram para tanto e em resumo que:

(i) - No início de Outubro de 2005, o 2.º R. deitou abaixo parte do muro na propriedade do A., construído por este, o qual fazia a confrontação com o terreno dos 2.ºs R.R, em consequência do que, parte desse muro, veio a cair em cima do A., provocando-lhe lesões graves, designadamente as que resultam dos documentos de fls. 97 a 103;

(ii) - Em consequência disso, o A. sofreu teve dores que o impediram a si e à ora A. de se deslocar por um longo período de tempo, sendo tais sequelas ainda visíveis e dolorosas e continuando o A. em tratamento relativamente às mesmas;

(iii) - Os A.A. já perfizeram 70 anos de idade, gozando de débil saúde;

(iv) O A. está reformado por invalidez, com uma incapacidade de 80% e a A. tem uma saúde débil, tendo sido já sujeita a diversas intervenções cirúrgicas;

(v) - A A. sofre com os comportamentos dos R.R., bem como por assistir ao sofrimento infligido ao A., nomeadamente ser rebaixado sem possibilidade de defesa;

(vi) - Os A.A. têm vindo a sofrer com a conduta dos R.R., nomeadamente humilhações, infâmias, constrangimentos, a nível das relações com os R.R., bem como ao nível da sua convivência social em público

(vii) - Os A.A. suportaram transtornos, nomeadamente o profundo desgosto de, nos períodos de tempo que passam na sua terra natal, serem mal tratados.




De tal factualismo, apenas se provou que:

- Os A.A. já perfizeram 70 anos de idade – resposta ao art.º 52.º da base instrutória vertida sob o ponto 1.40;

- Os A.A. gozam de débil saúde – resposta ao art.º 53.º da base instrutória vertida sob o ponto 1.41;

- O A. está reformado por invalidez, com uma incapacidade de 80% – resposta ao art.º 54.º da base instrutória vertida sob o ponto 1.42;

- A A. tem uma saúde débil, tendo sido já sujeita a diversas intervenções cirúrgicas – resposta ao art.º 55.º da base instrutória vertida sob o ponto 1.43.

 

Perante esse resultado probatório as instâncias julgaram tal matéria manifestamente insuficiente para fundamentar qualquer indemnização a título de danos não patrimoniais.

Acresce que não foi aqui acatado o pretendido conhecimento da impugnação da decisão de facto pela Relação nesse domínio.

Assim sendo, tem-se por adquirida a falta de prova sobre o nexo de causalidade entre a situação de incapacidade ou da débil saúde dos A.A. e os comportamentos imputados aos R.R..

Termos em que não procede a revista neste particular.    


V - Decisão


Pelo exposto, acorda-se em:

A) – Dar parcialmente provimento à revista interposta pelos A.A., alterando-se a decisão recorrida no sentido de condenar o 1.º R., para além da restituição aos A.A. da parcela de terreno por aquele ocupada com a remoção da caixa de eletricidade, ainda:  

a) – na remoção das infra-estruturas de água ali implantadas;

b) – na remoção do muro que divide essa parcela da parte restante do prédio dos A.A.;

c) – na construção de nova vedação na estrema que margina exteriormente a mesma parcela;

B – Negar a revista dos A.A., quanto à pretendida apreciação da decisão de facto e de direito no domínio da pretensão indemnizatória por danos não patrimoniais;

C - Negar a revista interposta pelo 1.º R..

As custas da ação, nas instâncias, quanto à pretensão de reivindicação, são a cargo das partes na proporção do seu decaimento final; as custas da revista interposta pelos A.A. são a cargo dos A.A. Recorrentes e do 1.º R. Recorrido, também na proporção do respetivo decaimento; as custas da revista interposta pelo 1.º R. ficam a cargo deste.

Lisboa, 22 de outubro de 2015

Manuel Tomé Soares Gomes (Relator)

Carlos Alberto Andrade Bettencourt de Faria 

João Luís Marques Bernardo

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[1] Embora nalgumas peças processuais, nomeadamente na sentença da 1.ª instância e no acórdão recorrido, venha mencionada como 1.ª R. a Câmara Municipal do Sabugal, deve entender-se que quem figura como 1.º R. é o Município do Sabugal, pois é ele quem detém a personalidade jurídica e judiciária daquela autarquia local. 
[2] Sobre o princípio da intangibilidade dos bens públicos, vide ac. do STJ, de 05/02/2015, relatado por Abrantes Geraldes, no processo n.º 2115/10.5TBBRR.L1.S2, acessível na Internet.