Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
360/12.0T2AND.C1.S2
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: JOÃO CAMILO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
LIMITE DA RESPONSABILIDADE DA SEGURADORA
LESADOS
Data do Acordão: 10/08/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL.
DIREITO DOS SEGUROS - SEGURO OBRIGATÓRIO DE RESPONSABILIDADE CIVIL AUTOMÓVEL.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
- Hubert Groutel, no Traité du Contrat d´Assurance Terrestre, citado no acórdão do S.T.J. proferido em 25-05-2015, no processo n.º 1101/12.8TBMAI.P1.S1.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.º2, 508.º, N.º1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 635.º, N.º 4, 639.º, N.º 1, 663.º, N.º6, 672.º.
DECRETO-LEI N.º 522/85 DE 31-12, NA REDAÇÃO QUE LHE FOI DADO PELO DECRETO-LEI N.º 3/96 DE 25-01: - ARTIGOS 6.º, 16.º, N.º2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
- AUJ N.º 3/ 2004 PROFERIDO EM 25-03-2004, PUBLICADO NO DIÁRIO DA REPÚBLICA, I SÉRIE A, DE 13-05-2004.
Sumário :
A seguradora demandada que pretende defender-se com a exceção ao direito do lesado demandante, consistente no esgotamento do capital segurado com o pagamento efetuado a outros lesados, tem de alegar e provar que efetuou os pagamentos em causa de boa fé ou no desconhecimento da existência de outros lesados, em obediência ao disposto no nº 2 do art. 16º do Decreto-Lei nº 522/85 de 31/12. 
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

AA, Companhia de Seguros, S.A. veio propor a presente acção sob a forma de processo ordinário contra a  Companhia de Seguros BB, S.A., pedindo, entre o mais, o seguinte:

i) A condenação da ré no pagamento à autora da quantia global de € 105.060,19, reportando-se € 25.860,61 a juros de mora vencidos sobre o capital de € 35.560,77 desde 25.09.2003 a 15.11.2011, € 25.009,10 a pensões pagas pela Autora desde 21/06/2006 a 30/06/2012 à viúva e filhos do falecido CC, e € 54.190,48 a reserva matemática constituída pelas pensões futuras, e ainda juros de mora à taxa legal sucessivamente aplicável para as transações comerciais, contabilizados sobre o valor de capital de € 79.199,58, desde a citação para a presente ação até integral e efetivo pagamento; e

ii) Subsidiariamente, e para a eventualidade de assim se não entender, ser a ré condenada a pagar à autora a importância global de € 105.060,19, reportando-se € 25.860,61 a juros de mora vencidos sobre o capital de € 35.560,77 desde 25.09.2003 a 15.11.2011, € 25.009,10 a pensões pagas pela Autora desde 21/06/2006 a 30/06/2012 à viúva e filhos do falecido CC, e € 54.190,48 a reserva matemática constituída pelas pensões futuras, e ainda juros de mora à taxa legal sucessivamente aplicável para as transações comerciais, contabilizados sobre o valor de capital de € 79.199,58, desde a citação para a presente ação até integral e efetivo pagamento, a título de restituição por enriquecimento sem causa justificativa.

Alegou, para tanto, que sob o nº 996/03.0TBALB correram os autos de processo ordinário, nos quais foi proferida sentença a condenar a ré no pagamento à autora da quantia global de € 35.560,77, já transitada em julgado, após confirmação por Acórdãos da Relação de Coimbra e Supremo Tribunal de Justiça juntos aos autos, correspondente ao reembolso de montantes parcelares pagos pela ora autora aos herdeiros da infeliz vitima, em sede de acidente de trabalho, e por causa da regularização do sinistro estradal, e simultaneamente, acidente de trabalho, até 21/06/2006, no qual se considerou a ré obrigada a proceder ao seu pagamento em virtude de se decidir aí que o acidente de viação e simultaneamente acidente de trabalho, que vitimou a infeliz vítima CC foi causado pelos riscos de circulação do veículo «OB» (ou seja, responsabilidade pelo risco), cujo proprietário havia transferido a responsabilidade civil pela indemnização por danos causados pela circulação do veículo para a ora ré através da apólice nº 1607571; também se decidiu aí que a obrigação do responsável não abrangia as pensões futuras, ou sequer as reservas matemáticas; em cumprimento do ai decidido, a ré procedeu, em 15/11/2011, ao pagamento à autora da quantia de capital de €35.560, 77 acrescido da quantia de € 2.077,14 a título de juros moratórios legais; posteriormente, e reportado ao período compreendido entre 21/06/2006 e até 30/06/2012, a autora despendeu mais €25.009,10 com as pensões devidas à viúva e filhos da infeliz vitima, em sede de acidente de trabalho, e por causa da regularização do sinistro estradal, e simultaneamente, acidente de trabalho, assistindo-lhe, assim, o direito de ser reembolsada de tais quantias nos mesmos termos do decidido anteriormente nos autos atrás mencionados.

Regularmente citada, a ré Companhia de Seguros BB, S.A. deduziu contestação, na qual se defendendo-se por exceção e por  impugnação.

Por impugnação, defende-se por negação direta quanto aos montantes parcelares pagos pela autora aos herdeiros da infeliz vitima.

Por exceção, invocou a prescrição extintiva da obrigação de reembolso das quantias parcelares pagas, por um lado, e que o valor reclamado pela autora, no caso de não se verificar a prescrição extintiva, excede, tendo em conta os montantes já pagos à autora e outros lesados, em consequência do sinistro, em discussão, o limite legal do capital seguro obrigatório automóvel de €600.000,00, em vigor à data do acidente, por outro lado.

Replicou a autora AA - Companhia de Seguros, S.A.,  pugnando pela improcedência das alegadas exceções de prescrição e violação da limitação legal da obrigação indemnizatória da ré, alegando, sucintamente, que o prazo prescricional é de 20 anos em virtude de uma sentença condenatória ter reconhecido tal direito à autora, e mesmo se, assim, não se entendesse, então, só as prestações pagas a mais de 3 anos em relação à citação da ré estariam prescritas, e quanto ao limite legal do capital seguro obrigatório automóvel, deflui do contrato de seguro automóvel que o proprietário do veículo seguro e a ré asseguraram pelo montante máximo de €1.250.000,00 os danos emergentes dos riscos de circulação do dito veículo automóvel, e só, assim, se compreendendo, que a ré, à ordem de outro processo, transigiu pelo montante de € 500.000,00 com outro(s) lesado(s) numa altura em que já havia sido condenada a pagar outros valores que implicavam, então, que excedesse o tal limite legal, afigurando-se, assim, de ambíguo, o entendimento sustentado pela ré.

Alega ainda o pagamento que a ré fez à autora em 29-09-2009 do montante fixado na ação nº 576/2002 implica o reconhecimento da sua obrigação e, por isso, faz a prescrição não proceder.

Depois de cumprido o contraditório, ao abrigo do art. 3º nº3 do Cód. de Processo Civil, no que tange à questão da violação do caso julgado material decorrente do segmento do petitório formulado nos presentes autos em que a autora peticiona a condenação da ré no pagamento da reserva matemática constituída pelas pensões futuras no montante de € 54.190,48, por se antever que tal questão poderia ter ficado dirimida na decisão proferida no âmbito da ação ordinária Nº 576/2002 do 2º Juízo do Extinto Tribunal Judicial da Comarca de Albergaria-a-Velha, foi proferido despacho saneador, no qual se procedeu à apreciação oficiosa da exceção dilatória de caso julgado material quanto ao segmento do pedido condenatório formulado nos autos de pagamento da quantia de € 54.190,48 referente a reserva matemática constituída pelas pensões futuras e respetivos juros de mora, selecionando-se, ainda, no mesmo a matéria de facto assente e controvertida, a qual se fixou após reclamação apresentada pela ré que foi deferida.

Após se proceder à realização das diligências instrutórias, procedeu-se à realização de audiência final, com observância das formalidades legais, em sede da qual, a autora ampliou o pedido reportado às pensões pagas até Abril de 2013, para o valor global de € 30.820,44, ampliação essa que foi admitida, tendo as partes admitido, por acordo, o único facto controvertido reportado ao pagamento de tal montante global e a esse título e prescindido das alegações finais.

Proferida sentença, veio esta a decidir-se pela condenação da ré no pagamento à autora da quantia de € 30.820,44, acrescida de juros moratórios, à taxa em vigor de 4% a contar da citação até integral e efetivo pagamento.

Inconformada com tal decisão dela interpôs a ré recurso de apelação que a Relação de Coimbra julgou procedente, absolvendo a ré da condenação constante da sentença de 1ª instância, por procedência da exceção perentória de prescrição do direito em causa.

Desta vez foi a autora que interpôs recurso de revista que veio a ser parcialmente concedida, tendo decretado:

Pelo exposto e por fundamentos diversos, concede-se parcialmente a presente revista e se revoga o acórdão recorrido na parte em que considerou prescritas as prestações aqui peticionadas pagas pela recorrente aos familiares da vítima do acidente em causa, dentro do período de tempo de três anos contado imediatamente antes de 18-07-2012 e as que foram pagas depois desse período e abrangidas pela ampliação do pedido efetuada a fls. 598 dos autos, mantendo-se a decisão de prescrição decretada no acórdão recorrido no que toca às prestações pagas pela recorrente antes do período de tempo de três anos mencionado.

Como a autora não discriminou o tempo exato em que pagou cada uma das prestações, haverá, nos termos do disposto nos art. 609º, nº 2 e 358º, n 2 de ser efetuada a liquidação do montante do pedido que efetivamente não está abrangido pela prescrição, no caso de a Relação não dar acolhimento à outra causa de impugnação da apelante. 

Os autos voltarão para a Relação a fim de pelos mesmos juízes, se possível, seja conhecido da questão levantada pela apelante sobre a exceção perentória consistente na limitação da obrigação ressarcitória da apelante.

Regressados os autos ao Tribunal da Relação de Coimbra foi proferido acórdão que julgou a exceção apontada improcedente, ficando a recorrida condenada na indemnização a liquidar nos termos apontados pelo mencionado acórdão deste Supremo Tribunal.

Mais uma vez inconformada a ré BB veio interpor a presente revista excecional que a formação prevista no nº 3 do art. 672º do Cód. de Proc. Civil - a que pertencerão todas as disposições a citar sem indicação de origem – admitiu.

Nas alegações de recurso da recorrente, esta formulou extensas e repetitivas conclusões que, por isso, não serão aqui transcritas.  

Daquelas se deduz que a recorrente para conhecer neste recurso levanta apenas a seguinte questão:

A recorrente deve ser absolvida da condenação no pagamento da indemnização proferida nos autos, dado que já despendeu o montante resultante do limite fixado no nº 1 do art. 508º do Cód. Civil, tendo em conta que a responsabilidade do seu segurado no acidente dos autos decorreu apenas do risco ?

A recorrida contra-alegou defendendo a manutenção o decidido.

Corridos os vistos legais, urge apreciar e decidir.

Como é sabido – arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 – o âmbito dos recursos é delimitado pelo teor das conclusões dos recorrentes.

Já acima vimos a concreta questão levantada aqui pela recorrente.

Mas antes havia que especificar a matéria de facto apurada.

Porém, não tendo sido a decisão da mesma impugnada e nem se vislumbrando necessidade de a alterar oficiosamente, ao abrigo do disposto no art. 663º, nº 6, se dá por reproduzida a matéria de facto que o acórdão de fls. 676 e segs. especificou.

Vejamos agora a questão acima mencionada como objeto deste recurso.  

Trata-se aqui da questão de averiguar se a exceção perentória arguida pela ré ao direito da autora procede, exceção essa que consiste em o limite da responsabilidade da ré se haver esgotado já e, por isso, a mesma não poder ser mais responsabilizada por danos derivados do mesmo acidente.

Trata-se aqui de saber se se preenchem os pressupostos da referida exceção, cujo encargo de prova  recai sobre a ré recorrente, como resulta do disposto no art. 342º, nº 2 do Cód. Civil.

A discordância em relação à decisão unânime das instâncias consiste em saber se em caso de responsabilidade civil extracontratual apenas baseada no risco, o limite de responsabilidade do lesante ou, mais exatamente,  da sua seguradora, goza da limitação prevista no art. 508º, nº 1 do Cód. Civil, na redação que decorre da interpretação do acórdão uniformizador deste Supremo Tribunal de Justiça  nº 3/ 2004 proferido em 25-03-2004 e publicado no Diário da República , I série A de 13-05-2004.

A recorrente aceita a doutrina retirada do referido acórdão, mas interpreta-o no sentido de que tal limite estabelecido no nº 1 do art. 508º referido não foi propriamente revogado tacitamente pelo art. 6º do decreto-lei nº 522/85 de 31-12 na redação que lhe foi dado pelo decreto-lei nº 3/96 de 25-01, mas foi por este diploma substituído o limite constante do referido nº 1 do art. 508º pelo montante previsto no referido art. 6º que coincide com o montante geral do limite mínimo do seguro obrigatório.

Esta interpretação pretendida pela recorrente tem apoio no decreto-lei nº 59/2004 de 19 de Março que, muito depois da ocorrência danosa, veio dar nova redação ao referido nº 1 do art. 508º no sentido de que o referido limite máximo de responsabilidade em caso de responsabilidade pelo risco passa a corresponder ao montante do limite mínimo do seguro obrigatório.

Assim, havia aqui que analisar esta questão, pois se o referido nº 1 do art. 508º referido  estivesse revogado, não teria aplicação no presente caso e improcederia a exceção arguida pela recorrente.

Se se interpretasse o referido acórdão de uniformização no sentido de que o nº 1 do art. 508º mencionado com a publicação do referido decreto-lei nº 3/96 apenas passou a ter uma redação coincidente com o art. 6º do decreto-lei nº 522/85, ou seja, passou o limite do nº 1 do art. 508º a coincidir com o limite mínimo do seguro obrigatório, tal como acabou por, posteriormente, vir a ser consagrado pelo decreto-lei nº 59/2004 ao dar nova redação ao nº 1 do art. 508º e não ao repô-lo em vigor com uma nova redação.

Trata-se, assim, de um problema complexo de interpretação do direito a carecer de uma análise cuidada e demorada.

Mas tendo em conta que a proceder a interpretação defendida pela recorrente, por falta de factos bastantes alegados e provados pela mesma recorrente, sempre improcederia a referida exceção, não iremos proceder à referida análise complexa e cuidada da referida questão de interpretação de direito, por inútil.

Assim, a aceitar a pretensão da recorrente seriamos levados a considerar  que a recorrente estava apenas sujeita na sua responsabilidade ao pagamento de um montante de danos decorrentes do mesmo acidente provocado por mero risco, coincidente com o limite mínimo do seguro obrigatório que na época era de 120 000 000$00 que hoje corresponde a € 598 557,47.

E para proceder esta exceção perentória teria a recorrente ré, além do mais abaixo mencionado,  de alegar e provar que já havia despendido com o pagamento de danos decorrentes do mesmo acidente o referido montante limite de € 598 557,47.

Porém dos factos apurados apenas resulta que a recorrente pagou a esse título, o montante de € 35 560,77 de capital, à autora acrescido de € 2 077,14 de juros de mora.

A recorrente na sua contestação ao formular a exceção em causa, em lado algum, alegou claramente que pagou qualquer importância de danos referentes ao mesmo acidente de viação, limitando-se a alegar que fora condenada:

- No processo  nº 576/2002 a pagar à autora € 35 560,77 ;

- No processo nº 996/03 – apensado ao anterior  - a pagar a DD € 104 779,12;

- No mesmo processo,  a pagar à mesma DD e a EE a importância de € 450,00;

- No processo nº 1152/05 a pagar a FF a importância de € 500 000,00, por homologação judicial de uma transação a que chegou no mesmo processo.

Daqui tira a recorrente a conclusão de que os referidos montantes excedem o referido limite de € 598 557,47.

Ora não foi pela recorrente, repete-se, clara e expressamente alegado que pagou as referidas importâncias.

É certo que do art. 38 da contestação da recorrente consta que a “soma global das indemnizações concedidas pela ora ré, com fundamento no acidente de viação ocorrido a 10 de Novembro de 1999(…) tem como limite máximo o montante de € 598 557,47” .

Daqui poderia resultar numa interpretação mais benévola da alegação da recorrente o entendimento de que a mesma havia efetivamente procedido ao pagamento das importâncias referidas como objeto de condenação judicial.

Mas mesmo aceitando hipoteticamente tal interpretação – o que num facto essencial do fundamento da exceção alegada, seria de muito difícil aceitação -, ainda, assim, terá de improceder a questão levantada pela recorrente.

Com efeito, o disposto no art. 16º do Decreto-lei nº 522/85 de 31/12 prescreve no seu nº 1:

“Se existirem vários lesados com direito a indemnizações que, na sua globalidade, excedam o montante do capital seguro, os direitos dos lesados contra a s seguradora ou contra o Fundo de Garantia Automóvel reduzir-se-ão proporcionalmente até à ocorrência daquele montante”.

E o seu nº 2 preceitua:

“A seguradora ou o Fundo de Garantia Automóvel que, de boa fé e por desconhecimento da existência de outras pretensões, liquidar a um lesado uma indemnização superior à que lhe competiria nos termos do número anterior não fica obrigado para com os outros lesados senão até à concorrência da parte restante do capital seguro.”

Ora no caso em apreço trata-se da existência de uma pluralidade de lesados no mesmo acidente cujos danos excediam – na interpretação da recorrente – o limite da sua responsabilidade.

Por isso, haveria de se proceder a rateio pelos vários lesados, de modo a que nenhum fosse prejudicado em relação ao outro ou de modo a que o lesante ou sua seguradora não pudessem escolher o lesado que quisesse  favorecer com o pagamento integral do respetivo dano com a preterição dos demais lesados por esgotamento do limite com o  primeiro pagamento.

Tal como refere Hubert Groutel, no Traité du Contrat d´Assurance Terrestre, citado no recente acórdão desta secção proferido em 25-05-2015, no processo nº 1101/12.8TBMAI.P1.S1 e de que foi Relator o Conselheiro Júlio Gomes, quando, mormente nos seguros de responsabilidade civil, o capital seguro é inferior ao montante total dos danos sofridos por vários lesados “colocam-se delicados problemas de repartição e não é certo que possam encontrar sempre uma solução satisfatória”.

O referido nº 2 do art. 16º citado trata de regular tal situação.

Voltando ao caso em apreço, resulta dos factos apurados que no processo nº 1152/05.9.TBALB a recorrente acordou em transação judicial que foi homologada em 7-06-2011 – fls. 171 a 173 dos autos – em pagar de danos derivados do mesmo acidente a FF a importância de € 500 000,00, com o que quase esgotou o limite do capital que entende ser-lhe aplicável.

Porém, a recorrente não alegou ou provou a data da celebração da mesma transação, mas apenas comprovou a data da homologação.

E do processo nº 576/02 resulta que a aqui autora peticionou além das prestações de pensões de sobrevivência derivadas dos danos do mesmo acidente pagos pela aqui autora em resultado de um seguro laboral, ainda a pretensão de ser ressarcida das apontadas pensões de sobrevivência que se iriam vencer no futuro, tendo nesta última parte, aquela pretensão sido indeferida por se tratar de pagamentos a que a ali autora ainda iria proceder no futuro.

A aqui recorrente sabia da existência desta pretensão da autora, de ser ressarcida das pensões de sobrevivência que se iriam vencer no futuro, conhecimento esse que a recorrente soube com a citação para a referida ação ou da notificação do requerimento da autora ali interveniente e, pelo menos, com a prolação do acórdão da Relação de Coimbra de 4-11-2008 – fls 168 – que confirmou a referida improcedência com aquele único argumento de que se tratava de prestações futuras cuja direito de subrogação apenas existe após o pagamento respetivo.

Logo quando a recorrente acordou na transação em que quase esgotou o limite da sua responsabilidade - sempre segundo a sua interpretação da lei aplicável -, agiu de má fé, ou. pelo menos, agiu com conhecimento da existência de outras prestações de danos a satisfazer decorrentes do mesmo acidente, o que nos termos do nº 2 do art. 16º acima apontado impede a recorrente de prevalecer da exceção aqui em apreço, por não desconhecer existência de outros lesados.

Desta forma a recorrente ao aceitar em transação pagar tal importância paga mal e, por isso, não pode prevalecer da apontada exceção por falta da verificação dos respetivos pressupostos que a ela incumbia alegar e provar, como dissemos já.

Assim e em conclusão diremos que mesmo que o limite pelo qual a recorrente estava obrigada a responder civilmente se havia esgotado em outros pagamentos a lesados, não pode proceder a exceção aqui em causa por a recorrente não haver provado o circunstancialismo previsto no nº 2 do art. 16º referido, antes se apurando o contrário.

Logo desnecessário se torna averiguar se a responsabilidade da recorrente, por se tratar de responsabilidade pelo risco,  estava limitada ao limite mínimo do seguro obrigatório, como pretende a recorrente, ou se estendia ao limite de responsabilidade constante da apólice de seguro em causa, como concluíram as instâncias.  

Pelo exposto, se nega a revista e por fundamentos diversos se confirma o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

*

Nos termos do art. 663º, nº 7 , sumaria-se o acórdão da seguinte forma:
A seguradora demandada que pretende defender-se com a exceção ao direito do lesado demandante, consistente no esgotamento do capital segurado com o pagamento efetuado a outros lesados, tem de alegar e provar que efetuou os pagamentos em causa de boa fé ou no desconhecimento da existência de outros lesados, em obediência ao disposto no nº 2 do art. 16º do Decreto-Lei nº 522/85 de 31/12. 

2015-10-08.

João Camilo ( Relator )

Fonseca Ramos

Fernandes do Vale.