Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
024057
Nº Convencional: JSTJ00012196
Relator: ARNALDO VIDIGAL
Descritores: ATENTADO AO PUDOR
ESTUPRO
VIOLAÇÃO
RELAÇÕES SEXUAIS
FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ19360501024057
Data do Acordão: 05/01/1936
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: DG IªS 21-05-1936, COL OF ANO35,125; RLJ ANO 69,11
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO
Decisão: FIXADA JURISPRUDENCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO 3/1936
Área Temática: DIR CRIM - CRIM C/PESSOAS.
Legislação Nacional: CP886 ARTIGO 18 ARTIGO 391 PARUNICO ARTIGO 392 ARTIGO 393 ARTIGO 394.
CPP29 ARTIGO 668.
L DE 1912/07/20 ARTIGO 27.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1928/03/27 IN COL OF ANO27 PAG77.
Sumário :
A copula, consentida ou não, com menor de dezasseis anos, quando não constitua crime de estupro ou de violação, constitue o crime de atentado ao pudor, previsto e punido pelo paragrafo unico do artigo 391 do Codigo Penal, combinado com o artigo 27 da Lei de 20 de Julho de 1912.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, em sessão plenaria:

No juizo de direito da comarca de Celorico de Basto - onde havia sido pronunciado como autor do crime de violação na pessoa de A, de quinze anos de idade, atraida para tal fim a um palheiro - foi B, casado, proprietario, ao tempo patrão da menor violada, condenado na pena de dezoito meses de prisão correccional, 5000 escudos de indemnização a ofendida e em 1000 escudos de imposto de justiça, por o tribunal colectivo ter dado como provado que o arguido teve copula ilicita com aquela, desflorando-a, mas sem violencia, cometendo assim o crime previsto e punido pelo paragrafo unico do artigo 391 do Codigo Penal, aplicavel sempre que a ofendida seja menor de dezasseis anos, por força do disposto no artigo 27 do decreto de 20 de Junho de 1912, e conjugado com o artigo 398, n. 2, do mesmo Codigo.


A Relação do Porto, para onde o arguido recorreu, confirmou a decisão do tribunal de 1 instancia; mas o Supremo Tribunal de Justiça, por acordão de folhas... e seguintes, revogou o da Relação e absolveu o recorrente, por ter julgado que "a copula, consentida ou não por qualquer menor, não constitui o crime de atentado ao pudor, podendo constituir o crime de estupro, se se verificarem os requisitos do artigo 392 do Codigo Penal, e o crime de violação, se se derem os do artigo 393 ou os do artigo 394".
E, desenvolvendo a justificação desta tese acrescenta o acordão que considerar a copula, consentida por maior de doze e menor de dezasseis anos, um facto constitutivo do atentado ao pudor corresponde a criar um crime novo, e conlui afirmando que - não sendo admissivel a analogia ou indução por paridade, ou maioria de razão, para qualificar qualquer facto como crime - a copula ilicita com a ofendida, menor de quinze anos, e o seu desfloramento, sem violencia, não tem sanção na lei penal.
Mas porque este Supremo Tribunal - em acordão de 27 de Março de 1928, a pagina 77 do ano 27 da respectiva Colecção Oficial - tivesse sustentado, em caso analogo, uma tese oposta, julgando que "a copula constitui crime de atentado ao pudor desde que a ofendida seja uma menor de dezasseis anos, embora nela tenha consentido", o magistrado do Ministerio Publico, ao abrigo do disposto no artigo 668 do Codigo do Processo Penal, interpos oportunamente para tribunal pleno o presente recurso, cujo conhecimento, quanto ao fundo, se impõe, por das teses precedentemente transcritas resultar a sua flagrante contradição sobre o mesmo ponto de direito.
O que tudo visto e discutido em conferencia:


Embora a lei não especifique os meios - e impossivel seria faze-lo, tão variados eles são ou podem ser - pelos quais se pode atentar contra o pudor de uma pessoa, e incontestavel que da leitura dos artigos 391 do Codigo Penal e 27 da lei de 20 de Julho de 1912 se conclue que o crime de atentado ao pudor, tal como ali e enunciado, consiste na pratica violenta de quaisquer actos ofensivos do pudor sexual de determinada pessoa, ou de menor de dezasseis anos, posto que não haja violencia, quer sejam tendentes a satisfazer paixões lascivas, quer por outro qualquer motivo.
Tudo se reduz pois a saber se a copula consentida por uma menor de dezasseis anos, virgem ou não - quando desacompanhada das circunstancias que, no seu conjunto, constituem o crime de estupro punido pelo artigo 392 do Codigo Penal -, pode ser elemento material do crime de atentado ao pudor.


Ora, não carecendo de demonstração que a forma normal de satisfazer paixões lascivas e a conjunção carnal, ou copula, so por um desvio de raciocinio se podera dizer que este acto sensual - somatorio de todas as atitudes que precedem e dominam o acto do coito propriamente dito - não seja, quando ilicito, isto e, quando cometido com violencia , ou, independentemente desta, em menor de dezasseis anos, um atentado ao pudor tal como e latamente definido no ja citado artigo 391 e seu paragrafo unico.
Afirmar o contrario seria sustentar o absurdo de não considerar a copula, nas circunstancias acima expostas, atentado ao pudor e considerar como tal qualquer acto preparatorio daquela ou algum detalhe na sua execução.
Seria dar mais força e latitude a parte do que ao todo.


Não se cria pois - ao contrario do que se diz no acordão recorrido - um crime novo nascido de uma violação ao preceito do artigo 18 do Codigo Penal, tão somente se fazendo a estrita aplicação ao caso dos autos e similares do preceituado no paragrafo unico do artigo 391 do mesmo Codigo.
Mas, para tranquilizar os espiritos sedentos como todos nos do absoluto respeito pelo principio consignado naquele artigo 18, dir-se-a ainda que o maximo que este preceito legal exige e a existencia de um minimo de circunstancias para qualquer facto poder ser qualificado como crime: ou seja a verificação dos, elementos essencialmente constitutivos do facto criminoso expressamente declarados na lei.


Quer dizer: se a um facto, por mais imoral que seja, faltar qualquer dos elementos essencialmente constitutivos de um determinado facto criminoso, não pode aquele ser considerado crime; mas este surge indiscutivelmente desde que existam todos aqueles elementos, nada importando que alem destes haja outros. O excesso e que temos de desprezar, por força, neste caso sim, do tal artigo 18.


Ora desde que a copula com menores de dezasseis anos e para os defensores da sua não incriminação um acto diferente do atentado ao pudor, por ser a satisfação integral de uma paixão lasciva de que este e apenas uma parcela, so ha que terem esta em conta e desprezarem as restantes.
E se nesta liquidação de responsabilidades alguem fica prejudicado, com justiça não se podera afirmar que sejam os arguidos.


No campo que defendemos depara-se-nos apenas uma situação delicada, resultante da dificuldade de conceber como possa ser atentado ao pudor a copula com uma menor de dezasseis anos que se entregue a prostituição; mas a leitura das leis de protecção a menores revela que foi intuito dominante do legislador, por motivos de grande alcance social, protege-las de forma absoluta contra quaisquer actos atentorios do seu pudor, punindo a propria aceitação de actos impudicos espontaneamente oferecidos e ate provocados por quem, não tendo ainda o poder de reflexão bastante para se orientar na vida, a lei procurou bloquear pela reflectida insensibilidade dos homens.


Utopia da lei? Se o for, que não se atribua aos tribunais a culpa do insucesso de uma nobre tentativa de moralização social.
Pelos fundamentos expostos, concedendo provimento ao recurso e condenando o recorrido em 500 escudos de imposto de justiça, revogam o acordão sub judice, confirmam o da Relação que ele havia revogado e tiram o seguinte assento:


A copula, consentida ou não, com menor de dezasseis anos, quando não constitua crime de estupro ou de violação, constitui o crime de atentado ao pudor, previsto e punido no paragrafo unico do artigo 391 do Codigo Penal, combinado com o artigo 27 da lei de 20 de Julho de 1912.


Lisboa, 01 de Maio de 1936

Arnaldo Vidal - A. Osorio de Castro - E. Santos - Mendes Arnaut - A. Campos - Sampaio Duarte - Arez - Carlos Alves
- Ponces de Carvalho - Alexandre de Aragão - J. Soares - Pires Soares - Ramiro Ferreira.