Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2440/19.2T8BRR.L1.S2
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: JÚLIO GOMES
Descritores: REVISTA EXCECIONAL
Data do Acordão: 11/29/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA EXCEPCIONAL
Decisão: NÃO ADMITIDA A REVISTA EXCECIONAL.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
I- Não se verifica, ao nível da nossa jurisprudência controvérsia que justifique a intervenção deste Tribunal a propósito de determinar se a obrigatoriedade de subsídio de férias e subsídio de Natal e a duração mínima de 22 dias de férias anuais integram as normas inderrogáveis por acordo que devem aplicar-se a uma relação de trabalho executada habitualmente em Portugal, por força do artigo 8.º n.º 1 do Regulamento Roma 1.
II- Tão-pouco estão em causa interesses de particular relevância social, não ocorrendo qualquer perturbação da consciência social em decidir-se, como se decidiu, que um trabalhador que executa o seu contrato em Portugal, tem direito, em regra, como mínimo legal a 22 dias de férias por ano e a receber subsídio de Natal e subsídio de férias.
III- Quem invoque a alínea c) do n.º 1 do artigo 672.º, tem o ónus de indicar um Acórdão de qualquer uma das Relações ou do Supremo, já transitado em julgado e proferido no domínio da mesma legislação, que esteja em contradição com o Acórdão recorrido e de enunciar os aspetos de identidade que determinam a contradição alegada.
Decisão Texto Integral:


Processo n.º 2440/19.2T8BRR.L1.S2 (revista excecional)

Acordam na Formação prevista no artigo 672.º n.º 3 do CPC junto da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,


Crewlink Ireland, Ltd., Recorrente nos presentes autos, em que é Recorrido AA, notificada do acórdão proferido pela Relação de Lisboa no âmbito deste processo, e não se conformando com o mesmo, veio, “nos termos do disposto no artigo 79.º e s. do CPT, e no artigo 671.º, n.º 1 e 672.º, n.º 1, als. a), b) e c), do CPC, do mesmo interpor recurso excecional de revista, com subida imediata nos próprios autos”.
Nas suas alegações o Recorrente invoca, como já foi referido, as três alíneas do n.º 1 do artigo 672.º do CPC.
Sublinhe-se que a questão não é nova tendo-se colocado designadamente no Acórdão proferido por esta Formação no processo n.º 19733/19.1T8LSB.L1.S2 em que se decidiu que a revista excecional não deveria ser admitida.
Como nesse Acórdão se afirmou em termos que mantêm a sua atualidade e pertinência:
“A alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC prevê a admissibilidade da revista excecional quando esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Neste caso a questão com que estamos confrontados é a determinação da lei aplicável a um contrato de trabalho em que as partes acordaram na aplicação de uma lei estrangeira – a lei irlandesa – como resulta da cláusula 37.º do contrato de trabalho, mas em que a trabalhadora, enquanto tripulante de bordo, “desde 26 de outubro de 2014, que (…) está afeta à base de Lisboa por conta da Crewlink Ireland, devendo prestar a sua atividade para a R...” (facto 22) e “é a partir de Lisboa que a A. efetua o seu trabalho de tripulante, iniciando habitualmente o seu período de trabalho e aqui voltando para pernoitar” (facto 38).
O Acórdão recorrido, por aplicação do artigo 8.º do Regulamento Roma I concluiu que “[t]endo as partes escolhido a Lei irlandesa para regular as relações contratuais entre as partes, mas verificando-se que as normas imperativas da Lei portuguesa que atribuem o direito aos subsídios de férias e de Natal conferem à trabalhadora maior proteção que a Lei irlandesa, dever-se-á aplicar a Lei portuguesa, nos termos previstos no art. 8.o, n.° l do Regulamento Roma I (CE) n.° 593/2008” (n.º 2 do sumário do Acórdão).
Sublinhe-se que também no presente caso consta da matéria de facto dada como provada nas instâncias que “para desempenhar as suas funções o Autor apresentava-se, todos os dias em que prestasse trabalho, junto da competente Sala dos Tripulantes no referido aeroporto [o aeroporto de Lisboa], em Portugal” (facto OOO) e “Portugal é o país no qual o Autor se apresentava a trabalhar e o país onde iniciava e ao qual regressava no final da sua jornada de trabalho” (facto PPP), embora “os contratos de trabalho fazem referência à escolha da lei irlandesa como a lei aplicável à relação laboral, o que se deveu a imposição da Ré” (facto NNN). E também o Acórdão recorrido nestes autos destacou que, de acordo com o Regulamento n.º 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho de 17 de junho de 2008, mormente o seu artigo 8.º n.º 1, “a escolha da lei não pode privar o trabalhador da proteção proporcionada pelas disposições não derrogáveis por acordo da lei que seria aplicável na falta de acordo”, entre as quais se conta a própria existência de subsídio de férias e de subsídio de Natal.

Para o Recorrente esta solução assentou em uma “argumentação que contraria, de forma séria e inequívoca, o disposto no Regulamento CE n.º 593/2008, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de junho de 2008, sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (“Regulamento Roma I”)” (Conclusão II), uma desconsideração da natureza plurilocalizada da relação laboral em causa (Conclusão V), criando um óbice à movimentação de trabalhadores de outros ordenamentos para Portugal e “um novo e relevante obstáculo à livre circulação de trabalhadores” (Conclusão IX), sendo um resultado que choca com uma elementar perceção da justiça (Conclusão XII).

Começando por apreciar o fundamento da alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC, importa ter presente que a própria letra da lei sugere inequivocamente a excecionalidade desta revista. Com efeito, terá que tratar-se de “uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.  Ora resulta dos factos provados nas instâncias que instâncias que em 28 de novembro de 2018 a Entidade Empregadora Crewlink Ireland, Ltd., e o SNPVAC celebraram um Acordo que veio prever a transição e futura aplicação da legislação laborai portuguesa às relações laborais entre a Entidade Empregadora e os seus trabalhadores a desempenhar funções em Portugal (facto J) o que logo evidencia o interesse temporalmente circunscrito da questão. Acresce que n jurisprudência se tem pronunciado pacificamente no sentido da solução encontrada pelo Acórdão recorrido pelo que também dessa perspetiva não se vê motivo para a intervenção deste Supremo Tribunal de Justiça.

Relativamente à alínea b) do n.º 1 do artigo 672.º não vemos que estejam em jogo, no caso concreto dos autos, interesses de particular relevância social. Também esta alínea deve ser interpretada de modo a não vulgarizar a revista excecional. Não se vê porque é que a decisão recorrida suscitaria um especial alarme ou contribuiria para descredibilizar a justiça, não havendo qualquer perturbação da consciência social em decidir, como se decidiu, que são normas inderrogáveis da lei portuguesa que um trabalhador tem direito, em regra, como mínimo legal, a 22 dias de férias por ano e a receber subsídio de Natal e subsídio de férias. Sublinhe-se que também não se cria, assim, qualquer óbice à circulação de trabalhadores, tendo apenas o empregador interesse em acordar com o trabalhador, contratado inicialmente para trabalhar no estrangeiro, antes da mudança do local de trabalho habitual para Portugal, por exemplo, a distribuição da retribuição anual de modo a cumprir a norma imperativa da lei portuguesa que obriga todos os empregadores a pagar aos seus trabalhadores subsídio de férias e subsídio de Natal.

Quanto à alínea c) do n.º 1 do artigo 672.º, ainda que o Recorrente invoque uma contradição entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento não indica, nem tão-pouco enuncia, os aspetos de identidade que determinam a contradição alegada. Com efeito, a questão sobre a qual o Tribunal recorrido se pronunciou não foi propriamente a natureza jurídica dos subsídios de férias e subsídios de Natal (questão relativamente à qual o Recorrente cita jurisprudência vária), mas a imperatividade dos mesmos. E o Recorrente não invoca qualquer Acórdão, das Relações ou do Supremo, que se tenha pronunciado no sentido de serem derrogáveis por acordo as normas legais que preveem o subsídio de férias e o subsídio de Natal.

Decisão: Acorda-se em não se admitir a presente revista excecional.

Custas pelo Recorrente

Lisboa, 29 de novembro de 2022

Júlio Gomes (Relator)

Ramalho Pinto

Mário Belo Morgado