Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2525/11.3TTLSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: MÁRIO BELO MORGADO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
PACTO DE NÃO CONCORRÊNCIA
RENÚNCIA
ABUSO DO DIREITO
Data do Acordão: 04/30/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES.
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / CLÁUSULAS ACESSÓRIAS / CLÁUSULAS DE LIMITAÇÃO DA LIBERDADE DE TRABALHO.
Doutrina:
- Claus-Wilhelm Canaris, A liberdade e a Justiça Contratual na “Sociedade de Direito Privado”, in Contratos: Atualidade e Evolução, Edição da Universidade Católica Portuguesa, 1997, p. 49.
- Eduardo Peñacoba Rivas e Jaime Carbonell, Manual del Personal de Alta Dirección, Direção de Àlex Valls e Coordenação de Raquel Serrano, Editorial Aranzadi, 2012, pp. 56 – 57.
- João Zenha Martins, Os pactos de não concorrência no Código de Trabalho, Separata da RDES, ano 47.º (20 da 2.ª Série), n.ºs 3-4, p. 367.
- Júlio Manuel Vieira Gomes, Direito do Trabalho, I, 2007, p. 617; in Revista do Ministério Público, n.º 127, pp. 97 – 98.
- Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, II, 4ª edição, p. 210.
- Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 10.ª edição, Almedina, pp. 74 – 75, 122, 617.
- Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, Almedina, 16ª edição, p. 537.
- Ricardo Nascimento, Da Cessação do Contrato de Trabalho, em Especial por Iniciativa do Trabalhador, Coimbra Editora, 2008, pp. 361 - 362.
- Sofia Silva e Sousa, Obrigação de Não Concorrência com Efeitos Post Contractum Finitum, Universidade Católica Editora, 2012, p. 116.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 239.º, 334.º, 406.º, N.º1, 762.º, N.º2,.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT)/ 2003: - ARTIGO 146.º, N.º2, AL. C).
CÓDIGO DO TRABALHO (CT)/ 2009: - ARTIGO 136.º, N.º2.
LCT: - ARTIGO 36.º, N.º2, AL. C).
Sumário :

I - O pacto de não concorrência tem obrigatoriamente carácter oneroso e é sinalagmático (gera uma obrigação de non facere para o trabalhador e uma obrigação compensatória para o empregador), constituindo parte integrante do conjunto do contrato de trabalho (trata-se de uma cláusula acessória, conformadora de um efeito acessório da cessação do contrato).

II - Os pactos de não concorrência, para além de cercearem a liberdade de trabalhar no convencionado prazo de abstenção de concorrência, também limitam a cabal participação do trabalhador no mercado de trabalho nos antecedentes períodos, assim condicionando a sua possibilidade (e o seu interesse) de procurar/equacionar outras alternativas profissionais e de otimizar a gestão da sua carreira, realidade que se traduz mesmo, com frequência, em situações de perda de oportunidade.

III - O contrato de trabalho - como qualquer outro contrato - consubstancia um equilíbrio global, um conjunto de “pesos e contrapesos” que lhe conferem uma coerência unitária, o que não se compadece com uma análise compartimentada das diferentes partes que o integram, nomeadamente das cláusulas atinentes ao estatuto remuneratório do trabalhador e das relativas à compensação estipulada como contrapartida da não concorrência.

IV - Apesar de a compensação pela não concorrência não revestir natureza retributiva, goza da proteção que a lei desenha para a retribuição do trabalho, gerando a sua estipulação expectativas legítimas que não podem ser ignoradas, pelo que não é razoável permitir que as mesmas possam ser unilateralmente frustradas pelo empregador.

V - Assim, e na ausência de disposição legal que o consinta, não pode deixar de concluir-se no sentido da impossibilidade de subtrair os pactos de não concorrência do princípio segundo o qual os contratos livremente celebrados devem ser pontualmente cumpridos e só por acordo dos contraentes podem modificar-se (art. 406.º, n.º 1 do CC).

VI - Sendo certo que o A. imediatamente comunicou à R. não aceitar a renúncia ao pacto de não concorrência, nada nos autos evidencia, ou sequer sugere, a verificação de qualquer dos requisitos do abuso do direito invocado por esta.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I.

1. AA instaurou contra BB, Lda., atualmente denominada CC, Lda., ação declarativa, com processo comum, pedindo que seja declarada ilícita e de nenhum efeito a renúncia unilateral da ré às cláusulas 9.ª, 10.ª, 11.ª, 12.ª, 13.ª e 14.ª do aditamento ao contrato de trabalho outorgado entre as partes e, em consequência, que a mesma seja condenada a pagar-lhe, “a título de aplicação” das mesmas cláusulas, o montante de € 62 580,00, acrescido da quantia de € 28 000,00, correspondente à utilidade económica do veículo que ao mesmo estava atribuído, e da importância de € 12.000,00, a título de compensação por danos patrimoniais e por conta do dinheiro gasto pelo autor no veículo que lhe estava atribuído, tudo acrescido ainda de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento.

Requereu ainda a condenação da ré no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, de montante não inferior a € 300,00 por cada dia de incumprimento da decisão judicial que vier a ser proferida.

2. Para tanto, na matéria que releva para a decisão da Revista, alegou, em síntese:

- Trabalhou ao serviço da ré, sob as suas ordens, direção e fiscalização, desde 12 de Outubro de 1998;

- Exercia as funções correspondentes à categoria profissional de Diretor de Serviços e tinha a seu cargo a Direção Geral do Departamento de Produção Gráfica da ré;

- Em 1 de Julho de 2002 a ré celebrou com o autor um aditamento escrito ao contrato de trabalho, que visou ”melhorar as contrapartidas de prestação da atividade do autor para a ré e atribuir, ao autor, prémios e retribuições que o compensassem pela prestação da sua atividade e evitassem que fosse prestar a sua atividade para a concorrência”;

- Tal aditamento continha uma cláusula mediante a qual a ré se comprometia a pagar ao autor uma retribuição mensal correspondente a 100% do último vencimento mensal auferido por este durante o período de um ano contado da cessação do contrato de trabalho, por iniciativa do autor ou por despedimento (ainda que a ré invocasse justa causa), obrigando-se o autor, em contrapartida, a não prestar serviço, na qualidade de trabalhador subordinado, prestador de serviços, consultor ou outra, direta ou indiretamente, gratuita ou onerosamente, a qualquer outra empresa ou organização concorrente da ré;

- Através de carta datada de 23 de Fevereiro de 2007, a ré comunicou ao autor a sua decisão de “renunciar” ao assim clausulado;

- A cláusula em causa tinha sido outorgado em benefício das duas partes e a ré não invocou fundamento para a “renúncia”, pelo que o autor declarou por escrito não a aceitar;

- Através de carta datada de 17.08.2010, o autor denunciou o contrato de trabalho, com pré-aviso de 60 dias, acionando a cláusula de não concorrência supra mencionada.

3. A R. contestou, por impugnação, alegando, para além do mais, que o pacto de não concorrência foi firmado no seu exclusivo interesse, pelo que “prescindiu” legitimamente do seu cumprimento por parte do autor.

4. Foi proferida sentença, a julgar a ação improcedente.

5. Interposto recurso de apelação pelo A., o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), julgando-o parcialmente procedente, condenou a R. a pagar ao autor a quantia de € 62 580,00, “acrescida de juros de mora, desde a data da citação, e de juros à taxa de 5% ao ano”, a partir do trânsito em julgado da decisão.

6. Deste acórdão interpôs a R. recurso de Revista, sustentando, em síntese, nas conclusões da sua alegação:

- Excecionalmente, é legítimo ao empregador a fixação de cláusulas que limitem a liberdade de trabalho dos seus trabalhadores, uma vez terminada a sua relação laboral.

- Foi neste contexto que, em 2002, foi fixada uma cláusula de não concorrência, para se efetivar após a cessação do contrato de trabalho do A., a qual lhe vedava o exercício da atividade profissional durante o período de um ano, para qualquer empresa ou organização concorrente da Ré.

- Em 2007, deixou de se justificar a ameaça ou o risco de que o A. estivesse em condições de realizar efetiva e específica concorrência à Ré, pela razão de para si ter trabalhado (a designada "concorrência diferencial"), o que determinou a invalidade superveniente do pacto de não concorrência, dada a insubsistência de um dos seus pressupostos substantivos de validade.

- Tendo passado a faltar os fundamentos da aplicação do regime excecional, voltou a vigorar a regra geral do direito e da liberdade de trabalho (arts. 47.º e 58.º, da CRP).

- Pretender fazer do pacto de não concorrência um acordo legitimador da "inatividade", é fazer dele uma aplicação desviante, em sentido totalmente alheio à sua causa-função típica e aos interesses que se visam normalmente salvaguardar com a sua celebração, o que é contrário ao princípio da boa-fé e ao fim social e económico subjacente a tal pacto, em violação do artigo 334.º do Código Civil.

- Nada na matéria de facto provada permite indiciar uma atuação premeditada, preordenada ou de má fé por parte da R. entre o momento da renúncia ao pacto de não concorrência, em Fevereiro de 2007, e a cessação do contrato de trabalho, por denúncia do A., em Agosto de 2010.

- Esta denúncia teve como causa única e exclusiva o desacordo do A., relativamente à decisão da R. de promover a cessação do contrato de trabalho com dois trabalhadores do seu departamento.

 

- O A. pretendeu usar a suposta validade do pacto de não concorrência como "arma de arremesso" contra uma decisão da R., com a qual se encontrava em desacordo.

7. Contra-alegou o A., pugnando pela confirmação da decisão do TRL.

8. O Ex.m.º Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de ser negada a revista, em parecer a que as partes não responderam.

9. Inexistindo quaisquer outras de que se deva conhecer oficiosamente (art. 608.º, n.º 2, in fine, do CPC[1]), em face das conclusões das alegações, as questões a decidir são as seguintes:[2]

– Se a ré tinha direito a renunciar unilateralmente ao acordado nas cláusulas 9.ª a 14.ª do Aditamento ao contrato de trabalho de 01.07.2002 (que consubstanciam uma cláusula ou pacto de não concorrência);

– Em caso negativo, se o exercício do direito invocado pelo A. é abusivo.

10. Cumpre decidir, sendo aplicável à revista o regime processual que no CPC foi introduzido pela Lei 41/2013, de 26 de Junho, nos termos do art. 5.º, n.º 1, deste diploma[3].

E decidindo.

II.

11. A matéria de facto fixada pelas instâncias é a seguinte (transcrição expurgada dos factos destituídos de relevância para a decisão):

1. O autor foi admitido ao serviço da ré em 12 de Outubro de 1998 para, sob as suas ordens, direção e fiscalização, exercer as funções correspondentes à categoria profissional de Diretor de Serviços.

2. Tinha a seu cargo a Direção Geral do Departamento de Produção Gráfica da ré.

(...)
11. Em 1 de Julho de 2002 a ré e o autor subscreveram um escrito particular denominado “Aditamento ao Contrato de Trabalho” [constante de fls. 326 - 328 dos autos], com o seguinte teor:

 “(…)

9. No caso de cessação do presente contrato de trabalho, por iniciativa do 2.º outorgante [o A.] ou ocorrendo justa causa de despedimento, este obriga-se a, no prazo de um ano, não prestar serviço na qualidade de trabalhador subordinado, prestador de serviços, consultor ou outra, direta ou indiretamente, gratuita ou onerosamente, a qualquer empresa ou organização que seja concorrente do 1.º outorgante [a R.].

(…)

11. Durante o período referido, o 1.º outorgante pagará ao 2.º outorgante uma retribuição mensal correspondente a 100% do último vencimento mensal auferido por este (…).

(…)”

12. Este aditamento visou, além do mais, compensar o autor pela prestação da sua atividade e evitar que o autor fosse prestar a sua atividade para a concorrência.

13. A ré tomou a iniciativa de promover a assinatura do aditamento ao contrato com o autor para garantir a sua permanência nos próximos cinco anos na empresa.

14. A ré cumpriu com as obrigações assumidas com o autor no que se refere aos pontos 1 (um) e 2 (dois) do referido aditamento.
15. Com data de 23 de Fevereiro de 2007, a ré enviou ao autor, que a recebeu, uma carta [contendo um documento intitulado “Declaração de Renúncia ao Pacto de Não Concorrência”, com o teor constante de fls. 330 - 331 dos autos].

16. Através de carta datada de 12 de Abril de 2007, dirigida à ré, que a recebeu, o autor declarou não aceitar e não concordar com a declaração de renúncia supra mencionada [nos termos constante de fls. 333 dos autos].

17. A ré respondeu, argumentando que era a única beneficiária de tal obrigação.

18. O autor, através de carta registada com aviso de receção enviada à ré, que a recebeu, reiterou a sua não-aceitação da renúncia unilateral das mencionadas cláusulas do seu contrato de trabalho, considerando como válido o referido contrato de trabalho na sua totalidade.

19. A ré acusou a receção desta carta e respondeu ao autor, mantendo a sua posição.

20. O autor respondeu através de carta registada com aviso de receção, datada de 29.05.2007, reiterando a sua posição.

21. Em Maio de 2008, não obstante ter dado sem efeito parte das cláusulas constantes do contrato de trabalho celebrado com o autor, a ré reconheceu a vigência de outras constantes do mesmo aditamento, procedendo ao cumprimento da obrigação constante do n.º 1 (um) do mesmo.

22. A ré celebrou aditamentos ou contratos de trabalho semelhantes ao aditamento ao contrato de trabalho celebrado com o autor em 1 de Julho de 2002 com outros trabalhadores ao seu serviço, nomeadamente, com os trabalhadores DD e EE.

23. Tendo pugnado pelo cumprimento e validade de tais aditamentos/contratos, defendendo a validade e vigência de tais cláusulas, junto do Tribunal do Trabalho de Lisboa, em ação intentada contra os referidos trabalhadores.

24. Também celebrou aditamento similar com o trabalhador FF, tendo neste caso procedido ao pagamento das compensações/salários devidos pela obrigação de não concorrência assumida entre a ré e aquele trabalhador.

25. Em Agosto de 2010 o autor foi chamado pelo Dr. GG, Diretor Financeiro da ré, para uma reunião de Direção.

26. Tal reunião ocorreu na presença do Dr. HH, Vice-Presidente da ré, o qual transmitiu ao autor que deveria efetuar cortes salariais na sua unidade ou departamento; ou seja, que o autor deveria escolher duas pessoas dos produtores da sua equipa para saírem da ré.

27. Após ter analisado o que lhe tinha sido pedido, o autor concluiu que a redução de dois trabalhadores do seu departamento era, face ao contexto e resultados da ré, absolutamente desnecessária.

28. Alguns dias depois o autor comunicou ao Dr. HH que não tinha condições éticas e morais para propor e promover a cessação do contrato de trabalho de dois trabalhadores do seu departamento, pois era um departamento com uma elevada rentabilidade, não vislumbrando razões de gestão que pudessem fundamentar a cessação de dois contratos de trabalho.

29. O autor transmitiu ainda ao Dr. HH que iria colocar o seu lugar à disposição da ré para “não despedir ninguém” da sua unidade ou departamento.

30. A ré manteve que o autor teria que indicar duas pessoas do seu departamento, que ficariam numa lista para um eventual despedimento coletivo.

31. Mais uma vez o autor manifestou a sua oposição ao pretendido despedimento de duas pessoas do seu departamento e, com data de 17 de Agosto de 2010, apresentou a denúncia do seu contrato de trabalho, com pré-aviso de 60 dias [nos termos constantes de fls. 336 dos autos], a qual foi aceite pela ré.

32. Com data de 24 de Agosto de 2010 a ré dirigiu carta ao autor dispensando-o do cumprimento do dever de assiduidade até final do contrato de trabalho previsto para 17 de Outubro de 2010.

33. O contrato de trabalho do autor celebrado com a ré veio a cessar em 17 de Outubro de 2010 (...).

34. Com data de 13 de Dezembro de 2010, por intermédio de mandatário constituído para o efeito, o autor interpelou a ré, por carta registada que esta recebeu, para cumprir com o disposto na cláusula 9.ª do aditamento descrito em 11.

35. Até hoje a ré não pagou ao autor o valor que constava da mencionada cláusula 9.ª do aditamento.

36. O autor recusou, pelo menos, um convite para trabalhar na área da atividade da ré.

37. E no ano subsequente à cessação do contrato de trabalho que o unia à ré não desenvolveu atividade profissional concorrente com a ré.

(...)

III.


(a) - Se a ré tinha direito a renunciar unilateralmente ao pacto de não   concorrência.

12. Sobre esta matéria, a 1.ª instância discorreu nos seguintes termos:

“(...)

i. Alega o autor que:

- o aditamento ao contrato de trabalho visou melhorar as contrapartidas de prestação da sua atividade para a ré, evitando que rescindisse o seu contrato de trabalho e fosse prestar trabalho para outras sociedades concorrentes; ou seja,

- as cláusulas em causa não visavam, única e exclusivamente, impedir o autor de exercer a sua atividade para empresas, direta ou indiretamente concorrentes da ré mas, igualmente, premiar o autor pela sua atividade para a ré, após a cessação do seu contrato de trabalho, pelo que

- também o autor celebrou tal contrato no seu próprio interesse;

- a ré seguiu a mesma prática com outros seus trabalhadores, tendo pugnado pelo cumprimento, validade e vigência de tais cláusulas junto do Tribunal do Trabalho de Lisboa relativamente a dois trabalhadores e procedido ao pagamento da compensação devida pela obrigação de não concorrência que assumiu com outro trabalhador;

- nos termos do disposto no artigo 406.º, n.º 1 do Cód. Civil, o contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se, por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos por lei; ora,

- a legislação não prevê ou atribuiu a possibilidade ao empregador de renunciar a uma cláusula de não concorrência que tenha sido introduzida no contrato de trabalho, pelo que a ré não podia dar sem efeito, de modo unilateral, cláusulas do contrato de trabalho do autor cuja bilateralidade reconheceu no momento a que as partes se obrigaram ao respetivo cumprimento;

- o autor não desenvolveu nenhuma atividade profissional concorrente com a ré e recusou diversos convites para trabalhar na área da atividade da ré, de modo a cumprir com as cláusulas a que se tinha obrigado.

ii. Por seu turno, defende a ré que:

- deixara de se justificar a ameaça ou o risco de que o autor estivesse em condições de realizar efectiva e específica concorrência à ré pela razão de para si ter trabalhado;

- tal situação determinava a invalidade superveniente do pacto de não concorrência, em virtude da insubsistência de um dos seus pressupostos substantivos de validade; ou seja,

- faltando os fundamentos da aplicação do regime excecional, vigora a regra geral consignada nas normas constitucionais previstas nos 47.º e 58.º da CRP 

- pretender fazer do pacto de não concorrência um acordo legitimador, como alega o autor, é fazer dele uma aplicação desviante, em sentido totalmente alheio à sua causa-função típica e aos interesses que se visam normalmente salvaguardar com a celebração de pactos de não concorrência.

*

Quid juris?

No caso sub judice, a lei em vigor à data da outorga do Aditamento descrito no facto provado sob o n.º 11 era o Dec. Lei n.º 49408 de 24.11.1969 (…), designadamente o seu artigo 36.º.

Já quando a ré comunicou por escrito ao autor que renunciava com efeito imediato às cláusulas 9.ª a 14.ª daquele Aditamento, estava em vigor o Cód. do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto (…),o qual, através do seu artigo 146.º, manteve, ainda que com ligeiríssimas diferenças de redação, o regime legal anterior.

Assim, a LCT declarava, no seu artigo 36.º n.º 1, a nulidade das cláusulas dos contratos individuais e das convenções coletivas de trabalho que, por qualquer forma, pudessem prejudicar o exercício do direito ao trabalho, após a cessação do contrato de trabalho.

Tal declaração foi sempre entendida pela doutrina e pela jurisprudência como uma decorrência dos princípios da liberdade de escolha de profissão ou de género de trabalho e do direito ao trabalho, consagrados nos artigos 47.º n.º 1 e 58.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP).

No n.º 2, porém, permitia uma restrição àqueles princípios, tendo em conta a necessidade de ponderar interesses conflituantes: o do trabalhador exercer livremente a sua atividade profissional e o do empregador acautelar a denominada concorrência diferencial, que visa proteger o empregador de um risco específico, resultante da posição que o trabalhador ocupou na empresa.

Dado que representam restrições da liberdade de trabalho, a lei regulamentou de forma rigorosa as limitações convencionais ao exercício da atividade profissional por parte do trabalhador impondo, para tanto, o preenchimento cumulativo de determinados requisitos:

- a celebração das mesmas por forma escrita,

- um limite máximo de duração,

- a restrição do seu objeto a atividades verdadeiramente prejudiciais (por força, por exemplo, da transmissão de «know-how» específico ou desvio de clientes para um concorrente) e

- a atribuição ao trabalhador de uma compensação pelas limitações ao exercício da sua atividade profissional.

In casu, não se suscitam dúvidas de que as cláusulas 9.ª a 14.ª do Aditamento ao contrato de trabalho que unia as partes constituíam um verdadeiro pacto de não concorrência, que foi reduzido a escrito e estabeleceu o prazo de um ano de limitação da atividade do autor após a cessação do contrato de trabalho.

Por outro lado, nele se acordou que o autor receberia uma remuneração equivalente a 100% da última retribuição mensal durante o mencionado período de um ano.

Relativamente ao requisito constante da al. b) do citado artigo 36.º n.º 2 da LCT, tanto a doutrina quanto a jurisprudência vêm defendendo que, para se poder considerar válido, o pacto de não concorrência tem de ter por objetivo proteger o empregador de um risco específico, resultante da posição que o trabalhador ocupou na empresa.

(…)

Assim, não obstante o princípio da liberdade de trabalho previsto nos artigos 47.º n.º 1 e 58.º n.º 1 da CRP, a lei laboral reconhece que, em determinados casos, muito específicos, o empregador deve ter a possibilidade de defender a informação, o conhecimento e os recursos (clientes) a que o trabalhador teve acesso pela especial posição que detinha na empresa.

Os pactos de não concorrência têm, assim, como fim, ou objetivo, servir um interesse do empregador.

Contudo, o legislador não se demitiu da necessidade de acautelar/prevenir situações ilícitas ao condicionamento da liberdade de trabalho e exige o preenchimento cumulativo de determinados requisitos, sob pena de invalidade do pacto.

Ou seja, os pactos de preferências estabelecem-se, como alega a ré, em benefício do empregador mas a sua regulamentação é rigorosa e exigente, por forma a proteger a liberdade de trabalho do trabalhador.

Serve isto para dizer o fim ou objetivo de um pacto de não concorrência não é garantir um valor remuneratório/compensatório ao trabalhador; com efeito, o valor que é recebido pelo trabalhador a este título é apenas uma contrapartida, exigível na medida em que vê a sua liberdade de trabalho ser condicionada.

Em suma, a partir do momento em que o empregador liberta o trabalhador da restrição ao trabalho, deixa de existir qualquer contrapartida que justifique o recebimento de uma quantia em dinheiro a título de compensação/retribuição por pacto de não concorrência; isto é, deixa necessariamente de existir qualquer interesse legítimo do trabalhador a tutelar.

*

Argumenta o autor que a ré deu sem efeito, de modo unilateral, cláusulas do contrato de trabalho cuja bilateralidade reconheceu no momento em que as partes se obrigaram ao seu cumprimento, e que só podem modificar-se e/ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos por lei. Concluiu que não deu o seu consentimento à renúncia da ré ao pacto de não concorrência e a lei não prevê a possibilidade de o empregador renunciar unilateralmente a uma cláusula de não concorrência introduzida no contrato de trabalho.

De facto, o artigo 146.º do CT2003 não faz qualquer referência à possibilidade de o empregador poder, ou não, renunciar unilateralmente a um pacto de não concorrência. E é verdade que o autor não aceitou a renúncia da ré.

No entanto, e tomando em consideração que o fim/objetivo dos pactos de não concorrência é servir um interesse específico do empregador, tem de se admitir que o empregador pode perder esse interesse. O que, no caso em apreço, se verificou, atenta a renúncia expressa, por escrito, que consta do facto provado sob o n.º 15.

Acresce que é comum, no decorrer da relação laboral, que o prejuízo que o pacto visa acautelar varie, em consequência de um conjunto de dados só reconhecíveis no fim da relação laboral. Por esta razão, aliás, a lei não exigia, nem exige, que o valor da compensação/retribuição devida ao trabalhador como contrapartida esteja determinado no acordo; basta que seja determinável, nos termos do artigo 280.º do Cód. Civil - cfr., neste sentido, entre outros, os Acórdãos da Relação de Lisboa de 14.01.2009, em que é Relatora Maria João Romba, e de 10.12.2009, em que é Relatora Isabel Tapadinhas, disponíveis em www.dgsi.pt.

Ou seja, no decorrer da relação laboral o prejuízo que o pacto de não concorrência visa acautelar pode variar, aumentando, diminuindo ou tornando-se mesmo inexistente. Se assim é, como nos parece razoável que seja, é perfeitamente possível que o empregador conclua, a dado momento, pela inexistência de risco de uma concorrência diferencial.

Não permitir que o possa declarar/comunicar ao trabalhador de forma unilateral, com todas as suas consequências, consubstancia-se numa contradição jurídica na exata medida em que é a própria lei que exige, para a validade do pacto de não concorrência, um risco efetivo e especialmente atendível (alegado e demonstrado pelo empregador) de prejuízos para este!

(…)

Por outro lado, o argumento formal que o autor invoca, da bilateralidade e natureza sinalagmática do Aditamento onde está incluído o pacto de não concorrência, não pode significar, no entender deste tribunal e salvo o devido respeito, a impossibilidade de qualquer das partes renunciar/revogar, ainda que unilateralmente, ao pacto de não concorrência.

Primeiro porque, como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.02.2009 (em que é Relator Hélder Roque, disponível em www.dgsi.pt), «o pacto de não concorrência (…) é autónomo e distinto do antecedente contrato de trabalho, de natureza sinalagmática e onerosa» e é subsequente à cessação das obrigações que, até então, uniam trabalhador e empregador, «impondo aos mesmos sujeitos novas obrigações correlativas, ou seja, uma obrigação de «non facere» para o trabalhador e uma obrigação compensatória para o empregador».

Depois, porque o trabalhador pode livremente revogar a limitação voluntária ao exercício do direito ao trabalho, nos termos do artigo 81.º n.º 2 do Cód. Civil.

Por maioria de razão, tem de se permitir que o empregador possa renunciar ao pacto de não concorrência, tanto mais que o mesmo serve, como já se referiu, um seu interesse específico.

*

Argumenta também o autor que o Aditamento ao contrato de trabalho visou melhorar as contrapartidas da prestação da sua atividade e a cláusula de não concorrência visava, especificamente, premiá-lo pela sua atividade profissional ao serviço da ré.

Não foi feita qualquer prova nesse sentido (veja-se o despacho de fls. 298 a 317, designadamente no que respeita aos factos dados como não provados e à respectiva motivação).

Por outro lado, da leitura das diversas cláusulas do Aditamento, o que resulta é que as partes acordaram prémios por objetivos (cláusula 1.ª), um prémio por lealdade (cláusula 2.ª), um dever de exclusividade por parte do trabalhador (cláusulas 3.ª e 4.ª), um dever de sigilo por parte do trabalhador (cláusulas 5.ª a 8.ª), um pacto de não concorrência (cláusulas 9.ª a 14.ª) e uma cláusula penal (cláusula 15.ª), não se vislumbrando qualquer inter-relação ou dependência entre as diversas cláusulas, quer da letra do acordo quer dos autos ou dos factos provados.

(…).

Finalmente, sustenta o autor que celebrou o pacto de não concorrência no seu próprio interesse.

Contudo, e como já se explanou supra, a compensação/retribuição que lhe era devida nos termos do pacto de não concorrência deve ser entendida como mera contrapartida da defesa do interesse específico da ré. A partir do momento em que a ré liberta o trabalhador da restrição da liberdade ao trabalho deixa de existir o fundamento que justifica a compensação/retribuição acordada no pacto de não concorrência.

No fundo, o que o autor parece defender na presente acção, ao sustentar que não aceitou a renúncia da ré e, em consequência, não desenvolveu atividade profissional concorrente com a ré no ano subsequente à cessação do contrato de trabalho que os unia (o que ficou provado sob o n.º 37) e recusou convites para trabalhar na área de atividade da ré (provado relativamente a pelo menos um convite, como resulta do facto provado sob o n.º 36), é que o pacto de não concorrência deve tutelar a sua inatividade.

 

Esta posição jurídica é, no nosso entender, contrária à lei.

Com efeito, e salvo o devido respeito, o que a lei tutela, com a regulamentação do pacto de não concorrência, é o direito ao trabalho.

Tanto assim é que apenas admite a celebração de pactos de não concorrência (que restringem aquele direito) de forma condicionada, estabelecendo requisitos rigorosos que têm de se verificar cumulativamente.

Não se vislumbra, pois, que a tese defendida pelo autor possa proceder, sob pena de um enriquecimento sem causa, que pode mesmo configurar um abuso de direito.

*

A posição jurídica defendida por este tribunal não obsta, naturalmente, a que o trabalhador possa pedir a condenação do empregador por danos sofridos, por força das expectativas que tinha, ou da forma como orientou a sua conduta na celebração do contrato de trabalho (nos casos em que o pacto de não concorrência é outorgado nessa fase) ou no decorrer da relação laboral, na decorrência do pacto de não concorrência outorgado.

Contudo, e no caso em apreço, não se vislumbra que expectativas o autor poderia ter quando decidiu denunciar o contrato de trabalho que o unia à ré (recorde-se que a ré já tinha declarado e reiterado a sua renúncia ao pacto de não concorrência há mais de três anos).

Por outro lado, a inatividade profissional do autor durante um ano e a recusa de pelo menos um convite para trabalhar para uma empresa concorrente da ré, não foram quantificadas em termos de prejuízo patrimonial.

Mas, sobretudo, nem uma situação, nem a outra foram alegadas como fundamento de um pedido de indemnização por danos patrimoniais e/ou morais, mas como forma de comprovar que o autor cumpriu a sua parte do pacto de não concorrência que, no seu entender, se manteve válido, apesar da renúncia da ré.

(…)”

13. Contrariamente, considerou o Tribunal da Relação de Lisboa:

“(...)

Os pactos de não concorrência têm (…) como fim, ou objetivo, servir um interesse do empregador, visando obviar ou impedir a possibilidade de concorrência diferencial que se traduz na possibilidade de alguns trabalhadores pelas funções que exercem poderem arrastar consigo uma parte substancial da clientela ou divulgar segredos de fabrico ou informações confidenciais que podem ser prejudiciais para os interesses da sua anterior empresa, e que são igualmente dignos de tutela jurídica.

Contudo, o legislador não se demitiu da necessidade de acautelar/prevenir situações ilícitas ao condicionamento da liberdade de trabalho e exige o preenchimento cumulativo de determinados requisitos, sob pena de invalidade do pacto.

Continua o recorrente a insistir que a ré deu sem efeito, de modo unilateral, cláusulas do contrato de trabalho cuja bilateralidade reconheceu no momento em que as partes se obrigaram ao seu cumprimento e que só podem modificar-se e/ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos por lei e concluiu que não deu o seu consentimento à renúncia da ré ao pacto de não concorrência e a lei não prevê a possibilidade de o empregador renunciar unilateralmente a uma cláusula de não concorrência introduzida no contrato de trabalho.

Adianta-se, desde já, que, em nosso entender, a razão está do lado do recorrente.

A nossa lei, ao contrário de outras, não atribui ao empregador a possibilidade de renunciar a uma cláusula de não concorrência que tenha sido introduzida no contrato de trabalho, devendo mesmo considerar-se nulo o mecanismo contratual que consiste em inserir um pacto de não concorrência no contrato de trabalho, mas acompanhá-lo, da previsão da possibilidade de o empregador denunciar pacto até ao momento em que o contrato de trabalho cessa ou em um período de tempo, mais ou menos curto, após esse momento ou de o empregador poder optar pela cláusula de não concorrência no momento da cessação do contrato, reservando-se, assim, o empregador a possibilidade de tomar a decisão final no momento da cessação do contrato de trabalho ou em momento próximo deste, se lhe interessa ou não invocar a obrigação de não concorrência e pagar a correspondente compensação (…).

Trata-se, de facto, de um expediente fraudulento sancionável com a nulidade, para iludir as disposições imperativas. A possibilidade de desistência unilateral pelo empregador viola a boa fé, consentindo ao empregador a denúncia do pacto quando o trabalhador já sofreu uma limitação na própria liberdade do trabalho, cerceando-se a possibilidade de procurar uma outra ocupação e, nesta hipótese, o pacto de opção ou faculdade de desistir unilateralmente será nula, mas não a própria cláusula de não concorrência (…)

Não atribuindo a nossa lei ao empregador a possibilidade de renunciar a uma cláusula de não concorrência, como não atribui e não tendo o autor aceitado a renúncia da ré, forçoso é, pois, concluir pela nulidade da renúncia por ela operada.

(…)”

14. No essencial, sufragamos a fundamentação desenvolvida no acórdão recorrido, bem como o sentido decisório alcançado.

Para além das razões já constantes do mesmo, mais algumas considerações se impõem, sendo certo que está em causa uma matéria doutrinariamente controversa – o que se compreende, uma vez que neste âmbito conflituam liberdades fundamentais, princípios e valores cuja harmonização suscita evidentes dificuldades (para além do interesse do empregador e da liberdade de trabalho e de iniciativa económica do trabalhador, há ainda a considerar o princípio da livre e leal concorrência).  

15. Há autores que afirmam a possibilidade de o empregador renunciar unilateralmente às cláusulas de não concorrência[4] e outros que sustentam a tese contrária[5].

Todavia, no conjunto dos primeiros, consideram alguns que “a possibilidade de renúncia por parte do empregador deverá ser objeto de previsão negocial específica, por força do princípio da força vinculativa ou da obrigatoriedade dos contratos, constante do n.º 1 do art. 406.º do CC”.[6] 

Ao invés, entre os defensores do entendimento contrário, não falta quem sustente que a renúncia unilateral pelo empregador não pode ocorrer mesmo na presença de previsão negocial específica possibilitante da renúncia”, alegando que “admitir que o empregador pudesse, de motu próprio, pôr fim à obrigação de não concorrência significaria propiciar-lhe a extração da obrigação de não concorrência de um efeito sucedâneo ao que é produzível por um pacto de permanência, ao arrepio dos pressupostos do art. 147.º, (…) sem ter de assumir a contrapartida que abona ao pacto de não concorrência uma qualificação sinalagmática”.[7]

No mesmo sentido, agora na doutrina espanhola, se pronunciam Eduardo Peñacoba Rivas e Jaime Carbonell[8], nos seguintes termos:

“O pacto de não concorrência pós-contratual gera uma série de expetativas tanto para o trabalhador (indemnização para o compensar do prejuízo que pode supor-se que tem ao dedicar-se, depois de extinto o contrato e durante o tempo pactuado, a outra atividade distinta, para o que porventura não estará preparado (…), como para o empregador (…).

Estamos, pois, perante um pacto de natureza bilateral, obrigando-se uma parte a não concorrer e a outra a dar em troca uma compensação adequada.

A consequência direta e mais transcendente que deriva de tal natureza é que o cumprimento das obrigações daí emergentes não pode ficar ao arbítrio de uma das partes (…).

Isso determinou que numerosas decisões judiciais tenham estabelecido de forma taxativa a impossibilidade por parte do empresário de estabelecer uma condição resolutiva, segundo a qual poderia renunciar, sem mais, ao pacto de não concorrência, sem pagar a compensação (…).

Neste sentido, por exemplo, a recente sentença do Tribunal Supremo (…), seguindo outras anteriores, (…) [notando] não poder olvidar-se que o pacto (…) gera para o trabalhador não só a expectativa de uma indemnização, mas também a necessidade de se preparar para uma futura atividade nova, com novas expectativas que podem ficar frustradas por uma decisão unilateral.”

16. A lógica subjacente à tese (diametralmente oposta) preconizada na 1.ª instância (com argumentação muito bem estruturada e cuja consistência não pode deixar de assinalar-se), radica na finalidade e razão de ser dos pactos ora em análise.

Constatando (e bem) que eles são estabelecidos – à partida - em benefício do empregador, infere-se que, “a partir do momento em que o empregador liberta o trabalhador da restrição ao trabalho, deixa de existir qualquer contrapartida que justifique o recebimento de uma quantia em dinheiro a título de compensação/retribuição por pacto de não concorrência, isto é, deixa necessariamente de existir qualquer interesse legítimo do trabalhador a tutelar”[9]

Parte-se de uma premissa certa.

Mas são subvalorizadas outras dimensões do problema, que impõem conclusão diversa.

Vejamos.

16. O pacto de não concorrência tem obrigatoriamente carácter oneroso (cfr. arts. 36.º, n.º 2, c), LCT, 146.º, n.º 2, c), CT/2003, e 136º, n.º 2, c), CT/2009) e é sinalagmático (gera uma obrigação de non facere para o trabalhador e uma obrigação compensatória para o empregador)[10], constituindo parte integrante do conjunto do contrato de trabalho [trata-se de uma cláusula acessória, conformadora de um efeito (acessório) da cessação do contrato[11]].

Na atualidade, como se sabe, o Direito dos Contratos encontra-se enformado por uma filosofia dirigida à compatibilização da liberdade e da justiça contratuais.[12]

Para isso, convocam-se princípios fundamentais, como é o caso dos da autonomia da vontade (nas suas vertentes da autorregulação e autorresponsabilidade) e da força vinculativa dos contratos (pacta sunt servanda). Ao mesmo tempo, é conferida especial atenção à complexidade da relação contratual (constituída por uma multiplicidade de elementos que se coligam em função de uma “identidade de fim” e lhe imprimem um “carácter unitário e funcional”) e “à exata satisfação dos interesses globais envolvidos na relação obrigacional", numa abordagem dinâmica, integrada e coerente desses múltiplos interesses, “que encara a (…) relação obrigacional como um sistema, organismo ou processo, encadeado (…) em direção ao adimplemento”.[13]

Assim o impõe (para além do mais) uma cláusula fundamental e sempre presente em qualquer contrato: a da boa fé objetiva (considerada enquanto padrão/norma de conduta) que, na feliz síntese de Sibert/Knopp, pode definir-se como “a imposição de tomar em consideração os interesses legítimos da contraparte”[14].

Com efeito, como a lei estipula: é à sua luz, desde logo, que deve ser apreendida a vontade das partes relativamente ao exato sentido do programa contratual que as liga (cfr. art. 239.º, C. Civil); e, quanto à execução desse programa, também é de acordo com a boa fé que elas devem proceder no exercício dos direitos e no cumprimento das obrigações (cfr. arts. 334.º e 762.º, n.º 2, do mesmo diploma).

Revertendo ao caso dos autos, há que atentar, em primeiro lugar, que os pactos de não concorrência, para além de cercearem a liberdade de trabalhar no convencionado prazo de abstenção de concorrência, também limitam a cabal participação do trabalhador no mercado de trabalho nos antecedentes períodos, assim condicionando a sua possibilidade (e o seu interesse) de procurar/equacionar outras alternativas profissionais e de otimizar a gestão da sua carreira, realidade que se traduz mesmo, com frequência, em situações de perda de oportunidade (também doutrinariamente referenciadas com a expressão perda de chance).

A ilustrar que assim é, refira-se que “o autor recusou, pelo menos, um convite para trabalhar na área da atividade da ré”, bem como que “no ano subsequente à cessação do contrato de trabalho que o unia à ré não desenvolveu atividade profissional concorrente com a ré” (pontos 36 e 37 dos factos provados)

Acresce, como já foi referido, que a cláusula de não concorrência implica, amiúde, a necessidade de o trabalhador se preparar para uma futura atividade nova.

Por outro lado, não pode desconhecer-se que todo o contrato consubstancia um equilíbrio global, um conjunto de “pesos e contrapesos” que lhe conferem uma coerência unitária, o que não se compadece com uma análise compartimentada das diferentes partes que o integram, nomeadamente das cláusulas atinentes ao estatuto remuneratório do trabalhador e das relativas à compensação estipulada como contrapartida da não concorrência.

Esta “compensação” - cujo pagamento, no entendimento de alguma doutrina estrangeira, representa uma condição de eficácia dos pactos deste tipo[15] - não reveste, evidentemente, natureza retributiva (não há prestação, mas abstenção de trabalho).

Mas a sua estipulação é geradora de expectativas legítimas que não podem ser ignoradas, pelo que não parece razoável permitir - dadas as implicações do princípio da boa fé e numa adequada ponderação de todos os interesse envolvidos - que as mesmas possam ser unilateralmente frustradas pelo empregador.

Acresce, como sustenta Monteiro Fernandes, que a esta compensação deve considerar-se “aplicável, na generalidade, e por manifesta analogia, o regime protetivo que a lei desenha para a retribuição do trabalho”, uma vez que está em causa um “contravalor de um trabalho que o trabalhador fica privado de prestar[16].

Em suma: na ausência de disposição legal que o consinta e tendo em conta todas as razões expostas, não pode deixar de concluir-se no sentido da impossibilidade de subtrair os pactos de não concorrência do princípio segundo o qual os contratos livremente celebrados devem ser pontualmente cumpridos e só por acordo dos contraentes podem modificar-se (art. 406.º, n.º 1, C. Civil).

 b) - Se o exercício do direito invocado pelo A. é abusivo.

17. “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito” – art. 334º, do CC.

Como, aliás, decorre do tudo o já exposto anteriormente, nada nos autos evidencia, ou sequer sugere, a verificação de qualquer dos requisitos do invocado abuso do direito.

Alega a recorrente que “nada na matéria de facto provada permite indiciar uma atuação premeditada, preordenada ou de má fé por parte da R. entre o momento da renúncia ao pacto de não concorrência, em Fevereiro de 2007, e a cessação do contrato de trabalho, por denúncia do A., em Agosto de 2010”, mas a verdade é que a má fé não é pressuposto da obrigação de pagar a contrapartida em causa.


Sendo certo que logo em Abril de 2007 o A. comunicou à R. não aceitar a renúncia ao pacto de não concorrência (cfr. pontos 16, 18 e 20 dos factos provados), também são irrelevantes as razões pelas quais o mesmo pôs termo ao contrato de trabalho, uma vez que a cláusula 9.ª do efetuado aditamento o onera com a obrigação de não concorrência no prazo de um ano subsequente à cessação do contrato, por justa causa ou por iniciativa daquele, independentemente da natureza dos inerentes motivos.

Sem necessidade de mais considerações, improcede, pois, a revista.

IV.


18. Em face do exposto, negando a revista, acorda-se em confirmar o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

Anexa-se sumário do acórdão.

Lisboa, 30 de Abril de 2014

Mário Belo Morgado (Relator)

Pinto Hespanhol

Fernandes da Silva

_____________________
[1] Todas as referências ao CPC são reportadas à versão mencionada no ponto n.º 10 do presente acórdão.

[2] O tribunal deve conhecer de todas as questões suscitadas nas conclusões das alegações apresentadas pelo recorrente, excetuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução entretanto dada a outra(s) [cfr. arts. 608.º, n.º 2, 635.º e 639.º, n.º 1, e 679º, CPC], questões (a resolver) que, como é sabido,  não se confundem nem compreendem o dever de responder a todos os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, os quais nem sequer vinculam o tribunal, como decorre do disposto no art. 5.º, n.º 5, do mesmo diploma.
[3] Os autos tiveram início no decurso do ano de 2011.
[4] V.g. Ricardo Nascimento, Da Cessação do Contrato de Trabalho, em Especial por Iniciativa do Trabalhador, Coimbra Editora, 2008, p. 361 - 362.
[5] Cfr. Júlio Manuel Vieira Gomes, Direito do Trabalho, I, 2007, p. 617.
[6] Sofia Silva e Sousa, Obrigação de Não Concorrência com Efeitos Post Contractum Finitum, Universidade Católica Editora, 2012, p. 116.
[7] João Zenha Martins, Os pactos de não concorrência no Código de Trabalho, Separata da RDES, ano 47.º (20 da 2.ª Série), n.ºs 3-4, p. 367. No mesmo sentido, Júlio Manuel Vieira Gomes, Revista do Ministério Público, n.º 127, pp. 97 – 98.
[8] Manual del Personal de Alta Dirección, Direção de Àlex Valls e Coordenação de Raquel Serrano,  Editorial Aranzadi, 2012, pp. 56 – 57.
[9] Na expressão da sentença proferida nos autos.
[10] Donde decorre, por exemplo, a possibilidade de invocar a exceção de não cumprimento do contrato ou a de o trabalhador resolver o pacto por incumprimento da parte contrária.
[11] Cfr. Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, II, 4ª edição, p. 210.
[12] Cfr. Claus-Wilhelm Canaris, A liberdade e a Justiça Contratual na “Sociedade de Direito Privado”, in Contratos: Atualidade e Evolução, Edição da Universidade Católica Portuguesa, 1997, p. 49.
[13] Cfr. Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 10.ª edição, Almedina, p. 74 – 75.
[14] Citado por Mário Júlio de Almeida Costa, ob. cit., p. 122.
[15] Ob. cit., p. 617.
[16] Direito do Trabalho, Almedina, 16ª edição, p. 537